Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
100/20.0T8SNS.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONCURSO PÚBLICO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Verifica-se uma transmissão de unidade económica, para efeitos do artigo 285.º do Código do Trabalho, quando uma empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança sucede, sem interrupções, a outra empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança, por ter ganhado o concurso público e lhe ter sido adjudicado tal serviço, realizando-se a prestação com o mesmo cliente, no mesmo local, com os mesmos trabalhadores, a utilização dos mesmos indispensáveis meios de vigilância e segurança, pertencentes ao cliente, e tendo por objetivo a execução do serviço nas mesmas condições essenciais.
II- A utilização de folhas de registo, relatórios e uniformes com modelos e imagens identificativos da empresa de segurança permitam a identificação da empresa responsável pela vigilância e segurança, mas não integram a unidade económica, no seu núcleo essencial identificativo. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
V… (Autora), com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra S…, S.A. (1.ª Ré) e C…, Lda. (2.ª Ré), pedindo a condenação das Rés a:
I- Reconhecer que a Autora foi admitida pela 1.ª Ré mediante contrato de trabalho a termo incerto celebrado a 10 de outubro de 2016 e que se transmitiu para a 2.ª Ré a 01-08-2019, na sequência de uma sucessão de empresas, na execução da prestação de serviço de vigilância privada, do cliente Ministério da Justiça - Tribunal de Santiago do Cacém, local de trabalho onde a Autora prestava as suas funções como vigilante.
II- Declarar-se a ilicitude do despedimento da Autora ocorrido a 25-09-2019, operado pela 2.ª Ré, por inexistência de justa causa.
III- E em consequência, condenar-se a 2.ª Ré a pagar à Autora, o montante total de 10.651,09€, abaixo referenciado:
 Por danos patrimoniais resultantes da ilicitude do despedimento sofrido pela Autora reclama o montante total de 9.119,95€, assim discriminados:
a) 4.629,86€, correspondente às retribuições vencidas desde 25-09-2019 a 31-03-2020, assim calculadas:
---de 25 de setembro a 30 de setembro --- 145,82€
---de 01 a 31 de outubro de 2019 --- 729,11€;
---de 01 a 30 de novembro de 2019 --- 729,11€;
---de 01 a 31 de dezembro de 2019 --- 729,11€;
---de 01 a 31 de janeiro de 2020 --- 765,57€;
---de 01 a 29 de fevereiro de 2020 --- 765,57€
---de 01 a 31 de março de 2020 ---765,57€, a que acrescerão as que se vencerem até ao termo do contrato incerto ou trânsito em julgado da decisão se aquele termo ocorrer posteriormente.
b) 1.322,64€ correspondente a subsidio de férias e retribuição por férias não gozadas vencido a 01-01-2018, assim calculado;
-retribuição por férias --- 661,32€;
-subsídio de férias --- 661,32€.
c) 388,86€ correspondente à retribuição por férias e subsídio de férias, pelo trabalho entre 25-09-2019 a 31-12-2019, assim calculado:
-Proporcionais de subsidio de férias ---194,43€
-Proporcionais de retribuição por férias de ---194,43€.
d) 382,68€ de proporcionais de retribuição por férias e de subsídio de férias correspondentes ao período entre 1 de janeiro a março de 2020, assim calculado:
-Proporcionais de subsidio de férias- janeiro a março de 2020 --- 191,34€ e
-Proporcionais de retribuição por férias de janeiro a março de 2020 ---191,34€ a que acrescerão os que se vencerem até ao termo do contrato incerto ou trânsito em julgado da decisão se aquele termo ocorrer posteriormente.
e) 385,77€, correspondente aos proporcionais de subsídio de Natal no período de 25-09-2019 a 31-03-2020, a que acrescerão as que se vencerem até ao termo do contrato incerto ou trânsito em julgado da decisão se aquele termo ocorrer posteriormente.
f) 1.524,30€ de compensação pelo tempo de duração do contrato, calculado até 31 de março de 2020, assim calculado 1.524,30 = (765,57€ : 30 d x 59,73d)
g) 485,84€ [v/h=4,41675€ x 110h (35h +35h+40h)] de retribuição correspondente ao numero mínimo anual de horas de formação não proporcionada nos últimos três anos.
B- 1.531,14€ de indemnização, por danos não patrimoniais valor correspondente a dois salários mensais (765,57€ x 2) face a toda a situação de sofrimento causada à Autora.
III.1- Ou subsidiariamente, caso o Tribunal entenda que o contrato não se transmitiu para a 2.ª Ré, condenar-se a 1.ª Ré a:
 Reconhecer ilícito o despedimento, que a Autora foi objeto, por parte da 1.ª Ré, a partir de 25 de setembro de 2019;
 Em consequência, condenar-se a 1.ª Ré a pagar à Autora o montante de 10.651,09€, sendo:
A) Por danos patrimoniais resultantes da ilicitude do despedimento sofrido pela Autora, reclama o montante total de 9.119,95€, assim discriminados:
a) 4.629,86€, correspondentes às retribuições vencidas desde 25-09-2019 a 31-03-2020, assim calculadas:
--- de 25 de setembro a 30 de setembro --- 145,82€
--- de 01 a 31 de outubro de 2019 --- 729,11€;
--- de 01 a 30 de novembro de 2019 --- 729,11€;
--- de 01 a 31 de dezembro de 2019 --- 729,11€;
---de 01 a 31 de janeiro de 2020 --- 765,57€;
--- de 01 a 29 de fevereiro de 2020 --- 765.57€
--- de 01 a 31 de março de 2020 ---765,57€, a que acrescerão as que se vencerem até ao termo do contrato incerto ou trânsito em julgado da decisão se aquele termo ocorrer posteriormente.
b) 1.322,64€ correspondente ao subsídio de férias e retribuição por férias não gozadas vencido a 01.01.2018, assim calculado;
-retribuição por férias --- 661,32€;
-subsídio de férias --- 661,32€.
c) 388,86€ correspondente à retribuição por férias e subsídio de férias, pelo trabalho entre 25-09-2019 a 31-12-.2019, assim calculado:
-Proporcionais de subsidio de férias ---194,43€
-Proporcionais de retribuição por férias de ---194,43€.
d) 382,68€ de proporcionais de retribuição por férias e de subsídio de férias correspondentes ao período entre 01 de janeiro a março de 2020, assim calculado:
-Proporcionais de subsidio de férias - janeiro a março de 2020 --- 191,34€
-Proporcionais de retribuição por férias de janeiro a março de 2020 ---191,34€ a que acrescerão os que se vencerem até ao termo do contrato incerto ou trânsito em julgado da decisão se aquele termo ocorrer posteriormente.
e) 385,77 €, correspondente aos proporcionais de subsídio de Natal no período de 25-09-2019 até 31-03-2020, a que acrescerão as que se vencerem até ao termo do contrato incerto ou trânsito em julgado da decisão se aquele termo ocorrer posteriormente.
f) 1.524,30€ de compensação pelo tempo de duração do contrato, calculado até 31 de março de 2020, 1.524,30 = (765,57 € : 30 d x 59,73 d)
g) 485,84€ [v/h = 4,41675€ x 110 h (35h + 35h + 40h] de retribuição correspondente ao numero mínimo anual de horas de formação não proporcionada nos últimos três anos.
B) 1.531,14€ de indemnização por danos não patrimoniais, valor correspondentes a dois salários mensais (765,57€x2) face a toda a situação de sofrimento causada à Autora.
IV- Juros de mora à taxa legal desde o vencimento até integral pagamento, a cargo das Rés, na medida das condenações que vierem a serem fixadas a cada uma.
Alegou, em breve síntese, que trabalhou, subordinadamente, como vigilante, para a 1.ª Ré, até ao final do mês julho de 2019, nas instalações do Tribunal de Santiago de Cacém. A partir de 1 de agosto de 2019, verificou-se a transmissão do seu contrato de trabalho para a 2.ª Ré, que passou a prestar no referido local, desde então, os serviços de vigilância privada anteriormente prestados pela 1.ª Ré. Sucede que a 2.ª Ré não aceitou a Autora como sua trabalhadora, impedindo-a de exercer as suas funções profissionais. Refere que foi alvo de despedimento ilícito, já que nenhuma das Rés a aceitou como trabalhadora, com as legais consequências.
Na audiência de partes, não foi possível obter uma solução conciliatória para o litígio.
A 1.ª Ré contestou, invocando que se verificou uma transmissão de unidade económica com a mudança da exploração dos serviços de vigilância privada no Tribunal de Santiago do Cacém, da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, pelo que, o contrato de trabalho da Autora foi transmitido para a 2.ª Ré., que se tornou responsável pelo cumprimento das obrigações contratuais, a partir de 1 de agosto de 2019. Por conseguinte, entende que deve ser absolvida dos pedidos.
A 2.ª Ré também apresentou contestação, impugnando a alegada transmissão, para si, do contrato de trabalho da Autora. Negou a existência de qualquer transmissão de estabelecimento pela sucessão de contratos de prestação de serviços de segurança privada. Na sequência, propugnou pela sua absolvição dos pedidos formulados.
Foi proferido despacho saneador tabelar e identificado o objeto do litígio.
Fixou-se o valor da ação em € 10.651,09.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, proferiu-se sentença, com a decisão que, seguidamente, se transcreve:
«Em face de tudo quanto se deixou exposto, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Condena as RR. “S…, S.A.” e “C…, Lda.”, a reconhecer que a autora V… foi admitida pela 1ª Ré mediante contrato de trabalho a termo incerto celebrado a 10 de Outubro de 2016 e que se transmitiu para a 2ª Ré a 01.08.2019, na sequência de uma sucessão de empresas, na execução da prestação de serviço de vigilância privada, do cliente Ministério da Justiça - Tribunal de Santiago do Cacém, local de trabalho onde a autora prestava as suas funções como vigilante.
2. Declara a ilicitude do despedimento da autora, ocorrido a 25.09.2019, operado pela 2ª Ré, por inexistência de justa causa.
3. Em consequência, condena a 2ª Ré a pagar à autora as seguintes quantias a título de danos patrimoniais resultantes da ilicitude do despedimento:
a). As retribuições vencidas desde 25.09.2019 até à presente data (13.10.2020), no valor de €9.555,03 (nove mil quinhentos e cinquenta e cinco euros e três cêntimos), a que acrescerão as retribuições que se vencerem até ao termo do contrato de trabalho incerto ou até ao trânsito em julgado da presente decisão se o termo ocorrer posteriormente.
Sobre as respetivas retribuições incidem juros de mora à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento e até efetivo e integral pagamento;
b). A retribuição por férias e subsídio de férias, pelo trabalho prestado entre 25.09.2019 e a presente data, no valor de €1.592,49 (mil quinhentos e noventa e dois euros e quarenta e nove cêntimos), a que acrescerão as retribuições e subsidio de férias que se vencerem até ao termo do contrato de trabalho incerto ou até ao trânsito em julgado da decisão se o termo ocorrer posteriormente.
Sobre as respetivas retribuições incidem juros de mora à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento e até efetivo e integral pagamento;
c). Os proporcionais de subsídio de Natal no período de 25.09.2019 até à ressente data, no total de €796,26 (setecentos e noventa e seis euros e vinte e seis cêntimos), a que acrescerá o subsídio de Natal que se vencer até ao termo do contrato de trabalho incerto ou até ao trânsito em julgado da presente decisão se o termo ocorrer posteriormente.
Sobre as respetivas retribuições incidem juros de mora à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento e até efetivo e integral pagamento;
d). Da compensação pelo tempo de duração do contrato, calculado até 31 de março de 2020, no valor €1.524,30 (mil quinhentos e vinte e quatro euros e trinta cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
4. Em consequência, condena a 2ª Ré a pagar à A. €1.531,14 (mil quinhentos e trinta e um euros e catorze cêntimos) a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
5. Em consequência condena a 2.ª Ré a pagar à autora, a título de créditos laborais, a quantia €1.322,64 (mil trezentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), correspondente à retribuição por férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.2018, a que acrescem juros mora à taxa legal desde a data do vencimento até efetivo e integral pagamento.
6. Absolve a 1.ª R. dos demais pedidos contra si deduzidos.
7. Absolve a 2.ª R. dos demais pedidos contra si deduzidos.»
A 2.ª Ré veio interpor recurso da sentença, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso de apelação interposto da, aliás, douta Sentença proferida pelo Juízo de Trabalho de Sines que declarou a ilicitude do despedimento alegadamente promovido pela 2.ª Ré;
B. A sentença recorrida julgou incorretamente a matéria de facto respeitante à verificação de factos essenciais para a verificação, ou não, dos pressupostos da transmissão do contrato de trabalho para a esfera jurídica da aqui Apelante, mais concretamente a matéria constante dos factos não provado B.
C. Da prova testemunhal produzida acerca desta matéria, designadamente o depoimento da testemunha M…, prestado na sessão de julgamento de dia 07.10.2020, pelas 14h12m28s horas, a Apelante logrou provar que no TJSC, a COPS utiliza raquetes de revista, lanternas e telemóveis de sua propriedade.
D. Devendo, por isso, o teor do ponto B. dos factos não provados deverá transitar para os factos provados.
E. Por todo o exposto, resulta evidente que o concreto ponto de facto supra expendido foi incorretamente julgado em face dos meios probatórios constantes dos autos, os quais impunham decisão diversa da recorrida.
F. O concreto ponto de facto supra expendido deverá ser devidamente ponderado pelo Tribunal ad quem, na sua reapreciação dos factos, que deverá retirar as devidas conclusões, designadamente que não se encontram preenchidos os requisitos para a transmissão do contrato de trabalho da Autora para esfera jurídica da aqui Apelante.
G. No seguimento do respetivo concurso público foram adjudicados à aqui Apelante os serviços de vigilância e segurança humana nos estabelecimentos do Ministério da Justiça designados no âmbito do concurso público como Lote 3 – Área Metropolitana de Lisboa Tribunais + DGAJ, a partir de 1 de agosto de 2019, anteriormente prestados pela 1.º Ré, não tendo sido celebrado qualquer negócio jurídico entre a Apelante e a 1.º Ré.
H. A temática da transmissão de estabelecimento ou da sua exploração, atenta a sua complexidade, tem vindo a ser objeto de tratamento quer a nível do ordenamento jurídico português, quer a nível comunitário.
I. A Diretiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março, estabelece na alínea b) do artigo 1.º que deve entender-se como abrangida pela transferência ali disciplinada, a “transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória”.
J. Nos termos do disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho de 2009 “considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.
K. O TJUE, no seu Acórdão de 19 de Outubro de 2017, proferido no âmbito do processo C-200/16, defendeu que “está abrangida pelo conceito de «transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa.
L. Da matéria de facto dada como provada resulta que no âmbito do contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança celebrado com a Direção Geral da Administração da Justiça não foram transmitidos, direta ou indiretamente, quaisquer elementos corpóreos ou incorpóreos da 1.ª Ré para a aqui Apelante.
M. Para o exercício da atividade contratada a aqui Apelante forneceu os meios humanos, bem como elementos corpóreos como o fardamento do seu pessoal, rádios transmissores, lanternas, telemóveis, raquetes de revista, folhas de registo de entradas e respetivos relatórios, utilizando ainda folhas de registo de entrada e respetivos relatórios e uniformes com modelos e imagem identificativos da empresa C….
N. Ficou demonstrado nos presentes autos não terem sido transmitidos quaisquer bens incorpóreos à aqui Apelante, designadamente conhecimentos (know-how), seguros, capacidade financeira (capital social), licenças e alvarás
O. Nos termos do disposto na Lei 34/2013 são elementos essenciais para o exercício da atividade de segurança privada a existência de um Diretor de Segurança, alvarás, seguros e de uniformes cujos modelos têm que ser previamente aprovados pelo organismo competente, os quais pertencem à aqui Apelante.
P. Os bens pertencentes ao Direção Geral da Administração da Justiça que terão permanecido no local, atenta a natureza da atividade prestada não podem, per si, ser considerados como bens ou equipamentos passiveis de consubstanciar uma unidade económica.
Q. Atenta a complexidade e exigências técnicas e materiais da atividade de segurança privada, bem como o seu enquadramento legal, não se poderá equiparar o caso sub judice às atividades que assentam exclusivamente em capital humano, como é o caso dos serviços de limpeza.
R. Um conjunto de trabalhadores não pode exercer a atividade de segurança privada sem que se encontrem preenchidas as restantes condições materiais e reunidos os meios técnicos legalmente exigidos,
S. O conjunto de vigilantes que prestavam serviço no Tribunal de Santiago do Cacém não pode ser entendido como um complexo humano organizado e autónomo, com identidade própria, capaz de integrar o conceito de unidade económica
T. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 6 de dezembro de 2017, proferido no âmbito do processo 357/13.3TTPDL.L1.S1 “para se verificar a transmissão de uma empresa ou estabelecimento e, consequentemente, ter aplicação o regime jurídico previsto no art. 285.º, do Código do Trabalho de 2009, quanto aos seus efeitos, importa verificar se a transmissão operada tem por objeto uma unidade económica, organizada de modo estável, que mantenha a sua identidade e seja dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma atividade económica, ou individualizada, na empresa transmissária”.
U. Do total de 100 funcionários que exerciam funções nos vários serviços do Ministério da Justiça a 1.º Ré transferiu internamente 25 funcionários para outros postos de trabalho, o que, apesar de legalmente admissível, não se coaduna com a argumentação de que estes formam um conjunto de meios organizados com autonomia técnico organizativa, passível de constituir uma unidade económica, por inviabilizar a cabal prestação da atividade pela Apelante nos termos em que este era anteriormente prestada pela 1.ª R.
V. In casu, não se logrou provar a transmissão de uma unidade económica, uma vez que os factos provados não preenchem os requisitos indiciadores do “elemento transmissivo” e da autonomia da entidade económica, condição sine qua non para o reconhecimento da transmissão da titularidade ou da exploração de uma unidade económica, para efeitos de aplicação do regime jurídico consagrado no art. 285.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
W. Tratando-se apenas de uma perda do cliente – Secretaria -Geral do Ministério da Justiça – pela 1.ª Ré, em resultado da qual a atividade de segurança e vigilância das instalações do Tribunal de Santiago do Cacém passou a ser efetuada pela aqui Apelante,
X. Não tendo ocorrido transmissão de estabelecimento, também não se transmitiu para a esfera jurídica da aqui Apelante o contrato de trabalho da Autora, porquanto a substituição automática da entidade patronal não operou.
Y. Ao ter declarado que o contrato de trabalho se transmitiu e que a aqui Apelante procedeu ao despedimento ilícito da Autora o Tribunal a quo procedeu a uma errada aplicação do direito.
Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, absolvendo a aqui Apelante e julgando totalmente improcedente os pedidos formulados pela Autora em relação à mesma.»
As demais partes processuais contra-alegaram, propugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Dispensados os vistos, com a anuência dos Exmos. Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Apreciar se se verificou a transmissão do contrato de trabalho para a 2.ª Ré.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. As RR. são empresas de Segurança que se dedicam à prestação de serviços de segurança privada, sendo detentoras do CAE 80100-RE. (doc. 2 e 3 PI)
2. As RR. são detentoras de alvará para o exercício da atividade de segurança privada:
1.ª R. – Alvará n.º 22/A/B/C;
2.ª R. – Alvará n.º 175/AB.
3. A 1.ª R. é associada da Associação de Empresas de Segurança Privada (AES).
4. A autora não é filiada em qualquer sindicato.
5. A 1.ª R. e a A. assinaram documento escrito datado de 06.10.2016, intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Incerto em Regime de Tempo Inteiro”, pelo qual aquela contratou esta para sob a sua autoridade e direção exercer as funções de vigilante de segurança privada, com início em 10.10.2016, tendo por fundamento “responder a uma solicitação de serviço extraordinário no cliente Tribunal Judicial de Santiago do Cacém, sito em Santiago do Cacém, de curta duração mas indeterminada”.
6. Foi acordado que como contrapartida do exercício das duas funções, a A. auferiria “a remuneração líquida que for devida nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho em vigor”, tendo “ainda direito a um subsídio de alimentação nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho em vigor, cujo pagamento será efetuado através de Títulos de Refeição/Cartão, ou qualquer outra modalidade que venha a ser implementada pela primeira outorgante, como retribuição de subsídio de refeição”.
7. Nos termos desse acordo, foi estipulado o período normal de trabalho de 40 horas em média por semana, conforme horário de trabalho, por turnos fixos ou rotativos, estabelecidos pela 1.ª R., devendo a média ser acertada por período de seis meses.
8. Consta da cláusula décima segunda desse acordo que “[a] regulamentação coletiva aplicável ao presente contrato, na data da sua celebração, é, de acordo com o respetivo âmbito de aplicação, o contante do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação das Empresas de Segurança e outra e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim do trabalho e Emprego n.º 32 de 29 de agosto de 2014.”.
9. No âmbito das funções de vigilante, competia à A. proceder à vigilância com controlo das entradas e saídas de pessoas e mercadorias no edifício do Tribunal Judicial de Santiago do Cacém (TJSC) e proceder a qualquer registo de ocorrências aí verificadas.
10. Por imposição da 1.ª R., a autora praticou horário fixo de segunda a sexta-feira, das 08h:30 às 18h:30, sem interrupção para almoço, por ser a única vigilante colocada no posto de trabalho à entrada do edifício, com as portas abertas nesse período.
11. A partir de 01.08.2019, a 1.ª R. deixou de prestar serviço de segurança privada para o cliente Ministério da Justiça – TJSC, tendo o mesmo sido adjudicado à 2.ª R.
12. Desde 10.10.2016 a 31.07.2019, a 1.ª R. processou à A. os valores constantes dos respetivos recibos de vencimento.
13. A autora encontrou-se incapacitada para o trabalho (baixa médica) nos seguintes períodos temporais: de 02.03.2017 a 19.04.2017; 02.05.2017 a 11.05.2017; 22.06.2017 a 23.06.2017; 24.10.2017 a 03.11.2017; 27.11.2017 a 16.03.2017 e 30.05.2018 a 24.09.2019, tendo interrompido essa situação em 25.09.2019.
14. A A. prestou trabalho efetivo no período de 17 de março a 30 de maio de 2018.
15. Por carta datada de 29.07.2019, sob o assunto “Transmissão de estabelecimento do Ministério da Justiça – informação Prevista no art. 286º do Código do trabalho”, a 1.ª R. informou a A. que: «(…) o serviço prestado pela nossa empresa no estabelecimento do Cliente do Ministério da Justiça, onde V. Exa. presta serviço foi adjudicado à empresa, C…, Lda. Para a Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância Humana. Notificação de Adjudicação.
Considerando que estamos perante uma unidade económica em que a gestão do local onde V. Exa. presta serviço está subordinada àquela Entidade, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho e demais bens transmitidos.
Como resultado desta adjudicação e consequentemente a cessação do serviço de vigilância à Securitas, pela adjudicação do mesmo serviço à empresa supra indicada, constata-se que se mantém e transmite aquele, enquanto unidade económica para o novo operador, o qual deve receber a transmissão e a manutenção dos postos de trabalho e respetivos contratos de trabalho dos vigilantes que prestam funções no local – Tribunal de Santiago do Cacém, ao abrigo do regime de transmissão de estabelecimento previsto no artº 285 do Código do Trabalho.
(…)
A referida transmissão de estabelecimento ocorrerá no dia 01 de agosto de 2019, data em que a empresa COPS - Companhia Operacional de Segurança, Lda., assumirá a prestação de serviço.
Com a presente missiva, esta empresa deu cumprimento dos deveres de prévia informação e subsequente consulta dos trabalhadores em causa, tal como previsto nos nº 1 e 2 do artº 286º do Código do Trabalho, comunicando aos mesmos a transmissão dos respetivos contratos de trabalho para a empresa C…, Lda., com sede na …104 Almancil.
Mais se informa que a empresa C…, Lda. foi informada da lista dos trabalhadores a operar nos Estabelecimentos do Ministério da Justiça e informação necessária para os contratos de trabalho.»
16. Rececionada a missiva, a A. não exerceu qualquer direito de oposição.
17. Em 23.08.2019, correio eletrónico, a A. contactou a 1.ª R. para clarificar a sua situação laboral, tendo recebido mensagem de resposta, em 29.08.2019, com a informação de que «(…)[c]onsiderando que estamos perante uma unidade económica, transmite-se para a empresa adquirente, no caso a C…, Lda., a posição do empregador nos contratos de trabalho;
-A S… comunicou à C…, Lda. os elementos necessários para a transmissão do contrato de trabalho;
-O seu contrato de trabalho não cessou, transmitiu-se para a empresa adquirente (C…; Lda.) ao abrigo do artº 285 do Código do trabalho.
Em resumo, V. Exa., já não pertence aos nossos quadros.»
18. No dia 25.09.2019, pelas 08h:30, a A. apresentou-se no TJSC para retomar as suas funções de vigilante.
19. O posto de trabalho encontrava-se ocupado por outro vigilante afeto à 2.ª R.
20. Este vigilante contactou então telefonicamente um supervisor da 2.ª R., que informou a A. que não podia retomar o seu posto de trabalho, por não ser trabalhadora da 2.ª R., inexistindo transmissão do seu contrato de trabalho para esta.
21. Ainda no dia 25.09.2019, a A. solicitou à 2.ª R. por correio eletrónico, que lhe fosse prestada por escrito a informação dada telefonicamente e que a impedia de retomar o trabalho.
22. A A. contactou uma vez mais a 1.ª R. por correio eletrónico, tendo esta em 07.10.2019, pela mesma via, reiterado o entendimento de que o contrato de trabalho da A. não cessara, tendo sido transmitido para a 2.ª R.
23. Na sequência de carta enviada pela A. com data de 07.11.2019, a 2.ª R. enviou-lhe carta sob o assunto “emissão de Modelo 5044”, com o seguinte teor:
«(…) vimos pelo presente esclarecer que, contrariamente ao alegado pela sua entidade patronal, in casu, não houve qualquer transmissão a posição de entidade empregadora.
Senão vejamos, caso em apreço não é enquadrável na figura de transmissão de estabelecimento a que se refere o art.º 285.º do Código do Trabalho. Com efeito, tratou-se somente de uma perda do cliente onde a sua entidade patronal prestava serviço, não se tendo verificado a transmissão de elementos caracterizadores de um estabelecimento.
Em face do supra exposto, vimos pelo presente informar V. Exa. que, na situação em apreço, não ocorreu qualquer transmissão da posição de empregador, uma vez que o seu contrato de trabalho não se transmitiu para a sua esfera jurídica. Assim, não só não procedemos a qualquer despedimento, como também não temos legitimidade para emitir o Modelo 5044, uma vez que V. Exa. não é, nem nunca foi, nosso colaborador. (…)».
24. A A. teve de recorrer à ACT, que em 09.01.2020 emitiu a declaração da situação de desemprego.
25. A 2.ª R. celebrou contratos de trabalho sem termo com vigilantes os Rogério Jorge e Márcia Sobral que se encontravam em funções ao serviço da 1.ª R. até 31.07.2019, no TJSC, reconhecendo a respetiva antiguidade, desde a data em que iniciaram funções nesse local.
26. A vigilante M… veio a ocupar o posto de trabalho da A., agora ao serviço da 2.ª R.
27. De acordo com o mapa de horário de trabalho de janeiro/2020, afixado no local, a 2.ª R. tem nesse posto de trabalho uma terceira vigilante, S…, que ocupa o turno E, correspondente a folgas e substituições.
28. Desde 25.09.2019 até 14.01.2020, a A. não recebeu qualquer vencimento, vivendo até janeiro/2020 a expensas de familiares, não podendo beneficiar até àquela data de subsídio de desemprego.
29. Nenhuma das RR. procedeu a acerto de contas com a A.
30. A falta de recebimento de vencimento e de subsídio de desemprego colocou a A. Numa situação de grande angústia.
31. A indefinição sobre a sua situação laboral provocou à A. desequilíbrios emocionais, passando noites sem dormir.
32. A A. viveu momentos de sofrimento, por se sentir incapaz de prover ao seu sustento.
33. Ao longo da relação laboral com a 1.ª R. a A. apenas gozou 16 dias de férias, no período de 18 de abril a 11 de maio de 2018. (doc. 40 1.ª R)
34. A A. não recebeu subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2018 e em 2019.
35. A A. não recebeu valor referente a retribuição por férias não gozadas.
36. A A. não recebeu da Segurança Social montante referente a prestação por complemento de subsídio de férias referente a tal período.
37. Nos anos de 2017 a 2019, a autora não recebeu formação, nem qualquer montante referente à mesma.
38. Nada foi liquidado pelas RR. à A. por cessação do seu contrato de trabalho.
39. Pelo Anúncio de Procedimento n.º 5747/2019, publicado no DR, n.º 107, II Série, de 4 de julho de 2019, a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça abriu Concurso Público para Aquisição de Serviços de Vigilância e Segurança Humana (VSH) e serviços de vigilância e segurança humana combinados com serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes (VSH + SLC) para a DGAJ, DGRSP, IGFEJ, IRN e PGR, pelo prazo de 18 meses, até no máximo 31.12.2020.
40. O Concurso incluía o TJSC e outros tribunais e outros organismos do MJ, nos quais a 1.ª R. tinha colocada a trabalhar uma centena de vigilantes, incluindo a A.
41. A proposta do júri datada de 23.07.2019 foi de adjudicação à 2.ª R. de Serviços de Vigilância e Segurança Humana (VSH) isolados ou combinados com serviços de ligação a central de alarmes (VHS + SLC) para aquelas entidades, com início da prestação em 01.08.2019 a 31.12.2020.
42. A Secretária de Estado da Justiça deu a sua concordância, sem restrições, aquela proposta.
43. Em 26.07.2019 (sexta-feira), a DGAJ deu conhecimento à 1.ª R. daquela adjudicação dos serviços à 2.ª R.
44. Na sequência da referida adjudicação, em 09.08.2019, a 2.ª R. celebrou com o Estado, através da DGAJ contrato de prestação de serviços e vigilância e segurança PAD/04/2019/UCM, conforme estabelecido no convite para apresentação de propostas, com início em 1 de agosto e termo em 31 de agosto de 2019.
45. Em 21.08.2019 foi celebrado novo contrato de prestação de serviços de vigilância humana com o n.º CPI/02/2019/UCMJ, para os estabelecimentos do MJ, designados no concurso público como Lote 3 – Área Metropolitana de Lisboa Tribunais + DGAJ, com início em 1 de setembro e termo em 31 de dezembro de 2020.
46. Os vigilantes ao serviço da 1.ª R. prestavam informações e davam orientação aos utentes que se dirigiam aos serviços, efetuavam relatórios de turno e prestavam a segurança para que os utentes e os trabalhadores nas instalações adjudicadas pudessem desenvolver a sua atividade e fazendo a proteção de bens.
47. No TJSC, as instalações, bem como as secretárias, cadeiras, balcão, cacifos para guarda de objetos, telefones fixos, pórticos de segurança e sistema de videovigilância pertenciam ao Estado, sob a alçada da DGAJ.
48. A partir de 01.08.2019, essas instalações, como aqueles meios, passaram a ser utilizados pela 2.ª R., nos mesmos termos em que eram utilizados pela 1.ª R. para o exercício da mesma atividade de prestação de serviços de segurança.
49. Não existiu qualquer negócio jurídico entre as RR.
50. Em 29.07.2019, a 1.ª R. comunicou ao STAD por carta registada com aviso de receção, a transmissão dos contratos de trabalho dos vigilantes para a 2.ª R. por transmissão da prestação de serviços no cliente DGAJ, a qual se verificaria em 01.08.2019, procedendo a 1.ª R. ao pagamento das retribuições dos dias trabalhados até 31.07.2019.
51. A comunicação foi feita ao STAD por representar a maior parte dos trabalhadores sindicalizados e não haver na empresa comissão de trabalhadores nem comissões sindicais ou intersindicais nem delegados sindicais de outros sindicatos.
52. Em 29.07.2019, a 1.ª R. enviou à 2.ª R. carta registada com aviso de receção a invocar a transmissão do estabelecimento com a relação, em anexo, dos 75 trabalhadores cujos contratos de trabalho, em seu entender, se transmitiriam para esta “ao abrigo do regime de transmissão de estabelecimento previsto no artigo 285.º do Código do Trabalho”, indicando o posto de trabalho (cliente), o n.º mecanográfico, o nome, a data de nascimento, o NIF, o NISS, a morada, a antiguidade contratual, o telemóvel, a antiguidade, o tipo de contrato de trabalho de trabalho, a filiação sindical e o número de cartão profissional e data de validade, a categoria profissional, a remuneração mensal e subsídio de alimentação, o subsídio de férias pago e férias gozadas ambos em 2019.
53. A 2.ª R. já conhecia então a existência dos vigilantes da 1.ª R. e os meios utilizados por esta para a prestação do serviço de vigilância e segurança privada nos serviços do MJ a que concorreu.
54. Em 29.07.2019, a 1.ª R. enviou à ACT – Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo por carta registada com aviso de receção, a comunicação da transmissão para a 2.ª R., a ocorrer em 01.08.2019, da unidade económica, em virtude da adjudicação a esta da prestação de serviços de vigilância e segurança privada nos serviços do MJ, incluindo os contratos de trabalhos dos vigilantes a prestarem esse serviço.
55. A 1.ª R. chegou a acordo com 25 trabalhadores dos 100 colocados nos vários serviços do MJ, tendo sido transferidos para outros estabelecimentos antes de agosto/2019.
56. Dos 75 trabalhadores constantes da lista enviada pela 1.ª R. à 2.ª R., cinco pediram a “rescisão contratual”, comunicando que o último dia de trabalho seria 31.07.2019.
57. Em 21.08.2019, a DGERT realizou tentativa de conciliação, com a participação das RR, na qual a 2.ª R. afirmou que «[t]odos os trabalhadores que se apresentaram na C…, no total de 46, foram convidados a passar para esta empresa com a garantia de atividade e manutenção da antiguidade, acrescentando que tiveram de contratar trabalhadores para fazer face ao número de vigilantes necessários para o cumprimento do contrato celebrado com o Ministério da Justiça.»
58. Para substituição da A. no período da sua baixa médica foi contratada a termo incerto M….
59. A 1.ª R. atribuiu à A. as seguintes horas de formação: (i) módulo de formação base de 60 horas, de 15 a 24 de junho/2016; (ii) prevenção e combate a incêndios de 25 horas, de 18 de junho a 1 de julho/2016; (iii) técnicas de socorrismo – princípios básicos, de 25 horas, de 4 a 7 de julho/2016; (iv) módulo de formação específica de vigilante, de 90 horas, de 11 a 26 de julho/2016.
60. Ao serviço da 1.ª R., a A. prestou trabalho efetivo de: 01.01.2017 a 01.03.2017 (60 dias); 20.04.2017 a 01.05.2017 (12 dias); 12.05.2017 a 21.06.2017 (41 dias); 24.06.2017 a 23.10.2017 (122 dias); 04.11.2017 a 26.11.2017 (23 dias); 17.03.2018 a 17.04.2018 (32 dias) e 12.05.2018 a 29.05.2018 (18 dias).
61. A A. está a receber subsídio de desemprego desde 14.01.2020, no valor diário de €15,061490.
62. No âmbito do contrato celebrado entre a 2.ª R. e o Estado, através da DGAJ e conforme respetivo caderno de encargos, aquela comprometeu-se a fornecer os meios humanos, bem como elementos corpóreos como o fardamento do seu pessoal, rádios transmissores em caso de mais de um posto de trabalho, lanternas, telemóveis, raquetes de revista, folhas de registo de entradas e respetivos relatórios.
63. Para o exercício da atividade contratada, no TJSC, a 2.ª R. utilizou folhas de registo de entrada e respetivos relatórios e uniformes com modelos e imagem identificativos da empresa C….
64. A 2.ª R. não é filiada na Associação de Empresas de Segurança.
65. Com a comunicação que efetuou, a 1.ª R. não enviou/facultou à 2.ª R. cópias do contrato de trabalho, do cartão de cidadão, cartão profissional, último registo criminal, mapa de férias do local de trabalho, extrato de remunerações dos últimos 90 dias e ficha de aptidão médica.
66. A 2.ª R. rececionou a comunicação referida em 52) no dia 01.08.2019.
67. A. 2.ª R. tem o seu Diretor de Segurança.
68. Em 22.11.2019, nos serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de Lisboa, com a presença das RR. em diligência de tentativa de conciliação no âmbito do processo n.º 852/19.0TY7LSB, Juiz 4, no qual foi requerente o trabalhador M… que constava da listagem enviada pela 1.ª R. à 2.ª R., aquela assumiu o pagamento ao trabalhador de €1.154,42, a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.
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E considerou que não se provaram os seguintes factos:
A. Posteriormente a 01.08.2019, a 2.ª R. declarou aceitar a prestação de trabalho da A. com a garantia de efetividade e manutenção da antiguidade.
B. Para o exercício da atividade contratada, no TJSC, a 2.ª R. utilizou raquetes de revista, lanternas e telemóveis seus.
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IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1.ª instância, relativamente à alínea B) dos factos não provados.
Observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, nada obsta ao conhecimento da suscitada questão.
O teor da aludida alínea, é o seguinte:
- Para o exercício da atividade contratada, no TJSC, a 2.ª R. utilizou raquetes de revista, lanternas e telemóveis seus.
Entende a recorrente que a materialidade descrita deve transitar para os factos provados, em consequência do depoimento prestado pela testemunha M….
Procedemos à audição integral do depoimento da testemunha e após análise e ponderação do mesmo, afigura-se-nos que tal depoimento não constitui suporte suficiente para alterar o decidido pela 1.ª instância.
Não obstante lhe tenha sido perguntado se sabia que equipamentos a 2.ª Ré utiliza no TJSC, depreende-se, manifestamente, da resposta dada pela testemunha que ao referir a utilização de lanternas e raquetes de verificação se está a reportar genericamente ao equipamento que, normalmente, a empresa utiliza nos tribunais e não especificamente ao equipamento que efetivamente foi utilizado no TJSC.
Destarte, a testemunha não revelou conhecimento direto e fundamentado sobre a verificação da factualidade descrita na alínea B) dos factos não provados.
Por conseguinte, tal depoimento não permite a visada alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Improcede, assim, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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V. Transmissão do contrato de trabalho
Não se conforma a recorrente com a decisão que entendeu que o contrato de trabalho em apreço nos autos foi para si transmitido, em 1 de agosto de 2019, por ter ocorrido uma transmissão de unidade económica, ao abrigo do artigo 285.º do Código do Trabalho.
O caso dos autos é muito semelhante a um caso recentemente decidido por este mesmo coletivo, curiosamente com as mesmas rés, que assumiam posição semelhante no que concerne ao seguimento dos serviços de segurança e vigilância privada no cliente.
O processo a que nos reportamos tem o n.º 2883/19.11T8STB.E1 e o acórdão foi proferido em 14 de janeiro de 2021.
Escreveu-se nesse aresto:
«Prescreve o referido artigo 285.º, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, que é a aplicável ao caso sub judice:
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, exceto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - Constitui contraordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
11 - A decisão condenatória pela prática de contraordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respetivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
12 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 7, 8 ou 9.
Ora, de harmonia com o disposto no n.º 1 do citado artigo, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores. Esta regra é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, nos termos previstos pelo do n.º 2 do normativo, definindo o n. º 5, que se considera unidade económica, “o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnica-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.
A transmissão da posição de empregador, prevista no artigo, não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica nos termos do artigo 194.º do Código do Trabalho, mantendo-o ao seu serviço – n.º 4 do artigo 285.º.
Conforme se extrai do preceito legal, o conceito jurídico de transmissão consagrado tem um sentido amplo (“transmissão por qualquer título”), que pode abranger uma empresa, um estabelecimento, ou parte de um estabelecimento desde que a parte destacada constitua uma unidade produtiva autónoma, com identidade e organização próprias, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
Tal conceito constitui uma transposição do direito comunitário, designadamente da Diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 13 de março, que substituiu a Diretiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de fevereiro, alterada pela Diretiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de junho[2].
Assim, ao adquirir a empresa/o estabelecimento/a unidade económica, por qualquer meio ou título, o novo titular adquire, automaticamente, por força da lei, a posição ocupada pelo anterior titular, no que concerne aos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores.
Atribui aqui a lei primazia à ligação do trabalhador à empresa e não ao empregador, procurando, por esta via, garantir o direito à segurança no emprego.
No caso vertente, o debate incide, desde logo, sobre a existência de uma unidade económica suscetível de ser transmitida.
Cumpre apreciar.
O n.º 5 do artigo anteriormente transcrito, dá-nos uma definição geral do conceito:
«Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnica-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.
Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão, assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso.
No essencial, importa que os elementos indiciários recolhidos, globalmente considerados, permitam inferir a existência de uma “entidade económica”.
Neste sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 26-09-2012, Proc. 889/03.1TTLSB.L1.S1:
«Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
É, contudo, essencial que a transferência tenha por objeto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».

Em resumo, para que se prove a existência de uma unidade económica, no sentido consagrado no artigo 285.º, mostra-se necessário que fique demonstrado que existe um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.
Posto isto, e com arrimo nos factos assentes, foquemos a nossa atenção no caso dos autos.
Ambas as Rés são empresas que se dedicam à prestação de serviços de vigilância.
No âmbito da atividade a que se dedica, a 1.ª Ré manteve e executou um contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança, no cliente (…), até 31 de março de 2019.
O objeto daqueles específicos serviços de vigilância consistia, nomeadamente, nas seguintes ações:
a) - controlo de acessos e pessoas;
b) - atendimento telefónico;
c) - operação e controlo do sistema de videovigilância;
d) - monitorização dos acessos, sistema de deteção de intrusão;
e) - efetuar rondas permanente durante a noite;
f) - proceder ao registo de todas as pessoas que tenham acesso às instalações.
g) - operar o sistema informático instalado na Portaria;
h) - fazer um giro interno por corredor e salas com vista ao seu fecho, antes da saída de serviço.
Os serviços de vigilância e segurança contratados eram exercidos nas instalações do cliente.
Sucede que através do “Anúncio de Procedimento n.º (…)”, publicado no Diário da República, II Série, de (…), o (…) abriu o Concurso Público n.º (…) para Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança (…).
A 2.ª Ré foi uma das concorrentes e o (…) acabou por celebrar com a mesma, em 27 de março de 2019, um contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança, com início em 1 de abril de 2019.
A 2.ª Ré passou, então, a desempenhar os serviços de vigilância e segurança nas instalações do cliente, tal como anteriormente havia desempenhado a 1.ª Ré.
Foi-lhe adjudicada uma prestação com o mesmo número de funcionários/vigilantes (16 vigilantes), o mesmo tipo de equipamento ou similar, e, igualmente, com utilização de equipamentos cedidos pelo cliente.
Ficou demonstrado que cada empresa de segurança, por vezes, reforça os equipamentos existentes não por necessidade, mas para potenciar o exercício das suas operações no terreno e no final recolhem todo o equipamento.
Mais se demonstrou que acontece com a generalidade das empresas de segurança e vigilância, como com as ora Rés, que o sistema eletrónico de rondas, toda a “documentação” decorrente das ações diárias de controle, verificação de ocorrências, anomalias e do registo das demais situações afins, reforço de lanternas e/ou telemóveis e fardadas com sinais identificativos de cada empresa de vigilância, são da propriedade e titularidade de cada uma que assegura a Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança, no período temporal da vigência do concurso público.
Ao nível dos equipamentos, demonstrou-se que a 2.ª Ré utilizou alguns equipamentos de sua propriedade, tais como, rádios, lanternas, telemóveis, sistemas de rondas e uniformes com modelo e imagem identificativos da empresa.
Mas, igualmente, utilizou ou ficaram à sua disposição, para o exercício dos serviços contratados, câmaras de CCTV e todo o demais equipamento da cliente, necessário ao exercício das funções.
No que respeita aos recursos humanos, infere-se da factualidade provada, que a 2.ª Ré ficou com dois trabalhadores da 1.ª Ré, com o seu Know-how, que ficaram a exercer as mesmas funções que exerciam ao serviço da 1.ª Ré, utilizando equipamento similar. A 2.ª Ré utilizou, também, recursos humanos vinculados à sua empresa.
As condições do exercício da prestação de serviço foram idênticas às condições em que tal atividade era exercida pela 1.ª Ré, conforme resulta do ponto 30 dos factos assentes.
Em face do contexto factual descrito, afigura-se-nos que a realização dos serviços de vigilância e segurança nas instalações do (…) implicava, necessariamente, um conjunto de meios organizados que constituía uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, e com o objetivo de prosseguir uma atividade económica.
Esta unidade era composta por 16 trabalhadores, cujo trabalho, necessariamente, tinha de ser coordenado e organizado entre si (horários, folgas, férias, passagem de informações, por exemplo), que utilizavam bens corpóreos destinados ao exercício das funções de vigilância (câmaras de CCTV, sistema informático instalado na Portaria, documentação para registo de informação útil, por exemplo), sendo que o conjunto organizado de todos estes meios visava gerar a realização de um serviço considerado necessário na sociedade em que vivemos, e ao qual é atribuído valor de mercado.
Em suma, existe um conjunto estruturado de meios, humanos e corpóreos, organizados de forma autónoma e estável, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, e que é dotado de identidade própria.
Destarte, a Autora logrou provar a verificação de um dos pressupostos do artigo 285.º do Código do Trabalho – a existência de uma unidade económica.
Importa agora apreciar se a identificada unidade económica foi transmitida, por qualquer título, da titularidade da 1.ª Ré para a 2.ª Ré.
E, desde já adiantamos que a resposta a tal questão, tendo em consideração o circunstancialismo factual provado, só pode ser positiva.
A unidade económica que permitia a efetivação dos serviços de vigilância e segurança nas instalações do (…) até 31 de março de 2019, passou, sem interrupções, para a esfera jurídica da 2.ª Ré, por força do contrato de prestação de serviços de vigilância e segurança que esta celebrou, com início em 1 de abril de 2019.
A partir desta data, passou a ser a 2.ª Ré a responsável pela exploração, gestão e organização da aludida unidade económica.
Com o mesmo cliente, no mesmo local, o mesmo número de trabalhadores, a utilização dos mesmos indispensáveis meios de vigilância e segurança, pertencentes ao cliente, e tendo por objetivo a execução do mesmo serviço, nas mesmas condições essenciais, passou a ser a 2.ª Ré a titular do complexo que constituía a unidade.
A circunstância da 2.ª Ré ter utilizado para o efeito, alguns equipamentos de sua propriedade, como rádios, lanternas, telemóveis, sistemas de rondas e uniformes com modelo e imagem identificativos da empresa, não desvirtua de modo algum a transmissão da unidade económica.
Pois, conforme resultou demonstrado, por vezes, cada empresa de segurança reforça os equipamentos existentes não por necessidade, mas para potenciar o exercício das suas operações no terreno e no final do contrato de prestação de serviços recolhem esse equipamento.
Acontece com a generalidade das empresas de segurança e vigilância, como com as ora Rés, que o sistema eletrónico de rondas, toda a “documentação” decorrente das ações diárias de controle, verificação de ocorrências, anomalias e do registo das demais situações afins, reforço de lanternas e/ou telemóveis e fardas com sinais identificativos de cada empresa de vigilância, são da propriedade e titularidade de cada uma que assegura a Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança, no período temporal da vigência do concurso público.
Deste modo, o equipamento mencionado, a documentação e o fardamento com o logotipo da empresa, constituem bens distintivos de cada empresa de segurança, que refletem o modo como a mesma se apresenta e pretende diferenciar-se no mercado, bem como a própria identificação da empresa responsável pela segurança, mas não integram a unidade económica.
Recorde-se que, atento o preceituado nos artigos 28.º e 29.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, os uniformes, distintivos símbolos e marcas a utilizar pelas entidades ou pessoal de vigilância são específicos para cada empresa de segurança.
Também o alvará que permite a prestação de serviços de segurança privada é especifico para cada empresa – artigos 14.º e 51.º da referida Lei.
Resumindo e concluindo, a titularidade da unidade económica identificada, foi transmitida da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, a partir de 1 de abril de 2019, nos termos previstos pelo artigo 285.º do Código do Trabalho.
Salientemos que a noção ampla de transmissão, acolhida pelo artigo, não exige a existência de relações contratuais diretas entre as duas empresas de segurança[3].
Para além de todo o exposto, importa referir que tendo a Autora demonstrado que, desde 1 de abril de 2016, exercia as funções de Vigilante, na Portaria das instalações do (…), como trabalhadora subordinada da 1.ª Ré, no âmbito do contrato de prestação de serviços que a empresa havia celebrado com o referido (…), a mesma logrou provar, com sucesso, os pressupostos previstos no artigo 285.º do Código do Trabalho, para que se considere que o seu contrato de trabalho foi transferido para a 2.ª Ré, a partir de 1 de abril de 2019[4].
Neste mesmo sentido, a cláusula 14.ª do Contrato Coletivo entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas, publicado no BTE n.º 38, de 15-10-2017, com as alterações introduzidas pela Revisão parcial publicada no BTE N.º 48, de 29-12-2018, conjugado com a Portaria de Extensão n.º 307/2019, publicada no Diário da república n.º 176/2019, Serie I, de 13-09-2019.
Face a todo o exposto, bem andou a decisão recorrida ao considerar que se transmitiu para a 2.ª Ré o contrato de trabalho da Autora, a partir de 1 de abril de 2019.»
É indiscutível que cada caso é um caso!
Todavia, a semelhança entre os dois casos é tão evidente que torna possível o recurso à fundamentação do acórdão parcialmente transcrito.
Tal como no caso anteriormente apreciado mostra-se aplicável o referido artigo 285.º, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março[5].
Remetendo para a análise do preceito legal então efetuada, resulta consagrada no mesmo uma noção de unidade económica que se traduz na existência de um conjunto de meios que se encontram estruturados e organizados para prosseguir e garantir o exercício de uma atividade económica.
Ora, com arrimo nos factos assentes, é possível inferir que até 31-07-2019, a 1.ª Ré explorava, organizava e geria os serviços de vigilância e segurança privada no TJSC. Para tanto, utilizava meios humanos (trabalhadores) e meios corpóreos (secretárias, cadeiras, balcão, cacifos para a guarda de objetos, telefones fixos, pórticos de segurança e sistemas de videovigilância, e as instalações, de um modo geral, do tribunal).
Os vigilantes ao serviço da 1.ª Ré prestavam informações e davam orientações aos utentes que se dirigiam aos serviços, efetuavam relatórios de turno e prestavam a segurança para que os utentes e os trabalhadores nas instalações do TJSC pudessem desenvolver a sua atividade, assegurando, ainda, a proteção dos bens existentes nas referidas instalações.
Depreende-se, igualmente, da matéria de facto, que, em 31-07-2019, os aludidos serviços de vigilância e segurança eram realizados por dois trabalhadores. Em concreto, os vigilantes R… e M…, estando esta última a substituir a Autora, que se encontrava de baixa médica.
Sucede que a partir de 01-08-2019, em consequência do Concurso Público referido nos pontos 39 e 40 dos factos assentes, os serviços de vigilância e segurança no TJSC foram adjudicados à 2.ª Ré.
E esta passou a exercer o serviço contratado, que era o mesmo que havia sido exercido pela 1.ª Ré, para o mesmo cliente, nas mesmas instalações, com os mesmos trabalhadores, utilizando, forçosamente, o mesmo equipamento existente nas instalações do tribunal.
Ora, perante tal materialidade, afigura-se-nos que o serviço de vigilância e segurança do TJSC implicava, necessariamente, um conjunto de meios estruturados e organizados que constituía uma unidade produtiva autónoma, com identidade própria, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica.
Esta unidade era composta por dois trabalhadores, com o seu Know-how, cujo trabalho tinha que ser coordenado e organizado entre si (horários, folgas, férias, passagem de informações, por exemplo), que utilizavam os supramencionados equipamentos, indispensáveis ao exercício das concretas funções de vigilância e segurança. É o conjunto organizado destes meios que permite a realização de um serviço considerado necessário na sociedade em que vivemos, e ao qual é atribuído valor de mercado.
Em suma, existe um conjunto estruturado de meios, humanos e corpóreos, organizados de forma autónoma e estável, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, e que é dotado de identidade própria.
Por outras palavras, a Autora logrou demonstrar a existência de uma unidade económica.
E mais, logrou também demonstrar que a mesma foi transmitida, em 01-08-2019, para a 2.ª Ré, em função do contrato de adjudicação celebrado em consequência do acima referido Concurso Público.
A partir de 01-08-2019, passou a ser a 2.ª Ré a responsável pela exploração, gestão e organização da aludida unidade económica.
Com o mesmo cliente, no mesmo local, os mesmos trabalhadores, a utilização dos mesmos indispensáveis meios de vigilância e segurança, pertencentes ao cliente, e tendo por objetivo a execução do mesmo serviço, nas mesmas condições essenciais, passou a ser a 2.ª Ré a titular do complexo que constituía a unidade.
A circunstância de a 2:º Ré ter utilizado folhas de registo de entrada, relatórios e uniformes com modelos e imagens identificativas da empresa, à semelhança do caso anteriormente julgado por este coletivo, não desvirtua a transmissão da unidade económica, uma vez que o essencial dos meios estruturados que constituem a unidade económica foram transmitidos e as folhas de papel e o fardamento com a identificação da empresa, não obstante permitam a identificação da empresa responsável pela vigilância e segurança, não integram a unidade económica, no seu núcleo essencial identificativo, inserindo-se nas exigências previstas pela Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.
Para o preenchimento da noção ampla de transmissão, acolhida pelo artigo 285.º do Código do Trabalho, não se mostra necessário que se verifiquem relações contratuais diretas entre as duas empresas de segurança[6].
Acresce que como se refere na decisão recorrida, «[n]ão é impeditiva de tal transmissão e inerente transmissão dos contratos de trabalho, o incumprimento do prazo de comunicação da lista de trabalhadores transmitidos, até porque esta foi efetuada antes do inicio da prestação de serviços pela 2ª ré, apesar de apenas ter chegado ao conhecimento da 2ª R., aquando aquele início (01.08.2019), por motivo que evidentemente não pode ser imputável à 1.ª R.
A obediência de tal prazo afigurava-se desde logo de impossível cumprimento aquando da publicação do anúncio do concurso, atento o prazo fixado para a apresentação das candidaturas e o período de vigência da prestação de serviços (18 meses com termo em 31.12.2020).
Por outro lado, o incumprimento das concretas exigências formais da comunicação (envio das cópias), estipuladas como obrigatórias pela citada cláusula 14.ª do CCT/2018, embora invocado pela 2.ª R., certo é que como também invoca, tal cláusula não se lhe aplicava à data.
Mas ainda que se aplicasse, a omissão do cumprimento daquele formalismo não tem por consequência a não transmissão, já que tal cominação não se encontra prevista e nem tal poderia prejudicar o trabalhador.»
Verificada a transmissão da unidade económica identificada da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, logrou a Autora demonstrar, igualmente, que desde 06-10-2016 exercia as funções de vigilante no TJSC, como trabalhadora subordinada da 1.ª Ré, no âmbito do contrato de prestação de serviços de segurança e vigilância que a empresa celebrara[7].
Por conseguinte, mostram-se verificados todos os pressupostos exigidos pelo artigo 285.º do Código do Trabalho, para que se considere que o contrato de trabalho foi transferido para a 2.ª Ré, a partir 01-08-2019.
Assim tendo decidido a sentença recorrida, nenhuma censura a mesma nos merece.
Concluindo, o recurso interposto pela 2.ª Ré terá de ser julgado improcedente.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso manifestamente improcedente, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
Évora, 11 de fevereiro de 2021
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)
_______________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Em todas as Diretivas se consagrava o mesmo conceito amplo de “transmissão”.
[3] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 19-10-2017, proferido no P. C-200/16, acessível em https://eur-lex.europa.eu.
[4] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 25-06-2015, proferido no P. 145/14.0TTPTM.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Escreveu-se no sumário deste aresto: «Compete àquele que invoca a aplicação do artigo 285.º do Código do Trabalho, provar que tinha um contrato de trabalho que se mantém em vigor à data da transmissão do estabelecimento.».
[5] Foi esta redação do artigo que foi aplicada na decisão recorrida.
[6] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 19-10-2017, proferido no P. C-200/16, acessível em https://eur-lex.europa.eu.
[7] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 25-06-2015, proferido no P. 145/14.0TTPTM.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Escreveu-se no sumário deste aresto: «Compete àquele que invoca a aplicação do artigo 285.º do Código do Trabalho, provar que tinha um contrato de trabalho que se mantém em vigor à data da transmissão do estabelecimento.».