Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2118/16.9T8ENT-C.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
REQUISITOS
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não é lícito dispensar a realização de audiência prévia em hipóteses não previstas pelo n.º 1 do artigo 593.º do CPC mediante a invocação do dever de gestão processual ou do princípio da adequação formal, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 547.º do mesmo Código.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2118/16.9T8ENT-C.E1


(…) e (…) deduziram oposição por embargos de executado, à execução que lhe foi movida por Caixa Económica Montepio Geral, sustentando:

1 – A inexigibilidade da dívida exequenda quanto a eles, por não terem sido interpelados para o pagamento e, daí, não ter ocorrido a perda do benefício do prazo;

2 – A inexistência de título executivo quanto ao crédito gerado por contrato de abertura de crédito;

3 – A extinção das hipotecas e fianças por força da extinção das obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito, este por sua vez extinto por novação;

4 – A inexigibilidade do juro moratório convencionado a título de penalização, por não ter sido contratado como garantia coberta pela hipoteca;

5 – A inexigibilidade de pagamento sobre o capital excedente a € 420.000,00, por força de contrato;

6 – A inexigibilidade do crédito decorrente do contrato de mútuo (€ 700.000,00), por o negócio estar viciado de forma;

7 – A extinção das fianças e hipoteca que garantem o contrato de mútuo (€ 700.000,00), por se ter verificado o prazo da obrigação garantida pelas fianças e que serve de base à hipoteca;

8 – A inexigibilidade da hipoteca por não estar em conformidade com o contrato de mútuo celebrado;

9 – A inexistência de título executivo quanto ao crédito gerado por convenção de conta bancária e a inexistência de garantia pessoal (fiança) quanto aos oponentes.

O embargado contestou, afirmando que estão reunidas todas as condições de exequibilidade dos seus créditos.

Em seguida, foi proferido saneador-sentença, que:

- Dispensou a realização de audiência prévia;

- Considerou necessária a produção de prova quanto à excepção referida em 1, identificando o objecto do litígio e enunciando os temas de prova;

- Julgou procedente a excepção referida em 9;

- Julgou improcedentes as restantes excepções.

Os embargantes recorreram do saneador-sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

I – Findos os articulados foi proferida Decisão “que julgou:

“... A (In)Existência de Título Executivo (Do Contrato de Abertura de Crédito) ...

IMPROCEDE a excepção dilatória por falta de título executivo terçada pelos embargantes, elencado sob al. ii) supra.

No mais, DETERMINO prosseguirá a apreciação dos Embargos de Executado

... Apreciação (Parcial) do Mérito da Causa

... A Extinção da Hipoteca e das Fianças (por Novação das obrigações relativas ao Contrato de Abertura de Crédito (Questão iii.), supra))

... IMPROCEDE a segunda das excepções terçadas pelos embargantes.

... A inexigibilidade da dívida referente ao Contrato de Abertura de Crédito, na parte referente a cláusula penal moratória ou sobre o capital excedente a € 420.000,00 (Questões iv) e v) supra)

... IMPROCEDE a excepção terçada pelos embargantes.

... A Invalidade do Contrato de Mútuo (Questão vii) supra)

... IMPROCEDE estoutra excepção.

... Sobre as Questões vii) e viii) supra

... IMPROCEDEM as duas excepções colocadas”.

ORA

II - Tal Decisão não poderia ser tomada sem a realização de audiência prévia.

DE RESTO

III - A imediata prolação daquela Decisão, sem audiência prévia, não foi legitimada, pela Exm.ª Senhora Juiz a quo, numa pretendida adequação das regras do processo às particularidades do caso sujeito, mas tão só na asserção de que “estão reunidos todos os elementos que nos capacitam para decidir (cfr. art. 595.º/1, als. a e b), do NCPC)” – conforme folha ... dos autos.

ASSIM

IV - Foi cometida uma nulidade, traduzida na prolação de Decisão sem uma prévia diligência que era imposta por lei, suscetível de influenciar o exame e a decisão da causa (artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil; considerando a omissão de convocação da audiência prévia, quando obrigatória, uma nulidade processual inominada sujeita ao regime dos artigos 195.º e seguintes do Código de Processo Civil, importando a anulação da Decisão que julgou:

“... A (In)Existência de Título Executivo (Do Contrato de Abertura de Crédito) ...

IMPROCEDE a excepção dilatória por falta de título executivo terçada pelos embargantes, elencado sob al. ii) supra.

No mais, DETERMINO prosseguirá a apreciação dos Embargos de Executado

... Apreciação (Parcial) do Mérito da Causa

... A Extinção da Hipoteca e das Fianças (por Novação das obrigações relativas ao Contrato de Abertura de Crédito (Questão iii.), supra))

... IMPROCEDE a segunda das excepções terçadas pelos embargantes.

... A inexigibilidade da dívida referente ao Contrato de Abertura de Crédito, na parte referente a cláusula penal moratória ou sobre o capital excedente a € 420.000,00 (Questões iv) e v) supra)

... IMPROCEDE a excepção terçada pelos embargantes.

... A Invalidade do Contrato de Mútuo (Questão vii) supra)

... IMPROCEDE estoutra excepção.

... Sobre as Questões vii) e viii) supra

... IMPROCEDEM as duas excepções colocadas “ .

V - Foram violados os artigos 591.º e seguintes, ex vi 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, por não aplicados na Decisão Recorrida.

SEM PRESCINDIR

VI – A Decisão Recorrida não discrimina nem declara a matéria de facto provada.

POR ISSO

VII - Não se sabe que factos o Tribunal considerou provados, que factos é que ele considerou não provados, quais é que ele considerou relevantes.

PELO, QUE

VIII - A Decisão Recorrida é nula por não especificar os fundamentos de facto, em conformidade com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil.

IX – Foram violados os artigos 595.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, 607.º, n.ºs 3 e 4 e 615.º, n.º 1, alínea b), ex vi 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

SEM PRESCINDIR

X – Uma coisa é o documento acessório junto como Doc. 4 ao requerimento executivo, elaborado pela Exequente Caixa Económica Montepio Geral que mais não é do que uma ... Consulta de Movimentos da ou para a sua “DJRC – Direcção Jurídica e de Recuperação de Crédito” em 18-05-2016 09:07:08 e outra, diversa, o “extracto de conta corrente prova os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados e o respectivo saldo”.

XI - A mera circunstância de a Exequente Caixa Económica Montepio Geral elaborar uma “... Consulta de Movimentos” da ou para a sua “DJRC – Direcção Jurídica e de Recuperação de Crédito” em “18-05-2016 09:07:08” em nada complementa “o contrato inicial no que tange à efectividade da realização das prestações prometidas”.

XII – Fundando-se a instauração da execução num contrato de “Abertura de Crédito” junto como documento n.º 1, celebrado entre a Exequente, como entidade creditante da conta e a Sociedade Executada, na qualidade de beneficiária, do qual consta, além do mais, que o “extracto de conta corrente prova os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados e o respectivo saldo, sendo considerado documento com força executiva nos termos do artigo 50º do Código de Processo Civil” – “Cláusula 9.ª, n.º 2., do Documento Complementar” anexo ao documento junto como n.º 1.

XIII - A instauração da execução não foi complementada com o “extracto de conta corrente”, não se provando os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados, ficando inquinada a validade do contrato de “Abertura de Crédito”, sendo este inexequível, por violação dos artigos 703.º, n.º 1, alínea b) e 707.º do Código de Processo Civil (artigos 46.º, n.º 1, alínea b) e 50.º, CPC/61).

SEM PRESCINDIR

XIV – Em 2010 Maio 06, foi celebrado um contrato de abertura de “crédito em conta corrente” beneficiando a Sociedade Executada “até ao montante de quatrocentos e vinte mil euros”, “que se destina, segundo declaração” desta, “a reforço de tesouraria da empresa” – Cláusula 1.ª –, “pelo prazo de seis meses a contar da presente data, eventualmente renovável por sucessivos e iguais períodos, ... salvo denúncia por qualquer das partes, efectuada por escrito” – Cláusula 2.ª –, conforme “Abertura de Crédito, Hipoteca e Fiança” junto como documento n.º 1, ao “Requerimento Executivo” e aqui dado por integralmente reproduzido.

XV - Em 2012 Maio 06, a Exequente e a Sociedade Executada acordaram “que, o já mencionado contrato de abertura de crédito em conta corrente, tem o seu termo em 6 de Maio de 2014” – Cláusula 1.ª –, declarando-se esta devedora àquela “da quantia de € 900.000,00 (novecentos mil euros)” – Cláusula 2.ª –, obrigando-se a Sociedade Executada “a amortizar integralmente o saldo devedor do presente contrato, composto por capital, juros e demais encargos, apurado no termo do prazo contratual”, isto é, “6 de Maio de 2014”,

“ 2. A partir da data da celebração do presente acordo a conta corrente do contrato será encerrada ... – Cláusula 3.ª –, este “acordo reporta-se exclusivamente ao supracitado contrato de abertura de crédito com constituição de hipoteca e fiança” – Cláusula 5.ª –, conforme Acordo junto como documento n.º 2, ao Requerimento Executivo e aqui dado por integralmente reproduzido.

Em 2014 Julho 10, àquele “Acordo Contrato de Mútuo n.º 000.36.100215-7”,

celebrado entre “a Exequente e a Sociedade Executada” em 6 de Maio de 2012 “foram adicionadas cláusulas de Cessão de créditos” – Cláusula 3.ª – e Direito de Resolução – Cláusula 4.ª – e alterado “o prazo do identificado contrato de mútuo, no sentido de passar a constar que o prazo contratual é de 36 (trinta e seis) meses contados a partir da data da celebração do respectivo contrato” – Cláusula 2.ª –, conforme “Acordo Contrato de Mútuo n.º 000.36.100215-7 junto como documento n.º 2, ao Requerimento Executivo e aqui dado por integralmente reproduzido.

POR ISSO

XVI - Ocorreu extinção das obrigações decorrentes do contrato de “Abertura de Crédito, Hipoteca e Fiança” antes referido, por se ter verificado novação objectiva daquelas, nos termos do artigo 857.º do Código Civil.

PELO, QUE

XVII - O título apresentado é inexequível e o processamento da execução inviável.

SEM PRESCINDIR

XVIII – No que respeita ao “acrescida de 4% na mora e a título de cláusula penal”, tal não retrata o que foi constituído na hipoteca.

XIX - Não se pode ir além da garantia resultante da hipoteca, tornando-se inexigível.

SEM PRESCINDIR

XX - Em 2010 Maio 06, foi celebrado um contrato de abertura de “crédito em conta corrente” beneficiando a Sociedade Executada “até ao montante de quatrocentos e vinte mil euros” – n.º 1 da Cláusula 1.ª –, conforme “Abertura de Crédito, Hipoteca e Fiança” junto como documento n.º 1 ao Requerimento Executivo, onde os Executados (…) e (…) declararam que se “constituem fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela Sociedade Executada no âmbito do presente contrato”, salientando-se que o “limite do crédito concedido poderá ser reduzido por acordo escrito entre as partes” – n.º 5 da Cláusula 1.ª.

XXI – As partes elevaram “em mais quatrocentos e oitenta mil euros, o crédito aberto em conta corrente”.

XXII - A quantia exequenda que exceda o “montante de quatrocentos e vinte mil euros” é inexigível.

SEM PRESCINDIR

XXIII – O Doc. 5 consubstancia uma confissão de dívida e não um contrato de mútuo.

XXIV - O mútuo feito pela Caixa Económica Montepio Geral à Sociedade Executada não foi feito por escrito particular.

XXV - Tratando-se de um contrato de mútuo, este é nulo por vício de forma, atento o disposto no artigo único do Decreto-Lei n.º 32765, de 29 de Abril de 1943, nulidade que é de conhecimento oficioso.

XXVI - O artigo 703.º do Código de Processo Civil (artigo 46.º CPC/61), enumera os títulos executivos.

XXVII - Exige-se que o acto negocial seja válido quanto à forma pela qual foi celebrado.

XXVIII - Não consubstanciando o documento em causa um contrato de mútuo e não tendo este sido feito por escrito particular é nulo por irregularidade de forma, ele não pode ser considerado eficaz como título executivo.

XXIX - Por virtude da invalidade formal do mútuo, o título apresentado é inexequível e o processamento da execução inviável.

DESTE MODO

XXX - Verifica-se inexequibilidade do título, o que obsta ao prosseguimento da execução contra a Executada (…), Gestão, Consultoria e Serviços, Lda..

XXXI – Em 2010 Maio 06, foi celebrado um contrato de “Mútuo, Hipoteca e Fiança”, donde consta que “os primeiros outorgantes confessam a sociedade ‘(…) – Sociedade Gestora de Participações Sociais, Lda.’ devedora à CEMG da quantia de setecentos mil euros, a titulo de mútuo que dela recebe” – n.º 1 da Cláusula 1.ª –, “pelo prazo de seis anos a contar da presente data” Cláusula 2.ª –, conforme documento junto pela Caixa Económica Montepio Geral como n.º 5, ao Requerimento Executivo e aqui dado por integralmente reproduzido, salientando-se que para “garantia do integral cumprimento das obrigações emergentes e assumidas no presente contrato”, os Executados (…) e (…) constituem a favor da Exequente, “hipoteca voluntária sobre o prédio identificado” naquele documento, sendo o “montante máximo de capital e acessórios garantido pela hipoteca de oitocentos e quarenta e dois mil, oitocentos e setenta e cinco euros” – Cláusula 3.ª – e estes declararam que se “constituem fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela Sociedade Executada no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia”.

XXXII - Ocorreu extinção da hipoteca e fianças antes referidas, por se ter verificado o prazo da obrigação garantida pelas fianças e que serve de base à hipoteca.

CONSEQUENTEMENTE

XXXIII - São o (…) e a (…) partes ilegítimas.

SEM PRESCINDIR

XXXIV - Na hipoteca o registo é constitutivo (artigo 687.º do Código Civil).

XXXV - Impõe-se saber o que realmente foi levado a registo e dele consta, por AP. (…) de 2010 Maio 06:

Montante máximo assegurado: 1.072.750,00

Para garantia de empréstimo concedido à Sociedade Executada. Juros à taxa de 13,75%, acrescida de 4% na mora e a título de cláusula penal, conforme informação predial cujo código de acesso, a consultar em (…), é IP-(…).

XXXVI - Não está em conformidade com o contrato de “Mútuo, Hipoteca e Fiança”, junto pela Caixa Económica Montepio Geral como n.º 5, ao Requerimento Executivo, nomeadamente, no que respeita ao “montante máximo de capital e acessórios garantido pela hipoteca é de oitocentos e quarenta e dois mil oitocentos e setenta e cinco euros” e deste não resulta “acrescida de 4% na mora e a título de cláusula penal”.

XXXVII - A garantia resultante da hipoteca é inexigível.

XXXVIII - A Exm.ª Juiz do Tribunal Recorrido decidiu “Considerando o disposto no art. 597.º/1 do NCPC ... por via de despacho, sem necessidade de audiência (prévia) contraditória onde se realizassem debates a esse respeito”.

XXXIX - Uma vez que foi “fixada à causa o valor de € 1.716.670,09 (um milhão, setecentos e dezasseis mil, seiscentos e Setenta euros e nove cêntimos)”, “superior a metade da alçada da Relação”, tal tramitação foi erradamente aplicada pela Exm.ª Juiz do Tribunal Recorrido.

XL - Impondo o n.º 2, do artigo 732.º, do Código de Processo Civil: “seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo”.

XLI - Aplicam-se as regras previstas nos artigos 590.º e seguintes do Código de Processo Civil, quanto à “gestão inicial do processo e da audiência prévia”, o que não foi feito.

XLII - Deve o Despacho que recaiu sobre a “Definição dos Termos Processuais Subsequentes” ser anulado por errada aplicação do art. 597.º/1 do NCPC e ordenar-se que se proceda à “gestão inicial do processo e da audiência prévia” imposta pelos artigos 590.º e seguintes do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 732.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Termos em que, e sempre com o sábio suprimento de Vossas Excelências, deve julgar-se procedente o recurso e consequentemente revogar-se a decisão recorrida

- Por nulidade da não realização no processo de audiência prévia e devendo ser emitido despacho de audiência prévia, nos termos do artigo 591.º do Código de Processo Civil.

SEM PRESCINDIR

- Por nulidade da decisão recorrida e determinando-se a sua reelaboração com a discriminação dos factos provados que a fundamentam.

SEM PRESCINDIR

A oposição à execução através de embargos de executado ser julgada procedente, por provada,

- Declarando-se a inexequibilidade do título executivo (contrato de “Abertura de Crédito”), por violação dos artigos 703.º, n.º 1, alínea b) e 707.º do Código de Processo Civil (artigos 46.º, n.º 1, alínea b) e 50.º, CPC/61), o que obsta ao prosseguimento da execução.

SEM PRESCIDIR

- Declarando-se que ocorreu extinção das obrigações decorrentes do contrato de “Abertura de Crédito”, por se ter verificado novação objectiva daquelas, nos termos do artigo 857.º do Código Civil, sendo o título apresentado inexequível e o processamento da execução inviável.

SEM PRESCINDIR

- Declarando-se inexigível o que se pede além da garantia resultante da hipoteca (“Abertura De Crédito, Hipoteca e Fiança”).

SEM PRESCINDIR

- Declarando-se que é inexigível a quantia exequenda que excede o “montante de quatrocentos e vinte mil euros” (“Abertura de Crédito, Hipoteca e Fiança”).

SEM PRESCINDIR

- Declarando-se a inexequibilidade do título executivo por virtude da invalidade formal do mútuo, o que obsta ao prosseguimento da execução.

SEM PRESCINDIR

- Declarando-se que ocorreu extinção da hipoteca e fianças (constituída e prestadas pelos … e … no “Mútuo, Hipoteca e Fiança”), por se ter verificado o prazo da obrigação garantida pelas fianças e que serve de base à hipoteca e consequentemente, são os recorrentes partes ilegítimas.

SEM PRESCINDIR

- Declarando-se a inexigibilidade da garantia resultante da hipoteca, por não estar em conformidade com o contrato de “Mútuo, Hipoteca e Fiança”.

- Por nulidade do despacho que recaiu sobre a “definição dos termos processuais subsequentes”, ordenando-se que se proceda à “gestão inicial do processo e da audiência prévia”.

Decidindo em conformidade, farão Vossas Excelências Serena, Sã e Objectiva Justiça.

O recurso foi admitido, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a primeira questão a resolver consiste em saber se o tribunal a quo, propondo-se apreciar uma excepção dilatória e conhecer parcialmente do mérito da causa em sede de saneador-sentença, podia dispensar a realização de audiência prévia.

Apreciando:

O n.º 2 do artigo 732.º do CPC (diploma ao qual pertencem todas as normas doravante citadas) estabelece que, se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.

O n.º 1 do artigo 591.º estabelece que, “Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: (…) b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (…) d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes (…)”.

O artigo 592.º estabelece os casos em que a audiência prévia não se realiza. São eles: a) Acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.º; b) O processo findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória já debatida nos articulados.

O n.º 1 do artigo 593.º estabelece os casos em que o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia. Tal dispensa só poderá ocorrer nas acções que hajam de prosseguir e, mesmo nessas, se a audiência prévia se destinasse apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 591.º.

O artigo 597.º estabelece que, “Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590.º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do acto ao fim do processo: a) Assegura o exercício do contraditório quanto a excepções não debatidas nos articulados; b) Convoca audiência prévia; c) Profere despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º; d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º; e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º; f) Profere despacho destinado a programar os actos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respectivas datas; g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151.º.”

Resulta destes preceitos legais que, nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, a regra é a realização de audiência prévia[1]. Esta regra comporta dois desvios: hipóteses em que a audiência prévia não se realiza por força de disposição legal expressa (artigo 592.º) e hipóteses em que o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia, previstas no n.º 1 do artigo 593.º. Nos restantes casos, é obrigatória a realização de audiência prévia, não sendo, nomeadamente, lícito dispensá-la em hipóteses não previstas pelo n.º 1 do artigo 593.º mediante a invocação do dever de gestão processual ou do princípio da adequação formal, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 547.º. Não faria sentido o legislador restringir expressamente a possibilidade de dispensa da realização de audiência prévia pelo juiz às hipóteses previstas pelo n.º 1 do artigo 593.º e, simultaneamente, admitir ilimitadamente essa possibilidade mediante a invocação do dever de gestão processual ou do princípio da adequação formal, acabando-se num regime semelhante àquele que o artigo 597.º estabelece apenas para as acções de valor não superior a metade da alçada da Relação.

No caso dos autos, o tribunal a quo dispensou a realização de audiência prévia, mas apreciou uma excepção dilatória e conheceu parcialmente do mérito da causa. Resulta da exposição anterior que não o podia fazer. O n.º 1 do artigo 593.º não permite a dispensa da realização de audiência prévia nos casos, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º, em que o juiz se proponha apreciar excepções dilatórias ou conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa. Em tais casos, o juiz tem o dever de realizar uma audiência prévia, com vista a facultar às partes a discussão de facto e de direito das questões que aquele se propõe decidir no saneador[2].

A não realização de audiência prévia quando esta seja obrigatória traduz-se na omissão de um acto processual que a lei prescreve, omissão essa que, ao coarctar o direito das partes ao contraditório, pode influir no exame ou na decisão da causa. Logo, constitui uma nulidade processual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º.

Esta nulidade processual encontra-se coberta por decisão judicial, mais precisamente pelo saneador-sentença recorrido, porquanto, neste último, se decidiu expressamente não realizar a audiência prévia, invocando a sua desnecessidade. Sendo assim, a forma correcta de as partes reagirem contra tal nulidade é a interposição de recurso, que foi aquilo que os recorrentes fizeram. A nulidade processual decorrente da falta de realização de audiência prévia inquina o saneador-sentença recorrido, mediante o qual o tribunal a quo decidiu cometer tal nulidade. Consequentemente, terá de se anular essa decisão, bem como os termos processuais subsequentes, para que o tribunal a quo, cumprindo o disposto no artigo 591.º, n.º 1, al. b), convoque audiência prévia. Fica, assim, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos recorridos.

Sumário:

1 – Nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, a regra é a realização de audiência prévia.

2 – Esta regra comporta dois desvios: hipóteses em que a audiência prévia não se realiza por força de disposição legal expressa (artigo 592.º do CPC) e hipóteses em que o juiz pode dispensar a realização de audiência prévia (artigo 593.º, n.º 1, do CPC). Nos restantes casos, a realização de audiência prévia é obrigatória.

3 – Não é lícito dispensar a realização de audiência prévia em hipóteses não previstas pelo n.º 1 do artigo 593.º do CPC mediante a invocação do dever de gestão processual ou do princípio da adequação formal, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 547.º do mesmo Código.

4 – A não realização de audiência prévia quando esta seja obrigatória constitui uma nulidade processual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC.

Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, anulando o saneador-sentença recorrido e os actos processuais subsequentemente praticados pelo tribunal a quo, devendo este último, em cumprimento do disposto no artigo 591.º, n.º 1, al. b), do CPC, convocar audiência prévia.

Custas pela parte vencida a final.

Notifique.


Évora, 18 de Outubro de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura


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[1] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, p. 198.

[2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, cit., p. 201.