Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
201/13.1TBCUB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
PRESUNÇÃO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: ALTERADA
Sumário: I- Sendo conhecida a relação fundamental a que alude o art.º 458.º, n.º 1, Cód. Civil, não há que fazer funcionar a presunção aí estabelecida.
II- Num contrato sob condição suspensiva, e tendo-se esta por não verificada, as prestações realizadas devem ser devolvidas, nos termos do art.º 795.º do mesmo diploma legal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

AA, BB e CC, LDA. propuseram a presente acção contra DD e EE e FF & FILHOS, LDA. pedindo:
(i) reconheceram a extinção da confissão de dívida no valor de € 20.000,00;
(ii) a pagarem aos Autores e à Sociedade Autora o valor de € 20.000,00, correspondendo ao dobro do sinal prestado no âmbito do contrato promessa de cessão de posição contratual;
(iii) a indemnizarem a Sociedade Autora no valor total à presente data de €92.469,2, correspondente aos lucros cessantes com a exploração do “Snack bar” e das despesas realizadas com as obras de conclusão do edifício contíguo com vista à entrada em funcionamento do “snack bar”, sem prejuízo dos lucros cessantes vincendos a um valor mensal de € 1.500,00;
(iv) juros vincendos a contar da data da citação dos RR..
Alegaram, para tanto, que a sociedade A., como promitente vendedora, celebrou com os RR. um contrato promessa de compra e venda da nua propriedade de um prédio urbano, pelo preço de €170.000.
Em simultâneo, a sociedade Autora celebrou com a sociedade Ré o contrato promessa de cessão de posição contratual, nos termos do qual sociedade Ré prometeu ceder à sociedade Autora, pelo preço de €30.000,00, a posição no contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, celebrado com a “GG, S. A.”, em 16 de Novembro de 1998.
O contrato de compra da nua propriedade foi realizado e o preço pago.
Pelo contrato promessa de cessão da posição contratual (da posição que a sociedade R. tem no contrato de concessão que a liga à, agora, HH) os AA. entregaram €10.000 e confessaram-se devedores do restante (€20.000).
O contrato de concessão foi resolvido pela HH com base em incumprimento dos RR.
A cessão da posição contratual, por força da resolução operada pela Cedente (HH), por incumprimento da cessionária (Sociedade Ré), não se verificou, razão pela qual a confissão de dívida outorgada pelos Autores a favor dos Réus, como garantia do pagamento do preço convencionado no contrato promessa de cessão de posição contratual, deve considerar-se extinta, por impossibilidade do cumprimento por facto imputável exclusivamente à Sociedade Ré, representada pelos Réus.
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Os RR. contestaram alegando que ambos os contratos foram cumpridos. Deduzem reconvenção pedindo a condenação dos AA. pessoas singulares no pagamento de €20.000, e juros, correspondente ao remanescente do preço da cessão que não foi pago.
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O processo seguiu os seus termos e, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes quer o pedido dos AA. quer o pedido dos RR..
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Os RR. EE e marido DD recorrem da sentença na parte respeitante ao pedido reconvencional.
Fundamentam o seu recurso, no essencial, no documento de confissão de dívida assinado pelos AA.; de tal documento não consta a causa desta dívida pelo que não é legítimo ao tribunal concluir, como fez, que ela está dependente do prometido contrato de cessão da posição contratual.
Alegam ainda, e em todo o caso, que este contrato foi cumprido.
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Os AA. contra-alegaram, defendendo a improcedência da reconvenção, e recorreram subordinadamente.
Impugnam também a matéria de facto com fundamento em factos que foram admitidos por acordo e que a sentença não considerou.
Quanto ao recurso subordinado, defendem que deve proceder, por provado, o pedido deduzido pelos AA. na parte respeitante à condenação dos RR. a (i) reconheceram a extinção da confissão de dívida no valor de €20.000,00 e a (ii) pagarem aos Autores e à Sociedade Autora o valor de €20.000,00 (vinte mil euros), correspondendo ao dobro do sinal prestado no âmbito do contrato promessa de cessão de posição contratual.
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Não foram apresentadas contra-alegações sobre o recurso subordinado.
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Foram colhidos os vistos.
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A impugnação da matéria de facto tem por objecto o alegado e aceitado nos articulados mas que a sentença não deu por provado.
Os AA. alegaram, na p.i., o seguinte:
«35º) Na expectativa da transmissão do estabelecimento, que seria operada por via da respetiva cessão da posição contratual (cf. documentos n.ºs 5 e 6 já juntos), a Sociedade Autora, aqui representada pelos Autores, em 31 de julho de 2008, procedeu ao pagamento em numerário entregue à Sociedade Autora, representada pelos Réus, da importância de € 10.000,00.
«36º) Simultaneamente os Autores, como garantia do pagamento do preço pela Sociedade Autora, confessaram-se devedores do restante, isto é, do valor de €20.000,00 a favor dos Réus (cf. documento n.º 8)».
Na contestação, os RR. disseram o seguinte:
«13. Tendo os AA pago dez mil euros e confessando-se devedores de vinte mil euros, conforme o que escrevem em 35 e 36 da pi, para não mais ser retirado».
Cremos que apenas se pode retirar que os AA. pagaram €10.000 por causa do contrato de cessão e que os AA. pessoas singulares se confessaram devedores do restante do preço (o valor do negócio foi de €30.000). Cremos, aliás, que não estava em questão nem a entrega da quantia nem a sua causa jurídica. Os próprios RR., na sua contestação (art.º 32.º), afirmam: «Porque o preço desta Cessão de Posição Contratual não foi pago na sua totalidade aos RR, os AA são devedores da quantia de 20.000,00 euros».
Assim, apenas se acrescentará à matéria de facto (n.º 11.-A) que este dinheiro foi entregue por causa do contrato de cessão.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Os autores são comerciantes;
2. A Sociedade Autora foi constituída pelos Autores em 15 de Julho de 2008, com o capital social de €10.000,00 (dez mil euros) representado por duas quotas no valor nominal cada de €5.000,00 e tem por objecto social o comércio de combustíveis e lubrificantes, pneus, cafetaria, jornais e revistas, posto de abastecimento, importação e exportação;
3. A Sociedade Ré tem por objecto social o comércio de óleos, combustíveis, lubrificantes, electrodomésticos, correspondente bancário;
4. Em 24.07.2008 os réus pessoas singulares e os autores, enquanto representantes da sociedade autora, assinaram um documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda” no qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“Tendo como condição o Contrato de Cessão de Exploração Contratual em que a segunda outorgante é cessionária e que tem como objecto um posto de abastecimento de combustíveis sendo no lugar do Cemitério, as partes acordam o presente contrato que se há de reger pelas cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
Os primeiros outorgantes são proprietários de raiz de um prédio urbano descrito na competente Conservatória sob o nº 1807 e inscrito na matriz sob o artigo 3086.
CLÁUSULA SEGUNDA
Nesta propriedade é titular do direito de superfície a GG SA, que entretanto juntamente com a HH SA foram objecto de uma fusão, mediante a sua reunião numa única sociedade por incorporação da TOTAL na HH, sendo esta a sociedade incorporante.
CLÁUSULA TERCERA
Pelo preço de 170.000,00€ (cento e setenta mil Euros) os primeiros outorgantes prometem vender à segunda outorgante o acima identificado direito de propriedade de raiz, cujo pagamento será feito da seguinte forma:
a) 50.000,00€ (cinquenta mil euros) já entregues;
b) 50,000,00€ (cinquenta mil euros) na assinatura deste contrato;
c) 70.000,00€ (setenta mil euros) no acto da escritura
CLÁUSULA QUARTA
A escritura de compra e venda, da exclusiva responsabilidade da sociedade segunda outorgante, será outorgada em simultâneo com a escritura ou confirmação da cessão da posição contratual já atrás referida. (…)”;
5. Sobre o prédio urbano encontra-se constituído de um direito de superfície a favor da “GG, S. A.”, pelo prazo de 25 anos, a contar de 16 de Novembro de 1998;
6. No prédio urbano encontra-se instalado um posto de combustíveis, composto por loja ou edifício de apoio, sistema de lavagem automática e ainda um edifico em construção destinado a estabelecimento de “snack bar”;
7. No mesmo dia 24.07.2008 a sociedade autora e a sociedade ré, representadas pelos respectivos sócios gerentes, assinaram um documento intitulado Contrato de Cessão de Posição Contratual em que além do mais se pode ler:
“Tendo como condição que a HH SA dê a devida autorização para a cessão da posição contratual, é acordado entre as sociedades outorgantes o presente contrato, que se há de reger pelas cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
A primeira outorgante é actualmente cessionária de um posto de abastecimento instalado no prédio urbano sito no lugar do Cemitério descrito na competente Conservatória sob o n.º 1807 e inscrito na matriz sob o n.º 3086.
CLÁUSULA SEGUNDA
A concessão acima referida já titulada pela escritura celebrada a 16 de Novembro de 1998, no 5º Cartório Notarial de Lisboa exarada a fls. 93 do livro 325-C, e de que faz parte um documento complementar elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 64º do Código do Notariado.
CLÁUSULA TERCEIRA
Este contrato tem referência com a constituição do direito de superfície, o qual foi titulado em escritura de 16 de Novembro de 1998 do 5º Cartório Notarial de Lisboa que está exarada a fls. 90 do Livro 325-C.
CLÁUSULA QUARTA
A posição de superficiária/cessionária é agora ocupada como já se disse, pela HH SA, entidade que deverá dar a sua autorização.
CLÁUSULA QUINTA
Verificada esta condição a sociedade primeira outorgante cede a sua posição contratual à sociedade segunda outorgante, que aceita esta cessão nas mesmas condições, designadamente as referidas na escritura e documento complementar que se alude na cláusula seguida e escritura da cláusula terceira e que se obriga a respeitar.
CLÁUSULA SEXTA
O preço desta cessão é de 30.000,00€ (trinta mil Euros) e que será pago no acto da escritura ou confirmação do contrato.
CLÁUSULA SÉTIMA
A confirmação e/ou a escritura deste contrato será da exclusiva responsabilidade da segunda outorgante e às suas expensas, e terá lugar em … ou em terra limítrofe, no prazo máximo de 60 dias a contar deste contrato, de que o representante da primeira outorgante deverá ter conhecimento com pelo menos 3 dias úteis de antecedência.
CLÁUSULA OITAVA
Também é condição deste contrato que a sociedade segunda outorgante contrate para os seus quadros, a partir de 31/07/2008 os funcionários que actualmente exercem as suas funções na sociedade primeira outorgante e no posto de abastecimento em causa, a saber:
II
JJ
Os quais deverão manter as mesmas retribuições, categoria e regalias sociais, tudo conforme informação a ser fornecida pela empresa cedente à empresa agora cessionária.
PARÁGRAFO ÚNICO - A funcionária LL deverá cessar o seu vínculo com a sociedade cedente e fazer novo contrato com a sociedade cessionária como “operadora de posto de abastecimento”.
CLÁUSULA NONA
Se este contrato não for possível cumprir, dadas as condições, e por motivos não imputável às partes, as obrigações entretanto cumpridas serão devolvidas, sem que haja qualquer encarecimento ou benefício das contraentes (…)”;
8. A assinatura dos contratos foi antecedida de diversas reuniões de negociação das condições de transmissão dos direitos detidos pelos transmitentes para a sociedade autora;
9. Nos primeiros dias do mês de Julho de 2008 realizou-se na sede da HH, em Lisboa, uma reunião entre os autores, o réu marido e o representante da HH, MM;
10. Relativamente ao contrato identificado em 4, e antes da sua assinatura, os autores entregaram aos réus a quantia de €50.000,00 a título de sinal;
11. Na data da assinatura do contrato identificado em 4 os autores reforçaram o sinal, mediante o pagamento de mais €50.000,00;
11-A. No dia 31 de Julho, os AA. pagaram €10.000 por causa do contrato de cessão e os AA. pessoas singulares confessaram-se devedores dos restantes €20.000.
12. No dia 31.07.2008 as partes assinaram um documento intitulado CONTRATO em que se pode ler:
“Entre:
DD e mulher EE, casados no regime de comunhão de adquiridos, doravante designados como primeiros outorgantes.
E
AA casado e BB, divorciado, designados como segundos outorgantes.
Disseram os primeiros outorgantes:
Que neste acto os segundos outorgantes se constituem devedores aos primeiros outorgantes da quantia de 20.000,00€ (vinte mil Euros), pelo prazo máximo de 5 anos e sem que haja a pagar quaisquer juros.
Os segundos outorgantes podendo amortizar ou liquidar a quantia antes de decorrido o prazo e que se no termo não for pago a quantia referida se vencerão juros à máxima taxa legal acrescidos de 4% de mora.
Disseram os segundos outorgantes:
Que aceitam serem devedores da quantia de 20.000,00€ (vinte mil Euros) nos termos exarados.
Por estarem cientes e aceitarem os seus termos, subscrevem em duplicado o presente contrato (…)”;
13. No dia 09.10.2008 foi celebrado o contrato prometido de compra e venda da propriedade de raiz do prédio identificado em 4;
14. A nua propriedade do prédio foi adquirida por €170.000,00;
15. O contrato prometido de cessão de posição contratual nunca foi celebrado;
16. Em 10.03.2005 a GG, S.A. emitiu uma declaração em que se pode ler:
“GG, S.A. (…)vem pela presente, na qualidade de titular do direito de superfície sobre o prédio urbano composto por posto de abastecimento de combustíveis com edifício de apoio e lavagem automática, sito em Cemitério, freguesia e concelho da Vidigueira (…) declarar que autoriza FF E FILHOS LDA., (…) a construir um edifico destinado a snack-bar de apoio ao posto de abastecimento, com uma superfície coberta de 200m2 (…)
A construção e exploração do Snack-Bar mencionado deverá ser precedida da obtenção de todas as autorizações e licenças legalmente exigíveis, servindo a presente autorização para legitimar a FF E FILHOS LDA., para a realização dos respectivos pedidos (…)”;
17. A sociedade autora assumiu a exploração do estabelecimento em 1.08.2008 e deu início às obras de conclusão do edifício destinado ao funcionamento do snack bar;
18. Com as obras no estabelecimento destinado ao funcionamento do Snack-bar a sociedade autora gastou € 38.469,21.
19. Em 07.08.2008 a CEPSA e a sociedade Autora celebraram um contrato de cessão de exploração e fornecimento.
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Em ordem a clarificar um pouco os termos da acção, convém ter presente os negócios realizados entre as partes.
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Os dois primeiros têm a mesma data, 24 de Julho de 2008.
Um é o contrato promessa de compra e venda da nua propriedade sobre o prédio onde está instalado o posto de combustíveis; os RR. pessoas singulares prometeram vender aos AA. pessoas singulares aquele direito. O contrato definitivo foi celebrado em 9 de Outubro de 2008 e o preço está integralmente pago.
O outro contrato (o de cessão da posição contratual) foi celebrado entre a sociedade R. e a sociedade A.; por meio deste contrato, a R. cede a sua posição, sujeita a autorização da CEPSA, respeitante à exploração do posto de combustíveis localizado no prédio cuja nua propriedade foi prometida vender; pelo preço de €30.000.
Por último, os AA. pessoas singulares, em 31 de Julho de 2008, declaram-se devedores dos RR. pessoas singulares pela quantia de €20.000.
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Começaremos pelo recurso principal e que incide sobre o pedido reconvencional que foi julgado improcedente.
Os RR. pediram a condenação dos AA. pessoas singulares no pagamento de €20.000 tendo na sua base a seguinte alegação: «Porque o preço desta Cessão de Posição Contratual não foi pago na sua totalidade aos RR, os AA são devedores da quantia de 20.000,00 euros (vinte mil euros) aos ora reconvintes, quantia que deviam pagar, sem juros, no prazo máximo de cinco anos» (art.º 32.º da contestação).
O que o tribunal recorrido considerou foi o seguinte:
«Dispõe o art.º 458.º do Código Civil que se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
«No documento em que os autores se declararam devedores da quantia reclamada pelos réus não se fez qualquer menção ao contrato de cessão da posição contratual (o que sempre poderia ter acontecido), tendo apenas sido estipulado um prazo de pagamento da quantia em causa. No entanto é manifesta a relação entre ambos, que os próprios réus admitem. Ora é ponto assente que o prometido contrato de cessão da posição contratual não chegou a ser celebrado. Assim, considerando que os autores apenas reconheceram dever €20.000,00 aos réus no pressuposto de que o contrato de cessão de posição contratual seria celebrado, o que não sucedeu, é manifesto que o pedido reconvencional improcede».
Contra isto, os RR. recorrentes defendem que o documento que titula a confissão de dívida «não faz qualquer menção à causa que levou os contraentes a assinarem o mesmo».
«Não se pode ler o que o contrato não diz: não podem “Os autores… fazer depender o pagamento da mencionada quantia … no pressuposto de que o contrato de cessão de posição contratual seria celebrado”.
«E, por mera hipótese, mesmo aceitando-se que contrato de cessão da posição contratual não tivesse sido celebrado, mesmo assim não havia que afastar a presunção a que se alude no já citado artigo 458º do CC».
A este respeito escreve Menezes Cordeiro:
«O único papel deste preceito é:
«- dispensar o beneficiário de indicar a verdadeira fonte da obrigação em jogo;
«- fonte essa cuja existência se presume» (Tratado de Direito Civil, vol. II, t. II, Almedina, Coimbra, 2010, p. 693).
O que a lei presume é que, subjacente à declaração de dívida, existe uma fonte da obrigação incorporada em tal declaração.
A presunção a que alude este preceito legal pode, como qualquer outra, ser ilidida.
Sendo a presunção um meio de prova, nos termos do art.º 349.º, Cód. Civil, a relação fundamental não tem que ser presumida quando é conhecida. Ou seja, conhecendo-se a fonte da obrigação (o facto desconhecido) nada há a presumir, a realidade está revelada directamente. No caso dos autos, essa fonte é clara: os €20.000 pedidos na reconvenção constituem o remanescente do preço do contrato de cessão. Não há que afirmar que é indiferente para a validade da declaração que dela não conste a respectiva causa; esta não só existe como é conhecida (até porque alegada pelo credor, no caso, os RR.).
Assim, a validade da declaração confessória, a validade da respectiva fonte, deve ser discutida nos seus próprios termos; isto é, deve ser discutida no âmbito negocial que é conhecido.
Ou seja, e em conclusão, não estamos perante um qualquer título abstracto; estamos perante uma declaração confessória cuja «relação fundamental» (como lhe chama a lei) é conhecida e, por isso, não tem que ser presumida.
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Sendo assim, importa analisar o contexto em que aquela declaração foi emitida.
Já se sabe que o foi no âmbito do contrato de cessão A confissão refere-se a uma parte do respectivo preço que ficou por pagar.
Diz a sentença que o contrato prometido de cessão não foi celebrado e sendo este o pressuposto da confissão, os AA. nada devem.
Os RR. recorrentes insurgem-se contra este modo de ver alegando que não há qualquer contrato promessa pelo que estranham o texto do ponto n.º 15 da matéria de facto.
Concordamos.
Do teor do contrato de cessão (n.º 7) não vemos qualquer promessa de realizar um outro contrato. O que vemos, bem diferentemente, é um contrato que está sujeito a uma condição (nos termos do art.º 270.º, Cód. Civil), a de a CEPSA autorizar a cessão. Pode ser um contrato que não produz efeitos imediatamente, que os venha a produzir no futuro (como é próprio do negócio sujeito a condição suspensiva) mas isto não faz dele um contrato promessa. A cláusula 6.ª do contrato (o preço «será pago no acto da escritura ou confirmação do contrato») não lhe atribui esta natureza.
Não podemos, pois, deixar de concordar com os RR. quando afirmam: «As partes, ao encontro das suas vontades, produziram um documento – Contrato de Cessão de Posição Contratual - que não é uma promessa mas um contrato de cessão de posição contratual sob condição: que a HH SA desse a devida autorização para o negócio já que esta era a superficiária, conforme se alcança deste documento, sua cláusula terceira».
Assim, apenas podemos considerar o que se expõe no n.º 15 como não escrito. Trata-se de uma afirmação sobre uma realidade, sem dúvida (um determinado contrato não foi celebrado), mas o seu pressuposto (um contrato promessa de onde derivaria o que não foi celebrado) não existe; melhor dizendo, parte de um pressuposto jurídico, de uma qualificação, que não tem base fáctica.
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Sendo este um contrato sujeito a condição, importa aplicar o respectivo regime.
Desde logo, impõe-se a pergunta básica: a condição verificou-se? Ou seja: a HH autorizou a cessão que as partes combinaram?
Só respondendo afirmativamente a isto poderemos reconhecer que o contrato se tornou eficaz e que os recorrentes têm direito ao remanescente do preço.
Mas não está provado que tal autorização tenha sido dada. O que está provado é que entre a HH e a sociedade A., elas e só elas, foi celebrado um contrato de cessão de exploração e fornecimento do posto em questão, contrato este que foi assinado no início de Agosto. Resulta daqui, a nosso ver, que o título que legitima a exploração do posto por parte da sociedade A. é este contrato de 7 de Agosto e não um outro, designadamente, o celebrado entre AA. e RR. a 24 de Julho (o da cessão da posição contratual). Tal como resulta que este contrato tornou impossível a condição, que ele determinou que a condição não se pode verificar. E assim acontece porque, com este contrato, a HH não pode dar já autorização ao contrato de cessão. Ao ceder, ela própria, a exploração do posto de combustível à sociedade A., tirou qualquer sentido à cláusula que as partes tinham acordado, à necessidade da sua autorização.
Por isso, e nos termos, do art.º 275.º, Cód. Civil, tem-se a condição por não verificada.
Mas o fundamental, acompanhando o ponto de vistas dos recorrentes em ordem a podermos considerar o contrato cumprido, é que a autorização tenha sido dada antes do contrato de 7 de Agosto— e isto não está provado. Apenas se poderia falar em cumprimento do contrato quando este se tornasse, por força da verificação da condição, eficaz, quando este produzisse os seus efeitos típicos queridos pelas partes.
Não sendo esse o caso, não se pode dizer que o contrato tenha sido cumprido.
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Assim, improcede, tal como se decidiu na primeira instância, o pedido reconvencional.
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No seu recurso subordinado, os AA. defendem que devem ser procedentes dois dos pedidos formulados na p.i., a saber:
(i) reconhecerem, os RR., a extinção da confissão de dívida no valor de € 20.000,00;
(ii) a pagarem os RR. aos Autores e à Sociedade Autora o valor de € 20.000,00, correspondendo ao dobro do sinal prestado no âmbito do contrato promessa de cessão de posição contratual.
Começando por este último, defendem os AA. que, por força do disposto no artigo 442.º/2 do CC, devem os RR ser condenados a devolver aos AA. o valor de €20.000,00, correspondendo ao dobro do sinal prestado no âmbito do contrato promessa de cessão de posição contratual.
Ou, caso assim se não entenda, devem os RR. ser condenados a devolverem aos AA. o valor de €10.000,00, correspondente ao valor pago por estes àqueles na perspetiva da concretização do contrato de cessão de posição contratual (que não se verificou), ao abrigo do disposto no artigo 795.º/1 do CC.
Em relação à primeira parte, só podemos dizer, em função do que antecede, que não existe qualquer contrato promessa; nem existe no contrato de cessão qualquer indicação de que as partes tenham atribuído aos €10.000 entregues o carácter de sinal. Trata-se antes de princípio de pagamento, nos termos do art.º 440.º, Cód. Civil.
Assim, não há que aplicar o disposto o art.º 442.º, n.º 2.
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Já quanto à segunda parte apresentada a título subsidiário, entendemos que os recorrentes têm razão.
Sabemos que o contrato não surtiu efeito porque não se verificou a condição de que as partes tinham feito depender aqueles efeitos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, 254: «tudo se passa como se o negócio não tivesse sido concluído»). Não se sabe como tal aconteceu, isto é, são se sabe que circunstâncias levaram a que a autorização não tivesse surgido. O mesmo é dizer que não existe culpa definida nesta não produção dos efeitos negociais. O certo é que o negócio não teve a eficácia que as partes esperaram. O cumprimento parcial era indevido.
Podemos aplicar o art.º 795.º, Cód. Civil, não obstante este se integrar no capítulo da impossibilidade de cumprimento, ao caso, como o dos autos, de não produção de efeitos típicos do negócio. Houve contrato mas ineficaz. Na prática, o contrato não ficou completo, ficou, à falta de melhor expressão, pendente. Consideramos, até, que existe mesmo impossibilidade uma vez que a verificação da condição é agora impossível dada a celebração do contrato de 7 de Agosto e o negócio, por isso mesmo, é ineficaz o que impossibilita o seu cumprimento.
A maneira de resolver o problema, até dado facto de a sociedade A. estar já a explorar o posto de combustível (mas, repete-se, com base em outro contrato que não o celebrado entre as partes nesta acção) passa por devolver o que, com o contrato em mente, foi prestado. É isto mesmo que o citado preceito legal tem em vista: colocar termo a uma situação de desequilíbrio patrimonial que tem a sua razão de ser num contrato ineficaz e que, por isso mesmo, se não justifica mais.
Deve este pedido ser julgado procedente.
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Da mesma forma, e com base no mesmo raciocínio, temos de concluir que a declaração de dívida se não pode manter. Os AA. recorrentes não devem porque o negócio é ineficaz «como se o negócio não tivesse sido concluído» (repetimos a citação). Como se pode manter a dívida se o contrato de que ela deriva não produziu quaisquer efeitos?
Note-se que a relação subjacente a esta declaração é já conhecida pelo que, como se disse, a presunção estabelecida no art.º 458.º não tem aqui cabimento. O que tem cabimento é dar por findo este litígio e isso passa pela aplicação integral do citado art.º 795.º, n.º 1, com a seguinte consequência lógica: uma vez que os AA. tem direito à parte do preço (pagamento antecipado) que entregaram (o cumprimento indevido), também têm direito a não pagar o que dele faltaria pagar (que constituiria outro incumprimento indevido).
O negócio está acabado; não surtiu efeito, devolve-se o que se prestou.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso dos RR..
Julga-se procedente o recurso dos AA. em função do que se condenam os RR.:
- a reconhecer a extinção da confissão de dívida no valor de € 20.000,00;
- a pagarem os RR. aos Autores e à Sociedade Autora o valor de €10.000,00, correspondendo ao princípio de pagamento prestado no âmbito do contrato promessa de cessão de posição contratual.
Custas, de ambos os recursos, pelos RR..
Évora, 2 de Junho de 2016

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos