Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2499/18.0T8FAR.E1
Relator: JOSÉ BARATA
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- O dano biológico, consubstanciado na diminuição psicossomática e funcional do lesado, sendo ressarcível, pode ser enquadrado quer na categoria normativa dos danos patrimoniais, quer na dos não patrimoniais.
II.- Se o dano se repercutir na diminuição da capacidade de ganho atual ou futura é integrado nos danos patrimoniais porque é de natureza objetiva e, por isso, facilmente mensurável pela aplicação da teoria da diferença (artº 566º/2 CC).

III.- Caso se repercuta no sofrimento da vítima provocado pelo dano estético, diminuição do desempenho sexual, da atividade desportiva e de lazer ou no quantum doloris, será integrado nos danos não patrimoniais porque a valoração da indemnização que os procure ressarcir, sendo de natureza subjetiva, só pode encontrar-se com recurso à equidade e ao bom sendo do julgador (artº 566º/3 CC).

III.- É a natureza do dano que o faz incluir numa ou noutra categoria, pelo que só através da análise do caso concreto se pode decidir da sua natureza.
IV.- Num caso em que se verifica ausência de dano estético e de diminuição da capacidade sexual, em que o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica é de 5 pontos em 100, mas em que o quantum doloris é de 4 em 7; o défice funcional total é de 3 dias, mas o parcial é de 792 dias; o período de paragem na atividade profissional total foi de 174 dias e o temporário de 621; o desempenho profissional futuro só pode ser exercido se nele for empregue um esforço acrescido durante todo o restante percurso profissional, tendo a vítima 44 anos; o que também se verificará aquando da prática de exercício físico e lazer, com um dano de grau 2 em 7, o que significa estar o acidente presente na vida da lesada em permanência, quer no aspeto profissional quer pessoal, o que é ainda reforçado pela necessidade, a título permanente, de tratamentos médicos regulares e de analgésicos, por sofrer dores, mostra-se equitativamente ajustado atribuir à lesada o valor de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais, o que inclui o dano biológico.
(Sumário do Relator)

Decisão Texto Integral: Procº 2499/18.0T8FAR.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Fundo de Garantia Automóvel


Recorrido: (…)

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro, Juiz 2, (…) propôs ação declarativa de condenação com processo comum contra o Fundo de Garantia Automóvel, (…) e Sporting Clube (…), pedindo que os Réus sejam, solidariamente, condenados a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) € 40.000,00 por dano biológico, tendo por base a incapacidade permanente parcial de 32,32%;
b) € 20.000,00 por danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros vencidos desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.
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Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação quando circulava, como passageira, num veículo automóvel que foi embatido pelo veículo conduzido pelo 2º Réu, na sequência deste ter violado normas estradais, e propriedade do 3º Réu, o qual não tinha seguro de responsabilidade civil relativo ao mesmo, tendo sofrido ferimentos e ficado com sequelas que lhe provocaram danos biológico e morais.
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O Réu Fundo de Garantia Automóvel, pessoal e regularmente citado, deduziu contestação na qual impugnou toda a factualidade alegada, por desconhecimento.
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O Réu (…) não deduziu contestação.
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O Réu Sporting Clube (…) contestou impugnando a versão do acidente, bem como os danos peticionados.
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Realizada a audiência de julgamento foi proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condenam-se os Réus Fundo de Garantia Automóvel, (…) e Sporting Clube (…) a pagarem à Autora (…) a quantia de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado.
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Não se conformando com o decidido, o Fundo de Garantia Automóvel recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

A) A douta sentença recorrido, condenou os RR. solidariamente, a pagarem à autora a quantia global de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais e dano biológico.

B) Embora se aceite que, o entendimento de não aplicação dos valores fixados pela Portaria 377/2008, de 26 de maio, por estabelecerem valores mínimos de proposta razoável, o que é certo é que cada vez mais se verifica uma grande aproximação de valores face à jurisprudência superior mais recente.

C) Em situações análogas ao dos presentes autos, com uma IPP de 5 pontos, que felizmente para a Autora se mostra de gravidade reduzida, face á jurisprudência superior mais recente, sempre chegaríamos a valores, a título de danos patrimoniais ou dano biológico na vertente patrimonial, na ordem dos € 10.000,00, como máximo.

D) Pelo exposto, estamos em crer que a situação mais harmoniosa e justa à situação em apreço deverá passar por um valor global não superiores a € 17.500,00 ao invés dos € 50.000,00 sentenciados a título de dano não patrimoniais e dano biológico.

E) A douta sentença recorrida ao fixar os montantes indemnizatórios em termos de danos patrimoniais, dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais violou, assim, o disposto nos artºs 494º, 496º, 562º todos do Código Civil.


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A A. contra-alegou, concluindo:

I. No presente recurso, não se trata de um simples recurso sobre a matéria de facto provada ou não provada, não se invoca qualquer erro de julgamento, in procedendo ou in judicando.

II. Apenas se pretende sindicar uma decisão formada segundo juízos de equidade.

III. O Recorrente pretende a alteração de uma decisão proferida, onde a consciência pessoal e a sensibilidade do julgador tem uma enorme relevância e é elemento determinante e julgou que a justiça seria realizada através da atribuição de uma indemnização de determinado montante, único que a seu ver, realiza a justiça do caso concreto reparando o prejuízo pela sinistrada sofrido.

IV. Pela sua ligação à sabedoria, a equidade melhora a justiça do direito constituído, permite uma composição mais integral dos interesses e conduz a uma solução mais plena ou harmónica de um conflito.

V. A Mma. Juíza recorrida entendeu e bem, que os valores em que condenou o Recorrente são aqueles que realizam a justiça do caso concreto e que procedem à reparação da lesão sofrida.

VI. Por isso é de manter a decisão proferida, que não merece qualquer censura, não sendo violadora de qualquer norma jurídica e que realiza em plenitude a justiça do caso concreto.


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Foram dispensados os vistos.

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A questão que importa decidir é a de saber se, em face dos danos sofridos pela recorrida, se deve reduzir ou manter o montante indemnizatório fixado de € 50.000,00.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:

A) FACTOS PROVADOS
1) No dia 13 de Maio de 2016, pelas 12.30 horas, o Réu (…) conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…), na Rua (…), em Faro, no sentido de marcha Este/Oeste, em direção ao cruzamento com a Rua (…), e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…), conduzido por (…) e transportando no lugar de pendura a Autora (…), seguia no sentido de marcha Sul/Norte, pela Rua (…), em direção ao referido cruzamento, tendo o Réu (…), ao chegar próximo do referido cruzamento, entrado no mesmo sem previamente se certificar se circulavam outros veículos no cruzamento a quem devia ceder passagem, desrespeitando o sinal STOP ali existente e embatendo com a parte frontal do seu veículo no parte lateral direita do veículo em que seguia a Autora, nem sequer prevendo que da sua conduta poderia resultar o embate.
2) No local do embate, a estrada encontra-se classificada com estrada municipal, tratando-se de um cruzamento.
3) Antes de chegar ao cruzamento, a Rua (…) tinha duas hemi-faixas de rodagem, no mesmo sentido, com vias demarcadas e a Rua (…) uma hemi-faixa de rodagem com sentido único e com uma inclinação um pouco acentuada.
4) Naquele local e na data do embate, o pavimento era asfáltico, em estado regular de conservação e manutenção, encontrando-se, seco e limpo e sem qualquer obra ou obstáculo e o tempo era bom.
5) Como consequência do embate referido em 1), a Autora (…) sentiu dores e mal-estar e passou uma noite no hospital onde esteve em observação, tendo feito vários exames.
6) Em consequência do embate, a Autora sofreu traumatismo craniano sem perda de conhecimento, bem como traumatismos na região cervical e lombar e anca esquerda, tendo ficado impossibilitada, durante vários meses, de carregar a sua filha pequena ao colo e de fazer as tarefas domésticas, o que lhe causou angústia e sofrimento.
7) Em consequência do embate, a Autora apresenta:
I) Síndrome depressivo menor (agravado) com patologia prévia (depressão pós-parto com acompanhamento psiquiátrico regular desde 2006); cervialgia ligeira sem alterações neurológicas aparentes e com contratura muscular moderada embora sem limitação da mobilidade cervical, dor e contratura lombar moderada com contratura muscular paraverterbral sem alterações neurológicas e dor ao nível da face externa da coxa a nível do grande tricânter sugestivo de bursite trocantérica com boa mobilidade nas ancas;
II) Défice Funcional Temporário Total de 3 dias;
III) Défice Funcional Temporário Parcial de 792 dias;
IV) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 174 dias;
V) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 621 dias;
VI) um Quantum Doloris no grau 4/7;
VII) um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos em 100;
VIII) Repercussão Permanente na Atividade Profissional - as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
IX) Dano Estético Permanente no grau 0/7;
X) Repercussão Permanente na Atividade Sexual no grau 0/7.
XI) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau 2/7;
XII) Necessidades, a título permanente, de tratamentos médicos regulares e de analgésicos, por sofrer dores.
8) A Autora é agente da PSP e nasceu em 12 de maio de 1976.
9) O Réu (…) foi condenado, pela prática dos factos referidos em 1), por sentença transitada em julgado em 4 de junho de 2018, no âmbito do processo comum singular n.º 115/16.3PTFAR do Juízo Local Criminal de Faro-J1, pela prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência p. e p. pelo artigo 148º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.os 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de janeiro, na pena única de 200 dias de multa, à razão diária de € 7,00, no total de € 1.400,00.
10) O veículo de matrícula (…) era, nas circunstâncias referidas em 1), propriedade do Réu Sporting Clube (…).
11) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação relativa ao veículo de matrícula (…) não estava transferida para qualquer seguradora (artigo 25º da petição inicial).
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b) Não se provaram quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada, designadamente que o Réu (…), enquanto conduzia o veículo automóvel de matrícula (…), certificou-se previamente que nenhum veículo circulava no cruzamento, tendo parado previamente e respeitado o sinal STOP mas, quando o referido condutor já se encontravas a circular no cruzamento, surgiu de forma súbita e inesperada o veículo automóvel de matrícula (…), não tendo o respetivo condutor conseguido controlar o mesmo por forma a conseguir parar no espaço livre e visível à sua frente, invadindo a trajetória e embatendo no veículo automóvel de matrícula (…).
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Conhecendo.
O recorrente defende que, em face da extensão dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida (aqui incluindo o dano biológico), em consequência do acidente, o montante que equitativamente deve ser fixado é de € 17.500,00, sendo, por isso, exagerado o valor de € 50.000,00 atribuído pelo tribunal a quo.
A recorrida, por seu lado, defende que o montante se mostra justa e equitativamente fixado pelo que deve ser mantido.
Os danos em sede de indemnização civil por facto ilícito (artº 483º e sgs. CC) podem ser de natureza patrimonial ou moral, também designados estes por não patrimoniais (artº 496º CC).
Por sua vez, o dano biológico consubstanciado na diminuição psicossomática e funcional do lesado, sendo ressarcível, pode ser enquadrado quer na categoria normativa dos danos patrimoniais quer na dos não patrimoniais.
Se este dano se repercutir na diminuição da capacidade de ganho atual ou futura é integrado nos danos patrimoniais porque é de natureza objetiva e, por isso, facilmente mensurável pela aplicação da teoria da diferença (artº 566º/2 CC).
Caso se repercuta no sofrimento da vítima provocado pelo dano estético, diminuição do desempenho sexual, da atividade desportiva e de lazer ou no quantum doloris, será integrado nos danos não patrimoniais porque a valoração da indemnização que os procure ressarcir, sendo de natureza subjetiva, só pode encontrar-se com recurso à equidade e ao bom sendo do julgador (artº 566º/3 CC).
Opta-se, como facilmente se depreende, pela tese eclética (tertium genus), ou seja, a de que o dano biológico não é forçosamente patrimonial nem não patrimonial.
É a natureza do dano que o faz incluir numa ou noutra categoria, pelo que só através da análise do caso concreto se pode decidir da sua natureza.
Ora, os danos que se mostram incontestados e que merecem a tutela do direito são apenas os de natureza biológica integrados nos danos não patrimoniais, porque não ficou demonstrado que o dano motivou uma perda de rendimentos da lesada – atual ou futura.
Isto sem embargo de se ter provado que a atividade profissional de Polícia de Segurança Pública, exercida pela lesada, pode ser exercida, mas com um esforço suplementar, o que nos remeteria facilmente para uma situação de perda de chance em futura progressão na carreira, dada a forte componente física e psíquica da profissão (in casu diminuídas), o que já seria mensurável e enquadraria os danos na categoria patrimonial.
Contudo, as partes não impugnaram a decisão em crise nesta vertente, pelo que estamos impedidos de sobre a questão nos debruçarmos (artº 615º/1 d) do CPC).
Relativamente à determinação do montante da indemnização, a jurisprudência emitida pelos nossos tribunais superiores, em consonância com o preâmbulo e o disposto no artº 1º/2, da Portaria 377/2008, de 26-05, vem decidindo que “as tabelas constantes da Portaria 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria 679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (artºs 564º e 566º/3, do CC)”, o que bem se compreende quando ali se atribuem míseros € 10.000,00 de indemnização pela perda de um filho.
É disso exemplo lapidar a decisão proferida no Ac. STJ de 07-02 2008, Moreira Camilo: a um jovem de 19 anos que ficou com 45% de invalidade permanente, foi arbitrada a indemnização de € 14.773,75 pela Tabela da referida Portaria e € 94.570,57 a título de equidade (citado por Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil, VIII, 2017, pág. 753).

No caso dos autos, para determinar se o quantum indemnizatório é ajustado ou deve ser reduzido ponderemos em primeiro lugar a extensão dos danos.
Sabendo-se que a autora é agente da PSP e nasceu em 12 de maio de 1976, está também provado que:
5) Como consequência do embate referido em 1), a Autora (…) sentiu dores e mal-estar e passou uma noite no hospital onde esteve em observação, tendo feito vários exames.
6) Em consequência do embate, a Autora sofreu traumatismo craniano sem perda de conhecimento, bem como traumatismos na região cervical e lombar e anca esquerda, tendo ficado impossibilitada, durante vários meses, de carregar a sua filha pequena ao colo e de fazer as tarefas domésticas, o que lhe causou angústia e sofrimento.
7) Em consequência do embate, a Autora apresenta:
I) Síndrome depressivo menor (agravado) com patologia prévia (depressão pós-parto com acompanhamento psiquiátrico regular desde 2006); cervialgia ligeira sem alterações neurológicas aparentes e com contratura muscular moderada embora sem limitação da mobilidade cervical, dor e contratura lombar moderada com contratura muscular paraverterbral sem alterações neurológicas e dor ao nível da face externa da coxa a nível do grande tricânter sugestivo de bursite trocantérica com boa mobilidade nas ancas;
II) Défice Funcional Temporário Total de 3 dias;
III) Défice Funcional Temporário Parcial de 792 dias;
IV) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 174 dias;
V) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 621 dias;
VI) um Quantum Doloris no grau 4/7;
VII) um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos em 100;
VIII) Repercussão Permanente na Atividade Profissional - as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
IX) Dano Estético Permanente no grau 0/7;
X) Repercussão Permanente na Atividade Sexual no grau 0/7.
XI) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau 2/7;
XII) Necessidades, a título permanente, de tratamentos médicos regulares e de analgésicos, por sofrer dores.

No sentido da diminuição do montante indemnizatório pondera-se a ausência de lesão a nível de dano estético e de atividade sexual e o diminuído Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos em 100.
Contudo, no sentido da manutenção do montante fixado e mesmo do seu implemento (se tivesse sido pedido) todos os restantes itens a considerar se mostram preenchidos, embora com intensidades variáveis, o que equivale a dizer que os danos sofridos pela lesada são de gravidade elevada.
O quantum doloris é de 4 em 7 o que representa um grau médio, mas no sentido ascendente; o défice funcional total é de 3 dias, mas o parcial é de 792 dias; o período de paragem na atividade profissional total foi de 174 dias e o temporário de 621 (é certo que não ocorreu perda de vencimento, mas a atividade profissional e os benefícios que dela advêm não se reduzem apenas à questão monetária); o desempenho profissional futuro só pode ser exercido se nele for empregue um esforço acrescido durante todo o restante percurso profissional; o que também se verificará aquando da prática de exercício físico e lazer, com um dano de grau 2 em 7, o que significa estar o acidente presente na vida da lesada em permanência, quer no aspeto profissional quer pessoal, o que é ainda reforçado pela necessidade, a título permanente, de tratamentos médicos regulares e de analgésicos, por sofrer dores.
Ora, dada a extensão e gravidade dos danos, sendo certo que os não patrimoniais são com frequência mais difíceis de suportar do que os patrimoniais – no caso dos autos alguns nunca se extinguirão, estando sempre presentes na vida da lesada – ponderando-se ainda que uma indemnização para ser justa tem que ser significativa, sem cair nos exageros do sistema anglo-saxónico, o montante de € 50.000,00 fixado pelo tribunal a quo tem que ser mantido e não peca por excesso, sendo a manifestação de um ajustado juízo de equidade o que foi formulado in casu pela 1ª instância (artº 496º/4 do CC).
Sobre o juízo de equidade o nosso mais alto tribunal no Ac. de 20-05-2010, proferido no Processo 103/2002.L1.S1 decidiu que o juízo de equidade se alicerça “não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto (…), tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade.”
Ora, o tribunal a quo manteve-se dentro dos critérios que a justiça portuguesa, embora ainda de forma tímida, vem evoluindo quanto aos montantes indemnizatórios que fixa aos danos não patrimoniais e, no caso dos autos, perfeitamente ajustados às particularidades do caso concreto.
Os critérios seguidos e que estão na base do valor indemnizatório fixado são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos, podendo o valor arbitrado harmonizar-se com os padrões que a atualidade da jurisprudência vem seguindo em situações análogas, ou seja, em situação de gravosas incapacidades que afetem, de forma sensível, irremediável e permanente, o padrão e a qualidade de vida dos lesados.
O montante indemnizatório é atualizado na data da decisão conforme jurisprudência assente (AUJ nº 4/2002, de 09-05-2002 – DR, S I-A de 27-06-2002).
No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência:
Ac. STJ de 21-01-2016, Lopes do Rego, Procº 1021/11.3TBABT.E1.S1:
1. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
2. Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de € 50.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais (…) envolvendo sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento, produzindo as lesões internamento durante 83 dias, quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético de 2 pontos em 7; ficando com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7, envolvendo ainda claudicação na marcha e rigidez da anca direita; implicando limitações da marcha, corrida, e todas as actividades físicas que envolvam os membros inferiores e determinando alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, que coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofrendo incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.

E Ac. Ac. STJ de 26-01-16, Carlos Moreira, Procº 309/11.8TBVZL.C1:
3 - O valor de 37.500 euros fixado a título de danos não patrimoniais, a lesado de 43 anos que, nuclearmente, sofreu fractura bimaleolar da tíbia, fractura-luxação do tornozelo esquerdo, fractura do cubóide esquerdo e do perónio, foi submetido a operações com colocação de placa e parafusos e fixação, fez exames e tratamentos durante mais de dois anos, teve um dano estético de grau 3/7, um prejuízo de afirmação pessoal de 4/7, e um quantum doloris de 5/7, mostra-se aceitável já que, considerando as circunstancias do caso e os valores fixados jurisprudencialmente, está ínsito em parâmetro admissível.
4 - Igualmente se mostra ainda inserta em margem de alea concedível – posto que seu limite máximo - o arbitramento da quantia de 65.000,00 euros a título de danos futuros para tal lesado, o qual auferia a quantia mensal de 712,30 euros e ficou com uma IPP de 20% ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica, de 20 pontos.

Num caso em que a gravidade das lesões, sendo superior ao caso dos autos não atingiu o triplo da gravidade, cfr. o Ac. STJ de 18-10-2018, Hélder Almeida, Procº 3643/13.9TBSTB.E1.S1, tendo sido atribuída indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 160.000,00.
E, por último, os Acórdãos desta Relação:
- De 09-03-2017, Albertina Pedroso, Procº 81/14.0T8FAR.E1, onde foi fixado montante de € 60.00,00 para os danos não patomimias resultantes de acidente de viação.
- De 23-02-2017, Maria João Sousa e Faro, Procº 3088/12.8TBLLE.E1, onde foi atribuído o valor de € 348.879,10 a título de danos não patrimoniais em resultado de acidente de viação.
- De 09-03-2017, Manuel Bargado, Procº 2153/12.6TBLLE.E1, onde foi elevada a indemnização por danos não patrimoniais de € 50.000,00 para € 120.000,00.
- De 14-07-2020, Tomé de Carvalho, Procº 3908/17.0T8FAR.E1, em que foi atribuído o valor de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais.
- E numa decisão onde fomos adjunto, acórdão de 07-05-2020, Vítor Sequinho, Procº 2072/14.1TBPTM.E1, foi elevado o montante indemnizatório por danos não patrimoniais de € 25.650,00 para € 80.000,00.
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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente – Art.º 527.º CPC.
Notifique.

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Évora, 10-09-2020

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa