Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
504/14.8TXEVR-B.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO GERAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – A a lei impõe, ao ponderar a possibilidade de concessão da liberdade condicional, a exigência de precaver a operatividade da prevenção geral positiva, instituindo que a mesma serve a defesa da sociedade.
II – Não deve ser concedida a liberdade condicional, após cumprir metade da pena, ao arguido condenado na pena de cinco anos e cinco meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, face à natureza do crime cometido (tráfico de estupefacientes), às respectivas características (muito nefastas, pois afectam a sociedade em geral, sendo a causa da destruição de um elevado número de cidadãos e do desmantelar das respectivas famílias, a que acresce, não só, a sua associação ao contexto de actuação em grupo, com deslocações a Marrocos para transporte de elevadíssima quantidade - 1800 Kg. - de haxixe, mas também, a apetência para a reincidência deste tipo de delitos, por gerarem lucros prodigiosos), ao dolo intenso do arguido e à gravidade expressiva da sua conduta.
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 504/14.8TXEVR-B.E1
Reg. N.º 980

Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1 - Por sentença de 22-09-2017, proferida no PGLC. n.º 504/14.8TXEVR-B, do Tribunal de Execução de Penas da Comarca de Évora - Secção Única, não foi concedida a liberdade condicional ao recluso, BB, melhor identificado nesses autos, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Olhão, que havia sido condenado, na pena de prisão de 05 anos e 05 meses que lhe foi aplicada no processo n.º 5/14.4FAVRS, do Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 5, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.

2 - O arguido, inconformado, interpôs recurso dessa decisão. Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“1. Por sentença datada de 22-09-2017, não foi concedida a liberdade condicional ao ora recorrente,
2. O ora recorrente não se conforma com a decisão recorrida porquanto esta é absolutamente violadora dos critérios de justiça e bem assim dos objectivos de ressocialização dos condenados em processo criminal.
3. Estabelece o n° 9 do Preâmbulo do Código Penal, que a liberdade condicional tem como objetivo "criar um período de transição entre a prisão e liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da coletividade.”
4. O instituto da liberdade condicional surge assim ligado a uma perspectiva de prevenção especial positiva (ou de socialização) do recluso, surgindo inicialmente como resposta ao aumento significativo do fenómeno da reincidência.
5. Tal instituto visa a reinserção social dos reclusos condenados a penas de prisão de média ou longa duração através da sua libertação antecipada, preparando-os para a liberdade definitiva.
6. E como tal deveria ter sido concedida a liberdade condicional ao ora recorrente visando a sua ressocialização, a sua reinserção social e a sua adaptação à liberdade para que consiga conduzir a sua vida junto da sociedade.
7. Assim entende-se que o ora recorrente cumpre os requisitos para a concessão da liberdade condicional, ao contrário do vertido na sentença recorrida, pois resulta dos factos dados corno provados que o recluso.
8. Contrariamente àquele que foi o entendimento da sentença recorrida as circunstâncias fácticas supra descritas, de o recluso assumir a prática dos crimes, de referir estar arrependido, de cumprir pena em regime aberto virado para o interior desde 08-03-2017, de em 08-08-2017 lhe ter sido concedido o Regime Aberto no Exterior e de já ter usufruído de urna licença de saída jurisdicional, que decorreu sem incidentes, de não registar punições de cariz disciplinar, de trabalhar com desempenho muito positivo, de frequentar o curso de português para falantes de outras línguas, uma unidade de formação de curta duração c o curso profissional de pedreiro e ladrilhador e já ter emprego assegurado no exterior no sector da restauração, possibilitam que se faça um juízo de prognose favorável, nos termos do disposto no artigo 61.º n.º 2 do Código Penal.
9. Por outro lado resulta dos factos provado n.º 4 e 5 que o ora recorrente mostra arrependimento e reconhece e assume a prática do crime.
10. Daí que não se compreenda, nem se aceite o motivo pelo qual não foi concedida a liberdade condicional ao aqui recorrente, pois encontram-se validamente e regularmente preenchidos os pressupostos formais e materiais da concessão da liberdade condicional ao recorrente.
11. Dos factos provados consta que o recluso teve uma evolução que nos permite considera-lo apto para, uma vez em liberdade, levar uma vida conforme ao Direito.
12. O ora recorrente bem sabe que não correspondendo às expectativas que lhe são depositadas, poderá ver revogada a liberdade condicional e retomar ao sistema prisional.
13. Juízo esse que não foi feito, nem tais factos foram tidos cm consideração, nem relevados em sede de sentença final, o tribunal "a quo" bastou-se em dar como reproduzidos as considerações feitas acerca do crime de tráfico de estupefacientes.
14. Os factos provados permitem-nos formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o recluso conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes,
15. O tribunal "a quo" ao ter decidido não conceder a liberdade condicional ao ata recorrente viola o disposto no artigo 61.° do Código Penal, assim como a finalidade politica-criminal do instituto de liberdade condicional e a prevenção especial positiva ou de socialização.
16. Este tem sido o entendimento da nossa jurisprudência nomeadamente dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, processo n." 317/12.1TXCBR-F.P1, datado de 06-11-2013 e processo n.º 698/U.OTXPRT-F.P1, datado de 18-02-2015.
17. Devendo a decisão recorrida ser revogada por violação do princípio das finalidades das penas, em particular da reintegração do agente na sociedade e do princípio da dignidade da pessoa humana.
18. A decisão recorrida viola os artigos 40.º, 56.º e 64.º todos do Código Penal e bem assim os artigo 30.º e 32.º da nossa Constituição, e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso, e em consequência determinar-se a revogação da sentença recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao ora recorrente, assim Se fazendo JUSTIÇA! ”

3 - Foi dado cumprimento ao preceituado no art. 411º n.º 6, do C.P.P., tendo o M.ºP.º apresentado a sua resposta, concluindo: “(…)
“1ª - O recurso deve ser rejeitado por incumprimento, irremediável, dos requisitos de impugnação relativamente à alegada violação do disposto nos arts. 56-° e 64-°, do CP e dos arts. 30-° e 32-°, da CRP, estabelecidos no art. 412-°, n.º 2, do CPP, que, nessa parte, obsta ao conhecimento do seu objecto, e porque - não tendo impugnado o juízo de não verificação do requisito material da concessão da liberdade condicional expresso na decisão impugnada, com referência ao art. 61-°, n.º 2, al. b), doCP, e que basta para a suportar - é manifestamente improcedente.
2ª Se assim não for decidido, deve ser mantida a douta decisão recorrida, por não se verificarem os requisitos materiais legalmente exigíveis, estabelecidos no art. 61º, nº 2, als. a) e b), do CP, da concessão da liberdade condicional pedida pelo recorrente e o recurso ser julgado improcedente.
“Vossas Excelências, porém, melhor decidirão como for de direito e de justiça.”.”.

4 - A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto concluindo:
“Cumpre desde já referir que os pareceres emitidos pelas entidades competentes produziram pareceres desfavoráveis à concessão ao arguido da liberdade condicional, sendo que quer o Conselho Técnico, quer o Ministério Público emitiram parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.
O recluso não regista infracções disciplinares, pelo que contabiliza comportamento prisional adequado.
Cumpre pena em regime comum e beneficiou de uma licença de saída jurisdicional, positivamente avaliada.
Tem assegurada actividade laboral, quando restituído à liberdade e tem apoio familiar.
Porém, diferente é o grau de exigência da Ma. Juiz que, considera que o crime praticado pelo recluso é muito grave, pela elevadíssima quantidade de produto estupefaciente traficado, com recurso ao tráfico internacional, sendo a danos idade social muito elevada, o que não consente a sustentação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.
Pelo que, e face às circunstâncias supra mencionadas somos de parecer que o recurso deverá improceder.”.

5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º do C.P.P.
6 - Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar e decidir

II - Fundamentação
2.1 - O teor da sentença recorrida, na parte que importa , é o seguinte:
“A) Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, considera o Tribunal que se mostram provados os seguintes factos:
1º O recluso encontra-se a cumprir a pena de prisão de 05 anos e 05 meses que lhe foi aplicada no processo n.º 5/14.4FAVRS, do Juízo Central Criminal de Faro – Juiz 5, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (participou, com outro indivíduo, numa operação de transporte de cerca de 1800 kg de haxixe, proveniente de Marrocos).
2° O início da execução desta pena retroage a 18/11/2014 e a sua execução foi liquidada nos seguintes termos: meio em 02/08/2017, 2/3 em 28/06/2018 e termo em 18/04/2020.
3° O recluso tem outros antecedentes criminais, tendo sido condenado em Espanha pela prática de um crime de injúria ou resistência a representante da autoridade pública.
4° Assume a prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado na pena de prisão agora em execução, que contextualiza num quadro de dificuldades económicas.
5° Reconhece ter causados danos a terceiros e à sociedade em geral, assim como à sua família.
6° O recluso cumpre a pena em regime aberto virado para o interior desde 28/03/2017, estando a decorrer o processo com vista à colocação em regime aberto virado para o exterior.
7° Não regista punições de cariz disciplinar.
8° Gozou uma licença de saída jurisdicional, que decorreu sem incidentes.
9° Trabalha com desempenho muito positivo.
10° Frequentou o curso de português para falantes de outras línguas, uma unidade de formação de curta duração e o curso profissional de pedreiro e ladrilhador.
11 ° Uma vez em liberdade o recluso irá residir com a companheira e os enteados. 12° Tem emprego assegurado no exterior, no sector da restauração.
*
B) Motivação
Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:
a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena - fls. 2 a 13.
b) Ficha biográfica do recluso - fls. 30 a 32.
c) Relatórios da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - fls. 33 a 36 e 47 a 52.
d) Certificado do registo criminal- fls. 37 a 44.
e) Declaração de trabalho - fls. 58.
f) Declarações do recluso - fls. 60.
(…)”.

III - Conclusões do recurso
3.1 - O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.
Trata-se de um verdadeiro ónus de alegação e motivação do recurso, devendo o recorrente" formular com rigor o que pede ao tribunal".
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

3.2 - Portanto, o tribunal de recurso tem de se ater, tão só, às conclusões da motivação, não podendo conhecer de outras considerações e argumentos que não as integrem, para além dos vícios e das nulidades insanáveis supra mencionadas.
Assim, as questões suscitadas no presente recurso é:
- O Tribunal a quo deveria ter concedido a liberdade condicional, pois estão preenchidos todos os requisitos do art. 61º, do C.P;
- Ocorreu violação do disposto nos arts. 40°, 56°, 61° e 64º, do CP e nos arts. 30-0 e 32-°, da CRP.

IV - Com interesse para a análise do objecto do recurso refere-se o seguinte:
O recluso encontra-se a cumprir a pena de prisão de 05 anos e 05 meses que lhe foi aplicada no processo n.º 51/14.4FAVRS do Juízo Central Criminal de Faro - Juiz 5 pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (participou, com outro indivíduo, numa operação de transporte de cerca de 1800 kg de haxixe, proveniente de Marrocos).
O início da execução desta pena retroage a 18/11/2014 e a sua execução foi liquidada nos seguintes termos: meio em 02/08/2017, 2/3 em 28/06/2018 e termo em 18/04/2020.
O recluso tem outros antecedentes criminais, tendo sido condenado em Espanha pela prática de um crime de injúria ou resistência a representante da autoridade pública.
Assume a prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado na pena de prisão agora em execução, que contextualiza num quadro de dificuldades económicas.
Reconhece ter causados danos a terceiros e à sociedade em geral, assim como à sua família.
O recluso cumpre a pena em regime aberto virado para o interior desde 28/03/2017, estando a decorrer o processo com vista à colocação em regime aberto virado para o exterior.
Não regista punições de cariz disciplinar.
Gozou uma licença de saída jurisdicional, que decorreu sem incidentes.
Trabalha com desempenho muito positivo.
Frequentou o curso de português para falantes de outras línguas, uma unidade de formação de curta duração e o curso profissional de pedreiro e ladrilhador.
Uma vez em liberdade o recluso irá residir com a companheira e os enteados. 12° Tem emprego assegurado no exterior, no sector da restauração.

V - Questões do recurso
5.1 - O recorrente, nos termos já mencionados, equaciona falta de correcção da decisão recorrida, isto é, é injustificado o indeferimento da concessão da liberdade condicional.
A liberdade condicional tem como finalidade a criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, para readaptação do delinquente à vida em sociedade, dado o tempo e os efeitos da reclusão. Resumindo a sua «finalidade específica é de prevenção especial positiva ou de socialização».
O art. 61º, do C. Penal estabelece, portanto, os requisitos, formais, da sua concessão, que são:
O recluso tenha cumprido ½ ou no mínimo, 6 (seis) meses de prisão;
Que aceite ser libertado condicionalmente.
Todavia, a sua concessão, por outro lado, comporta pressupostos, de natureza substancial, que são:
Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
Que a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social; (exceptuado o disposto no nº 3 do preceito em causa)
Portanto, a citada al. a) assegura uma finalidade de prevenção especial enquanto que o da alínea b) prossegue um escopo de prevenção geral.
A efectiva reinserção do condenado social, isto é, a condução da vida, em liberdade, de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes, é o propósito da liberdade condicional. Essa finalidade é conseguida, através da análise das circunstâncias do caso, do passado do condenado, da sua personalidade, do seu desenvolvimento, no decurso da execução da pena de prisão.
Acresce que, a lei impõe, ao ponderar a possibilidade de concessão da liberdade condicional, a exigência de precaver a operatividade da prevenção geral positiva, instituindo que a mesma serve a defesa da sociedade.
No caso concreto, não se questiona a verificação dos requisitos denominados formais, dado que o condenado já cumpriu mais de ½ da pena de prisão em que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional caso esteja em condições de lhe ser concedida.
Acresce que não esquecemos a jurisprudência fixada pelo STJ no Ac. nº 3/2006, de 23/11/2005, nos seguintes termos: “Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61º e 3 do artigo 62º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional”.
No caso “sub judice” a pena única imposta é inferior a esta.
Relativamente aos restantes pressupostos, os factos provados não eram susceptíveis de integrar um juízo de prognose favorável, de modo a afirmar-se que o recluso conduziria a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Porquanto, apesar de resultarem verificados “aspectos positivos na evolução do recluso, como sejam o facto de assumir a prática do crime, de reconhecer o desvalor e a danosidade do mesmo, de ter iniciado a flexibilização do cumprimento da pena, de demonstrar vontade em valorizar-se academicamente e de manter comportamento institucional adequado, quer em meio prisional quer em meio livre aquando do gozo da licença de saída jurisdicional que lhe foi concedida e da sua situação pessoal e familiar do recluso no exterior é positiva em face do apoio de que dispõe por parte da companheira e dos enteados e do facto de ter colocação laboral assegurada, não podemos esquecer que o recluso cometeu um crime muito grave, atendendo desde logo à elevadíssima quantidade de substância estupefaciente traficada e, sabendo as consequências danosas que tal poderiam ter na sociedade não se absteve de assim agir em troca de recompensa monetária, devendo ainda atender-se ao modo de execução do crime (tráfico de estupefacientes internacional).
Em suma, as exigências de prevenção especial são ainda de considerar e, em consequência, não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso.”
Portanto, podemos desde já afirmar, em síntese, que as considerações tecidas se mantêm, no essencial, válidas, não possuindo outros elementos que permitam infirmar o então decidido. Assim, reitera-se que a natureza do crime cometido (tráfico de estupefacientes) e as respectivas características (muito nefastas, pois afectam a sociedade em geral, sendo a causa da destruição de um elevado número de cidadãos e do desmantelar das respectivas famílias, a que acresce, não só, a sua associação ao contexto de actuação em grupo, com deslocações a Marrocos para transporte de elevadíssima quantidade - 1800 Kg. - de haxixe, mas também, a apetência para a reincidência deste tipo de delitos, por gerarem lucros prodigiosos, o dolo intenso do arguido, a gravidade expressiva da sua conduta, são bastantes fortes as exigências de prevenção geral, pelo que a libertação, nesse momento de cumprimento da pena, não seria compatível com a defesa da ordem e da paz social. Ou seja, não estavam satisfeitas as exigências de prevenção geral, podendo a libertação enfraquecer o sentimento de justiça e de confiança na validade da norma jurídica violada e ser interpretada como uma forma de desvalorização de bens jurídicos a que dá particular importância, como é a repressão do tráfico de droga.
A medida concreta da pena aplicada, os antecedentes criminais, a personalidade e a sua evolução durante a execução da pena, entendemos que o recluso carecia de mais tempo de prisão, de modo a que pena produzisse o seu efeito inibitório de evitar que volte a delinquir, isto é, que reforce, pela consolidação de competências pessoais em meio prisional e provimento de modo mais consistente das suas necessidades de reinserção social, as naturais contra-motivações éticas no sentido do respeito pela lei e o direito.
Isto é, ainda não era possível formular um prognóstico individualizado de reinserção social que traduzisse um conteúdo favorável, assente essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adoptaria um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
Consequentemente, devem ser exigidos num nível mais acentuado os graus de exigência da probabilidade séria de que o condenado em liberdade adopte o comportamento socialmente responsável e de não recidiva criminal.
Não sendo possível ajuizar positivamente sobre um futuro comportamento normativo do recluso, não é possível, em consequência, libertá-lo condicionalmente.
Acresce que, não se pode deixar de mencionar, que à data, apesar de estar cumprida mais de metade da referida pena, não se mostravam integralmente satisfeitas essas exigências de prevenção e, é de considerar, como fez a douta sentença, que este cumprimento parcial é insuficiente para o recluso restabelecer a harmonia social e expiar a sua culpa, e, sufragando a mesma decisão, a liberdade condicional afigurava-se incompatível, com a defesa dos princípios de ordem, tranquilidade e paz públicas, requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 61°, do CP, logo, inverificado se mostrava tal requisito que a lei exige para a concessão da liberdade condicional.
Tal não é bom prognóstico para acreditar que, o condenado, uma vez em liberdade conduziria sua vida de forma socialmente responsável, sem cometer crimes.
É, portanto, perfeitamente justificado afirmar-se que os factos provados não permitiam formular o juízo de prognose favorável no sentido de que o recluso conduziria a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Assim e dada a inexistência desses índices, não esquecendo o bom comportamento do recorrente enquanto recluso, não poderíamos efectuar aquele juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional.

5.2 - Por tudo o que ficou exposto, não vislumbramos que a decisão recorrida “ viole os artigos 40.º, 56.º e 64.º, todos do Código Penal e bem assim os artigos 30.º e 32.º da nossa Constituição, e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.”
Nem se consegue descortinar o fundamento da arguição dessa violação.
Porquanto, essas normas jurídicas aludidas são compostas por vários números que contém múltiplos segmentos normativos, como é referido na resposta do MºPº, tendo o recorrente omitido “ a identificação ou individualização dos preceitos e normas alegadamente violados pela decisão impugnada.
Nessa medida, não cumpriu os ónus da impugnação estabelecidos no art. 412-°, n.º 2, do CPP, a começar pelo da alínea a).
De todo o modo, não se vislumbra que aplicação possam ter as normas dos arts. 56° e 64° do CP, relativas aos regimes de execução da pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão e da liberdade condicional concedida, na situação em apreço. Também nenhuma relação possível se descortina entre a regulação dos arts. 30º e 32° da CRP e a situação dos autos.
E, no que concerne a tais preceitos legais, nada consta no "corpo" da motivação nem das conclusões dela extraídas, que possibilite aperceber as razões do entendimento do recorrente sobre a devida aplicação das mesmas e o sentido com que deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
(…)
Esta indefinição, irremediável, do objecto do recurso, obsta ao conhecimento da alegada violação das normas dos arts. 56° e 64°, do CP, e dos arts. 30° e 32°, da CRP.”.
Concluindo, o recurso não merece provimento.

VI - Decisão
Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 unidades de conta, dado que não se mostra verificada a comprovação expressa no art. 4º, al. j), do Regulamento das Custas Processuais (tenha dúvidas sobre esta afirmação).
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas, nos termos do art. 94 n.º 2 do C.P.P.).
Évora, 06/02/2018
Maria Isabel Duarte (relatora)
José Maria Simão (adjunto)