Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1494/08.1TAPTM-A
Relator: FELISBERTO PROENÇA DA COSTA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CULPA DO ARGUIDO
DESPACHO
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É inválido e deve ser derrogado o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão sem apurar da culpa do arguido no incumprimento das condições de suspensão.
Decisão Texto Integral:



Recurso n.º 1494/08.1TaPTM-A

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
No âmbito dos autos de Processo Comum Singular, com o n.º 1494/08.1TaPTM, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de P, por despacho judicial e precedendo promoção do M.P., foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido AAC fora condenado e determinado que o arguido cumprisse a pena de 18 (dezoito) meses de prisão.

Inconformado com o assim decidido traz o arguido AAC o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:
Vem o presente Recurso interposto do douto Despacho de fls 401 a 404 no qual o douto Tribunal “a quo” decidiu determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao Arguido, ora Recorrente, AAC, o qual subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (ex vi, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nº 183/07.9GTCBR.C1 de 11/05/2011) de acordo com o disposto nos art.ºs 399º, 401º, nº1, al. b), 406º nº1, 407º, nº 1, 408º, nº 3 e 411º, todos do C.P.P..
É sabido que a regra, em termos de efeitos do recurso, é a de que tem o efeito meramente devolutivo, ex vi art. 408.º a contrário do CPP. Contudo, torna-se necessário fazer a articulação deste preceito com o disposto no art. 407º do CPP, quando dele depender a validade e eficácia dos actos seguintes.
O Arguido, ora Recorrente, foi condenado, por decisão transitada em julgado a 19/01/2010, pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 105º, nº1 e 107º, nº 1, ambos do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de proceder ao pagamento da prestação em dívida e respectivos acréscimos legais (pedido de indemnização civil), num prazo de 120 (cento e vinte) dias.
Não foi possível notificar o Arguido, ora Recorrente, para vir fazer prova nos autos de que cumpriu a condição, por o mesmo não residir na morada indicada na notificação, desconhecendo-se, então, o seu paradeiro.
A Segurança Social veio a 31/10/2012 informar os autos que o Arguido, ora Recorrente, não efectuou qualquer pagamento.
Foi designada data para audição do Arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo nº 495º do CPP, mas frustraram-se novamente as notificações ao Arguido,
Tendo a notificação feita por via postal simples com prova de depósito sido devolvida ao Tribunal por não haver receptáculo e as notificações feitas através da GNR de L também não foram conseguidas, uma com a informação de 18/01/2013: ” não foi possível dar cumprimento ao solicitado por o Arguido já não ter domicílio na morada indicada, desconhecendo-se o seu actual paradeiro “ e outra com a informação de 01/02/2013: “ AAC não reside na morada indicada nem tem qualquer actividade no local, apurou-se que reside algures no concelho de P, desconhecendo-se mais pormenores “.
Não tendo assim o Arguido, ora Recorrente, sido notificado e, consequentemente, não tendo comparecido na diligência marcada.
A 10/02/2014 foi proferido o douto Despacho de fls 401 a 404, objecto deste recurso, revogando a suspensão de pena de prisão a que o Arguido, ora Recorrente, foi condenado, não tendo também sido conseguida a notificação deste, tendo a GNR de Silves informado a GNR de P que: “ o Arguido reside na Rua (…), em P”.
10º
A 03/03/2014 o Arguido, ora Recorrente, foi notificado pessoalmente pela PSP de P que do Despacho referido do artigo anterior.
11º
O Arguido, ora Recorrente, não foi ouvido com vista à aferição das razões que o levaram ao incumprimento nem se o mesmo agiu culposamente.
12º
O Arguido, ora Recorrente, desde Outubro de 2010 que reside em P na casa da sua mãe, tendo tomado esta decisão única exclusivamente para poder cuidar dela, pessoa doente (sofre de demência), com 92 anos de idade, totalmente dependente, a qual não tem mais ninguém que lhe preste assistência dado que aquele é o seu único filho.
13º
O Arguido, ora Recorrente, desde 2010 que apresenta estado depressivo, continuando ainda actualmente com acompanhamento psicoterapêutico que “ tem como objectivo desenvolver mecanismos de defesa, possibilitando o aumento da sua segurança, da sua auto-estima, da ansiedade somatizada e do seu índice de resistência à frustração, face aos objectivos mutuamente estabelecidos. É de referir que este quadro clínico, está enraizado há alguns anos, possivelmente desde o início da recessão económica, devido às sequelas psicossomáticas que apresenta” colocando-o em riscos físicos, que se revelam no seu mau estar cardíaco e psíquico e em riscos psíquicos, que se ocultam na sua depressão e na sua ansiedade “, apurou-se acentuado traços de carácter depressivos, uma ansiedade generalizada….”.
14º
O Arguido, ora Recorrente, tem 69 anos de idade e sofre de problemas cardíacos, tendo já sido sujeito a internamentos na urgência.
15º
O único e exclusivo rendimento do Arguido, ora Recorrente, é uma pensão de reforma no montante de Euros 459,21.
16º
Antes de ter sido notificado do Despacho recorrido, o Arguido, ora Recorrente, tentou regularizar a sua situação junto da Segurança Social, tendo o seu pedido sido deferido no pagamento de 60 prestações no montante de Euros 600 cada e emitida guia de pagamento de Euros 900 por não ter prestado garantia.
17º
O Arguido, ora Recorrente, não tem possibilidade económica para efectuar o pagamento de tais prestações, sendo certo que aufere pensão de reforma de Euros 459,21.
18º
Pese embora, o Arguido, ora Recorrente, não tenha conseguido ainda cumprir com a obrigação de indemnizar a Segurança Social, não foi ouvido, nos termos do artigo nº 55º do Código Penal (C.P), com vista à aferição das razões que o levaram ao incumprimento nem se o mesmo agiu culposamente;
19º
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 56º nº1, do C.P., conjugado com o nº2 do artigo 495º do C.P.P., a revogação da suspensão da execução da pena depende sempre do incumprimento, de forma grave e culposa dos deveres impostos ao condenado e, bem assim, de uma prévia averiguação das respectivas causas, ex vi, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04/02/2009.
20º
Decorre claramente dos documentos ora juntos aos autos a precária situação económica do Arguido.
21º
Essa averiguação, em todo o caso, não pode deixar de passar pela audição pessoal do condenado pelo Juiz da causa, na presença do defensor.
22º
O incumprimento da obrigação imposta não acarreta necessariamente a revogação da suspensão da pena e uma opção criteriosa pode/deve impor novos deveres, exigir garantias do seu cumprimento, advertir solenemente o Arguido, ora Recorrente, prorrogar o prazo de suspensão ou, ainda, afastada a possibilidade de cumprimento de condições económicas, a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
23º
Não se pode considerar que o Arguido, ora Recorrente, não foi notificado para ser ouvido porque voluntariamente se ausentou da morada que indicou aos autos, porque tal não corresponde à verdade, uma vez que a sua ausência dessa morada se deveu ao facto de ter o dever de cuidar da sua mãe e que, atendendo ao seu estado depressivo, não vislumbrou que teria de informar os autos.
24º
Era dever do Tribunal ter sido mais longe no sentido de investigar/apurar o paradeiro do Arguido, ora Recorrente dado que desde 01/02/203 tinha a informação, prestada pela GNR de L, que este residia em P.
25º
Se para notificar o Arguido, ora Recorrente, da data designada para sua audição em audiência, o Tribunal não cuidou de investigar/ apurar, como é seu dever, qual a morada do Arguido, coarctando-lhe, assim, a possibilidade de averiguação da causa do incumprimento, já teve esse cuidado quando o quis notificar do Despacho recorrido que determinou a revogação a suspensão da pena de prisão.
26º
Considera-se que o Despacho recorrido que, sem a prévia audição pessoal do Arguido, decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão a este aplicada, por incumprimento da respectiva condição dessa suspensão, padece do vício de nulidade insanável, nos termos do artigo 119º al, c) do C.P.P., dado que o Tribunal não aplicou o disposto no artigo 56º nº1, do C.P. conjugado com o nº2 do artigo 495º do C.P.P., bem como violou os princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da garantia de processo criminal, ex vi artigos 20º e 32º da CRP.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência:
- Revogar-se o douto Despacho recorrido, sendo substituído por outro que ordene a Audição do Arguido, nos termos expostos;
- Caso este Tribunal Superior assim não entenda, deverá o Arguido, ora Recorrente, prestar trabalho a favor da comunidade, atenta a sua situação de insuficiência económica, estado clínico e condição social.

Respondeu ao recurso o Magistrado do Ministério Público, dizendo:
1. A instâncias do Tribunal, foram realizadas, sucessivamente, através de pesquisas efectuadas na base de dados, todas as diligências tidas por necessárias com vista ao apuramento do paradeiro do arguido a fim de o mesmo ser notificado do despacho judicial que determinou que o mesmo viesse aos autos informar se já tinha cumprido a condição, bem como do despacho judicial que determinou a sua audição nos termos e para os efeitos do artigo 495.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen. as notificações dos referidos despachos frustraram-se por desconhecimento do paradeiro do arguido na morada que forneceu aos autos, ou seja, a que consta do termo de identidade e residência, lido e assinado pelo arguido, que teve conhecimento da obrigação de não se mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou lugar onde possa ser encontrado (cfr. art.º 196.º, n.º 3, b), do Cód. Proc. Pen.) de que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extingue com a extinção da pena (cfr. art.º 196.º, n.º 3, e), do mesmo diploma legal). O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção à referida obrigação decorrente do termo de identidade e residência prestado, conforme resulta do Acórdão n.º 06/2010, de 15.04.2010, do S.T.J., que fixou jurisprudência nesse sentido, pelo que se conclui não se mostrar violado o art.º 495, n.º 2, do Cód. Proc. Pene demais normas invocadas pelo recorrente.
2. Não tendo o arguido cumprido a condição imposta nem tendo mostrado qualquer intenção de cumprir, já que não iniciou qualquer pagamento, há que concluir que com o seu comportamento posterior aos factos, decorrente do não cumprimento da condição, o arguido comprometeu definitivamente as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena, ao abrigo do disposto no art.º 56.º, n.º 1, al.ª a), do Cód,. Pen., devendo ser integralmente mantida por não ter violado qualquer norma legal, negando-se, assim, provimento ao recurso.

Nesta Instância, o Sr.º Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho recorrido:
Por decisão transitada em julgado em 19.01.2010, foi o Arguido AAC condenado pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 105.º, n.º 1 e 107.º, n.º1, ambos do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de proceder ao pagamento da prestação em dívida e respectivos acréscimos legais (pedido de indemnização civil), num prazo de 120 (cento e vinte) dias,
Tentada a notificação do Arguido (na morada indicada no TIR) para vir fazer prova nos autos de que cumpriu a condição, veio a mesma frustrada "em virtude do (a) Sr (a) AAC, residir na morada indicada, desconhecendo-se o seu atual paradeiro".
Em 31.10.2012, veio a Segurança Social informar que o Arguido não efectuou qualquer pagamento.
Designada data para audição do Arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º do Código de Processo Penal, frustrou-se novamente a notificação do Arguido (fls. 382 e 388), não tendo comparecido na diligência marcada.
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O Ministério Público promove a revogação da suspensão da pena de prisão (fIs. 397/398).
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Nos termos do artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal
"A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. "
Nos presentes autos, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Arguido foi determinada sob condição do mesmo proceder ao pagamento das prestações em dívida à Segurança Social e respectivos acréscimos legais (PIC) no prazo de 120 dias.
Contudo, nem no período concedido, nem no período da suspensão da pena de prisão aplicada, se mostra pago qualquer valor.
E decorridos que se mostram 4 anos desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo o Arguido, tido conhecimento da pena aplicada e sabendo dos deveres que impendem sobre si, não demonstrou qualquer vontade de cumprir a condição que lhe foi imposta, ausentando-se, inclusivamente, da morada fornecida nos autos para local desconhecido.
Veja-se que o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão n.º 06/2010, de 15. 04.2010, fixou jurisprudência no sentido de que "O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»)."
Como se faz notar no referido aresto, "o arguido que deu a sua residência no processo cumpriu, também, uma obrigação de informação a que o Estado vai corresponder informando -o, no mesmo local indicado, de toda a decisão que possa afectar os seus interesses.
Se o arguido, sabendo que foi condicionado numa pena cuja execução foi suspensa e depois de ter sido notificado para esclarecer do não cumprimento das condições olimpicamente se ausenta do local que indicou é problema que o afecta a si única e exclusivamente como cidadão relapso.
A condenação em pena suspensa não constitui uma 'carta de alforria' que permite ao arguido proclamar que nenhum dever lhe assiste na sua relação com o Estado nem sequer a obrigação de o manter informado sob sua residência. "
Ora, nos termos do referido artigo 56.º, importará para a revogação da suspensão da execução da pena a violação culposa, grosseira ou' reiterada do regime de prova ou o cometimento de crimes durante o período de suspensão.
Sendo certo que a suspensão da execução da pena não é automaticamente revogada, no caso em apreço, o Arguido tem vindo a incumprir totalmente a condição a que ficou sujeita a referida suspensão, mostrando total indiferença pela condenação a que foi sujeito.
Com efeito, apesar do artigo 55.º do Código Penal prever a realização de uma advertência ao arguido, a exigência de garantias de cumprimento das obrigações, a imposição de novos deveres ou regras de condutas ou a prorrogação do período de suspensão, o certo é que, no presente caso, a conduta do Arguido permite concluir que quaisquer outras providências serão ineficazes e que as expectativas que motivaram a suspensão da pena de prisão aplicada não se mostram cumpridas.
Por todo o exposto, não tendo o Arguido cumprido, por qualquer forma, a condição a que ficou sujeita a referida suspensão, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao mesmo, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, aI. a), do Código Penal, determinando o respectivo cumprimento da pena de 18 meses de prisão.
Notifique e, após trânsito, passe mandados de detenção e de condução ao Estabelecimento Prisional afim do Arguido cumprir a pena de prisão em que foi condenado.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação de recurso que definem o objecto do recurso.
Da análise das conclusões formuladas pelo recorrente decorre que o que se pretende ver decidido é se se deve, ou não, manter a decisão de revogação da suspensão da execução da pena, entretanto decretada.
Como dos autos resulta, o arguido e aqui recorrente AAC foi condenado, por decisão transitada em julgado em 19.01.2010, pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal à Segurança Social, p. e p. pelos arts. 105.º, n.º 1 e 107.º, n.º1, ambos do RGIT, na pena de 18 meses de prisão.
Pena cuja execução ficou suspensa por igual período, sob condição de proceder ao pagamento da prestação em dívida e respectivos acréscimos legais (pedido de indemnização civil), num prazo de 120 (cento e vinte) dias.
Decorrido tal prazo não se mostra cumprida a condição de que se fez depender a suspensão da execução da pena.
Para dilucidar tal questão importa ter em conta o disposto no art.º 56.º, n.º1, do Cód. Pen., onde se diz que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
Desde logo, importa notar que desde o Dec. Lei, n.º 48/95, de 15 de Março, a revogação da execução da pena deixou de ser de funcionamento automático.
Deixando a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social ou a condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão de provocar automaticamente a revogação da suspensão), contrariamente á solução tradicional, tanto na vigência do Código Penal de 1986 como na versão originária do código penal de 1982.
Tudo dependendo agora tão só do condicionamento estabelecido no n.º 1, o qual se aplica a todas as modalidades da suspensão da execução da pena de prisão[1].
Daí que a revogação da suspensão da execução da pena não seja um acto meramente formal, sendo ainda necessária a demonstração de que as finalidades da punição não puderam ser realizadas.
Finalidades da punição que não são mais do que a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente na sociedade - cfr. Art.º 40.º, n.º1, do Cód. Pen.
Donde não baste que o arguido, a quem foi decretada a suspensão da execução da pena, viole tais deveres ou regras de conduta ou cometa durante o período da suspensão crime pelo qual venha a ser condenado, mas também que se faça um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente.[2]
E que só a rebeldia intolerável do arguido e a inultrapassável obstinação em manter-se no crime, bem como o fracasso da esperada emenda cívica resultante da suspensão, justifiquem a revogação da suspensão da execução da pena.
Pelo que as causas de revogação da suspensão da execução da pena não deverão ser entendidas formalmente, antes deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.[3]
No caso em apreço está em causa o incumprimento por parte do arguido/condenado dos deveres impostos e determinantes da suspensão da execução da pena, nos termos dos arts. 50.º, n.º 2 e 51.º, n.º 1, al.ª a), ambos do Cód. Pen.
Como se vem entendendo, qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres impostos na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação. Sendo que em caso de revogação, a culpa há-de ser grosseira, como tudo bem decorre do estatuído nos arts. 55.º e 56.º, do Cód. Pen. Domina, pois, em tais situações o princípio da culpa.
Pelo que, e como sobredito, o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação condicional.
Pois, como referem Simas Santos e Leal Henriques, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências referidas no art.º 55.º, do Cód. Pen.[4]
Está em causa a alínea a), do n.º 1, do art.º 56.º, do Cód. Pen., - Infracção grosseira ou repetida dos deveres impostos.
Trata-se, como se vê, de situações limite, pois que o legislador fala em infracção grosseira e repetida, a denunciar nitidamente que o condenado teve aí uma actuação significativamente culposa, que põe por terra a esperança que se depositou na sua recuperação e a cujo projecto tinha aderido[5].
Ou como referem Victor de Sá Pereira e Alexandre de Lafayette, a alínea a), do n.º 1, conexiona-se de perto com a situação de incumprimento à qual se refere o artigo anterior. Digamos mesmo que aqui se trata de um mais, em relação a tal situação. Dum mais, todavia, que justifica a reacção qualitativamente diversa. A conduta do condenado mostra que, a respeito, sem retorno, se não cumpriram as respectivas expectativas motivantes da suspensão da execução da pena de prisão. O condenado revelou-se, de todo, não merecedor da confiança nele depositada. E a revogação, apurando-se que houve infracção grosseira ou repetida de deveres ou regras de conduta ou do plano individual de readaptação social, surge, imediata ou obrigatória, como reacção proporcional à infracção por aquele cometida[6].
Com base nestes ensinamentos, vejamos o caso em apreço, importando ter em conta vários trâmites processuais.
Como bem refere o Magistrado do M.P., e resulta do cotejo dos autos, o arguido e aqui recorrente prestou termo de identidade e residência, tendo indicado a Rua Basílio Teles, 29, R/C, 8400-355 L, como sendo o seu domicílio.
Com vista à cobrança do montante das custas devidas pelo arguido, foi a 31 de Julho de 2012, solicitado à GNR de L que averiguasse e informasse se o arguido dispunha de bens penhoráveis, tendo-se obtido a informação deste órgão de polícia criminal a 16 de Agosto de 2012, que o arguido não residia na morada indicada no TIR, sendo desconhecido o seu paradeiro- cfr. fls. 348.
Foram efectuadas, a 19 de Setembro de 2012, pesquisas na base de dados disponível no Tribunal, não tendo sido encontradas quaisquer outras moradas registadas em nome do arguido, para além daquela que consta do TIR – cfr. fls. 352 a 355.
Por despacho judicial de fls. 357, de 08 de Outubro de 2012, a M.ma Juiz determinou a notificação do arguido na morada constante do TIR (única morada conhecida nos autos) para, no prazo de dez dias, vir aos autos comprovar o cumprimento da condição em causa, o que se mostrou inviável por o mesmo já não residir na dita morada (cfr. informação de fls. 364).
A 31 de Outubro de 2012, a Segurança Social veio informar que o arguido não efectuou o pagamento de qualquer quantia.
Foram efectuadas, a 08 de Janeiro de 2013, novas pesquisas na base de dados, não tendo sido encontradas outras moradas registadas em nome do arguido, para além da qual que consta do TIR (cfr. fls. 365 a 368).
Por despacho judicial de fls. 370, datado de 14 de Janeiro de 2013, a M.ma Juiz designou o dia 21 de Fevereiro de 2013, pelas 11h00, para audição do arguido com vista à eventual revogação da suspensão da execução da dita pena de prisão e determinou que o mesmo fosse notificado pessoalmente na morada indicada no TIR através de competente órgão de polícia criminal, notificação que se tornou inviável por desconhecimento do seu paradeiro, tendo-se apurado que residiria algures em P (cfr. informação de fls. 388).
Foram efectuadas, a 2 de Fevereiro de 2013, novas pesquisas na base de dados, não tendo sido encontradas outras moradas registadas em nome do arguido, para além daquela que consta do TIR (cfr, fls. 383 a 386).
Já depois do despacho revidendo, mais concretamente a 17 de Fevereiro de 2014, foi junta aos autos informação provinda da GNR de L, fls. 408, na qual se dá nota de que o arguido residiria na Rua do Vale, Lote 2, Chão das Donas, em P, tendo acabado por ser notificado nesta morada pessoalmente através da PSP de P, a 3 de Março de 2014 (cfr. fls 411).
O que cabe descortinar é se tal comportamento do arguido/recorrente é de molde a merecer reacção tão veemente por parte do Tribunal, como seja a de revogação da suspensão da execução da pena.
Desde logo, importa referir que se não descortina o que conduziu o aqui recorrente a incumprir os deveres fixados na Sentença e condicionantes da suspensão da execução da pena.
Quer, por se não ter ouvido o arguido, a respeito, quer o Defensor, quer, ainda, se tenha procedido à realização de pertinente relatório social de onde tal pudesse decorrer. Ficando, pois, sem saber qual a razão, ou razões, para tal incumprimento. E sem que se apure o (s) motivo (s) que determinou/determinaram o aqui recorrente a agir, fica-se sem saber se agiu com, ou sem, culpa ao não cumprir, em prazo devido, o que lhe fora fixado Sentencialmente.
Sem essa avaliação do comportamento do arguido não podia o tribunal a quo pronunciar-se, sem mais, pela revogação, ou não, da suspensão, por escassez de dados fácticos bastantes que o levassem a decidir de forma segura.
E só na posse desse acervo fáctico poderia estar habilitado a decidir e a concluir sobre a manutenção, ou não, das finalidades que determinaram o tribunal a vir decretar a suspensão da execução da pena.
Aliás, a lei aponta nesse sentido ao referir no n.º 2, do art.º 495.º, do Cód. Proc. Pen., que o tribunal decide por despacho depois de recolhida a prova, obtido parecer do M.P. e ouvido o condenado…
Para tanto, bastaria munir-se de pertinente relatório social a elaborar por técnico competente e, assim, ficar habilitado a decidir de forma mais segura sobre as razões que determinaram o arguido/recorrente a incumprir os deveres fixados.
Daí se ter cometido uma irregularidade ao decidir sem estar munido desses elementos fácticos, o que faz com que se tenha de revogar o despacho recorrido e deva ser substituído por outro que determine a realização de diligências sobre as condições de vida do aqui condenado e se inteire sobre as circunstâncias que determinaram o condenado a agir, proceda à sua audição e, só depois, vir a decidir em conformidade -art. 123.º, n.º2, in fine, do Cód. Proc. Pen.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso, com os fundamentos acabados de tecer, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine a realização de diligências probatórias que se venham a revelar úteis, proceda à audição do arguido/recorrente, decidindo-se em conformidade.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).


Évora, 16 de Junho de 2015.
(José Proença da Costa)
(Gilberto Cunha)

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[1] Ver, Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, págs. 205.
[2] Cfr, Ac. desta Relação, de 8-7-2003, na C. J.., ano XXVII, Tomo IV, pags.253.
[3] Ac, Relação de Lisboa, de 9-2-2006,no Processo n.º10654/05, 9.ª, secção.
[4] Ver, Noções Elementares de Direito Penal, págs. 207 e Código Penal Anotado, Vol. I, págs. 711.
[5] Ver, Simas Santos e Leal Henriques, Obs. Cits., págs 208 e 712, respectivamente.
[6] Ver, Código Penal, Anotado e Comentado, págs. 189