Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
705/20.0T8PTG.E1
Relator: SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Pretendendo impugnar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, o recorrente terá de indicar, com precisão, nas conclusões do recurso, os pontos de facto que pretende ver alterados pelo tribunal da relação.
2 – A empresa de mediação que angariou um interessado na compra de um imóvel que um cliente pretendia vender e mediou a negociação do preço até ao momento em que aqueles manifestaram não haver consenso acerca do respectivo valor tem direito a receber a remuneração acordada com o cliente se este e o interessado por si angariado tiverem prosseguido as negociações sem a sua intervenção e acabarem por celebrar o contrato de compra e venda visado no contrato de mediação imobiliária.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 705/20.0T8PTG.E1

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Na presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, proposta por (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., contra (...) e (…), foi proferida sentença condenando os réus a pagarem à autora a quantia de € 9.409,50, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação, à taxa legal aplicável a créditos em que sejam titulares empresas comerciais, constante das Portarias n.ºs 262/99, de 12.04 e 597/2005, de 19.07 e Aviso da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças n.º 10974/2020, de 29.06 (taxa de 7,00%) e quaisquer outras taxas legais que entretanto sobrevierem, até efectivo e integral pagamento.

Os réus interpuseram recurso de apelação da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Por sentença proferida pelo tribunal a quo em 22 de Janeiro de 2021 foram os réus/recorrentes condenados no pagamento à autora/ recorrida de € 9.409,50 acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de citação. Com o devido respeito, não podem os recorrentes conformar-se com esta decisão, considerando que, atenta a instrução da causa e a matéria de prova produzida na audiência final, grande parte dos “factos” dados como provados não o foram, e o que se provou não foi entendido como tal.

II. Desde logo, o tribunal a quo considerou, e bem, que resultou como não provado que os réus tivessem contactado (…) para os auxiliar a vender o imóvel, o que só por si, seria motivo justificativo para absolver os recorrentes do pedido. De todo o modo e ao contrário, não ficou provada, atenta a conjugação da instrução da causa e da valoração da matéria de prova gravada na audiência final, o que se fez nas presentes alegações, qualquer relação contratual entre a recorrida e os recorrentes, verbal ou escrita, porquanto, como se viu, a prova documental e testemunhal não foi produzida no sentido de indiciar a sua existência e caberia então, à recorrida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, produzi-la, o que não aconteceu. Do mesmo modo, não resultou, nem foi provado durante a instrução da causa ou em sede de audiência final, qualquer indício de aceitação tácita dos recorrentes de qualquer mediação imobiliária da recorrida que permitisse concluir pela existência de um contrato de mediação imobiliária! Por conseguinte, não existindo qualquer relação contratual entre as partes, não podem ser os recorrentes “contratualmente”, responsabilizados pelo que quer que seja!

III. Ora, salvo o devido respeito, andou mal o tribunal a quo ao aplicar a Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro aos presentes autos, com a justificação de que, alegadamente e embora não tivesse sido reduzido a escrito, a autora teria celebrado um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária com os réus, em regime de exclusividade, e, por isso, deveriam os recorrentes ser condenados ao pagamento da remuneração disposta pelo artigo 19.º do diploma citado. Com todo o respeito, a presente lei é inaplicável aos presentes autos. Em bom rigor, está-se perante uma inexistência contratual, já que os réus, atento ao disposto no n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil, nunca tiveram comportamentos que permitissem indiciar o conhecimento de algum contrato de mediação imobiliária com a recorrida, nem tampouco, existe qualquer indício que, com alguma ou toda a probabilidade, permita concluir que os recorrentes sabiam que (…) estaria, eventualmente, interessado na venda da casa dos recorrentes! Assim, nem se deveria ter chegado ao ponto, como o tribunal a quo fez, de se aferir da pretensa nulidade de um “negócio”, porque afinal, o mesmo é inexistente!

IV. De todo o modo, admitir a presente decisão iria abrir um precedente pelo qual, qualquer cidadão ou empresa poderia, com dados que são facilmente acessíveis, como é um nome e/ou um número de cartão de cidadão, preencher uma minuta, levá-la junto de um órgão jurisdicional, e com base em “factos”, que nunca poderiam ser provados, obrigar terceiros ao pagamento de serviços que nunca contrataram!

V. Por tudo isto, deveria o tribunal a quo ter concluído como concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, no recurso de revista proferido no âmbito do proc. 7185/09.9TBCSC.L1.S1, de 7 de Maio de 2014, cujo objecto é, grosso modo, idêntico ao dos presentes autos “(…) Apurado que não se verificam os pressupostos para, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 217.º do CC, se concluir pela existência legal de uma declaração tácita de aceitação de uma proposta contratual de mediação imobiliária, a acção, estribada no cumprimento de tal contrato tem de improceder, tornando inútil a abordagem das demais questões suscitadas pelos litigantes”.

VI. Assim, só restará, de forma a evitar que, com o devido respeito, uma decisão injusta produza efeitos definitivos na esfera jurídica dos recorrentes, seja, por V. Exas., venerandos desembargadores, revogada e substituída por outra, que, necessariamente, absolva os réus do pedido, fazendo-se assim e uma vez mais, a tão esperada, como necessária justiça.

A recorrida apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

1 – Os réus, ao longo das suas alegações, apenas indicaram os pontos dos factos provados que consideram incorrectamente julgados e os meios probatórios que impunham decisão diversa, sem, no fim, especificarem a decisão, que no seu entender, deveria ter sido proferida sobre cada um desses pontos.

2 – Assim, deve o recurso ser liminarmente rejeitado quanto a estes pontos, ao abrigo da alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.

3 – Nas conclusões das suas alegações, os réus não indicaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, bem como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida, pelo que, deve o tribunal ad quem rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto contida na sentença, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 640.º do CPC, conforme tem sido decidido pelos tribunais superiores.

4 – Da prova produzida, resulta provado – e os réus não alegam nem comprovam o contrário – que “Depois de (…) e (…) terem visto na internet o anúncio de venda da casa, (…), cunhado de (…), e antigo colaborador da Autora, contactou (…), GNR e consultor imobiliário da Autora, solicitando o agendamento de uma visita a casa dos RR., informando que (…) e o seu companheiro estavam interessados na sua aquisição”, pelo que, a existir alteração da matéria de facto, o ponto 6 dos factos provados apenas deve ser alterado, passando a ter a esta formulação.

5 – Resulta do facto de os réus concordarem em apresentar o imóvel, dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), bem como do doc. n.º 9 junto com a petição inicial, que os réus concordaram na angariação pela autora.

6 – Os réus acordaram com o consultor imobiliário da autora, em pagar à autora uma comissão de 3%, que, como é de conhecimento geral, deve ser calculado com base no preço do negócio angariado, in casu, no preço da compra e venda, e acrescido do IVA à taxa legal.

7 – A testemunha (…) depôs com conhecimento de causa, de forma clara, sincera e coincidente com os depoimentos prestados pelas testemunhas (…), (…) e (…), que, por sua vez, não são colaboradoras da autora e, nessa medida, o seu depoimento deve ser considerado.

8 – Uma vez que o consultor imobiliário da autora, (…), não é amigo dos réus, tal como é afirmado na sentença recorrida, não resulta minimamente curial que o Sr. (…) não tivesse acordado com os réus o pagamento da comissão devida.

9 – Pelo que, deve manter-se inalterado o ponto 8 dos factos provados.

10 – Resulta dos documentos n.º 2, 4 e 9 juntos com a petição inicial que “Os Réus entregaram à Autora toda a documentação necessária para a venda do imóvel em causa” e, em consequência, deve manter-se inalterado o ponto 9 dos factos provados.

11 – Os réus não constam como casados na minuta do contrato de mediação imobiliária – uma vez que o espaço reservado ao estado civil não se encontra preenchido –, e apenas foi indicado o regime de bens do casamento dissolvido, porque o imóvel em causa era bem comum do casal.

12 – O facto de os réus terem indicado à autora o preço de € 268.000,00, não contraria o facto de os réus terem contraproposto, em 27/09/2017, o valor de € 265.000,00.

13 – Resulta da prova produzida e considerando a linha temporal dos factos, que (…), consultor imobiliário da autora, acordou a mediação imobiliária com os réus antes do dia 19/09/2017.

14 – Por todo o exposto, deve manter-se inalterado o ponto 10 dos factos provados.

15 – Os réus acordaram que o contrato de mediação imobiliária seria assinado se os interessados no imóvel gostassem da moradia, mas, apesar de os interessados terem gostado da moradia, os réus não assinaram o contrato de mediação imobiliária.

16 – De modo que, a existir alteração da matéria de facto, o ponto 11 dos factos provados apenas deve ser alterado, passando a ter a seguinte formulação: “Após a assinatura do acordo pela autora, o contrato ficou nas instalações da autora para ser assinado pelos réus (após a visita dos compradores, caso gostassem do imóvel), o que nunca chegou a ocorrer.”

17 – Resulta do doc. n.º 9 junto com a petição inicial e dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), que (…) apresentou a proposta dos interessados aos réus, que estes rejeitaram e propuseram o valor de € 265.000,00. Pelo que os pontos 16 e 17 devem manter-se como factos provados.

18 – Resulta provado que “o consultor imobiliário da Autora comunicou telefonicamente a contra-proposta aos interessados” e, como tal, deve manter-se na matéria de facto provada (ponto 18 dos factos provados).

19 – Conforme referiram as testemunhas (…) e (…), os interessados contactaram directamente os réus, porque estes não queriam vender através da autora, para não terem de pagar a comissão que lhe era devida.

20 – De modo que o ponto 22 dos factos provados – a ser admissível a impugnação da matéria de facto – apenas deve ser alterado, passando a dispor: “Porém, não obstante o email enviado à autora, em Outubro de 2017, pelos interessados, estes contactaram directamente os réus, sem intervenção da autora – uma vez que os réus referiram que não era do interesse deles continuar com os serviços da autora – e acordaram em adquirir/vender o prédio pelo valor de € 255.000,00”.

21 – O facto de não resultar provado que os réus contactaram o consultor imobiliário da autora, não impede que resulte provado que os réus acordaram com o (…) que a autora podia promover a venda da moradia. De modo que, o ponto 26 dos factos provados é sobejamente distinto da alínea a) dos factos não provados.

22 – Os interessados no imóvel – (…) e (…) – contactaram o (…) como consultor imobiliário da autora – conforme resulta dos documentos n.º 5 a 8 e 10 juntos com a petição inicial e do depoimento das testemunhas (…) e (…).

23 – Resultou também provado que o (…) se dirigiu aos réus, como consultor imobiliário da autora, e que os réus acordaram com o consultor imobiliário da autora que a autora podia angariar interessados para o imóvel – conforme resulta do doc. n.º 9 junto com a petição inicial e do depoimento das testemunhas (…), (…).

24 – Os réus sabiam que ao acordarem com o Sr. (…), estavam a contratar com a autora e que foi na sequência do acordado com o (…) que os réus conheceram os interessados … e … (cfr. resulta do facto provado n.º 21 que não foi impugnado pelos réus), pelo que, deve manter-se o ponto 26 dos factos provados.

25 – A testemunha (…) demonstrou apenas ter conhecimento dos factos até Agosto de 2017. Mas ainda que assim não se entenda, a testemunha apenas referiu que os réus não queriam contratar com nenhuma imobiliária. E a verdade, é que os réus contrataram com a autora.

26 – Atentos aos factos provados – ainda que sofram as alterações supra indicadas – facilmente se conclui que, tal como concluiu o tribunal a quo, “resultou provado que a A. celebrou um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária com os RR., e em regime de exclusividade, tendo por objecto a venda de um imóvel de propriedade dos RR.”, pelo que não se pode admitir a aplicação do regime da inexistência jurídica.

27 – Nos termos do n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil, uma declaração pode ser expressa quando “feita por palavras […] ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade”.

28 – No caso em apreço, os réus declararam, através de palavras, ao Sr. (…), consultor imobiliário da autora, a sua manifestação de vontade, pelo que houve uma declaração dos réus e a mesma foi expressa.

29 – Ainda que se considere que os réus não aceitaram expressamente a angariação de interessados para a compra do imóvel, pela autora – o que não se aceita e meramente se equaciona – a sua conduta demonstra, sem “nenhum fundamento razoável para duvidar” que aceitaram essa mesma angariação.

30 – Apesar de o contrato celebrado entre as partes não ter sido reduzido a escrito, o mesmo é plenamente válido, uma vez que os réus não invocaram a nulidade em causa – conforme decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/03/2004 (processo 04A647).

31 – A autora desenvolveu uma concreta actividade de promoção do negócio em causa, a ponto de os réus apenas conhecerem os interessados (…) e (…) através de contacto directo realizado pelo (…), consultor imobiliário da autora, de ter sido realizada uma visita ao imóvel, com o consultor imobiliário da autora, e até terem sido apresentadas propostas, com o intermédio da autora.

32 – “Existindo um resultado – a concretização do negócio objecto da incumbência (mediação) à autora, enquanto mediadora oficial, conclui-se que esta tem jus à retribuição acordada pela venda do imóvel, já que resultou da sua actuação, em termos de nexo de causalidade, a celebração do negócio de compra e venda do imóvel”, nos termos do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, conforme descrito na sentença recorrida.

33 – Ainda que assim não se entenda, uma vez que os réus agiram como se o contrato existisse e fosse válido, a invocação do contrário, após concretização do negócio com os compradores angariados pela autora, configura abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

34 – Ainda que se considere que o contrato de mediação imobiliária é nulo, sempre seria de atribuir aos réus a obrigação de ressarcir a autora pelos serviços que prestou, por força do artigo 289.º do Código Civil.

35 – Ainda que assim não se considere, sempre será de se considerar que os réus enriqueceram à custa da autora, e, nessa medida, terão de restituir aquilo com que injustamente se locupletaram, nos termos do artigo 473.º do Código Civil.

36 – Pelo que, não merece censura a sentença apelada.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


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As questões a resolver são as seguintes:

- Admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

- Se os recorrentes são devedores da remuneração em que foram condenados.


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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à mediação imobiliária.

2. O Réu (…) é soldado da GNR no Centro de Formação de Praças em Portalegre e a Ré (…) é educadora de infância, também em Portalegre.

3. Os Réus eram donos de um prédio urbano constituído por uma casa para habitação, com a área bruta de construção de 399,10 m2, sito na Rua das (…), n.º 2, 7300-552 Portalegre, inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias da Sé e São Lourenço, concelho de Portalegre, sob o artigo (…), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o n.º (…), da freguesia da Sé.

4. Os Réus decidiram vender a sua casa e publicitaram tal decisão na internet.

5. Entretanto (…) e (…) andavam à procura de comprar casa naquela zona com as mesmas características.

6. Tendo visto na internet o anúncio de venda da casa, (…), cunhado de (…), e antigo colaborador da Autora, contactou (…), GNR e consultor imobiliário da Autora, solicitando o agendamento de uma visita a casa dos RR., informando que (…), e o seu companheiro, estavam interessados na sua aquisição.

7. Em sequência, (…) contactou os Réus informando que tinha dois compradores interessados na compra da casa e que os mesmos desejavam visitar o prédio.

8. Em contrapartida da angariação, pela Autora, de interessados na compra da moradia, com exclusividade, os Réus comprometeram-se, perante (…), a pagar à Autora uma comissão de 3% calculada sobre o preço do negócio, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.

9. Os Réus entregaram à Autora toda a documentação necessária para a venda do imóvel em causa.

10. Perante o acordado e a entrega da documentação necessária, a Autora preparou o acordo de mediação imobiliária e o mesmo foi assinado pela sua representante.

11. Após a assinatura do acordo pela Autora, (…) ficou com o mesmo para ser assinado pelos Réus, o que nunca chegou a ocorrer, dado que o Réu referiu que só assinaria o acordo após a visita dos compradores a sua casa.

12. (…) agendou a visita para o dia 20 de Setembro de 2017, pelas 18:15 horas.

13. Após a visita, (…) e (…) solicitaram, ao consultor imobiliário da Autora, os dados do vendedor e perguntaram como teriam de proceder para apresentarem uma proposta para aquisição do referido imóvel.

14. Na sequência do solicitado, em 25/09/2017, o consultor imobiliário da Autora enviou aos interessados um email com os requisitos necessários para apresentação da proposta.

15. Em 26 de Setembro de 2017, (…) enviou ao (…), consultor imobiliário da Autora e, para conhecimento, a (…), um email nos seguintes termos: “Exmo. Sr. (…), Bom dia. Vimos por este meio manifestar junto de V. Exa. o nosso interesse na aquisição do imóvel sito na Rua das (…), (…), n.º 2, propriedade do Sr. (…) e da Sra. (…). A nossa oferta corresponde ao valor de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), sinalizada em € 5.000,00 (cinco mil euros) aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda. É nossa pretensão que a aquisição se efetive com a maior brevidade possível, ultrapassados quaisquer procedimentos normais, nomeadamente no que concerne à contratação do crédito habitação. Sem mais assunto de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos.”

16. O consultor imobiliário da Autora, (…), apresentou telefonicamente a proposta, realizada pelo (…) e (…), aos Réus.

17. Os Réus rejeitaram a proposta apresentada, propondo, no entanto, o valor de € 265.000,00.

18. O consultor imobiliário da Autora comunicou telefonicamente a contra-proposta aos interessados, que, nessa sequência, apresentaram, uma nova proposta de € 255.000,00.

19. O (…), consultor imobiliário da Autora, comunicou telefonicamente a nova proposta aos Réus, que, por sua vez, não a aceitaram.

20. Em 01/10/2017, os interessados na compra, comunicaram ao consultor imobiliário da Autora que, uma vez que o valor solicitado para a aquisição da moradia era consideravelmente superior ao proposto, iriam desistir do negócio.

21. Os Réus, antes da intervenção do consultor imobiliário da Autora, não conheciam os interessados (…) e (…), que apenas lhe foram apresentados, na visita realizada pelos interessados à moradia em causa, tendo essa sido a única visita que receberam ao imóvel.

22. Porém, não obstante o email enviado à Autora, em Outubro de 2017, pelos interessados, os Réus contactaram directamente os compradores, sem intervenção da Autora, e aceitaram o valor da compra e venda proposto por aqueles, tendo o cuidado de referir que não era do seu interesse continuar com os serviços da Autora.

23. Após o acordo entre os Réus e os interessados, e até Maio de 2018, (…) e (…) negociaram o empréstimo bancário necessário para a compra do imóvel e trataram de toda a documentação necessária.

24. Em 10/05/2018, os Réus venderam a (…) e (…) o imóvel mencionado em 3., pelo preço de € 255.000,00.

25. Na escritura outorgada, é mencionado que “as partes declaram que não houve intervenção de mediador imobiliário no negócio”.

26. A Autora promoveu a venda do imóvel e, nessa sequência, angariou os interessados (…) e (…) e os apresentou aos Réus.

27. No âmbito das negociações, os interessados na compra até propuseram comprar pelo valor de € 255.000,00, valor pelo qual foi efectivamente vendido o imóvel, meses depois.

Na sentença recorrida foram julgados não provados os seguintes factos:

A) Com vista à sua venda, no ano de 2017, os Réus contactaram o Sr. (…), amigo e colega de trabalho do Réu (…) e consultor imobiliário da Autora, para que a Autora angariasse comprador para o dito imóvel, em regime de exclusividade.

B) No mesmo dia, (…) por contacto telefónico informou os Réus que o acordo estava pronto e que deveriam passar na agência da Autora de Portalegre, para o assinar.

C) Porém, tal não aconteceu, uma vez que os Réus não foram à agência da Autora.

D) Dada a relação de confiança e amizade entre o consultor imobiliário da Autora, (…) e o Réu (…), a Autora iniciou a publicitação do imóvel e a angariação de possíveis clientes, sem que os Réus tivessem passado na agência, ou seja, sem que tivesse sido assinado o contrato de mediação imobiliária.


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Admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Os recorrentes pretendem impugnar a decisão sobre a matéria de facto.

A recorrida suscitou, a este propósito, duas questões:

- No corpo das alegações, os recorrentes apenas indicam os pontos dos factos provados que consideram incorrectamente julgados e os meios probatórios que impõem decisão diversa, sem, no fim, especificarem a decisão, que no seu entendimento, deve ser proferida sobre cada um desses pontos, assim incumprindo o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC;

- Nas conclusões, os recorrentes não indicam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida.

A recorrida sustenta que, por qualquer destas razões, está vedado, ao tribunal ad quem, sindicar a decisão sobre a matéria de facto tomada pelo tribunal a quo.

Analisemos as questões suscitadas pela recorrida.

1.ª questão:

No corpo das alegações, os recorrentes começam por anunciar a intenção de impugnarem a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos n.ºs 6, 8, 9, 10, 11, 16, 18, 19, 21, 22, 23, 26 e 27. Todavia, ao motivarem essa impugnação, fazem-no relativamente aos pontos 6, 8, 9, 10, 11, 16, 17, 18, 19, 22, 26 e 27. Ou seja, excluem da impugnação os n.ºs 21 e 23 e incluem nela o n.º 17. É esta última lista de factos que teremos doravante em consideração.

A recorrida tem razão apenas parcialmente.

Relativamente ao conteúdo dos n.ºs 8, 9, 10, 11 e 26, resulta do corpo das alegações que os recorrentes pretendem que o mesmo seja julgado, pura e simplesmente, não provado. Por isso, relativamente a tais números, os recorrentes cumprem, no corpo das alegações, todos os ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC. Consequentemente, se não procedesse a outra questão suscitada pela recorrida, que analisaremos em seguida, este tribunal teria de conhecer o recurso nesta parte.

Já relativamente ao conteúdo dos n.ºs 6, 16, 17, 18, 19, 22 e 27, resulta do corpo das alegações que os recorrentes apenas pretendem a introdução de alterações, que, porém, não especificam nos termos impostos no artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC. Ou seja, os recorrentes não indicam, como é seu ónus, a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida relativamente a cada um dos referidos números. A falta dessa indicação determina, por si só, a impossibilidade de o tribunal ad quem sindicar a decisão do tribunal a quo sobre o conteúdo dos mesmos números, como resulta da citada norma legal.

2.ª questão:

Tal como a recorrida afirma, os recorrentes não indicam, nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, bem como a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida.

Nas conclusões, os recorrentes limitam-se a tecer considerações genéricas acerca da sua discordância relativamente à decisão tomada pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, como a de que, «considerando que, atenta a instrução da causa e a matéria de prova produzida na audiência final, grande parte dos “factos” dados como provados não o foram, e o que se provou não foi entendido como tal», a de que «não ficou provada, atenta a conjugação da instrução da causa e da valoração da matéria de prova gravada na audiência final, o que se fez nas presentes alegações, qualquer relação contratual entre a recorrida e os recorrentes, verbal ou escrita, porquanto, como se viu, a prova documental e testemunhal não foi produzida no sentido de indiciar a sua existência e caberia então, à recorrida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, produzi-la, o que não aconteceu», ou a de que «não resultou, nem foi provado durante a instrução da causa ou em sede de audiência final, qualquer indício de aceitação tácita dos recorrentes de qualquer mediação imobiliária da recorrida que permitisse concluir pela existência de um contrato de mediação imobiliária!».

O artigo 639.º, n.º 1, do CPC estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Resulta desta norma que as conclusões têm uma função delimitadora do objecto do recurso, exercendo o tribunal ad quem o seu poder de cognição dentro desses limites, sem prejuízo, naturalmente, das questões de que deva conhecer oficiosamente.

Se o recorrente pretender incluir, no objecto do recurso, a reapreciação, pelo tribunal ad quem, de determinado(s) segmento(s) da decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto, terá, não só de apresentar a fundamentação de tal pretensão no corpo das alegações, com observância dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do CPC, mas também de, nas conclusões, indicar sinteticamente os fundamentos por que pede a alteração da decisão sobre a matéria de facto, à semelhança daquilo que tem de fazer relativamente aos fundamentos pelos quais pretenda um enquadramento jurídico diverso daquele que foi dado aos factos pelo tribunal a quo.

Como se faz, então, tal indicação sintética, nas conclusões do recurso, dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão sobre a matéria de facto? Não se faz, seguramente, repetindo, nas conclusões, a fundamentação desenvolvida no corpo das alegações, como resulta do artigo 639.º, n.º 1, do CPC. As conclusões do recurso devem sintetizar aquela fundamentação. Mas também não se faz afirmando, genericamente, que não se concorda com a decisão sobre a matéria de facto, que esta decisão é errada relativamente a “alguns factos” ou a “grande parte dos factos”, que a mesma decisão contraria a prova oferecida e produzida no tribunal a quo, ou algo semelhante. Conclusões dessa natureza nada concluem na realidade e são inidóneas para cumprir a função, verdadeiramente essencial, de delimitação do objecto do recurso.

Confrontado com esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido, de forma constante, que, nas conclusões do recurso, o recorrente terá de indicar com precisão os pontos de facto que pretende ver alterados pela relação – cfr., entre outros, os acórdãos de 01.10.2015 (Ana Luísa Geraldes), 07.07.2016 (Gonçalves da Rocha), 27.10.2016 (Ribeiro Cardoso) e 19.06.2019 (Hélder Almeida).[1]

Em sentido idêntico, sustenta António Abrantes Geraldes [2] que «A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: (…) b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a))».

Parece-nos evidente o acerto desta solução. O objecto do recurso, no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, apenas ficará delimitado se o recorrente cuidar de, nas conclusões, indicar com precisão os pontos de facto que pretende ver alterados pelo tribunal da relação. Só nessas condições o recorrido poderá exercer devidamente o contraditório e o tribunal da relação terá o seu poder de cognição devidamente balizado. Afirmações genéricas de inconformismo como aquelas que constam das conclusões formuladas pelos recorrentes nos presentes autos não cumprem tal função.

Conclui-se, assim, que esta relação não poderá tomar conhecimento do recurso na parte em que o mesmo incide sobre a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, decisão essa que, consequentemente, se mantém.

Se os recorrentes são devedores da remuneração em que foram condenados:

Os recorrentes negam a existência de um contrato de mediação imobiliária entre eles e a recorrida e, consequentemente, de uma obrigação, a seu cargo, de pagamento de uma remuneração a esta última pelo facto de terem vendido o imóvel nos termos julgados provados.

A matéria de facto julgada provada demonstra o contrário daquilo que os recorrentes sustentam.

É certo que os recorrentes iniciaram o seu esforço no sentido de encontrarem comprador para a sua casa sem a intervenção da recorrida. Para tanto, publicitaram na internet que a casa se encontrava à venda (n.º 4).

Entretanto, pela forma descrita nos n.ºs 5 a 7, a recorrida, através do seu colaborador (…), iniciou a sua intervenção no processo de compra e venda do imóvel, dando a conhecer, aos recorrentes, um casal, constituído por (…) e (…), interessado na aquisição (n.ºs 21 e 26). A reacção dos recorrentes não foi de rejeição da intervenção de (…) e, por intermédio dele, da recorrida. Muito pelo contrário, após terem sido contactados nos termos descritos no n.º 7, os recorrentes comprometeram-se, perante (…), a pagar à recorrida, como contrapartida da angariação de interessados na compra imóvel, com exclusividade, uma comissão de 3% calculada sobre o preço do negócio, acrescida de IVA à taxa legal de 23% (n.º 8). No âmbito dessa relação contratual e tendo em vista a celebração do futuro contrato de compra e venda, os recorrentes entregaram à recorrida toda a documentação para o efeito necessária (n.º 9). Os recorrentes negam que tenham aceitado, ainda que tacitamente, a intervenção da recorrida como mediadora da venda do imóvel. Porém, a matéria de facto acabada de referir demonstra, mais que uma aceitação tácita, uma aceitação expressa, ainda que meramente verbal (n.ºs 10 e 11), daquela intervenção.

A visita do casal interessado na compra do imóvel a este último foi agendada por … (n.º 12), o qual intermediou a negociação do preço nos termos descritos nos n.ºs 13 a 19.

A intervenção da recorrida, que sempre teve lugar por intermédio de (…), cessou nas circunstâncias descritas em 20.

Posteriormente, os recorrentes contactaram directamente, ou seja, sem a mediação da recorrida, o casal constituído por (…) e (…), e aceitaram o valor da compra e venda anteriormente proposto por aqueles, tendo referido que não era do seu interesse continuar com os serviços da recorrida (n.º 22). Após esse acordo, (…) e (…) negociaram o empréstimo bancário necessário para a compra do imóvel e trataram de toda a documentação necessária (nº 23). Por fim os recorrentes venderam o imóvel a (…) e (…) pelo preço de € 255.000,00 (n.º 24), tendo sido declarado na escritura não ter havido intervenção de mediador imobiliário no negócio (n.º 25).

Os recorrentes sustentam que, mais que nulo, o contrato de mediação é juridicamente inexistente. Neste ponto da sua argumentação, os recorrentes confundem a falta de prova da existência de um contrato, que equivale à inexistência material, com o valor negativo da inexistência jurídica. Aquilo que os recorrentes sustentaram ao longo do processo foi a ausência factual de celebração de um contrato de mediação, não que tenha sido acordado algo entre eles e a recorrida que, ainda que com alguma aparência de contrato de mediação, fosse a tal ponto desconforme com a lei que carecesse de ser erradicado da ordem jurídica através da sua qualificação como juridicamente inexistente e a consequente falta de reconhecimento de qualquer eficácia jurídica. Trata-se de questões diferentes e apenas a primeira foi suscitada pelos recorrentes na acção. Ora, em relação a essa questão, a prova não foi favorável à tese dos recorrentes, pois ficou demonstrada a celebração de um contrato de mediação imobiliária entre eles e a recorrida, sob a forma verbal. Nunca esteve em causa, nem há fundamento para agora concluir, que esse contrato padeça do valor negativo da inexistência jurídica [3] [4] [5].

Como acertadamente se concluiu na sentença recorrida, o contrato de mediação imobiliária celebrado entre recorrentes e recorrida existe, material e juridicamente, mas é nulo, nos termos do artigo 16.º, n.ºs 1, 2 e 5, da Lei n.º 15/2012, de 08.02. Contudo, os recorrentes, que eram a parte que podia invocar essa nulidade, não o fizeram. Consequentemente, tudo se passa como se o contrato fosse válido, estando as partes adstritas ao cumprimento das obrigações dele decorrentes.

Foi em consequência da intervenção da recorrida que as pessoas que acabaram por comprar o imóvel que os recorrentes pretendiam vender chegaram ao conhecimento destes últimos. Anteriormente à intervenção da recorrida, os recorrentes e os compradores do imóvel nem sequer se conheciam. A recorrida mediou a negociação do preço durante algum tempo. A partir de certo momento, os recorrentes e os compradores passaram a negociar directamente entre si, por imposição dos primeiros, e o contrato de compra e venda do imóvel acabou por ser celebrado.

Esta actuação dos recorrentes no sentido de afastar a recorrida antes da celebração do contrato de compra e venda não os exonera da obrigação de pagamento da retribuição acordada com a segunda. Tendo a actividade desenvolvida pela recorrida sido causal da celebração do negócio, o que, em face dos factos que se provaram, constitui uma evidência, é aquela retribuição devida, nos termos do artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013.

Concluindo, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser inteiramente confirmada.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 14 de Julho de 2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata __________________________________________________



[1] Os segundo e terceiro arestos referenciados exigem ainda, respectivamente, a indicação, nas conclusões, da «decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto» e «o sentido e termos» da alteração que se pretende. Todavia, inexiste consenso sobre esta questão na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

[2] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, p. 158.

[3] Leia-se, sobre a distinção entre inexistência material e inexistência jurídica, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. II, 4.ª edição, p. 927.

[4] Tem também o maior interesse, para a compreensão da distinção que fizemos no texto, a leitura de Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª edição, p. 642-646. Este autor distingue entre inexistência ôntica, inexistência qualificativa e inexistência por mera imposição da lei.

[5] Mesmo Carlos Ferreira de Almeida, citado pelos recorrentes nas suas alegações, distingue claramente entre inexistência material e a inexistência jurídica, reservando a primeira categoria para a hipótese em que o facto em causa não ocorreu, pura e simplesmente, e englobando na segunda diversas hipóteses em que o facto ocorreu, mas padece de vícios com uma gravidade tal que a lei tende a não lhe reconhecer efeitos jurídicos, ainda que, por vezes, o faça em alguma medida. Leia-se Contratos V, Almedina, 2017, p. 16 a 21.