Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
487/20.5T8TMR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CASO JULGADO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Para que se mostrasse verificado o vício de falta de fundamentação do despacho recorrido, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, era necessário que se verificasse uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de tal fundamentação.
II – Na apreciação da nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes, já não aos fundamentos/argumentações invocados.
III – Numa ação em que o litígio que opunha as partes terminou por acordo, não é possível nessa ação vir invocar o incumprimento desse acordo, visto se encontrar já esgotado o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A… (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “D… Unipessoal, Lda.” (Ré), pedindo, a final, que a presente ação seja julgada procedente por provada, e, em consequência:
- seja declarada a nulidade do despedimento da Autora, por ilícita, com as legais consequências;
- seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de €5.156,36, a título de créditos laborais vencidos e não pagos e indemnização, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data de citação e até efetivo pagamento;
- seja a Ré ainda condenada a pagar à Autora todas as quantias vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença e a liquidar em execução desta, acrescido de juros à taxa legal até integral pagamento e desde a data em que se forem vencendo;
- seja a Ré condenada no pagamento das custas, procuradoria e o mais legal.
Realizada a audiência de partes, em 02-07-2020, as partes chegaram ao seguinte acordo:
1- A Autora reduz o pedido para a quantia de €756,36 (setecentos e cinquenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), quantia esta que a Ré se compromete pagar, a título de compensação pecuniária de natureza global, pela cessação e execução do contrato de trabalho.----
2- A quantia acordada, será paga, pela Ré à Autora, até ao dia 16 (dezasseis) do corrente mês, por transferência bancária, cujo IBAN a Ilustre Mandatária da Autora comunicará ao processo, bem como ao Ilustre Mandatário da Ré.----
3- Com o pagamento da mencionada quantia, as partes declaram nada mais terem a haver uma da outra, até ao presente.---
4- Custas em partes iguais, prescindindo as partes das custas de parte.----

Em face de tal acordo, foi proferido, de imediato, o seguinte despacho judicial:
As partes têm capacidade judiciária e o resultado da conciliação é legal, o que se declara, nos termos do art. 52º, n.º 2 do C.P. Trabalho.
Uma vez que a transação que antecede não carece de homologação para produzir efeitos de caso julgado – ver art.º 52º, n.º 1 do C.P.T.- desde já julgo extinta a instância ao abrigo do disposto no art.º 277º, al. d) do C.P.C..
Custas na forma acordada, sem prejuízo do apoio judiciária que a Autora beneficia.----
Fixo à acção o valor de €5.156,36.-------
Registe e Notifique.
Em 06-07-2020, a Autora veio indicar nos autos o seu IBAN, tendo tal informação sido enviada para notificação ao mandatário da Ré em 09-07-2020.
Em 15-07-2020, a Ré respondeu nos seguintes moldes:
Notificada que foi, pelo Douto Tribunal, do IBAN para transferência das verbas objeto da transação que pôs termo à presente lide, vem informar que, após ter sido alertada pela sua contabilidade da existência de penhora dos créditos da A., à ordem da direção de Finanças (Doc. 1) e, após obter junto da Autoridade Tributária, comprovativo de que a penhora se mantinha pendente e guia para pagamento do respetivo crédito (Doc. 2), procedeu ao pagamento do mesmo diretamente à Autoridade Tributária, sob pena de lhe virem a ser imputadas responsabilidade civil e criminal.
Pelo exposto deverá a A. considerar-se paga de todos os valores objeto da presente transação.
Em 31-08-2020, a Autora, em face do requerimento da Ré, veio invocar o incumprimento por parte desta, solicitando que fosse ordenado o cumprimento da obrigação em falta.
Para o efeito, alegou, em síntese, que a ordem de penhora que foi notificada à Ré se reportava à importância mensal líquida de 1/6 do vencimento, inexistindo qualquer ordem de penhora sobre créditos da Autora, designadamente quanto a créditos por compensação, sendo que a Ré procedeu à entrega do montante acordado à Autoridade Tributária, por sua iniciativa e sem consultar a Autora.
Alegou ainda que mesmo que se considerasse que a Ré estava obrigada a entregar algum valor à Autoridade Tributária, nos termos do art. 738.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nunca poderia ser penhorado mais de 1/3 desse valor, sendo que a ordem de penhora apenas se reportava a 1/6.
Em 15-09-2020, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Refs. 6974594 e 7060357:
A Ré estava obrigada a respeitar a penhora ordenada. Estes autos são alheios à execução que pende na Autoridade Tributária, pelo que deverá ser nesses autos que a Autora deverá apresentar oposição à penhora, reclamando os direitos que eventualmente lhe assistam, designadamente, a devolução do crédito que entende que não deveria ter sido pago com respeito a uma dívida sua.
Notifique.
Inconformada com esse despacho, veio a Autora interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A. – O presenta recurso versa sobre um despacho proferido, depois da decisão final, pela Meritíssima Juiz ad quo, que indeferiu o requerimento da Recorrente.
B. – Por sentença, doutamente homologada, a Recorrida foi condenada ao pagamento de 756,36€ à Recorrente, sendo que, sem qualquer autorização ou consentimento da Recorrente, procedeu a esse pagamento à Autoridade Tributária.
C. – Pelo que, a Recorrente requereu ao Tribunal ad quo, que considerasse que a Recorrida não realizou o pagamento em que foi condenada ou, caso assim não se entendesse, apenas poderia ter pago 1/6 da quantia à Autoridade Tributária e o restante à Recorrente.
D. – Em resposta ao requerimento, foi proferido o despacho que agora se recorre, que é nulo, conforme seguidamente se irá demonstrar, por violação do disposto nos artigos 154º, nº1, 615º, nº1, al.b) e al. d) e 613º, nº 3, todos do Cód. Proc. Civil.
E. – Em relação ao primeiro pedido, o despacho viola o dever de fundamentação, uma vez que não é apresentada qualquer fundamentação legal ou apreciação jurídica sobre os argumentos apresentados pela Recorrente.
F. – A Meritíssima Juiz limita-se a indeferir o pedido da Recorrente, ignorando toda a legislação que se aplicava ao caso concreto, e que foi indicada no requerimento.
G. – Desta forma, violou o disposto nos artigos 154º, nº 1 e 615º, nº al. b) (com aplicação por força do artigo 613º, nº3), todos do Cód. Proc. Civil.
H. – Em relação ao segundo pedido feito no requerimento, há uma total omissão de pronúncia no despacho, já que a Meritíssima Juiz não tomou qualquer posição em relação ao mesmo.
I. – Assim, há uma violação dos artigos 608º, nº 2 e 615º, nº 1, al. d), por força do disposto no artigo 613º, nº 3, todos do Cód. Proc. Civil.
J. – Deve ser o despacho considerado nulo!
K. – Por outro lado, deve o requerimento da Recorrente proceder.
L. – A Recorrida foi condenada a pagar à Recorrente a quantia de 756,36€, a título de compensação pecuniária de natureza global, pela cessação e execução do contrato de trabalho.
M. – A Recorrida realizou o pagamento à Autoridade Tributária, incumprindo o que foi doutamente decidido.
N. – Ao contrário do que alega, a Recorrida não tem qualquer ordem de penhora sobre os créditos da Recorrente, mas teve (enquanto era entidade patronal da Recorrente) sobre 1/6 do vencimento da mesma.
O. – Ora, a compensação pela cessação e execução do contrato de trabalho tem natureza jurídica diversa do vencimento, pelo que a Recorrida não tinha qualquer autorização por parte da Autoridade Tributária para penhorar este crédito.
P. – Uma penhora tem que seguir um trâmite legal rigoroso, tendo como fundamental o princípio do contraditório, previsto no art. 45º do Cód. Processo e Procedimento Tributário.
Q. – A Recorrida não foi chamada a pronunciar-se sobre esta “penhora”, sendo por isso a mesma ferida de ilegalidade.
R. - Ademais, por força do artigo 91º, nºs 1, 2 e 4 do Cód. Procedimento e Processo Tributário, era necessário a autorização da Recorrente, para além de que deveria ter existido despacho a autorizar a sub-rogação, que deveria ter sido notificado à Recorrente.
S. – Caso assim não se considere, nunca poderia ter sido o valor total da compensação a ser penhorado, uma vez que o artigo 738º, nº 1 do Cód. Proc. Civil considera que a prestação em causa é relativamente penhorável.
T. – A impenhorabilidade relativa está relacionada com o direito à sobrevivência e à dignidade da pessoa humana, sendo que a prestação aqui em causa prende-se com a satisfação das necessidades económicas da Recorrente (em substituição do salário).
U. – A jurisprudência considera que esta compensação se integra no conceito do art. 738º, nº 1 (vide Ac. Tribunal Relação Porto, 20/2/207, proc. nº 1034/10.2TBLSD-E.P1; Ac. Tribunal Relação Porto, 23/9/2019, 2076/08.3TBOAZ-E.P1; Ac. Tribunal Relação Évora, 28/4/2014, proc. nº 101/14.8TTEVR.E1).
V. – Pelo que, no máximo a Recorrida apenas poderia ter penhorado 1/3 da quantia, sendo que na ordem de penhora apenas contemplava 1/6, pelo que seria esta a proporção máxima penhorável, devendo o restante ser pago à Recorrente.
Nos termos expostos e nos mais de Direito aplicáveis, deve:
I – Dar-se provimento ao presente recurso e, consequentemente,
II – Deve ser declarada a nulidade do despacho,
III – Devendo, o requerimento da Recorrente ser deferido,
IV – Com todas as consequências legais.
Decidam VV. Excelências como se peticiona e será feita CORRETA E SÃ JUSTIÇA!
A Ré não apresentou contra-alegações.
O tribunal de 1.ª instância, pronunciou-se acerca das nulidades invocadas, considerando inexistirem as mesmas, e proferiu despacho a admitir o recurso, tendo, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, no qual o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
A Ré veio responder ao parecer, afirmando concordar com a posição assumida pelo Ministério Público.
Tendo sido mantido o recurso nos seus precisos termos, foram dispensados, por acordo, os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade do despacho recorrido;
2) Inexistência de penhora sobre o montante compensatório; e
3) Limitação do valor da penhora.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que já constam do presente relatório.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) o despacho recorrido é nula; (ii) inexiste penhora sobre o montante compensatório que a Ré acordou pagar à Autora; e (iii), a existir penhora, haveria limitações ao seu valor.

1) Nulidade do despacho recorrido
Segundo a Apelante, o despacho recorrido é nulo, nos termos dos arts. 154.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, als. b) e d) e 613.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil, uma vez que, no requerimento que apresentou, foi pedido ao tribunal a quo que considerasse que (i) a Apelada não realizou o pagamento em que foi condenada ou, caso assim não se entendesse, (ii) apenas poderia ter pago 1/6 da quantia à Autoridade Tributária e o restante à Apelante; e, quanto ao primeiro pedido, o referido despacho não apresentou qualquer fundamentação legal ou apreciação jurídica sobre os argumentos invocados, violando, assim, o dever de fundamentação; e, quanto ao segundo pedido, há uma total omissão de pronúncia no despacho, já que a Meritíssima Juíza não tomou qualquer posição em relação ao mesmo.
Apreciemos.
Dispõe o art. 154.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

Determina ainda o art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do Código de Processo Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Estipula o art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que:
3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.

Importa, em primeiro lugar, referir que o disposto no art. 615.º do Código de Processo Civil aplica-se aos despachos por força do art. 613.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, e aplicam-se ambos os artigos ao processo laboral em face do teor no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.

a) Relativamente à nulidade por falta de fundamentação
Para que se mostrasse verificado o vício de falta de fundamentação do despacho recorrido, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, era necessário que se verificasse uma situação de ausência de fundamentação de facto ou de direito, não bastando, assim, uma mera situação de insuficiência, mediocridade ou erroneidade de tal fundamentação.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 02-06-2016, no âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
II - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.

De igual modo se cita a explanação do professor Alberto do Reis[2] sobre esta específica nulidade:
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Ora, no caso que nos ocupa, e independentemente da justeza da fundamentação apresentada no despacho recorrido, é inegável que no mesmo se concluiu não ser de apreciar o requerimento apresentado pela Apelante por se ter considerado que os presentes autos eram alheios à execução que pende na Autoridade Tributária, entidade onde se sugere que a Apelante “deverá apresentar oposição à penhora, reclamando os direitos que eventualmente lhe assistam, designadamente, a devolução do crédito que entende que não deveria ter sido pago com respeito a uma dívida sua.”
Assim, e ainda que a fundamentação apresentada se mostre deficiente ou errada, inexiste nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, nos termos conjugados dos arts. 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, aplicável em face do disposto no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.

b) Relativamente à nulidade por omissão de pronúncia
Esta nulidade encontra-se particularmente relacionada com o disposto no art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual:
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

A nulidade por omissão de pronúncia (ou por excesso de pronúncia) traduz-se, assim, na violação do dever imposto no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil.
Aliás, conforme bem esclareceu o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado[3]:
(…) resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.

Na realidade, importa não confundir questões colocadas ao tribunal para decidir e fundamentos ou argumentação, sendo que o tribunal apenas se encontra vinculado às questões invocadas pelas partes (tendo de proferir decisão relativamente a todas, com excepção daquelas que tenham ficado prejudicadas por decisões anteriormente tomadas e não podendo decidir de outras a não ser que sejam de conhecimento oficioso), já não aos fundamentos/argumentações invocados.
E isto é assim quer quanto à circunstância de o tribunal não se encontrar obrigado a pronunciar-se sobre toda a argumentação apresentada pelas partes quer quanto à circunstância de poder apresentar argumentação diversa da invocada.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 15-12-2011, no âmbito do processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
IV - A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
V - Como uniformemente tem sido entendido no STJ, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença.

No caso concreto, invoca a Apelante que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a segunda questão que colocou a esse tribunal, ou seja, sobre o facto de a penhora apenas poder incidir sobre 1/6 da quantia que a Apelada lhe devia pagar e não sobre a totalidade dessa quantia.
Acontece, porém, que o tribunal a quo, não se pronunciou nem sobre essa questão, nem sobre a primeira questão (se a Apelada realizou, ou não, o pagamento em que foi condenada), e não se pronunciou por entender que tais questões eram alheias aos presentes autos, sendo competente para as apreciar a “execução que pende na Autoridade Tributária”.
É verdade que mencionou no princípio de tal despacho que a Apelada “estava obrigada a respeitar a penhora ordenada”, mas não retirou qualquer consequência jurídica dessa afirmação, concluindo apenas que não lhe competia apreciar o requerimento, e necessariamente as duas questões nele elencadas, por se reportar a matéria relacionada com a “execução que pende na Autoridade Tributária”.
Deste modo, a não apreciação das duas questões colocadas pela Apelante ao tribunal a quo não consubstanciam uma situação de omissão de pronúncia, uma vez que o referido tribunal fundamentou a sua não apreciação por tais questões serem alheias a este processo e ser competente um outro processo.
Assim, a decisão sobre tais questões ficou prejudicada, sendo esta uma das situações expressamente previstas para a não tomada de decisão sobre as questões colocadas para apreciação (art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Pelo exposto, inexiste nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos arts. 613.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, aplicável em face do disposto no art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.
1) Inexistência de penhora sobre o montante compensatório
Apesar de a Apelante, nas suas conclusões de recurso, apresentar fundamentos para que se considere que a Apelada não cumpriu a sua parte da obrigação resultante do acordo celebrado em 02-07-2020, na realidade, o recurso, por si apresentado, deveria ter incidido, sim, sobre a competência destes autos para decidir tal questão, pois é essa a exata fundamentação do despacho recorrido.
E, ainda que se discorde com a fundamentação apresentada em tal despacho, concordamos na íntegra com a sua decisão.
Efetivamente o cumprimento ou não, por parte da Apelada, da obrigação resultante do acordo celebrado não pode ser decidido nestes autos, visto que neste processo o pedido formulado pela Apelante reportava-se à declaração de nulidade do seu despedimento e a que lhe fossem pagos pela Apelada determinados créditos laborais e uma indemnização, tendo o conflito, relativo a tais pedidos, sido solucionado, por acordo entre as partes, em 02-07-2020, razão pela qual, no mesmo dia, foi julgada extinta a instância, ao abrigo do disposto no art. 277.º, al. d), do Código de Processo Civil.
Deste modo, a não apreciação das questões apresentadas no requerimento de 31-08-2020 pelo tribunal a quo prende-se com o facto de o poder jurisdicional neste processo já se encontrar esgotado, nos termos do art. 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e não com o facto de se tratar de matéria da competência de um processo executivo já pendente.
Na realidade, compete à Apelante, com base no acordo firmado em 02-07-2020, no qual a Apelada se comprometeu a pagar à Apelante a quantia de €756,36, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação e execução do contrato de trabalho, entendendo que essa obrigação não se mostra cumprida, decidir qual o meio mais adequado para fazer valer o seu direito.
Em conclusão, ainda que por fundamentação bem diversa, mantém-se o despacho recorrido, uma vez que, por já se mostrar esgotado o poder jurisdicional neste processo, não é possível decidir as questões suscitadas pela Apelante no requerimento de 31-08-2020.
Dir-se-á ainda que a terceira questão colocada pela Apelante, nas suas conclusões recursivas, por prejudicada, não será apreciada.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido, ainda que com fundamentação diversa.
Custas pela Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.
Évora, 11 de fevereiro de 2021
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
Mário Branco Coelho

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[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.

[2] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 140.

[3] Vol. V, p. 143.