Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
24/16.6PEEVR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido pela DGRSP, visa sobremaneira finalidades de prevenção especial positiva, pois pretende-se com ela disponibilizar ao arguido instrumentos de ordem formativa e psicológica que lhe permitam compreender e enquadrar melhor o fenómeno de violência doméstica em que se insere a sua conduta e ao mesmo tempo habilitá-lo a gerir os seus impulsos e conflitos de modo conforme com as exigências impostas pelas normas sociais que nos regem, máxime as de natureza penal.

II - In casu, a sua aplicação mostra-se desde logo justificada pelo propósito de defender a vítima face à conduta pretérita do arguido, através da intervenção ressocializadora do Estado, pois a factualidade provada não permite excluir a hipótese de o arguido voltar a atentar contra a pessoa da ofendida.

III - Para além disso, tratando-se de intervenção educativa na pessoa do arguido, o efeito preventivo especial que se procura com esta pena acessória não se confina à relação entre o arguido e a vítima concreta - embora tenha aí o seu objeto privilegiado -, pelo que a sua aplicação justifica-se ainda pelo propósito de impedir que as causas endógenas do seu comportamento venham a despoletar conduta idêntica contra outras pessoas do seu círculo doméstico.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Évora (Juiz 1) do T. Judicial da Comarca de Évora, foi acusado e sujeito a julgamento em processo comum com intervenção do tribunal singular, AA, casado, motorista profissional de pesados, nascido a 02.06.1957, a quem o MP imputara a autoria material de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152.º n.º 1 alínea b) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal.

2. Realizada Audiência de Julgamento, o tribunal singular decidiu:

- «a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art.º 152.º n.º 1 alínea b) e n.ºs 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime de violência doméstica pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses;

c) Subordinar tal suspensão da execução da pena de prisão aplicada a regime de prova, ao abrigo do previsto nos art.ºs 50.º n.ºs 2 e 3 e 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP, o que se determina;

d) Aplicar ao arguido a pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido pela DGRSP, com a duração de 24 (vinte e quatro) meses, programa esse que pressupõe o acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social, nomeadamente através da realização de entrevistas, a adesão, avaliação e eventual tratamento na área da saúde (problemas aditivos);

e) Aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de contactar com a ofendida MM, por qualquer meio e até por interposta pessoa, e proibição de permanência na residência onde habita a ofendida e do seu local de trabalho e em qualquer local onde esta se encontre a menos de 500 metros de distância da mesma pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada;

f) Arbitrar, nos termos do art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 2.000,00 € (dois mil euros) à ofendida MM, a ser paga pelo arguido AA.»

3. Inconformado, recorreu o arguido extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem integralmente:

«CONCLUSÕES:
1. O presente recurso cinge-se, essencialmente, às seguintes questões, que V. Exas. deverão apreciar:

2. Impugnação da matéria de facto, quantos aos factos julgados como provados e descritos na sentença de 5 a 7, pois a prova produzida impunha decisão diversa, devendo julgar-se como não provados.

3. O Tribunal “a quo” fez uma errada ponderação da prova produzida, pelo que, deverá a matéria de facto ser alterada, considerando-se como não provados os factos 5 a 7 descritos nos factos provados.

4. O que influirá na determinação da medida concreta da pena, devendo esta, ser a decisão revogada, fazendo-se nova ponderação e determinação da pena a aplicar.

5. O Tribunal “a quo” também deveria ter considerado como determinante para a determinação da medida concreta da pena a confissão do arguido.

6. Pois, o arguido assumiu a sua culpa, e, conscientemente, assumiu os seus actos e a responsabilidade pela sua prática, devendo esta circunstância ser considerada a favor do arguido.

7. Provou-se que o arguido nunca mais contactou com a ofendida, que desistiu desta relação, que nunca mais a procurou, nem a ninguém da sua família.

8. Provou-se, contrariamente à versão apresentada pela ofendida, que o arguido não tem antecedentes criminais, nem há sinais nos autos que seja uma pessoa conflituosa.

9. Não se fez prova, a nosso ver, suficiente, para que se diga que este consome alcóol em excesso e que é uma pessoa violenta.

10. O que resultou da prova produzida é que o arguido é uma pessoa integrada familiar e profissionalmente.

11. Que é motorista de pesados de profissão há vários anos.

12. Pelo que, deveria o Tribunal “a quo” ter feito uma ponderação cuidada destas circunstâncias, não o fazendo, errou na determinação da medida concreta da pena e na aplicação das penas acessórias.

13. Concluímos também, que, in casu, ponderadas as circunstâncias em que ocorreram os factos, e em particular as diminutas exigências de prevenção especial que se verificam, a pena aplicada ultrapassa, sem dúvida, a medida da culpa do agente.

14. Deveria o Tribunal “a quo” ter decidido pela aplicação da pena, no seu limite mínimo, suspendendo-a na sua execução, pelo mesmo período, pelas mesmas razões elencadas na sentença proferida.

15. As penas acessórias, uma vez que têm uma função preventiva, apenas adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas se dirige à perigosidade do agente.

16. Visando, sobretudo, prevenir a perigosidade do agente, ainda que tenham também um efeito de prevenção geral, dúvidas não restam que as penas acessórias aplicadas foram excessivas e desproporcionais às exigências que se verificam, in casu.

17. Seria suficiente e adequada a aplicação da pena principal, no seu limite mínimo, suspensa na sua execução, por igual período, ainda que sujeita a regime de prova, sem necessidade de aplicação das penas acessórias.

18. Porquanto, o arguido não apresenta um grau de perigosidade que justifique a sua aplicação.

19. Nem as actuais circunstâncias o exigem.

20. Errou ainda o Tribunal ao determinar o quantum indemnizatório, pois, não se provou qualquer prejuízo, ou sequer que existissem particulares exigências de protecção da vítima, pelo que não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil não deveria ter sido o arguido condenado ao pagamento da indemnização à ofendida.

21. Mais, no âmbito da audiência de discussão e julgamento e de acordo com o registado em ata de audiência de discussão e julgamento não foi cumprido o previsto no artigo 332º, nº 7 do CPP.

22. O arguido ficou prejudicado no seu direito de defesa.

23. O não cumprimento desta formalidade prevista na lei tem como consequência a nulidade, que aqui se argui, com as demais consequências legais.

Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser recebido, julgado procedente, e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, e substituída por outra, que aplique o limite mínimo da pena aplicável, suspensa na sua execução, pelo mesmo período, sem aplicação de penas acessórias e sem arbitrar qualquer indemnização a favor da ofendida, bem assim, se julgue procedente a nulidade invocada, com as devidas consequências.»

4. Regularmente notificado, o MP apresentou resposta ao recurso no sentido da sua total improcedência.

5. Nesta Relação, o senhor Procurador–geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

6. Cumprido o disposto no art. 417º nº1 do CPP, o recorrente nada mais acrescentou.

7. A sentença recorrida (transcrição parcial):

« (…)A. Da matéria de facto provada:

Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:

1 – Durante aproximadamente dezanove anos, o arguido AA manteve um relacionamento amoroso com MM, com quem nunca viveu em comunhão de leito, mesa e habitação, mas em casa de quem, sita na Rua …, em Évora, pernoitava por vezes.

2 – Fruto desse relacionamento nasceu, no dia 30 de Novembro de 1996, DD, filha que o arguido AA nunca reconheceu como sua e a quem se refere como “merda”.

3 – Sucede que, em data não concretamente apurada, o arguido AA, fazendo uso da sua superioridade física e de uma ascendência autoritária, começou a exercer violência física, a ameaçar e a ofender verbalmente MM.

4 – Nessas ocasiões, depois de ingerir bebidas com álcool, o arguido AA dirigia-se a MM e, entre outras expressões, dizia-lhe “vaca”, “puta” e “ordinária”.

5 – Igualmente nessas ocasiões, o arguido AA desferia murros e bofetadas na cara e pontapés no corpo de MM e puxava o cabelo à mesma.

6 – No quadro do descrito comportamento, em data não apurada, mas entre 2009 e 2010, entre a Rua Cândido dos Reis e a Travessa das Morenas, depois de ter ingerido bebidas com álcool, o arguido AA disse a MM “puta”, “vaca”, “ordinária” e que acabava com ela.

7 – Acto contínuo, o arguido AA desferiu murros na cara e pontapés no corpo de MM e puxou os cabelos à mesma.

8 – Nesse quadro, sempre que MM afirmava que não pretendia manter relações sexuais, o arguido AA dizia à mesma “puta”, “vaca”, afirmando que ela não queria por manter relacionamentos amorosos com outros homens e andar de “barriga cheia”.

9 – Então, MM acabava por ceder e manter relações sexuais com o arguido AA.

10 – Em Novembro de 2015, MM terminou o relacionamento amoroso que mantinha com o arguido AA.

11 – Inconformado com o fim do relacionamento, o arguido AA começou a telefonar para MM de dia e de noite, impedindo-a de descansar, e a enviar mensagens escritas à mesma, ofendendo-a na sua honra e consideração e fazendo-a recear pela sua integridade física e vida.

12 – Nesse quadro, o arguido AA remeteu, a partir do telemóvel número 919 ----, de que é utilizador, para o telemóvel de MM, com o número 968 ----, as seguintes mensagens escritas:

- em 15.03.2016 pelas 17 horas e 30 minutos “Vou pedir uma inimisacao do tempo todo ke vou perder tu andas-me a foder”, pelas 18 horas e 25 minutos “A sorte disto é ke o Caeiro tambem sabe ke tu és uma grande puta”, pelas 19 horas e 13 minutos “Por eu não deixar a minha mulher tens me feito a vida negra talves te fodas”;

- em 19.03.2016 pelas 21 horas e 56 minutos “Um Homem ke se mete kom putas está sempre fodido a merda hoje deu um beijo ao cabeleiro e eu pago fodase”,

- em 22.03.2016 pelas 6 horas e 5 minutos “Grande puta contaste á policia ke no casamento da tua sobrinha contrataste a tua familia para me batenrem vaca”,

- em 02.04.2016 pelas 8 horas e 12 minutos “Puta este mês vaisme roubar 100euros duma merda ke não é minha vaca”,

- em 21.04.2016 pelas 5horas e 38 minutos “Olá Puta então a Merda já fode? Kuando emprenha para eu deixar de pagar Vacas”, pelas 5 horas e 49 minutos “Estavas com medo Ke te enterompen-se a foda puta”, pelas 6 horas e 3 minutos “Devias ter ido foder ao Hotel e eu a pagar vaca”, pelas 6 horas e 6 minutos “Já andas a foder a vida a mais algum ou andas com o Pai da merda puta”, pelas 6 horas e 14 minutos “Foste á missa por alma do cabrão do sumol”, pelas 6horas e 22 minutos “Se o sumol te visse a dançar no varão do Avis morria outra ves”, pelas 6 horas e 29 minutos “Vás para o varão do Avis ke o km3 já fechou tens ai a mestra”, pelas 6 horas e 46 minutos “O paneleiro tem levado no cu e não emprenha tem probelemas de gravides?”, pelas 7 horas e 42 minutos “Um dia da semana ke vem vou ao teu trabalho buscar as minhas coisas”;

- em 22.04.2016 pelas 7horas e 44 minutos “O cabo electrico alguma roupa as fotografias triangulos coletes tudo”, pelas 10 horas e 23 minutos “Mete tudo o ke é meu na mala do carro terça ou quarta vou buscar as coisas”, pelas 15horas e 41 minutos “Nao te esquecas da aliança”,

- em 26.04.2016 pelas 10horas e 21 minutos “Aproveita e vai já o ADN”;

- em 27.04.2016 pelas 2 horas e 43 minutos “Devias partir uma perna para ficar de recordaçao Puta”, pelas 8 horas “O teu sofrer é a minha alegria ke tenhas o pior dia da tua vida”,

- em 29.04.2016 pelas 15horas e 11 minutos “Se tens uma boa consciencia desiste dos 100euros sabes ke não tenha nada a ver com essa divida”,

- em 01.05.2016 pelas 9 horas e 31 minutos “Para as ke sao hoje é o dia das Putas desculpe se ofendi”, pelas 9 horas e 59 minutos “Nao realiso o meu sonho verte no hospital toda emtubada a sofrer para morreres vaca”,

- em 02.05.2016 pelas 6horas e 32 minutos “Ontem sais-te de casa ás 11 e meia foste foder para a estrada puta leva a tua filha”, pelas 10 horas e 40 minutos “O maior desgosto ke eu tenho é dizeres ke uma merda é minha filha puta”,

- em 13.05.2016 pelas 10horas e 15 minutos “Eu só sirvo para pagar vaca do caralho grande puta talves um dia te fodas ordinária”, pelas 10 horas e 24 minutos “ Nao me eskeco das putas ke me kiseram foder a vida ordinarias a merda não é minha tu vou provar vaca”, pelas 10 horas e 30 minutos “Os caroços não foram ruins a merda matava-se e eu deixava de pagar”,

- em 25.06.2016 pelas 19horas e 28 minutos “Grande. luta.”, pelas 19 horas e 37 minutos “Grande.puta.o.gajo.a.puem.a.gora.fazes.broche.e.o.do.feicebuk”.

13 – Ainda no referido quadro o arguido AA deixou no telemóvel de MM as seguintes mensagens de voz:

- em 27.02.2016 pelas 8horas e 16 minutos “Vai-te foder ou vaca do caralho ganda puta”,

- em 29.02.2016 pelas 13 horas e 26 minutos “Á filha agente temos que falar e muito tchau”,

- em 13.06.2016 pelas 9horas e 58 minutos “Ganda puta vaca do caralho pra quem não gosta de foder andas-te a levantar muito cedo ganda vaca tchau puta”,

- em 14.06.2016 pelas 0 horas e 2 minutos “Puuuuuuta”.

14 – Igualmente no quadro do descrito comportamento, no dia 12 de Dezembro de 2015 o arguido AA telefonou insistentemente a MM, que nunca atendeu o telemóvel ao mesmo.

15 – Pelas 14 horas, ao chegar ao Hospital do Patrocínio, onde trabalhava, MM reparou que aí se encontrava o arguido AA, que lhe fez sinal para que ela imobilizasse o veículo, que conduzia.

16 – Então, MM imobilizou o veículo e abriu a janela do mesmo, a fim de apurar o que pretendia o arguido AA.

17 – De imediato, sem que nada o fizesse prever ou justificasse, o arguido AA desferiu um soco na face de MM.

18 – Ainda no quadro do descrito comportamento, no dia 17 de Maio de 2016, pelas 7 horas, na Rua Chafariz D’El Rei, em Évora, MM – que se encontrava a acompanhada por SM – cruzou-se com o arguido AA .

19 – Então, o arguido AA olhou para MM, colocou o dedo indicador sobre o pescoço e fez um gesto com o mesmo, simulando que estava a cortar o pescoço.

20 – Nesse momento, MM disse ao arguido AA “tu cortas o pescoço a quem? Quem és tu para cortares o pescoço?”, tendo o mesmo dito “vocês são umas grandes putas, a tua irmã é uma grande puta, dei umas grandes fodas com ela”.

21 – Em todas as ocasiões, em consequência directa e necessária da conduta do arguido AA, MM sentiu dores físicas, humilhação, menosprezo, vexame e receio pela sua vida e integridade física.

22 – Ao agir da forma descrita, o arguido AA sabia que molestava a saúde física de MM, que a ofendia na sua honra e consideração, que fazia com que ela receasse pela sua vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.

23 – O arguido AA actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.

24 – O arguido é motorista profissional de pesados e aufere um vencimento mensal de cerca de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros).

25 – Vive em casa própria na companhia da sua mulher, que é doméstica, e de um filho com 22 anos de idade mas que ainda se encontra a estudar.

26 – Tem o 4.º ano de escolaridade.

27 – O arguido não possui antecedentes criminais.

B. Da matéria de facto não provada:

Não resultou não provada qualquer matéria de facto com relevo para a boa decisão da causa.

C. Motivação:
Tendo sempre como horizonte orientador o disposto no art.º 127.º do Código do Processo Penal, considerando o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, o Tribunal fundou a sua convicção nos elementos probatórios que de seguida se analisam.

O arguido confessou os factos que lhe foram imputados, salvo no que se refere aos pontos 5- a 7- dos factos provados que resultaram assentes através das declarações da ofendida, que os narrou de forma circunstanciada e objectiva, merecendo a credibilidade do Tribunal.

No mais, o episódio ocorrido em 17 de Maio de 2016 foi confirmado pela irmã da ofendida, SM, que apesar de se mostrar nervosa e notoriamente revoltada contra o arguido, descreveu tal ocorrência de forma clara e escorreita e acrescentou, com conhecimento directo, que o arguido tratou mal a sua irmã durante anos, sendo frequentes os insultos, as ameaças e as agressões físicas.

DD, filha do arguido e da ofendida, não escondeu estar de relações cortadas com o arguido mas tal situação não a impediu de produzir um testemunho lúcido e objectivo. Descreveu com precisão a relação que os seus pais mantiveram, sem carinho e pontuada por muitos episódios de violência verbal e física do pai contra a mãe. Sabe que a mãe lhe tentava ocultar os problemas porque tinha a esperança que o arguido a tratasse melhor e que deixasse de renegar a filha. Relatou que o arguido, quando ia a casa da sua mãe, aparecia muitas vezes embriagado e que a sua mãe tinha muito medo dele. Referiu que apesar de actualmente a sua mãe ter refeito a sua vida amorosa, vivendo noutra localidade, ainda tem receio que o arguido a procure ou a incomode quando se desloca a Évora para visitar os filhos ou comparecer a consultas médicas.

O acervo probatório que foi produzido leva-nos a concluir pela confirmação da totalidade dos factos constantes da acusação, não só através do teor das declarações prestadas pelo próprio arguido como pelas da própria ofendida, da sua filha e irmã. A propósito refira-se que é raro existirem testemunhas de factos que consubstanciam a prática de violência doméstica já que, as mais das vezes, os mesmos se passam na intimidade da relação, em momento reservado, ocultado pelo agente e pela vítima (por vergonha), proporcionando àquele um sentimento de impunidade originado nesse particular contexto típico (veja-se, os factos vertidos nos pontos 3- a 9-). Mas isto não significa que a prova dos factos criminosos seja impossível, desde que a mesma se paute pelo respeito pelas regras basilares do direito penal e do direito de processo penal, maxime o princípio da presunção de inocência e dos direitos de defesa do arguido. No seguimento deste raciocínio cumpre referir que as declarações da ofendida, se prestadas com clareza, objectividade, merecedoras da credibilidade do Tribunal, podem ser suficientes para o apuramento dos factos. E é o que aconteceu nos presentes autos no que se refere aos episódios vertidos na acusação pública e que se passaram apenas com a presença de AA e MM.

No mais, para além da própria confissão do arguido, levou-se em conta o teor das transcrições das comunicações de fls. 28 a 30 e 80 a 82.

O único ponto em que as versões apresentadas por AA e MM verdadeiramente divergem situa-se nas razões do arguido para actuar da forma descrita e na motivação da ofendida para continuar a relacionar-se com o mesmo ao longo de tantos anos. Ora, o arguido defendeu-se ao longo do julgamento dizendo que, afinal, a ofendida não passava e nunca passaria de ser sua amante e que gostava de violência física e verbal, nomeadamente durante o acto sexual. Que mesmo quando se separavam, ela queria que ele voltasse a estar com ela, porque gostava da forma como ele a tratava.

Desvalorizou toda a situação, mostrando-se totalmente acrítico mesmo quando confrontado com o texto de algumas das SMS’s que não negou ter enviado à ofendida, mãe da sua filha, em baixo calão e tom agressivo. MM, por seu lado, refere que nunca conseguiu livrar-se de AA, que a perseguia e ameaçava, agredindo física e verbalmente se a mesma negasse a conceder manter com ele relações sexuais. No mais, referiu que apesar de saber que o arguido nunca deixaria a sua mulher, manteve sempre alguma esperança que, pelo menos, cedendo ao arguido, este passasse a tratar melhor a filha de ambos, que sempre renegou e humilhou, apelidando-a de “merda” – o que o próprio arguido confirmou.

Neste particular o Tribunal concluiu que o arguido, motivado pelos ciúmes e pela dependência sexual da ofendida, levando a cabo atitudes violentas contra a mesma, queria e conseguia que a mesma não tivesse liberdade de escolha quanto ao rumo a dar à sua vida, mantendo-a sob uma influência constante à sua vontade. Assim, foi considerado provado que molestou a saúde psíquica de MM, ofendendo-a na sua honra e consideração, fazendo-a recear até pela própria vida, abalando a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade. E, pelas próprias características das condutas levadas a cabo – gritos, insultos presenciais e por mensagens escritas e de voz, agressões físicas violentas e ameaças – o arguido quis praticá-las voluntariamente, sabendo do que as mesmas causariam a MM medo e inquietação, rebaixando-a na sua condição de ser humano que o arguido não queria que fosse livre, e que as mesmas eram proibidas e punidas pela lei penal. E não se coibiu de o fazer mesmo sendo a ofendida mãe da sua filha DD, que vexava constantemente, tratando de forma indigna.

As condições pessoais do arguido foram apuradas com recurso às declarações que o mesmo prestou em audiência, mostrando-se claras e credíveis.

A inexistência de antecedentes criminais do arguido resultou da análise do teor do Certificado junto aos autos a fls. 195.

III. Fundamentação de direito:

A. O enquadramento jurídico-penal dos factos
«(…)

IV. Da escolha das penas principal e acessórias e determinação da sua medida:

Uma vez que concluímos pelo cometimento do crime de violência doméstica pelo arguido cumpre, agora, proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar.

Da pena principal:

A espécie da pena principal aplicável ao arguido pela prática do crime de violência doméstica está fixada ope legis – é a pena de prisão.

O artigo 71.º n.º 1 do Código Penal ordena que a graduação da medida da pena se faça em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção criminal.

Toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que significa que não há pena sem culpa e que a culpa é determinante da medida daquela, sendo seu pressuposto de validade e o seu limite máximo.

A prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade necessita de manter na vigência da norma em questão, e se traduz no mínimo exigível para a medida concreta da pena.

A prevenção especial traduz-se, primordialmente, na função de socialização, que é o objectivo determinante da pena segundo a política criminal vigente.

Por seu lado, o n.º 2 do art.º 71.º enumera, exemplificadamente, algumas das circunstâncias que o julgador deve ter em conta para a determinação da pena a aplicar em concreto ao agente, devendo ser consideradas todas aquelas que, depondo favorável ou desfavoravelmente ao arguido e não fazendo parte do tipo legal preenchido, sejam expressivas da sua culpa e da medida das necessidades de prevenção.

Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para a resposta às necessidades de reintegração social do agente.

Prevê o legislador, para o crime em questão, a punição de pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.

Em sentido desfavorável ao arguido sopesamos o carácter intenso do dolo directo enquanto elemento subjectivo da ilicitude, e a plena consciência da ilicitude da sua conduta. Da mesma forma se valorou o período de tempo em que se verificaram as condutas ilícitas, tendo mantido a ofendida sob o jugo da sua vontade durante anos. Mais se considerou negativamente o facto de a ofendida ser mãe de um dos filhos do arguido e, ainda assim, este não mostrar qualquer sensibilidade ou consciência por forma a evitar tais condutas.

Em sentido positivo apenas se leva em conta que o arguido é dedicado ao trabalho e mantém-se integrado no seu agregado familiar, nada mais se apurando em termos positivos, sendo até de sublinhar que apesar de ter confessado a maioria dos factos que lhe eram imputados, essa confissão não se revelou ser fruto de um qualquer arrependimento, não encerrou em si qualquer contrição do arguido, antes pelo contrário mostrando apenas ser o arguido absolutamente acrítico quanto à matéria dos autos, chegando a culpabilizar a vítima pelos seus actos.

No que toca às exigências de prevenção geral, estas apresentam-se como elevadas, tendo em conta a que este tipo de ilícito é comum e a violência doméstica tem-se revelado um fenómeno transversal na sociedade portuguesa que urge combater.

As exigências de prevenção especial situam-se um pouco acima da média.

E assim, ponderando as razões de prevenção geral e prevenção especial, tudo limitado pela medida de culpa do arguido, entendo ser adequado aplicar-lhe a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Da suspensão da pena privativa da liberdade aplicada ao arguido:

Nos termos do art.º 50.º n.º 1 do Código Penal, verificada que seja a possibilidade de se concluir por um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida que não exceda os 5 (cinco) anos.

Visa a lei, com a aplicação de tal instituto, o afastamento do arguido da prática de novos crimes.

Atendendo às condições de vida do arguido, inserido familiar e laboralmente, não há necessariamente que concluir que o cumprimento efectivo e sem mais da pena de prisão supra determinada é a única forma de resposta às condutas contrárias ao Direito ora manifestadas pelo arguido. De facto, analisando o caso concreto mostra-se ainda possível ao Tribunal formular um juízo de prognose favorável, concluindo-se que a censura do facto e a ameaça da pena manifesta-se como adequada para afastá-lo de novos comportamentos ilícitos no que se refere aos bens jurídicos defendidos pelas normais penais que o mesmo violou desta vez. Pelo que se decide suspender a execução da pena de prisão aplicada por 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

Levando em consideração o disposto no art.º 34.º-B n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência às suas vítimas), por entender que uma suspensão simples não é suficiente para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime, ao abrigo do art.º 50.º n.ºs 2 e 3 do Código Penal temos por necessária a imposição ao arguido de um regime de prova, ao abrigo do previsto no art.º 53.º do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar e a acompanhar pela DGRSP, o que se determina.

Das penas acessórias:

Resultaram provados factos que determinam a necessidade de aplicação das penas acessórias. Efectivamente, atenta a obsessão que o arguido teve pela ofendida e a sua insistência em estar com a mesma, confirmados ainda pelo teor do relatório de risco elaborado e junto aos autos, nos termos previstos pelos n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal, aplico a AA:

- a pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido pela DGRSP, com a duração de 24 (vinte e quatro) meses, programa esse que pressupõe o acompanhamento individualizado assegurado pelo técnico de reinserção social, nomeadamente através da realização de entrevistas, a adesão, avaliação e eventual tratamento na área da saúde (problemas aditivos);

- a pena acessória de proibição de contactar com a ofendida, por qualquer meio e até por interposta pessoa, e proibição de permanência na residência onde habita a ofendida e do seu local de trabalho e em qualquer local onde esta se encontre a menos de 500 metros de distância da mesma pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, e cujo cumprimento não se determina seja fiscalizado através de meios electrónicos de controlo à distância uma vez que a própria ofendida referiu que há mais de um ano não avistava o arguido.

V. Da indemnização a favor da vítima do crime de violência doméstica:

Nos termos do art.º 21.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, à vítima é sempre reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização e tem sempre aplicação o disposto no art.º 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos a que a vítima expressamente se opuser.

Dispõe o art.º 82.º-A n.º 1 do Código de Processo Penal, que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.

No vertente caso, os requisitos formais mostram-se preenchidos – não foi deduzido pedido de indemnização civil, verifica-se a condenação do arguido e a ofendida não se opôs expressamente à fixação da indemnização, embora não a tenha peticionado.

Quanto aos demais requisitos, mostram-se também verificados, uma vez que, conforme se apurou, a ofendida foi humilhada psicologicamente e molestada na sua liberdade em consequência das condutas do arguido, por cerca de vinte anos.

Ora, tal factualidade impõe exigências de protecção da vítima.

Assim, levando em conta as consequências das condutas levadas a cabo pelo arguido e a sua condição económica remediada, decido arbitrar, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, a quantia de 2.000,00 € (dois mil euros) a favor da ofendida MM.».

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso.
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

São as seguintes as questões suscitadas pelo arguido:

- Impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente aos pontos 5), 6) e 7) da factualidade provada, nos termos do art. 412º nº3 do CPP, por considerar que os mesmos devem ser julgados não provados, com as devidas consequências na determinação da medida concreta da pena;

- Pretende que seja alterada a medida concreta da pena principal, nomeadamente em consequência da procedência da impugnação em matéria de facto;

- Pretende que seja revogada a aplicação da pena acessória de proibição de proibição de contactar com a ofendida e da pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido pela DGRSP, com a duração de 24 (vinte e quatro) meses;

- O arguido invoca ainda a nulidade a que se reporta o art. 332º nº7 do CPP, por incumprimento da formalidade aí imposta.

São, pois, estas as questões a decidir.

2. Decidindo.

2.1. A nulidade invocada pelo arguido.
Independentemente de quaisquer considerações relativas ao mérito respetivo, a invocada nulidade por alegada falta de cumprimento do dever de resumir ao arguido o que se passou na sua ausência enquanto depôs a testemunha ofendida é intempestiva, por não ter sido arguida antes de terminada a sessão da audiência de julgamento em que se teria verificado, como impõe o art. 120 º nº 3 a) do CPP, pelo que não há que conhecer da mesma que, assim, sempre se encontraria sanada.

2.2. Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto (pontos 5) a 7))

No ponto 5) dos factos provados afirma-se que o arguido desferia murros e bofetadas na cara e pontapés no corpo da ofendida, MM, e puxava o cabelo à mesma, nas ocasiões aludidas em 3) e 4), ou seja, quando, em data não concretamente apurada, fazendo uso da sua superioridade física e de uma ascendência autoritária, começou a exercer violência física, a ameaçar e a ofender verbalmente MM. Os pontos 6) e 7) da factualidade provada respeitam a um episódio ocorrido entre 2009 e 2010, em que o arguido terá dirigido à ofendida as palavras que se descrevem em 6), atingindo-a fisicamente como descrito em 7).

Diz-se na apreciação crítica da prova a respeito destes pontos 5) a 7), que o arguido não confessou, contrariamente aos demais factos, mas o tribunal a quo julgou-os provados com base “…nas declarações da ofendida que os narrou de forma circunstanciada e objetiva, merecendo a credibilidade do tribunal”.

Para fundamentar a sua impugnação, o arguido e recorrente alega que o tribunal a quo errou ao considerar objetivas e isentas as declarações da ofendida, pois esta no seu íntimo tem uma grande mágoa e revolta contra o arguido, o que pode ver-se, nomeadamente, de a ofendida tenta passar uma imagem de perigosidade e consumo excessivo de álcool que não é suportado por qualquer elemento de prova.

É, porém, manifesta a falta de razão do recorrente, pois a mera convicção subjetiva do recorrente sobre a falta de credibilidade do depoimento da ofendida, contrariamente ao que foi a convicção do tribunal de julgamento, adquirida com respeito pelos princípios da legalidade e da livre apreciação da prova, estabelecidos nos artigos 125º e 127º do CPP, não fundamenta a imputação de erro de julgamento ao tribunal a quo.

Na verdade, como é sabido, entre nós os recursos visam reparar erros de julgamento que em matéria de facto podem traduzir-se na violação de norma de direito probatório (aqui incluindo o princípio in dubio pro reo), de regra do conhecimento técnico ou científico, regra da experiência ou violação da regra inerente ao princípio da livre apreciação da prova e aos princípios da culpa e da presunção de inocência, segundo a qual a decisão tem de assentar em prova para além de qualquer dúvida razoável.

Não sendo alegada e especificamente demonstrada no caso presente a verificação de erro de julgamento por alguma daquelas causas, mas mera discordância fruto de convicção adquirida pelo recorrente com base no conjunto do depoimento da ofendida e deste seu estatuto processual, não pode deixar de improceder o recurso do arguido em matéria de facto.

2.3. Para além de assentar a sua pretensão sobre a redução da medida concreta da pena principal de prisão na modificação da matéria de facto provada, que foi julgada improcedente, o recorrente fundamenta-a ainda na confissão dos demais factos, na cessação da sua conduta, pois não voltou a procurar a ofendida ou qualquer pessoa da sua família, na ausência de antecedentes criminais, em ser pessoa integrada familiar e profissionalmente.

Vejamos.

No que respeita à alegada cessação da sua conduta, decorre da factualidade provada que ainda em dezembro de 2015 o arguido atingiu a ofendida com um soco e que pelo menos até junho de 2016 lhe enviou grande número de mensagens, mas menciona-se na fundamentação da sentença relativa às penas acessórias que a arguida referiu não avistar o arguido há mais de um ano, pelo que, tomando por referência a data da respetiva sessão da audiência de julgamento (15.12.2017), pode considerar-se que pelo menos desde dezembro de 2016 o arguido deixou de procurar a ofendida, o que é circunstância a seu favor em sede de comportamento do arguido posterior aos factos. Porém, tal não é suficiente para justificar redução da pena concreta, pois constituindo embora circunstância a seu favor, surge desacompanhada de outras ações ou atitudes que pudessem levar a reconhecer-lhe maior relevância, como seria o caso de comportamento tendente a reparar o mal do crime ou de revelar de arrependimento, não podendo ignorar-se a importância que a proximidade ou pendência do julgamento sempre teria na conduta do arguido.

Quanto à integração familiar e profissional, estas foram já consideradas a seu favor pelo tribunal a quo, não se vendo motivo para sê-lo em maior medida. Também a ausência de antecedentes criminais não representa no caso circunstância com relevância suficiente para levar à redução da medida da pena de prisão aplicada.

Por último, a confissão do arguido não releva em maior medida a seu favor, pois conforme refere o tribunal recorrido “… essa confissão não se revelou ser fruto de um qualquer arrependimento, não encerrou em si qualquer contrição do arguido, antes pelo contrário mostrando apenas ser o arguido absolutamente acrítico quanto à matéria dos autos, chegando a culpabilizar a vítima pelos seus actos.”

O arguido nega ainda ter hábitos de consumo excessivo de álcool e ser violento, mas tais circunstâncias não foram consideradas na determinação concreta da pena, pelo que nada há a decidir a esse respeito.

Assim, tendo em conta a escassa relevância dos fatores a que se refere o arguido e, por outro lado, que a pena de prisão aplicável tem o seu mínimo em 1 ano e o máximo em 5, bem como o dolo direto do arguido, o longo período de tempo em que se desenrolaram os factos e as fortes exigências de prevenção geral positiva, bem como necessidades não desprezíveis de prevenção especial positiva, face ao temperamento do arguido tal como revelado nos autos, não merece reparo a media da pena de 2 anos e 8 meses de prisão aplicada pelo tribunal recorrido.

2.4. Quanto à pena acessória de proibição de contactar com a ofendida MM, pelo período determinado para a suspensão da execução da pena de prisão, esta nada tem de exagerado ou desproporcionado dada a gravidade dos factos, o longo tempo que durou a conduta do arguido e a ausência de juízo crítico do arguido sobre a sua própria conduta, tanto mais que não se vê qual o interesse relevante do arguido que se mostre sacrificado por esta pena acessória e que se impusesse ponderar. Mantém-se, pois, o decidido.

2.5. Por sua vez, a pena acessória de obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica desenvolvido pela DGRSP, visa sobremaneira finalidades de prevenção especial positiva, pois pretende-se com ela disponibilizar ao arguido instrumentos de ordem formativa e psicológica que lhe permitam compreender e enquadrar melhor o fenómeno de violência doméstica em que se insere a sua conduta e ao mesmo tempo habilitá-lo a gerir os seus impulsos e conflitos de modo conforme com as exigências impostas pelas normas sociais que nos regem, máxime as de natureza penal.

In casu, ao fundamentar a necessidade desta pena acessória, o tribunal a quo refere “a obsessão que o arguido teve pela ofendida e a sua insistência em estar com a mesma, confirmados ainda pelo teor do relatório de risco elaborado e junto aos autos, nos termos previstos pelos n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal”, pelo que a sua aplicação se mostra desde logo justificada pelo propósito de defender a vítima, face à conduta pretérita do arguido, através da intervenção ressocializadora do Estado, pois a factualidade provada não permite excluir a hipótese de o arguido voltar a atentar contra a pessoa da ofendida.

Para além disso, tratando-se de intervenção educativa na pessoa do arguido, o efeito preventivo especial que se procura com esta pena acessória não se confina à relação entre o arguido e a vítima concreta - embora tenha aí o seu objeto privilegiado -, pelo que a sua aplicação justifica-se ainda pelo propósito de impedir que as causas endógenas do seu comportamento venham a despoletar conduta idêntica contra outras pessoas do seu círculo doméstico.

Concluímos, pois, pela improcedência do recurso também nesta parte.

Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os juízes da 2ª Subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, mantendo-se integralmente a sentença condenatória recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513 nº1 b) do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP).

Évora, 26 de junho de 2018
(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)