Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
23680/19.9YIPRT.E1
Relator: SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: CAUSA DE PEDIR
INJUNÇÃO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Resulta do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que, não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por esse regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção.
2 – Não há falta de indicação da causa de pedir no requerimento de injunção quando, neste, se alega, como fonte do direito de crédito invocado, a celebração de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, a data dessa celebração, a identidade dos outorgantes, o preço convencionado e o não pagamento deste último.
3 – Não faria sentido que, após a convolação do procedimento de injunção numa acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, o tribunal proferisse despacho de aperfeiçoamento do requerimento de injunção, convidando a autora a “densificar a causa de pedir”, se esta última não tivesse sido indicada no mesmo requerimento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 23680/19.9YIPRT.E1

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Empresa Gráfica (…), S.A., interpôs recurso de apelação da sentença, proferida na acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, resultante da convolação de procedimento de injunção, que julgou verificada a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir e absolveu da instância os réus (…) e (…).

As conclusões do recurso são as seguintes:

A. Concluiu o tribunal a quo pela existência de excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir.

B. Sustentando que “O requerimento injuntivo contém um enunciado fáctico deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, pois não expõe, designadamente, os termos concretos do contrato celebrado entre a R e o Banco Cedente que dá origem ao alegado crédito cedido”.

C. E que, “Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido.”

D. Continuando, afirmando que “In casu, a Requerente/Autora, não satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir, remetendo para documentos/facturas o que é manifestamente insuficiente.”

E. Pode-se concluir, assim, que o tribunal a quo justifica que na génese da ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, está a omissão dos termos concretos do contrato celebrado entre a Ré e o Banco Cedente.

F. Ora, pelos variados motivos que a seguir se invocarão, não pode a Recorrente concordar com a decisão proferida pelo tribunal a quo, de que aqui se recorre.

G. Desde logo se invoca nos termos e para os efeitos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a nulidade da sentença.

H. A Recorrente é uma sociedade que se dedica à indústria de artes gráficas incluindo a preparação da impressão; impressão, acabamento, encadernação e fabricação de embalagens de papel e cartão; serviços de publicidade; comércio por grosso e a retalho de produtos de papel e cartão.

I. O objecto da Recorrente, pelo menos genericamente, resulta evidente não só da própria denominação da Recorrente, como também das facturas juntas aos presentes autos, aquando do envio do requerimento com a referência Citius 7072280 dando cumprimento ao despacho do tribunal a quo, com a referência Citius 84282159, de pronúncia sobre a excepção de ineptidão e de prescrição.

J. Não restando dúvidas que a Recorrente se dedica às artes gráficas.

K. Questiona-se então por que motivo a sentença a quo faz expressa referência a um alegado “contrato celebrado entre a R e o Banco Cedente que dá origem ao alegado crédito cedido”.

L. Se não há qualquer sujeito processual que seja uma entidade bancária, nem qualquer relação jurídica que implique a cedência de créditos.

M. Consequentemente, toda a fundamentação da sentença a quo labora em erro, e nunca se poderia concluir, como se conclui na decisão recorrida, que “a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato.

N. Desaguando numa causa de nulidade de sentença, que aqui se invoca expressamente, nos termos e para os efeitos daquele normativo, conjugado com o seu n.º 4.

O. Sem prejuízo do que se disse, e de toda a decisão recorrida estar assente em pressupostos errados, o que inquina a conclusão da mesma e consequente absolvição das Rés, não se podem aceitar também os fundamentos jurídicos e o modelo de argumentação da decisão recorrida sobre a interpretação dos requisitos do requerimento de injunção.

P. Isto porque, não se pode olvidar que o requerimento de injunção tem características muito próprias.

Q. Vejamos, é apresentado através de um formulário disponibilizado na plataforma, com campos de preenchimento previamente existentes e inalteráveis, bem como, na própria exposição dos factos impõe um limite de caracteres.

R. Ou seja, facilmente se percebe tratar-se de um meio simplificado e com limitações propositadamente inscritas no próprio formulário.

S. Note-se que nem sequer é possível juntar no procedimento de injunção qualquer documento.

T. E dúvidas não há que se trata de um procedimento simplificado, com o qual se procurou na sua génese e se procura a desjudicialização deste tipo de litígios.

U. Isso resulta inequivocamente do preâmbulo do DL. N.º 269/98, de 1 de Setembro, para percebermos os elementos histórico e teleológico e, consequentemente, o seu objectivo e podermos interpretar correctamente as suas normas, que se cita parcialmente “(…) mas generalizando-o ao conjunto dos tribunais judiciais, pelo que se avança, no domínio do cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que não excedam o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância, com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado”.

V. E logo no artigo 1.º do DL citado se concretiza o enunciado, quando se refere “(…) que o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos (…)”.

W. Sendo que, como já se disse, nem sequer é possível juntar documentos com o requerimento de injunção, sendo a prova produzida em sede de audiência – cfr. n.º 4 do artigo 3.º do citado diploma legal.

X. Mais, no artigo 10.º regula-se concretamente a forma e conteúdo do requerimento, mais uma vez se estatuindo que os factos devem ser sucintamente expostos, ou seja, não exaustivamente, e que o pedido deve ser formulado com a discriminação do valor de capital, juros vencidos e outras quantias devidas, cfr. alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 10.º.

Y. Portanto, dúvidas não restam que foram cumpridos pela Recorrente todos os procedimentos e requisitos legalmente exigíveis no requerimento de injunção apresentado com a referência Citius 6201370.

Z. A Recorrente identificou correctamente as partes envolvidas, discriminou devidamente os valores devidos a título de capital e juros, indicou expressamente o tipo de relação jurídica em causa, data, e identificou ainda expressamente cada uma das facturas que titulam a dívida, com indicação do n.º de identificação das mesmas, valor e datas de vencimento e juros vencidos.

AA. Alegando a causa de pedir, o incumprimento pela Recorrida das suas obrigações, por falta de pagamento daquelas facturas, cfr. ponto 2 da injunção.

BB. Portanto, causa de pedir (incumprimento da Recorrente por não pagamento das facturas identificadas pela Recorrente) e pedido (quantia pecuniária, identificando-se capital e juros vencidos e datas concretas de vencimento e cálculos dos juros), estão correctamente formulados.

CC. E mesmo que assim não fosse, o que não se concede e apenas por mero dever de patrocínio se cogita, poderia e deveria sempre o tribunal, ao abrigo dos mais diversos princípios legais, designadamente do princípio da cooperação e do inquisitório, com o objectivo de zelar pela descoberta da verdade material e pela realização de justiça, convidar ao aperfeiçoamento das peças processuais, conforme resulta do n.º 3 do artigo 17.º do citado DL, se necessário.

DD. O que não sucedeu.

EE. Se entendia que faltaria concretizar algum facto, isto porque, já aqui demonstramos que nunca se poderia interpretar no sentido da inexistência ou insuficiência insanável da causa de pedir ou do pedido, deveria promover a apresentação de requerimento para aperfeiçoamento do requerimento de injunção, visto que, quanto muito, poderia ser necessário algum esclarecimento inerente a própria simplicidade da injunção e da impossibilidade de junção de documentação.

FF. Mais, o que é certo é que a Recorrente pôde mesmo juntar documentação antes da audiência de julgamento, apesar do DL apenas prescrever a produção de prova naquela sede.

GG. Isto porque, convidada a Recorrente pelo tribunal a quo para se pronunciar sobre as excepções de ineptidão e prescrição invocadas pela Ré, aquela assim o fez no requerimento com a referência Citius 7072280.

HH. Argumentando factualmente e aplicando o direito, e juntando as facturas enunciadas no requerimento de injunção e para as quais aqui remetemos.

II. Julgando-se que esse requerimento apresentado teria sido suficientemente esclarecedor, ademais porque a Requerente aproveitando o mesmo, juntou as facturas enunciadas no requerimento de injunção, comprovando que aquele requerimento de injunção tinha sido devidamente elaborado.

JJ. Visto que as facturas juntas comprovam que a Recorrente indicou devidamente a causa de pedir, bem como, o pedido, no procedimento de injunção.

KK. Ou seja, o incumprimento pela Ré da sua obrigação de pagamento das facturas emitidas e enviadas pela Recorrente, no valor total ali indicado e titulado pelas referidas facturas.

LL. Aliás note-se, a título de comentário, que se o requerimento de injunção apresentado tivesse alguma deficiência que implicasse a sua ineptidão, então a maioria dos requerimentos de injunção apresentados seriam ineptos, pois a Recorrente detalha o número de cada factura incumprida, a data de vencimento e os cálculos de juros discriminado, preenchendo ainda todos os campos do formulário de injunção.

MM. O que não, se formos analisar muitos dos requerimentos de injunção apresentados diariamente não sucede.

NN. Não que estejam indevidamente formulados nos termos das exigências legais, mas não são certamente tão pormenorizados e exaustivos como aquele apresentado pela Recorrente e que aqui se discute.

OO. E, voltando-se a utilizar os argumentos constantes do requerimento ali apresentado pela Recorrente, datado de 04.09.2020, com a referência Citius 7072280, o que é certo é que a falta de causa de pedir prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, consubstancia uma inexistência absoluta de causa de pedir, o que no caso dos autos não se verifica.

PP. Citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. n.º 7034/15.9T8VIS.C1, disponível em www.dgsi.pt segundo o qual “A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir). A petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC). A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida”.

QQ. Reiterando-se que causa de pedir nos presentes autos é o incumprimento da obrigação de pagamento de preço, sendo facto essencial a invocação da existência de obrigação e o não pagamento do preço, factos esses alegados na petição de injunção.

RR. Com o devido respeito, a leitura da decisão do tribunal a quo denuncia um conjunto de normas e jurisprudência das quais não pode resultar a conclusão que a Recorrente não invocou devidamente a causa de pedir e identificou o pedido.

SS. E isso torna-se óbvio quando resulta da sentença recorrida a alegada insuficiência da causa de pedir e do pedido e consequente decisão da ineptidão da injunção, ao afirmar que o “(…) requerimento injuntivo contém um enunciado fáctico deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, pois não expõe, designadamente, os termos concretos do contrato celebrado entre o Réu e o Banco Cedente que dá origem ao alegado crédito cedido”.

TT. Novamente lembrando-se que não são sujeitos processuais entidades bancárias nem o objecto qualquer contrato, muito menos no âmbito da cessão de créditos!

UU. E continua concluindo inevitavelmente de forma errada por usar as premissas erradas “Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido. In casu, a Requerente/Autora, não satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir, remetendo para documentos/ facturas o que é manifestamente insuficiente.”

VV. Por tudo o exposto, e com o devido respeito, a decisão recorrida deambula por um conjunto de argumentos jurídicos dos quais não é possível concluir, uma vez mais se afirma, pela ineptidão da injunção no caso em apreço.

WW. Sendo forçoso concluir que a decisão recorrida é deficiente, juridicamente infundada e ininteligível.

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.


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A única questão a resolver consiste em saber se se verifica a excepção dilatória da nulidade de todo o processo devido a ineptidão do requerimento de injunção por falta de indicação da causa de pedir.

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Os factos relevantes para a decisão do recurso são os seguintes:

1 – No requerimento de injunção, a recorrente alegou o seguinte:

“Contrato de: Fornecimento de bens ou serviços

Data do contrato: 03-05-2013

Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:

1. No âmbito e exercício da sua actividade, a Requerente prestou serviços/venda de mercadorias à Requerida.

2. Nesses termos, foram emitidas pela Requerente facturas que não foram regularizadas pela Requerida.

3. Pelo exposto, encontram-se em dívida os seguintes montantes:

Factura n.º (…), no valor de 6.749,73 € + juros entre 11/04/2013 e 06/03/2019 (116,09 € (81 dias a 7,75%) + 255,20 € (184 dias a 7,50%) + 242,67 € (181 dias a 7,25%) + 243,29 € (184 dias a 7,15%) + 235,97 € (181 dias a 7,05%) + 239,88 € (184 dias a 7,05%) + 237,28 € (182 dias a 7,05%) + 238,18 € (184 dias a 7,00%) + 234,30 € (181 dias a 7,00%) + 238,18 € (184 dias a 7,00%) + 234,30 € (181 dias a 7,00%) + 238,18 € (184 dias a 7,00%) + 84,14 € (65 dias a 7,00%))

Factura n.º (…), no valor de 471,35 € + juros entre 10/04/2013 e 06/03/2019 (8,21 € (82 dias a 7,75%) + 17,82 € (184 dias a 7,50%) + 16,95 € (181 dias a 7,25%) + 16,99 € (184 dias a 7,15%) + 16,48 € (181 dias a 7,05%) + 16,75 € (184 dias a 7,05%) + 16,57 € (182 dias a 7,05%) + 16,63 € (184 dias a 7,00%) + 16,36 € (181 dias a 7,00%) + 16,63 € (184 dias a 7,00%) + 16,36 € (181 dias a 7,00%) + 16,63 € (184 dias a 7,00%) + 5,88 € (65 dias a 7,00%))

4. Perfazendo a quantia total em dívida de € 10.256,99, correspondendo € 7.221,08 a titulo de capital, € 3.035,91 a título de juros vencidos desde as respectivas datas de vencimento e até 6.03.2019.

5. Aos montantes indicados, acrescem ainda juros vencidos e vincendos à taxa legal comercial aplicável para os períodos correspondentes”.

2 – Ambos os réus deduziram oposição, arguindo, além do mais, a nulidade processual decorrente da ineptidão do requerimento de injunção por falta de indicação da causa de pedir.

3 – Em 04.07.2020, o tribunal a quo proferiu despacho ordenando a notificação da recorrente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, além do mais, sobre a invocada ineptidão do requerimento de injunção.

4 – Na sua resposta, a recorrente disse, nomeadamente, o seguinte:

“(…) as facturas mencionadas na petição de injunção foram emitidas e enviadas a (…), face à qual as Rés são habilitadas, resultando as mesmas de orçamento aprovado por esta – Cfr. Documento n.º 1 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

3. E tal facto é do conhecimento das Rés – ou devia ser – dado que, como legítimas herdeiras, encabeçam as relações patrimoniais da falecida.

4. Nessas mesmas facturas, encontram-se discriminados os concretos bens e quantidades vendidas, bem como a identificação comercial da Autora, sendo do conhecimento público a sua actividade, tanto mais que a sua firma identifica com clareza o objecto desta sociedade comercial.

(…) a Autora vendeu o material constante das facturas emitidas e enviadas a (…), na qualidade de directora financeira da Revista (…) de Portugal, actualmente representada por (…) – familiar das Rés. Foi nessa circunstância que a Autora aceitou vender mercadoria àquela pois não enceta relações comerciais com consumidores finais, mas tão-só com industriais e comerciantes.

14. Era responsabilidade da dita (…) colocar no mercado a Revista (…) de Portugal, dai auferindo rendimento.

15. Tanto mais que todos os contactos realizados com a falecida Ré foram por intermédio do dito (…) que sempre se intitulou “Director” da referida revista.

16. Com efeito, atente-se no pedido de encomenda feito por (…) em nome de (…), datado de 4 de Abril de 2013 às 17:00, relativo ao orçamento n.º 23229 que deu origem às sobreditas facturas. Neste, a (…) intitula-se “A Diretora Financeira da Revista (…) de Portugal” (sic) – Cfr. Documento n.º 2 que ora se junta e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

17. Às 15:49 do mesmo dia, o mesmo (…) já havia enviado comunicação de aprovação revelando que “Aprovamos o orçamento apresentado para revista (…) de Portugal” – Cfr. Doc. 2 já junto.

18. Resulta assim que estamos perante mercadorias que foram destinadas à actividade comercial de … (…).”

5 – Com a peça processual descrita em 4, a recorrente juntou cópias das facturas mencionadas no requerimento de injunção e dos restantes documentos naquela referenciados.

6 – Em 08.10.2020, o tribunal a quo proferiu despacho com o seguinte teor:

“Notifique a A para, no prazo de 10 dias, densificar a causa de pedir indicando a data de celebração do contrato, as concretas prestações acordadas, o local, os prazos e a verificação do incumprimento.”

7 – Na sua resposta, a recorrente disse, nomeadamente, o seguinte:

“(…) a causa de pedir incide sobre as facturas mencionadas na petição de injunção que foram emitidas e enviadas a (…), resultando as mesmas de orçamento aprovado por esta conforme documento já junto.

Na sequência dessa aprovação foi vendida e aceite pela falecida (…), a mercadoria melhor discriminada na fatura n.º (…), no valor de € 6.749,73 e n.º (…), no valor de € 471,35, emitidas pela Autora a 11.04.2013 e 10.04.2013, respectivamente.

Os bens facturados foram entregues pela Autora à adquirente nas datas supra mencionadas.

As facturas tinham vencimento nessas mesmas datas, ou seja, estavam a pagamento imediato.

O pagamento era exigido na íntegra e nas datas de vencimento constantes nas facturas, pelo que é essa a data do incumprimento.

O pagamento devia ser realizado na morada constante das faturas emitidas, ou seja, na morada da sede da Autora.”

8 – Em 12.11.2020, o tribunal a quo proferiu a sentença recorrida, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“No caso concreto está em causa um processo especial simplificado, de natureza declarativa: a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais [AECOPs] com origem em procedimento de injunção, regulada tanto pelas disposições que lhe são próprias, como, subsidiariamente, pelas disposições gerais e comuns do processo civil disciplinador do processo declarativo comum – artigo 549.º, n.º 1, do CPC.

Dispõe o artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que no requerimento injuntivo «deve o requerente (...) expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão», factos esses que se reconduzem, naturalmente, à causa de pedir, tal como a define o artigo 581.º, n.º 4, do CPC.

Por sua vez, no n.º 3 do artigo 10.º do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, estabelece-se que «Durante o procedimento de injunção não é permitida a alteração dos elementos constantes do requerimento, designadamente o pedido formulado».

O requerimento injuntivo contém um enunciado fáctico deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, pois não expõe, designadamente, os termos concretos do contrato celebrado entre o Réu e o Banco Cedente que dá origem ao alegado crédito cedido.

Dispõe o artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do anexo ao regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que no requerimento de injunção deve o requerente, além do mais, “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”.

A exposição sucinta dos factos que à pretensão processual do requerente servem de fundamento assume particular relevância no contexto do normativo em análise, porque se trata, no fundo, da causa de pedir prevista em geral nos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., susceptível de apreciação jurisdicional no caso de o procedimento de injunção se transmutar em acção declarativa, como ocorreu no caso concreto.

O requerente da injunção não está dispensado de invocar, no requerimento injuntivo, os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, pois que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.

Como a pretensão do requerente só é susceptível de derivar de um contrato a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respectivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos consubstanciadores do seu incumprimento por parte do requerido.

In casu, a Requerente/Autora, não satisfaz o ónus de indicação da factualidade concreta que deve integrar a pertinente causa de pedir, remetendo para documentos/facturas o que é manifestamente insuficiente.

Aplicando em sede de procedimento de injunção os comandos contidos nos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC, dúvidas não há de que o requerente deve expor no requerimento, no local a tal destinado e por forma necessariamente sucinta, os factos que servem de fundamento à sua pretensão, devendo considerar-se como tais os que, em regra, se afiguram constitutivos do seu direito.

Seguido a orientação de Salvador da Costa, a causa de pedir, segundo o princípio da substanciação, traduz-se, no fundo, no facto jurídico constitutivo do direito, ou seja, em determinada factualidade concreta vista à luz do direito (artigo 581.º, n.º 4, do C.P.C.). O seu âmbito é delimitado pelos factos preenchentes das normas substantivas concedentes da pretensão das partes, independentemente da sua valoração jurídica. As suas características são a inteligibilidade, a facticidade, a concretização, a veracidade, a compatibilidade, a juridicidade e a licitude.

A lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisão.

Todavia, a alegação fáctica breve e concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização fáctica em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva.

Não satisfaz, evidentemente, a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a singela alegação supra exposta pela A.

Em conclusão, consideram-se verificada a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, por falta de causa de pedir, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição do Réu da instância, o que se determina [artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, 576.º, n.ºs 1 e 2, 279.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC].”


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O artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, estabelece que, no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”. Não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por aquele regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção, aliás em termos semelhantes aos estabelecidos no artigo 1.º, n.º 1, do mesmo regime jurídico, segundo o qual, na petição inicial da acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, o autor “exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos”.

Por via da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a falta de indicação da causa de pedir na petição inicial da acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou no requerimento de injunção que origine procedimento que, nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, e 17.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, se convole numa acção daquela natureza por efeito da dedução de oposição, determina a ineptidão da petição inicial ou do requerimento de injunção, geradora da nulidade de todo o processo, a qual, por seu turno, constitui uma excepção dilatória, que determina a absolvição do réu da instância [artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b), do Código de Processo Civil].

Na sentença recorrida, entendeu-se que o requerimento de injunção é inepto, por falta de indicação da causa de pedir, e, com base nesse entendimento, julgou-se verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, absolvendo-se os réus da instância.

A recorrente insurge-se contra esta decisão, considerando que a causa de pedir foi indicada no requerimento de injunção, o qual, consequentemente, não é inepto.

No requerimento de injunção, a recorrente indicou, como fonte do direito de crédito invocado, um contrato de fornecimento de bens ou serviços alegadamente celebrado, no dia 03.05.2013, entre ela própria, no exercício da sua actividade, e (…), a quem os recorridos sucederam mortis causa. Ainda de acordo com o requerimento de injunção, o preço dos bens e serviços prestados consta de duas facturas emitidas pela recorrente e cujo pagamento (…) não efectuou, pelo que se encontram em dívida os montantes discriminados no mesmo requerimento.

Isto basta para inviabilizar a conclusão de que o requerimento de injunção é inepto por falta de indicação da causa de pedir. Tenha-se em mente a distinção entre petição inepta e petição meramente deficiente. “Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.”[1]

Ainda que sucintamente, a recorrente expôs os factos que fundamentam a sua pretensão. Esta última funda-se na celebração de um contrato em data e entre pessoas identificadas, no fornecimento de bens pela recorrente em cumprimento desse contrato conforme facturas que também se identificam e na falta de pagamento do preço, que se especifica, pela contraparte. Ainda que exposta de forma sucinta e a carecer de concretização no que concerne aos bens fornecidos, foi indicada a causa de pedir.

Tal concretização dos factos integrantes da causa de pedir que dela careciam foi feita pela recorrente logo na peça processual mediante a qual respondeu às excepções arguidas pelos réus, como resulta dos pontos 4 e 5 supra. Nesse momento processual, a recorrente juntou aos autos, entre outros documentos, as facturas em questão, que discriminam os bens por si fornecidos.

Não obstante, o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir, indicando a data de celebração do contrato, as concretas prestações acordadas, o local, os prazos e a verificação do incumprimento.

Ora, a prolação deste despacho pressupõe que o requerimento de injunção não é inepto por falta de indicação da causa de pedir. Se a causa de pedir não tivesse sido, de todo, indicada, seria logicamente impossível a sua densificação. Só é susceptível de densificação aquilo que existe. Se se estivesse perante uma pura e simples falta de indicação da causa de pedir, o tribunal a quo não poderia convidar a recorrente a aperfeiçoar o requerimento de injunção, pois este seria inaproveitável. O disposto no artigo 17.º, n.º 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, segundo o qual, recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais, tem de ser interpretado em conformidade com o disposto no artigo 590.º, nºs 2, al. b), 4, 5 e 6 do Código de Processo Civil. Perante uma petição inicial inepta por falta de indicação da causa de pedir, é inadmissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento. A finalidade deste é o mero suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada e não de um vício tão grave como o da ineptidão da petição inicial.

Portanto, a sentença recorrida acaba por ser contraditória com o despacho mediante o qual o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir. Ao proferir este último, o tribunal a quo já reconhecera que, ainda que com insuficiências ou imprecisões, o requerimento de injunção não era inepto por falta de indicação da causa de pedir.

Na sequência da sua notificação para proceder à densificação da causa de pedir, a recorrente pronunciou-se nos termos descritos no ponto 7 supra, alegando, nomeadamente, o seguinte: na sequência da aprovação de orçamento apresentado, foi vendida e aceite, pela falecida (…), a mercadoria discriminada nas facturas nºs (…), no valor de € 6.749,73 e (…), no valor de € 471,35, por si emitidas em 11.04.2013 e 10.04.2013; estas facturas foram enviadas à referida (…); os bens facturados foram por si entregues à adquirente nas datas supra mencionadas; as facturas tinham vencimento nessas mesmas datas, ou seja, estavam a pagamento imediato; o pagamento era exigido na íntegra e nas datas de vencimento constantes nas facturas, pelo que é essa a data do incumprimento; o pagamento devia ser realizado na morada constante das facturas emitidas, ou seja, na morada da sede da recorrente.

Após tudo isto, é impossível concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que falte a indicação da causa de pedir. Ao contrário, é patente o fundamento da pretensão da recorrente.

Consequentemente, impõe-se revogar a sentença recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos.

Custas a cargo dos recorridos.

Notifique.


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Sumário:

(…)


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Évora, 14 de Julho de 2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata __________________________________________________



[1] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, p. 372.