Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/14.0TBTVR-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
QUESTÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Do regime legal constante do DL 272/2012, de 25/10 resulta a proibição de o credor resolver o contrato ou instaurar acção judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito no «período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento».
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 10/14.0TBTVR-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) deduziu embargos de executado à execução que lhe move a Caixa Geral de Depósitos, S.A., invocando omissão de procedimentos legais prévios à execução e o pagamento.
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A exequente contestou.
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Foi proferido saneador sentença que, considerando verificada a falta da integração do embargante no PERSI, excepção dilatória atípica e insuprível, determinou-se a sua absolvição da instância.
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Desta sentença recorre a exequente defendendo a sua revogação.
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O recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Por escrito, perante notário, datado de 5 de Maio de 2004, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. declarou conceder ao ora embargante, (…), que aceitou, dois empréstimos no valor de, respectivamente, € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) e de € 8.000,00 (oito mil euros), para aquisição de habitação própria permanente.
2. No mesmo escrito, o ora embargante declarou-se devedor das quantias supra referidas, a entregar, no prazo de 40 anos, em 480 prestações mensais, de capital e juros, calculados, respectivamente, de acordo com as taxas Euribor e remunerações fixadas em documento complementar anexo.
3. O oponente entregou as sobreditas prestações até Outubro de 2012 e Março de 2013.
4. Desde então, a companheira do executado esteve desempregada.
5. Para liquidação das prestações referidas em 3., o oponente entregou à oposta:
a) € 120,00 em 21/08/2012;
b) € 630,00, em 25/11/2012;
c) € 620,00, em 26/12/2012;
d) € 650,00, em 28/01/2013;
e) € 650,00, em 28/02/2013;
f) € 575,00, em 08/10/2013;
g) € 400,00, em 04/12/2013;
h) € 370,00, em 17/02/2014.
6. Por escrito, datado de 2 de Outubro de 2013, a CGD, SA comunicou ao embargante o incumprimento do contrato, anunciando a sua intenção de recorrer à via judicial para cobrança do valor em dívida.
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O cerne do problema está bem descrito, a nosso ver, neste excerto da sentença:
«Opondo-se à execução que lhe move a ora embargada, o embargante sustenta, em primeiro lugar, e em síntese, que, não tendo beneficiado da implementação do PERSI, falta uma condição prévia à instauração da execução, o que configura uma excepção dilatória inominada e conduz à sua absolvição da instância.
«A embargada não contestou.
«Porém, notificada, nos termos do despacho de fls. 29, veio dizer que o Plano de Regularização das Situações de Incumprimento criado pelo DL n.º 272/2012, de 25 de Outubro, não é aplicável à situação dos autos, porquanto, à data da sua entrada em vigor, já não existia uma situação de mora, mas sim de incumprimento definitivo».
A sentença optou pela posição do embargante e, por isso, julgou procedentes os embargos.
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O que o recorrente alega, no essencial, é que o Decreto-Lei nº. 277/2012, de 25 de Outubro, veio estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de mora de clientes bancários permitindo a renegociação extrajudicial dos contratos de créditos.
Estes princípios e regras estão sujeitos a um conjunto de pressupostos elencados no artigo 39º do diploma.
No caso em concreto, os Executados/Embargantes encontravam-se em mora desde 25-10-2012 tendo a ora Recorrente, com base no artigo 808.º do Código Civil, considerado, em 25-12-2012, o incumprimento definitivo do contrato PT n.º (…).
Assim, tendo em conta o incumprimento definitivo em que os Executados se encontravam em 25-12-2012, não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação do Decreto-Lei nº. 277/2012, de 25 de Outubro.
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Concordamos com a sentença quando nela se afirma que o PERSI «alude a incumprimento em sentido lato, noção que integra as situações de mora, incumprimento defeituoso e, por fim, incumprimento, em sentido estrito, ou definitivo». Mas isto desde que o contrato ainda esteja em vigor, como adiante se verá.
Ao longo do diploma citado são feitas várias referências ao incumprimento dos contratos de crédito indicado no seu art.º 2.º, de que importa agora o da al a): contrato de «crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria».
A situação especialmente visada, como decorre do seu art.º 1.º, al. b), prende-se com a «regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte».
Do regime legal consta a proibição de o credor resolver o contrato ou instaurar acção judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito [artigo 18.º, n.º 1, alíneas a) e b)]; tal proibição vigora no «período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento».
E aqui temos de entrar em linha de conta com a regra de direito transitório estabelecida no art.º 39.º:
«1 – São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há́ mais de 30 dias.
«2 – Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º.
«3 – Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há́ menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º».
O regime do PERSI entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2013 (art.º 40.º).
Defende a recorrente que já tinha considerado resolvido o contrato em Dezembro de 2012, no dia 25.
Mas o que está provado, além de pagamentos efectuados em 2013 e 2014 (n.º 5 da exposição da matéria de facto) é que por «escrito, datado de 2 de Outubro de 2013, a CGD, SA comunicou ao embargante o incumprimento do contrato, anunciando a sua intenção de recorrer à via judicial para cobrança do valor em dívida» (n.º 6).
Conforme decorre do citado art.º 39.º, é exigido que o contrato permaneça em vigor, o mesmo é dizer, que o contrato não tenha sido resolvido anteriormente a 1 de Janeiro de 2013. Sendo a declaração de resolução do contrato uma declaração receptícia, ela só produzirá os seus efeitos depois de chegar ao poder do destinatário, nos termos normais do art.º 224.º, n.º 1, Cód. Civil. Se a declaração (de comunicação de incumprimento do contrato, o que podemos admitir, embora sem segurança, que se refira a uma resolução) apenas foi emitida depois daquela data, é patente, face ao carácter automático da integração dos clientes bancários no PERSI, com a consequente obrigação de informação imposta pelo n.º 2 do art.º 39.º, que tal declaração viola o art.º 18.º, n.º 1, al. a), tal como a presente execução, de que estes embargos são apensos, viola a al. b) do mesmo preceito.
Se, porventura, existiu resolução, que é coisa diferente de considerar o contrato resolvido, esta não é eficaz porque, além da questão da data da sua emissão, é proibida por lei, sendo certo que o objectivo do legislador é, precisamente, o de proteger a parte mais fraca neste tipo de contratos e na situação económica e financeira que então se atravessava. Acresce a isto que esta pretensa resolução foi feita com violação, como se disse, das regras do art.º 39.º. E como é princípio geral de Direito uma pessoa não pode beneficiar do seu próprio ilícito.
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Assim, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 2 de Maio de 2019
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos