Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
522/13.3TBBRR-C.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: Existindo nos autos um relatório pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária onde se conclui como sendo muito provável que as assinaturas sejam da autoria da executada e sendo do conhecimento do Tribunal que outro relatório da mesma entidade (embora sobre outros documentos mas de teor igual) conclui como muitíssimo provável que as assinaturas aí em apreciação não sejam da autoria da executada, não pode ser recusada uma segunda perícia com fundamento na sua inutilidade.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

A Autora/apelante AA interpor recurso do douto despacho que foi proferido a 26 de Outubro de 2015 (ora a fls. 67 dos autos), e que lhe indeferiu o pedido de realização da 2ª perícia sobre a assinatura aposta nos documentos dados à execução, nos presentes autos de embargos de executado, que instaurou no Tribunal Judicial contra a Ré/apelada “BB”, – execução que corre por um valor de € 6.138,54 (seis mil, cento e trinta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos) e juros (com o fundamento que é aduzido no douto despacho recorrido de que “a embargante poderá fazer prova de que a perícia se fundou em 2 documentos alegadamente forjados por outrem; todavia a perícia fundou a sua conclusão na análise de 4 documentos; não parece tratar-se, pois, de uma situação que se resolva com a realização de uma segunda perícia, por eventual inexactidão dos resultados da primeira”, assim se considerando inútil o seu deferimento) –, intentando a sua revogação e alegando, para tanto e em síntese, que indeferida a “realização de segunda perícia à assinatura da requerente no contrato que constitui a causa de pedir por a mesma ser inútil para o objectivo pretendido da parte da recorrente”, “esta não compreende a fundamentação do referido douto despacho”, porquanto “se uma segunda perícia trouxer aos autos um resultado diverso da efectuada, a força probatória do documento ficará diminuída, ou mesmo infirmada, se o resultado apontar para a não probabilidade de a assinatura nele aposta ser do punho da recorrente” – pelo que assim se justifica, plenamente, a sua realização, tanto mais que a Apelante “não dispõe de qualquer outra prova que não as suas declarações de parte e a existência de uma declaração de IRS forjada” (as quais bem “poderão ser insuficientes para contrariar a força probatória do documento, validado pela primeira perícia”). Pelo que se deverá dar provimento ao recurso, revogar-se o douto despacho impugnado e deferir-se a realização da 2ª perícia.
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações de recurso.
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E a factualidade pertinente, suficiente e enquadrante de toda a situação, e necessária à apreciação do recurso, é a que se deixou exposta no relatório supra.
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Pelo que haverá, agora, que apreciar/decidir se foi bem ou mal indeferido, pelo Tribunal a quo, o pedido da Autora/Oponente/Executada/Apelante para a realização da 2ª perícia sobre a genuinidade da assinatura que vem dito que foi por si aposta no contrato que fundamenta a execução a que se opõe – maxime, por inutilidade do respectivo deferimento, como foi decidido. É isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões alinhadas no recurso interposto.
Vejamos, pois.

A executada veio opor-se à execução que lhe foi instaurada, alegando que as assinaturas que lhe são atribuídas são falsas, pois que, conforme aduz na sua douta petição inicial, “não subscreveu ou assinou qualquer dos contratos que se encontram juntos aos autos e que constituem o título executivo na presente acção, impugnando as respectivas letra e assinaturas” (vide fls. 8 dos autos).
Em consequência, solicitou que “seja efectuado exame pericial à letra e à assinatura da ora requerente que constam dos documentos n.os 1 e 2, juntos com o requerimento executivo”, com vista a saber “se a letra e a assinatura atribuída à ora oponente foram ou não feitas pelo seu punho” (vide fls. 11 dos autos).
O Tribunal deferiu tal perícia (douto despacho de fls. 47 e 48 dos autos), a qual foi realizada no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e cujo relatório consta de fls. 57 a 62 dos autos, concluindo-se como sendo muito provável que as assinaturas sejam da autoria da Requerente.
Tal relatório data de 18 de Maio de 2015.
Todavia, em relatório similar, realizado nessa mesma instituição e datado de 23 de Janeiro de 2013 (no âmbito do processo nº 1730/09.7TBEVR, a fls. 24 a 29 dos autos), concluiu-se como muitíssimo provável que as assinaturas aí em apreciação não sejam da autoria da Requerente.
Naturalmente, o material para exame não era o mesmo nas duas perícias, mas constituído sempre por propostas de contratos de concessão de crédito.

A Oponente veio, então, requerer a realização da 2ª perícia (fls. 64 a 65).
A 1ª instância indeferiu-a com o fundamento de que seria “inútil para o objectivo pretendido pela parte requerente” (vide o douto despacho de fls. 67).

A realização da 2ª perícia vem estabelecida no artigo 487º do Código de Processo Civil, impondo ao requerente que alegue “fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (nº 1); sendo certo que “a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta” (nº 3); e segundo o seu artigo 489º, se verifica que “a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal”.

No caso sub judicio a Autora justificou aquele pedido com a necessidade de clarificar tal situação – partindo sempre da proposição assumida de que “tem perfeita consciência de que não assinou os documentos dados à execução”, sem deixar de aduzir, embora algo confusamente, as razões para feitura da 2ª perícia.

Mas até por ter havido já aquela perícia de natureza similar a que supra se aludiu, num sentido totalmente contrário à realizada nos presentes autos, nunca se poderá afirmar, como o faz o douto despacho recorrido, que o deferimento da 2ª perícia viria a constituir um acto inútil. Parece, ao contrário, que sempre terá utilidade em realizar-se.

Pelo que, até por isso, haverá que censurar o douto despacho impugnado.

Razão para que, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se deva ainda vir a retirar da ordem jurídica a douta decisão em apreço, e procedendo o presente recurso de Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar o douto despacho recorrido.
Não são devidas custas.
Registe e notifique.
Évora, 30 de Junho de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana

Paulo Amaral