Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1626/07-3
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
FALTA DE APRESENTAÇÃO DO COMPROVATIVO DE PAGAMENTO
REGIME SANCIONATÓRIO
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
O apresentante da petição inicial dispõe de três tempos processuais sucessivos para a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça:
- apresentação simultânea de peça processual e do comprovativo, como é regra;
- apresentação voluntária do comprovativo nos 10 dias seguintes à entrega da peça, sem qualquer sanção;
- E em mais 10 dias, precedidos de notificação para apresentação, acrescidos de uma multa.
Após este último momento, sem que a junção tenha lugar, a falta terá como consequência necessária o desentranhamento da petição inicial.
Decisão Texto Integral:
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Proc. nº 1626/07-3ª
Agravo
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 138º, nº 5-CPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

Por apenso aos autos de execução comum instaurados, na comarca de Portimão, por «Banco ..........................., SA», deduziram oposição os executados H.................................... e mulher, M.......................................

No requerimento inicial sustentam os executados a tese de que não são devedores do crédito exequendo, mas antes a sociedade «HL............................, Lda.», a cujas funções de gerência o executado teria renunciado.

Esse requerimento deu entrada em juízo em 9/10/2006, mas o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial apenas foi junto em 7/11/2006. Por esse comprovativo ter sido entregue para além do prazo de 10 dias previsto no artº 150º-A, nº 2, do CPC, foi ordenada pelo tribunal a notificação dos requerentes para procederem ao pagamento do acréscimo devido. Emitidas as respectivas guias, não foram as mesmas pagas.

Porém, em 11/12/2006, os executados/oponentes apresentaram requerimento (a fls. 17), no qual solicitam a emissão de novas guias, alegando «lapso havido na troca de correspondência aquando da recepção do correio no prédio» (de que não foi feita qualquer prova), que só teria permitido o conhecimento da notificação no último dia do prazo concedido, em 7/12/2006.

Sobre esse requerimento pronunciou-se o tribunal de 1ª instância tecendo, no essencial, as seguintes considerações: o requerimento inicial de oposição devia ter sido recusado pela secretaria, ao abrigo do artº 474º, al. f), do CPC; não o tendo sido, foi concedido aos requerentes, por aplicação analógica do artº 476º do CPC, a faculdade de efectuarem o pagamento em falta em 10 dias, correspondente à multa devida pelo pagamento extemporâneo da taxa devida pela apresentação do requerimento de oposição; a pretensão dos requerentes só podia ser deferida em caso de justo impedimento, mas aqueles não apresentaram prova da eventual troca de correspondência; a actuação dos executados mostra-se negligente, porque sabiam não ter pago atempadamente a quantia devida e porque ainda podiam ter pago as guias no último dia do prazo. Nesta base, considerou-se não haver fundamento para a concessão de novo prazo para pagamento da quantia devida, designadamente por não se encontrar verificada situação de justo impedimento – pelo que se concluiu pelo desentranhamento e devolução do requerimento inicial, julgando extinta a instância de oposição à execução, ao abrigo do artº 287º, al. e), do CPC.

É deste despacho que vem interposto pelos executados-oponentes o presente recurso de agravo, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:

«I) Com data de 6 de Outubro de 2006, deu entrada na Secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Portimão a Petição Inicial de Embargos.
II) Com data de 6 de Novembro de 2006 foi requerida aos autos a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.
III) Com data de 22 de Novembro de 2006, o Tribunal a quo notificou, por despacho, o aqui mandatário dos recorrentes para efectuar o pagamento do acréscimo devido pelo pagamento da taxa de justiça inicial fora de prazo.
IV) Com data de 11 de Dezembro de 2006, através do aqui mandatário dos recorrentes, requereram ao Tribunal a quo a emissão de novas guias para pagamento do acréscimo da taxa de justiça devida.
V) Com data de 5 de Janeiro de 2007, o Tribunal a quo profere sentença nos autos.
VI) Com data de 8 de Janeiro de 2007, os recorrentes, através do seu aqui mandatário, interpõem recurso da sentença.
VII) O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão ao abrigo do disposto nos arts. 146º e 287º Código de Processo Civil, considerando que se tornara impossível o conhecimento da presente oposição, declarando extinta a instância.
VIII) O Tribunal a quo entendeu ainda que “(...) a pretensão apenas pode ser deferida caso se tenha por verificada uma situação de justo impedimento”.
IX) Decidiu então o Tribunal a quo “(...) não se encontrar verificada nenhuma situação de justo impedimento e, consequentemente, não existir nenhuma circunstância que admita a concessão de novo prazo para o pagamento da taxa de justiça devida”.
X) Concluindo então o Tribunal a quo que “(...) torna-se impossível o conhecimento da presente oposição, assim se extinguindo a instância do enxerto declarativo, o que se declara – artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil.
XI) Contrariamente à opinião perfilhada pelo Tribunal a quo, somos do entendimento de que o Tribunal a quo deve receber a oposição dos recorrentes, ora por legítima (Cfr. art. 812º e ss. do CPC), ora por procedente (Cfr. art. 817º, nº 1, aI. c)), porque, conforme expresso na petição de oposição, os créditos ora reclamados pela recorrida dizem respeito à sociedade comercial, “HL............................, Lda”, da qual os ora recorrentes eram os seus titulares.
XII) Repete-se, conforme expresso na petição de oposição, aos recorrentes é-lhes lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente com a recorrida, nos termos gerais do direito cambiário, decorrentes de um contrato de crédito em conta corrente, em que a existência e validade desse contrato depende previamente de se saber se embargantes e embargada vincularam-se ao ponto de transformar os seus créditos em artigos de "deve" e "há-de haver" (Ac. STJ, 12.06.1986, BMJ, 358, p. 558), por forma a que só o saldo final resultante da sua liquidação viesse a ser exigível.
XIII) Repete-se, conforme expresso na petição de oposição, a não existir contrato de conta corrente, a recorrida não deve subsumir a factualidade correspondente a esse contrato.
XIV) Repete-se, conforme expresso na petição de oposição, todavia, e a prever-se a existência de tal contrato, é o saldo final resultante da sua liquidação é que é exigível e, nestes termos, exigível somente perante a subscritora, “HL.............. Lda”, e não directa e exclusivamente perante os aqui recorrentes.
XV) Conforme bem esclarece a recorrida, o financiamento destinava- -se a ser aplicado como apoio de tesouraria e, conforme havíamos referido na petição de oposição, tal finalidade só se compreende para as pessoas colectivas e não para as pessoas singulares.
XVI) Ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo a pretensão poderia ter sido deferida sem necessidade do recurso ao instituto do "Justo Impedimento" que manifestamente, salvo sempre melhor, não vislumbramos a sua aplicação no caso concreto.
XVII) Os recorrentes simplesmente requereram ao Tribunal a quo a emissão de novas guias para pagamento do acréscimo da taxa de justiça devida, uma vez que os ora recorrentes pagaram a taxa de justiça inicial fora de prazo, facto este que desde logo os recorrentes se retrataram, requerendo ao Tribunal a quo relevar a falta, informando o Tribunal a quo de que apenas no pretérito dia 7 de Dezembro (termo do prazo para pagamento) tomou o aqui mandatário conhecimento do teor da notificação supra referenciada, datada de 22.11.2006, resultado de um lapso havido na troca de correspondência aquando da recepção do correio no prédio.
XVIII) Ao pedido de emissão de novas guias para pagamento do acréscimo da taxa de justiça devida, contrapõe e decide o Tribunal a quo “...não se encontrar verificada nenhuma situação de justo impedimento e, consequentemente, não existir nenhuma circunstância que admita a concessão de novo prazo para o pagamento da taxa de justiça devida (...)”, “(...) em consequência, o requerimento inicial deve ser desentranhado e devolvido ao apresentante (...)”, tornando-se “(...) impossível o conhecimento da presente oposição, assim se extinguindo a instância (...)”.
XIX) O aqui mandatário dos recorrentes não juntou prova do aludido facto porque naturalmente se tratava simplesmente da emissão de novas guias para pagamento, requerimento esse e circunstância essa que, no entendimento do aqui mandatário dos recorrentes, não apresentava qualquer dificuldade ou complexidade acrescida no andamento do processo ou na disponibilidade dos sujeitos processuais, ao abrigo e alcance dos princípios da cooperação, da boa-fé processual e da recíproca correcção (Cfr. arts. 266º, 266º-A, 266º-B, do Código de Processo Civil).
XX) Repete-se, os recorrentes não alegaram nem chamaram a si o instituto do "justo impedimento", simplesmente requereram ao Tribunal a quo a emissão de novas guias para pagamento do acréscimo da taxa de justiça.
XXI) Salvo sempre melhor, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o "Justo Impedimento" não é aqui aplicável, pois que a sua aplicação depende de alegação da parte, o que de facto não sucedeu in casu.
XXII) Dispõe o artº 146º, nº 2, do Código de Processo Civil, "A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou".
XXIII) Por este facto, salvo sempre melhor, não compreendemos a decisão do Tribunal a quo ao considerar impossível o conhecimento da presente oposição, tendo declarado extinta a instância sem dar oportunidade de defesa aos recorrentes que legitimamente têm interesse em agir, contradizendo o prejuízo que advenha da demanda da recorrida.
XXIV) Os princípios referidos de cooperação e da boa fé processual são explícitos e fornecem um amplo campo de manobra ao Tribunal a quo na intervenção do processo ao lhe dar alternativa bastante com vista à justa composição do litígio, devendo "(...) cooperação entre si (...)", ouvindo "(...) as partes, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes (...)”, devendo o juiz "(...) providenciar pela remoção do obstáculo", devendo ainda (...) agir de boa fé e observar os deveres de cooperação (...)" (Cfr. art. 266º-A do CPC).
XXV) Conforme o articulado nesta peça, somos do parecer de que o Tribunal a quo tinha ampla alternativa – quer na letra e espírito da lei através dos princípios jurídicos da cooperação e da boa fé processual, quer na prática judicial – à sanção última que aplicou ao mandar desentranhar a petição de oposição, declarando extinta a instância, pelo que decidiu erradamente, aplicando única e exclusivamente o justo impedimento, com prejuízo directo para os recorrentes.»

Não houve contra-alegações.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artos 660º, nº 2, e 664º, ex vi do artº 713º, nº 2, do CPC).

Do teor das alegações dos recorrentes resulta que a única questão a decidir se resume a saber, em face do direito aplicável, se o tribunal a quo, depois de dada uma oportunidade aos recorrentes para efectuarem o pagamento da quantia devida pela apresentação extemporânea do comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, podia rejeitar o respectivo requerimento de oposição à execução e ordenar o seu desentranhamento.

Cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO:

1. Comece-se por salientar que, apesar de os recorrentes terem incluído nos pontos XI) a XV) das suas conclusões de recurso matéria relativa à substância da sua oposição à execução, não é essa matéria que está em discussão no presente recurso.

O despacho recorrido é um despacho anómalo, gerado pela actuação processual dos recorrentes, que não se pronunciou – nem tinha de se pronunciar – sobre o mérito daquela oposição. Esse despacho não é uma sentença (contrariamente à errada qualificação que, a certo passo, lhe atribuem os recorrentes): apenas deu aplicação a normas respeitantes ao pagamento da taxa de justiça inicial e delas retirou um efeito preclusivo quanto à admissão nos autos da respectiva peça processual apresentada, sendo a questão da admissão (ou não) prévia à apreciação do respectivo mérito.

Sendo assim, a improcedência do recurso obstará definitivamente à discussão desse mérito, enquanto a sua procedência apenas terá como consequência a admissão formal do requerimento de oposição e o prosseguimento dos autos para posterior apreciação da substância da oposição deduzida.

Consequentemente, está absolutamente fora do âmbito deste recurso qualquer apreciação sobre a matéria vertida nos pontos XI) a XV) das conclusões das alegações de recurso.

2. Um outro ponto prévio relevante a assinalar prende-se com a discussão em torno da questão do justo impedimento suscitada nos autos.

Regista-se a surpreendente afirmação dos recorrentes de que nunca pretenderam alegar o justo impedimento. Chegam, aliás, a censurar – pasme-se – o tribunal recorrido por se ter pronunciado sobre essa matéria com o argumento de que só dela podia conhecer se fosse alegada.

Ora, a menção dos recorrentes, no seu requerimento de fls. 17, a um «lapso havido na troca de correspondência aquando da recepção do correio no prédio», que teria obstado ao pagamento da quantia devida de acordo com as guias emitidas, podia ser, com toda a propriedade, interpretado pelo tribunal a quo como uma alegação (implícita) do justo impedimento, tanto mais que só por via desse instituto poderia (como entendeu o tribunal recorrido – e com razão, como veremos) ser admitido nos autos o requerimento de oposição. Perante essa referência dos recorrentes, fez bem o tribunal a quo em pronunciar-se sobre o hipotético justo impedimento, como forma (cautelar) de evitar que, mais tarde (em sede de recurso), ainda pudessem os recorrentes – caso nada tivesse sido dito pelo tribunal sobre essa questão – vir arguir nulidade do despacho por omissão de pronúncia.

Deste ponto de vista, a renúncia expressa dos recorrentes à arguição de justo impedimento (inscrita nas suas alegações de recurso) tem uma inegável vantagem de clarificação do objecto do recurso, dispensando este Tribunal de apreciar a ocorrência (ou não) dessa figura – embora se possa adiantar que, a dever ter lugar essa apreciação, concluiríamos pela nossa adesão à resposta negativa alcançada pelo tribunal recorrido.

Centremos, pois, a nossa atenção sobre a tramitação processual exigível, face à lei, quanto ao pagamento da taxa de justiça inicial (respeitante à apresentação de requerimento de oposição à execução) e à junção do comprovativo desse pagamento.

3. Estabelece o artº 23º do Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26/11, e desde a versão introduzida pelo Decreto-Lei nº 320-B/2000, de 15/12, um princípio de autoliquidação da taxa de justiça inicial. Por sua vez, o artº 24º, nº 1, do CCJ, na sua redacção actual (introduzida pelo citado Decreto-Lei nº 320-B/2000), estabelece que «o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça (…) é entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação: a) da petição ou requerimento do autor, exequente ou requerente; b) da oposição do réu ou requerido; c) das alegações e contra-alegações de recurso (…)».

Mas essa disposição legal apenas reproduz, no seu sentido essencial, uma norma que já consta do CPC, nele inserta pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10/8 (no nº 4 do artº 150º), e aí mantida até ao presente pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27/12 (no nº 1 do artº 150º-A).

Tenha-se, a este propósito, presente que o Decreto-Lei nº 320-B/2000 veio proceder a uma adequação às alterações entretanto operadas no CPC pelo Decreto-Lei nº 183/2000, que introduziu nesse Código disposições sobre a matéria do pagamento da taxa de justiça, em relação às quais as disposições correlativas do CCJ revestem, neste ponto, um carácter subordinado e instrumental. E saliente-se ainda que o Decreto-Lei nº 324/2003 veio aperfeiçoar aquelas disposições do CPC sobre pagamento da taxa de justiça, aditando-lhe, nesse domínio, os artigos 150º-A, 486º-A, 512º-B e 690º-B.

Ora, os actuais artos 150º-A, nº 1, do CPC e 24º, nº 1, do CCJ consagram uma regra de apresentação simultânea da peça processual e do comprovativo do pagamento da taxa de justiça. Mas essa regra admite excepções, na medida em que outras disposições do CPC permitem essa junção em momento posterior, ainda que subordinada a sanções.

Assim, o nº 2 do artº 150º-A estabelece que «sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 486º-A, 512º-B e 690º-B».

Também o artº 28º do CCJ se abre a soluções sancionatórias, aplicáveis às diferentes peças processuais, quando estabelece que «a omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo».

Especificamente sobre a petição inicial, há que atentar no artº 474º, al. f), do CPC, que dispõe que «a secretaria recusa o recebimento da petição inicial (…) quando (…) não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial». E prevê o artº 476º do CPC que «o autor pode (…) juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição».

O requerimento de oposição à execução prefigura-se como uma petição inicial. Segundo LEBRE DE FREITAS et alii, já os embargos de executado constituíam uma verdadeira acção declarativa, que corria por apenso ao processo de execução, caracterização que se mantém perante a actual oposição à execução (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 323). Sendo assim, o requerimento inicial da oposição deve submeter-se ao regime processual-tributário da petição inicial.

De acordo com esse regime, quando não ocorra a aludida apresentação simultânea da petição e do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, deve a secretaria recusar o recebimento da respectiva peça processual (artº 474º, al. f)). Se, no entanto, for recebida, pode ainda o requerente proceder à apresentação voluntária do comprovativo nos 10 dias seguintes à entrega da peça, sem qualquer sanção tributária (artº 476º). Para o caso de não se proceder a essa apresentação voluntária em 10 dias, já nada diz expressamente a lei – pelo que ocorre lacuna legal que reclama integração.

Sobre esta última hipótese, alguma jurisprudência afasta a possibilidade de ser concedida ao autor outra oportunidade de pagamento ou apresentação do respectivo comprovativo, devendo ser desentranhada a petição inicial. Essa solução estaria subjacente, desde logo, na previsão da al. f) do artº 474º (num primeiro momento, recusa da secretaria; ou, não havendo tal recusa, e decorrido o prazo de 10 dias do artº 476º, posterior rejeição pelo tribunal), e afloraria, designadamente, no artº 467º, nº 5 (que prevê o desentranhamento da petição por falta de pagamento em 10 dias, no caso de indeferimento de pedido de apoio judiciário). Com argumentação semelhante ou próxima de qualquer dessas variantes, v. Acs. RC de 15/11/2005 (Proc. 3030/05, in www.dgsi.pt) e de 3/5/2006 (Proc. 995/06, idem) e RE de 3/5/2006 (Proc. 376/06-3, idem).

Há, porém, que não perder de vista que a filosofia introduzida nos sistemas processual e tributário-judicial a partir da Reforma de 1995-1996, e que tem vindo a ser reforçada em posteriores diplomas, vai no sentido da eliminação de «preclusões de índole tributária» (cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei nº 224-A/96) e da criação de possibilidades sucessivas de cumprimento de obrigações processuais. Daí surgiu, no espírito do legislador, uma correlação directa entre o princípio do acesso ao direito e uma restrição à produção de efeitos preclusivos de carácter tributário, de tal modo que as preclusões só poderão operar após a concessão de novas oportunidades de cumprimento de obrigações processuais acompanhadas do reforço de sanções meramente pecuniárias.

O regime actual – conforme se evidencia do Preâmbulo do Decreto-Lei nº 324/2003 – pretende encontrar um equilíbrio entre, por um lado, a consagração de penalizações processuais efectivas pela falta de pagamento da taxa de justiça (com um objectivo de moralização do recurso aos tribunais) e, por outro lado, a criação de mecanismos de salvaguarda do cumprimento de obrigações processuais pelas partes.

São disso expressão os artos 486º-A, 512º-B e 690º-B, disposições introduzidas por aquele diploma, e que contemplam soluções convergentes: na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC (artº 486º-A, nº 3) – e, a final, a omissão conduz ao desentranhamento da contestação (artº 486º-A, nº 6); se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC (artº 512º-B, nº 1) – e a persistência da omissão determina a impossibilidade de realização de diligências de prova (artº 512º-B, nº 2); e se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial ou subsequente não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC (artº 690º-B, nº 1) – e aqui a continuidade da omissão leva ao desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentados (artº 690º-B, nº 2).

Da identidade de soluções destas disposições legais emergirá, nos termos do artº 9º do C.Civil, a aplicação analógica dos seus segmentos comuns (ou, no limite, a formação da norma que o intérprete criaria dentro do espírito do sistema): nova oportunidade ao interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC, sob pena de desentranhamento da petição inicial.

Trata-se de solução que, com esta ou outra argumentação afim, merece também acolhimento na jurisprudência, como o ilustram os Acs. RL de 27/2/2007 (Proc. 1189/2007-7, idem) e RP de 16/4/2007 (Proc. 0750244, idem) – sendo, como vimos, a que melhor corresponde à actual filosofia dos sistemas processual e tributário-judicial.

Entendemos, pois, que dispõe o apresentante da petição inicial de três tempos processuais sucessivos para a junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça: apresentação simultânea de peça processual e do comprovativo; apresentação voluntária do comprovativo nos 10 dias seguintes à entrega da peça, sem qualquer sanção; notificação para apresentação, em mais 10 dias, do comprovativo do pagamento da taxa devida e de uma multa. E só após este último momento, sem que a junção tenha lugar, é que operará a consequência do desentranhamento da petição inicial.

Vejamos, pois, como se adequa este modelo à concreta actuação dos recorrentes nos presentes autos.

Assim, deviam os agravantes ter junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça no momento da apresentação do requerimento de oposição à execução – nos termos do nº 1 do artº 150º-A do CPC. Não o tendo feito, deveria a secretaria ter recusado o recebimento desse requerimento – ao abrigo da al. f) do artº 474º do CPC. Como não ocorreu essa recusa, tinham ainda os recorrentes a possibilidade de juntar voluntariamente aquele documento no prazo de 10 dias – conforme resulta tanto do nº 2 do artº 150º-A, como do artº 476º, ambos do CPC. Os agravantes não o apresentaram nesse prazo, pelo que deveriam ter sido notificados para o fazer em mais 10 dias, com um acréscimo idêntico ao previsto nos artos 486º-A, nº 3, 512º-B, nº 1, e 690º-B, nº 1 – por aplicação analógica do respectivo regime. Antes dessa notificação ter lugar, acabaram os recorrentes por proceder voluntariamente (cerca de 30 dias após a apresentação da peça processual) à junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, mas em singelo.

Perante isso, cabia ao tribunal determinar a notificação dos apresentantes para procederem em 10 dias ao pagamento omitido – já não pela totalidade da quantia devida (dado o pagamento em singelo efectuado), mas apenas pelo valor em falta (correspondente ao acréscimo da multa), embora com o mesmo alcance (e consequências) da notificação para pagamento pela totalidade que deveria ter sido efectuada logo após o decurso do primeiro prazo de 10 dias (quando ainda não tinha sido junto o comprovativo do pagamento em singelo).

Feita aquela notificação nesses termos, e não tendo, ainda assim, os agravantes aproveitado a nova oportunidade concedida para pagamento do montante em dívida, restava apenas ao tribunal a quo extrair dessa omissão a devida consequência: desentranhamento e devolução aos apresentantes do requerimento de oposição à execução, com a consequente extinção da instância, ao abrigo do artº 287º, al. e), do CPC.

Afigura-se, assim, ter o tribunal a quo adoptado o procedimento mais conforme à lei e ao espírito do sistema.

Não estava aqui em causa, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, uma questão de boa ou má vontade do tribunal recorrido na emissão de novas guias para pagamento subsequente da quantia devida (que pudesse ser equacionada na base de princípios de cooperação e de boa fé processual). Tratava-se, apenas e tão-só, do cumprimento de regras quanto a prazos de pagamento e preclusões processuais.

Em suma: concorda-se com o juízo decisório formulado pelo tribunal a quo, não se mostrando violadas as disposições legais invocadas nas conclusões das alegações de recurso.
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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao presente agravo, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos agravantes.
Évora, / /


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(Mário António Mendes Serrano)


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(Maria da Conceição Ferreira)


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(Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes)