Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2695/16.4T8STR.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DEVER DE INFORMAR
ERRO NA BASE DO NEGÓCIO
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo um Banco prestado aos clientes informação inverdadeira relativa à garantia de reembolso por si do capital investido por estes, tal conduta é violadora das exigências da boa-fé e da lealdade devidas pelo Banco aos seus clientes e é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão destes de subscreverem o produto financeiro cujo reembolso pensavam estar garantido pelo Banco.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2695/16.4T8STR.E1 (2ª secção cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



(…) e mulher (…), intentaram ação declarativa com processo comum, contra Banco BIC Português. S.A. que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém – J3), alegando, em síntese, o seguinte:
- Os autores, clientes da agência de (…), do banco réu, foram abordados pelo seu gerente para efetuar uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, tendo­-lhe sido transmitido que a aplicação financeira em causa tinha capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada;
- Ao autor não foi dado a conhecer o tipo de produto em causa e as condições da aplicação financeira, tão-pouco tendo recebido qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente, nem foram entregues documentos comprovativos da aquisição do produto em causa;
- Sempre soube o gerente da agência de (…) que os autores só aceitariam efetuar tal aplicação financeira se não se tratasse de um produto com risco (de perda de capital) e, ainda, se se tratasse de produto que pudesse ser «desmobilizado» em qualquer altura, mediante a sua vontade;
- Na data de vencimento da subscrição não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco réu, apenas tendo o réu creditado os juros na sua conta até novembro de 2015;
- A situação em causa causou e causa aos autores preocupação e ansiedade, com receio de que não venham a recuperar o seu dinheiro, acarretando-lhes tristeza e graves dificuldades financeiras.
Concluindo pedem a condenação do réu no pagamento da quantia de € 53.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos a partir de 24.10.2016 até integral e efetivo pagamento, e no pagamento da quantia de € 7.000,00, a título de danos morais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data da citação até integral e efetivo pagamento.
Citado, o réu veio contestar por exceção e por impugnação, arguindo, naquela sede, a ineptidão da petição inicial, a incompetência territorial do tribunal da comarca de Santarém para julgar a ação e a prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer. Em sede de impugnação pôs em causa, parcialmente, a factualidade articulada pelos autores, defendendo que o autor marido sempre mostrou apetência para investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, não sendo previsível na data em que os autores efetuaram a aplicação que fundamenta as suas pretensões que o capital social do réu viesse a ser totalmente nacionalizado, como veio a suceder, negando que tenha garantido aos autores que era responsável pelo reembolso do capital investido.
Na resposta os autores pugnam pela improcedência das arguidas exceções, concluindo como na petição.
No saneador, julgaram-se improcedentes as exceções de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e de incompetência territorial do tribunal, relegando-se para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição.
Realizada audiência final veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
Em face do exposto, e vistas as já indicadas normas jurídicas e os princípios expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação, por parcialmente provada e, em consequência condeno o réu BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. a pagar aos autores (…) e mulher, (…), a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre aquela quantia, desde 09 de Maio de 2016 até integral e efetivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
Custas dos autores e do réu na proporção do respectivo decaimento – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
+
Inconformado, com esta decisão, interpôs o réu o presente recurso de apelação terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 5, 9, 10, 11 e 14.
II. Não pode ainda o Banco Recorrente concordar com a matéria de facto dada como não provada e descrita nos pontos 7, 8, 9 e 10.
III. O Facto provado 5 deveria ter a seguinte redacção: “presentou-lhe o produto como uma aplicação em obrigações da SLN, apresentando as sua condições, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a possibilidade de reaver o investimento por cedência do produto a um outro cliente o que se revelava na altura de fácil concretização, a sua segurança e a garantia do capital investido.”
IV. O facto provado 9 deveria ter a seguinte redacção: “O Autor marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor/gerente da Agência de (…) do Banco Réu lhe disse que o capital era garantido e devido às condições constantes do ponto 5.”
V. O facto provado 10 deveria ter a seguinte redacção: “O Autor marido agiu convicto de que estava a investir o seu dinheiro numa aplicação da SLN, dona do banco, com a segurança semelhante à de um depósito a prazo, e que poderia pedir o reembolso quando o solicitasse através do endosse das obrigações.”
VI. O facto provado 11 deveria ter a seguinte redacção: “O gesto/gerente da Agência de (…) do Banco Réu assegurou ao autor marido que a aplicação em Obrigações SLN 2006 tinha uma segurança a um depósito a prazo pelo facto do produto ser emitido pela empresa que detinha o Banco.”
VII. O facto provado 14 deveria ter a seguinte redacção: “A Direcção Comercial do Banco Réu e os seus comerciais e funcionários repetiam internamente e junto dos seus clientes, tal como fizeram junto do autor marido, era que tratava de um investimento sólido, rentável e sem risco porque emitido pela empresa que detinha o Banco a 100%.”
VIII. Deveriam ainda ser dados como provados os factos não provados 7, 8, 9 e 10.
IX. A modificação da matéria de facto impõe-se pelos depoimentos das testemunhas … (ficheiro …), … (ficheiro …) e das próprias declarações de parte, aos minutos acima identificados.
X. Os Autores intentaram a presente ação apresentando uma causa de pedir muito clara – artigo 17º da Petição Inicial – “Deste modo, o Banco Réu é depositário de 50.000,00€ que mantém aplicados em Obrigações SLN 2006, dinheiro que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis semestralmente”.
XI. Esta causa de pedir, seja ela entendida com contratação em erro, seja entendida como aplicação não autorizadas do dinheiro dos Autores, num produto que não o pretendido – o depósito a prazo – não resultou de forma alguma provada.
XII. A prova desta causa de pedir, ou seja, de que o Autor marido contratou com o banco um depósito a prazo cabia aos Autores. Era essencial à sua alegação, constituindo, na senda do caminho trilhado pela sentença recorrida, o facto ilícito consubstanciador da eventual responsabilidade do banco – a venda de obrigações da SLN com depósitos a prazo do banco.
XIII. Esta realidade não resultou provado e como tal deveria o Banco ter sido absolvido.
XIV. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.
XV. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.
XVI. Entre Recorrente e os subscritores estabeleceu-se uma relação de intermediação financeira.
XVII. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução.
XVIII. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
XIX. As exteriorizações do dever de informação podem também ser categorizadas consoante as mesmas estejam relacionadas com o negócio de cobertura ou, por outro lado, relacionadas com os negócios de execução, ou até mesmo com os instrumentos financeiros que são objeto desses negócios de execução.
XX. O dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos!
XXI. Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura, ou seja ao próprio serviço neste caso disponibilizado pelo Banco Réu de colocação das Obrigações SLN 2004.
XXII. O art. 323º do CdVM trata dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos (por exemplo: deveres de informação no âmbito da execução de ordens, deveres de informação no âmbito da gestão de carteiras, etc.).
XXIII. O risco de incumprimento da obrigação assumida, o pagamento das obrigações pela entidade emitente, ou até à insolvência do obrigado, não é nem pode ser considerado um risco especial.
XXIV. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
XXV. O funcionário que colocou o produto informou o cliente de todas as características essenciais do produto. Nomeadamente no que diz respeito aos seus riscos.
XXVI. O produto em causa era entendido efetivamente à data como um produto seguro, emitida pela entidade que detinha o banco e que o tinha como seu principal ativo, entidade esta que não tinha no seu histórico qualquer situação de incumprimento.
XXVII. A informação de que o produto tinha capital garantido era também ela uma informação correta. O produto tinha efetivamente como característica essencial a devolução da totalidade do capital, e respetiva remuneração, no final do prazo contratado, distinguindo-se assim de outros produtos na altura comercializados no mercado que não previam a possibilidade logo de início de perda do capital investido.
XXVIII. Se o intermediário financeiro estivesse obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento de terceiro, por maioria de razão, estaria também obrigado a advertir o cliente do risco de incumprimento (ou até de insolvência) dele próprio!
XXIX. A versão do CVM vigente à data da colocação das obrigações era a redacção resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99, de 13/11 até ao D.L. 52/2006, de 15/03.
XXX. Sendo também certo que o art. 312º, por exemplo, apenas foi alterado com o D.L. 357-A/2007, de 31/10, mantendo até então a sua redacção original, decorrente do D.L. 486/99, de 13/11.
XXXI. À data da contratação, não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E, nº 2, alínea a).
XXXII. À data, a subscrição de obrigações, em geral, é de per se, podia ser considerada como um investimento ou aplicação bastante conservador.
XXXIII. Desde logo, por um tal produto apenas implicar o reembolso do capital “emprestado” e bem assim a remuneração acordada,
XXXIV. Sendo que o único risco efetivo de um tal produto é o risco de incumprimento da sociedade emitente, risco este que, no entender da Recorrente, não tinha em 2006 que ser sequer mencionado pelas razões acima expostas.
XXXV. As obrigações foram ainda emitidas pela SLN, SGPS, S.A. sociedade titular, ainda que por interposta sociedade, de 100% do capital social do Banco Recorrente, sendo este necessariamente, um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património.
XXXVI. Foi esta segurança que foi transmitida pelos funcionários do Banco Recorrente aos clientes, como aliás resulta dos seus depoimentos.
XXXVII. Como vem sendo defendido (Cf. Agostinho Cardoso Guedes, A responsabilidade do banco por informações à luz do artº 485º do CC, RDE 14, pág. 135 e segs, mormente 140 e seg.), no que toca ao dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXXVIII. No que toca a informação que contém juízos ou valorações, como sucede com informação sobre solvabilidade de terceiro, não se pode exigir a prestação de informação infalível, bastando-se que o banco faça uma avaliação correta dos dados que possui.
XXXIX. E os dados disponíveis em 2006 apontavam sem sombra de dúvida para a segurança do produto em causa.
XL. São de três tipos os deveres que sobre o Banco Réu impendiam: i)- de protecção dos legítimos interesses dos clientes, impondo-se ao intermediário financeiro o dever de averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a recepção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento; ii)- dever de evitar conflitos de interesses; iii)- deveres de informação e publicidade, realçando-se, quanto a esta, o dever de observar as regras relativas ao anúncio de lançamento da operação e do prospecto.
XLI. Nenhum destes deveres foi violado pelo Banco Recorrente.
XLII. A circunstância de ter sido referido aos autores que se tratava de produto “garantido”, no sentido de ser um produto seguro, com retorno assegurado, também não consubstancia no entender do Banco Réu, qualquer acto ilícito.
XLIII. À data em que foi prestada, tratava-se de informação verdadeira, actual, clara e objectiva: em 2006, ninguém alvitrava ou existiam indícios da insolvência da emitente, a SLN (posteriormente Galilei) que, de resto, apenas veio a ser declarada insolvente em 2015 e sempre pagou os cupões das obrigações que emitiu, durante mais de 10 anos, sem que os autores reclamassem qualquer irregularidade na subscrição das Obrigações.
XLIV. Não resultou demonstrada qualquer ilicitude na actuação do Banco Recorrente.
XLV. A falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência do emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro.
XLVI. As obrigações são valores mobiliários representativos de direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação).
XLVII. Os AA. mediante a subscrição de obrigações no montante de € 50.000,00, emprestaram esse valor à “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” (entidade emitente dessas obrigações), a qual, por seu turno detinha o Banco Réu a 100%, daí que na data de 2006 não fosse equacionável que aquela poderia um dia vir a falir.
XLVIII. Não poderá assim ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu relativamente ao incumprimento verificado no pagamento das obrigações pela entidade emitente.
XLIX. Não haverá também lugar à responsabilidade do Banco Réu em sede de responsabilidade civil por falta de verificação dos seus requisitos essenciais e pelas razões acima expostas.
L. Deverá assim o Banco Réu ser absolvido dos pedidos contra si deduzidos na presente acção.
LI. O Tribunal recorrido efectuou uma incorrecta aplicação dos artigos 595º, 762º, 227º do Código Civil, 289º, 291º, 304º, 312º e 323º do CVM e 75º RGICSF.
+
Foram apresentadas alegações por parte dos apelados pugnando pela manutenção do julgado.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão nuclear que importa apreciar consiste em saber se existiu erro de julgamento da matéria de facto, bem como à solução a dar ao pleito em termos de direito, tendo-se, ou não, esse erro por verificado, sendo que o que está em causa é apurar o comportamento do réu no âmbito da negociação com o autor que culminou na aplicação, por parte deste, da quantia de € 50.000,00 em obrigações subordinadas da SLN.

No Tribunal “a quo” foi considerada assente a seguinte matéria de facto:
1. O réu, até 2012 denominado BPN – Banco Português de Negócios, S.A. e daí em diante com a atual denominação, dedicava-se e dedica-se ao exercício da atividade bancária com intuitos lucrativos.
2. Os autores eram e são clientes da Agência da (…) do Banco réu, com a conta n.º (…), na qual movimentam, tanto a crédito, como a débito, parte dos seus dinheiros e possuíam as suas poupanças.
3. No Banco réu, os autores aplicaram as suas poupanças em Depósitos a Prazo, em Obrigações BPN 2005 e em Unidades de Participação de Tesouraria, conforme documentos de fls. 17 verso a 20 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
4. O autor marido foi contatado pelo seu gestor/gerente da Agência de (…) para oferta da possibilidade de subscrever o produto consistente na aquisição de Obrigações SLN 2006, constituindo esse produto valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente.
5. Apresentou-lhe as condições do produto, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a possibilidade de reaver o investimento em qualquer altura, desde que avisasse o banco réu com 3 ou 4 dias de antecedência, a sua segurança e a garantia do reembolso do capital investido.
6. Com data de 24 de Abril de 2006, o autor marido subscreveu o documento de fls. 22 cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual aplicou a quantia de € 50.000,00 de que era titular em Obrigações SLN 2006.
7. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do banco réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 200S, altura em que foi nacionalizada.
8. A obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos era possível apenas pela via do endosso, o que, à data era extremamente fácil porquanto a procura superava muitas vezes a oferta.
9. O autor marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu Gestor/gerente da Agência de (…), do Banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo Banco e devido às condições constantes do ponto 5.
10. O autor marido agiu convicto de que estava a investir o seu dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um Depósito a Prazo, cuja responsabilidade de reembolso era do Banco réu e que este lho restituía logo que o solicitasse.
11. O Gestor/gerente da Agência de (…) do Banco réu assegurou ao autor marido que a aplicação em Obrigações SLN 2006 tinha uma garantia semelhante a um Depósito a Prazo.
12. Donde a convicção dos autores na segurança da aplicação cujos juros foram sendo semestralmente pagos pelo menos até 2015.
13. Na data do vencimento – 9 de Maio de 2016 – o réu não restituiu aos autores o montante de € 50.000,00 que estes lhe haviam confiado.
14. A Direcção Comercial do Banco réu e os seus comerciais e funcionários repetiam internamente e junto dos seus clientes, tal como fizeram junto do autor marido, que se tratava de um investimento sólido, rentável e sem risco porque o Banco garantia o reembolso do capital investido.

Com interesse, foram considerados não provados os seguintes factos:

1. O Gerente da Agência da (…) do Banco réu sabia que o autor marido era uma pessoa simples e que não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitisse saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, motivos pelos quais sempre aplicou as suas poupanças em Depósitos a Prazo.
2. Se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN 2006, jamais o teria autorizado.
3. Nunca foi intenção dos autores investir em produtos financeiros de risco, o que era do conhecimento do Gerente da Agência da (…) do Banco réu e dos restantes funcionários.
4. Não foi explicado aos autores qualquer contrato, nem lhes foi entregue cópia de qualquer documento que contivesse cláusulas respeitantes a obrigações subordinadas SLN, pelo que os autores jamais souberam que haviam adquirido Obrigações SLN 2006.
5. O descrito em 13 dos factos provados causou e continua a causar aos autores grande preocupação e ansiedade, bem como lhe acarretou grande tristeza e graves dificuldades financeiras para gerir a sua vida uma vez que contavam com aquelas poupanças para poderem passar uma velhice mais descansada e livre de preocupações económicas.
6. Donde os autores andam em permanente stress, doentes e sem alegria de viver por se verem desapossados das economias de uma vida inteira de trabalho árduo e sem perspectivas de futuro.
7. Dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como as Obrigações SLN 2006.
8. O Gerente da Agência da (…) do Banco réu explicou ao autor marido que tal produto financeiro era emitido pela sociedade-mãe do Banco.
9. Nunca o réu disse ao autor marido que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das Obrigações SLN 2006.
10. O réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar ao autor.


Conhecendo da questão
Impugna o recorrente as respostas de provado, dadas aos factos vertidos sob os nºs 5, 9, 10, 11, 14, da matéria assente.
Impugna também as respostas sob os pontos nºs 7, 8, 9, 10, da matéria não provada, pontos, que no seu entendimento deveriam ser dados como provados.
Os factos que foram considerados provados têm a seguinte redação:
Facto 5 – Apresentou-lhe as condições do produto, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a possibilidade de reaver o investimento em qualquer altura, desde que avisasse o banco réu com 3 ou 4 dias de antecedência, a sua segurança e a garantia do reembolso do capital investido.
Facto 9 – O autor marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu Gestor/gerente da Agência de (…) do Banco réu lhe disse que o capital era garantido pelo mesmo Banco e devido às condições constantes no ponto 5.
Facto 10 – O autor marido agiu convicto de que estava a investir o seu dinheiro numa aplicação segura em tudo semelhante a um Depósito a Prazo, cuja responsabilidade de reembolso era do Banco réu e que este lho restituía logo que o solicitasse.
Facto 11 – O Gestor/gerente da Agência de (…) do Banco réu assegurou ao autor marido que a aplicação em Obrigações SLN 2006 tinha uma garantia semelhante a um Depósito a Prazo.
Facto 14 – A Direcção Comercial do Banco réu e os seus comerciais e funcionários repetiam internamente e junto dos seus clientes, tal como fizeram junto do autor marido, que se tratava de um investimento sólido, rentável e sem risco porque o Banco garantia o reembolso do capital investido.
Na impugnação, o recorrente propugna que se alterem esses factos com a seguinte redacção;
Facto 5 - Apresentou-lhe o produto como uma aplicação em obrigações da SLN, apresentando as suas condições, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a possibilidade de reaver o investimento por cedência do produto a um outro cliente o que se revelava na altura de fácil concretização, a sua segurança e a garantia do capital investido.
Facto 9 - O autor marido apenas autorizou a realização da aplicação porque o seu gestor/gerente da Agência de (…) do Banco réu lhe disse que o capital era garantido e devido às condições constantes no ponto 5.
Facto 10 - O Autor marido agiu convicto de que estava a investir o seu dinheiro numa aplicação da SLN, dona do banco, com a segurança semelhante à de um depósito a prazo, e que poderia pedir o reembolso quando o solicitasse através do endosse das obrigações.
Facto 11 - O gestor/gerente da Agência de (…) do Banco Réu assegurou ao autor marido que a aplicação em Obrigações SLN 2006 tinha uma segurança a um depósito a prazo pelo facto do produto ser emitido pela empresa que detinha o Banco.
Facto 14 - A Direcção Comercial do Banco Réu e os seus comerciais e funcionários repetiam internamente e junto dos seus clientes, tal como fizeram junto do autor marido, era que tratava de um investimento sólido, rentável e sem risco porque emitido pela empresa que detinha o Banco a 100%.
Funda a sua discordância nos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) e (…).
Na verdade a esta Relação compete apurar da razoabilidade da convicção probatória da 1ª instância face aos elementos que lhe são apresentados nos autos e assim não vai este tribunal superior à procura de uma nova convicção mas somente à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova, com os demais elementos existentes no processo, pode exibir perante si.
O tribunal de 2ª instância não deve subverter o principio da livre apreciação da prova devendo, tão só, circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos e, a partir deles, procurar saber se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a prova testemunhal gravada e em outros elementos objetivos neles constantes, pode exibir perante si, sendo certo, que se impõe ao julgador que indique, os fundamentos suficientes para que, através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto como provado ou não provado.
Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controlo da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1º instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respetiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal “a quo”, está em melhor posição (cfr. Acs. do STJ de 21/1/2002 e de 27/9/2005, disponíveis in www.dgsi.pt).
Como refere Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 257 “existem aspectos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá apreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Na verdade, só perante uma situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal “a quo”, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal “ad quem” sindicar (artº 607º, nº 4, do CPC).
Diremos, pois, que o tribunal de recurso só em casos excecionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá alterar o decidido em 1ª instância.
Da audição da prova testemunhal produzida, constatamos que a testemunha (…), gerente da Agência da (…) até 2008, declarou que foi ele que sugeriu ao autor esta aplicação, que lhe disse que era um investimento seguro, o capital era garantido, pois, era-lhe também a ele transmitida essa informação pela instituição. Não se recordava se o autor ficou com o duplicado da subscrição, que se encontra nos autos a folhas 22. Que havia quem comparasse, esta aplicação até internamente, a um depósito a prazo. A garantia do produto era dada pelo próprio Banco, e, era difundida pelo Banco aos colaboradores.
Essa confiança foi dada ao autor, “temos a iniciativa de dizer ao cliente que este investimento é bom, tem garantias” e o cliente confiava no seu gestor. Que nunca disse ao autor que as obrigações eram divida, que transmitiu sempre a tipologia da aplicação, a rentabilidade, o prazo de maturidade, transmitiu ao autor marido a segurança da aplicação, em tudo semelhante a um depósito a prazo.
Afirmou ainda que “o autor comprou segurança que lhe transmiti”, que essa segurança era garantida de duas formas, pela chefia de forma verbal e também escrita que dava como garantido o reembolso do capital. Mais declarou que o autor marido subscreveu a aplicação em causa pela garantia prestada e pela confiança que depositava no seu gerente.
A testemunha (…), bancário, desde 1999 no BPN e depois no Banco BIC, declarou que em 2006 era gestor na Agência da (…), que não teve intervenção na venda ao autor. Que relativamente ao boletim de subscrição de folhas 22 dos autos, o cliente assinava e não tinha duplicado para o cliente, se este o pedisse tiravam fotocópia. Que conhecia o argumentário que vinha de cima, fornecido pelo departamento de marketing, desse boletim constava que tinha uma duração de 10 anos e que havia capital garantido, havia as circulares internas com a mesma informação. Acabou por referir que o que estavam a vender era vender Banco.
Afirmou que o que era dito aos clientes, não sendo exceção o caso dos autores, que a aplicação financeira em causa tinha garantia de retorno e pelo próprio banco. Que era interpretado pela rede como um depósito a prazo, que até era mais vantajoso do que um depósito a prazo, pois tinha mais remuneração.
Desta alusão aos depoimentos prestados, o que deriva, a nosso ver com toda a clareza, é que, em face do clima de confiança existente entre os intervenientes, o autor marido aceitou como boa a informação dada pelo funcionário do Banco, na data gerente da Agência da (…), de que o produto em causa era equivalente a um depósito a prazo e que o mesmo não tinha risco, até por terem orientações internas do banco nesse sentido, que o capital era garantido.
Assim sendo, entendemos que nada permite afastar a convicção criada no espirito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de qualquer reparo, porque perfeitamente adequada à prova produzida, corroborando-se, assim, a fundamentação efectuada pelo Mª Juiz do Tribunal “a quo”, na decisão sobre a matéria de facto.
Relativamente aos factos que foram considerados não provados, pontos 7, 8, 9,10, que o recorrente pretende que sejam considerados provados, apraz-nos dizer que os mesmos mostram-se contrariados pelos factos considerados provados.
Por isso, no caso em apreço teremos de concluir que da análise global e integral dos depoimentos testemunhais a que a recorrente alude, após audição das respectivas gravações conexionadas com os demais elementos documentais juntos aos autos, que tais elementos probatórios não admitem as pretendidas modificações, pois deles não se pode retirar a conclusão de ter havido erro de julgamento por parte do julgador “a quo”, erro esse traduzido na desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão, sendo, pois, de corroborar a fundamentação clara por ele formulada.
Nestes termos, nesta parte, improcede o recurso do recorrente, mantendo-se assim, inalterada a matéria de facto.

Em face da imutabilidade da matéria de facto, vejamos, agora, no que concerne à subsunção dos factos dados como provados ao direito aplicável se a mesma se mostra ajustada.
Não obstante a posição assumida pelo recorrente, descrita nas conclusões formuladas, diremos que relativamente ao enquadramento jurídico que o Julgador “a quo” deu aos factos, nenhuma censura merece a posição por ele perfilhada na decisão impugnada, a qual se mostra fundamentada, nela constando tudo o que com interesse se poderia consignar, a qual corroboramos e, por isso, passamos a reproduzir:
«Na presente ação, os autores demandam o banco réu mediante a alegação de duas ordens de fundamentos:
A primeira por este banco, através do seu gerente, ter garantido o reembolso do capital na data do vencimento da aplicação traduzida no investimento em obrigações SLN 2006;
A segunda por o referido banco ter violado os seus deveres para com os autores, enquanto clientes, bem como os deveres de intermediário financeiro, ao omitir informações e ao prestar informações não verdadeiras, determinando aqueles a realizar aquele investimento.
É, pois, desde logo essencial averiguar que tipo de relação foi estabelecida entre os autores e o banco réu.
Entendemos, face à matéria de facto provada, que se trata de uma relação de intermediação financeira, prevista no Código de Valores Mobiliários (doravante designado por CVM).
Nos termos do disposto no art.° 294.°, n.º 1, do citado Código, a consultoria para investimento em valores mobiliários, prestada em base individual, pode ser exercida:
a) Por intermediário financeiro autorizado a exercer essa atividade, entre outras;
b) Por consultores autónomos que se dediquem exclusivamente a essa atividade.
Como se relatou no Ac. do STJ de 9 de Setembro de 2014, pela Ex.ª Conselheira Maria Clara Sottomayor, "Os contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira. Estes representam "contratos de empresa" na medida em que são quase exclusivamente celebrados por empresas constituídas sob a forma de instituições de crédito (art.º 2.° do Decreto-Lei n:" 298/92, de 31 de Dezembro, com as alterações subsequentes, designado por RGIC ou regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras), de empresas de investimento (art.° 293.°, n.° 2 do CVM) e de sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário (art. ° 29.° do Decreto-Lei n.° 252/2003, de 17 de Outubro, agora revogado pelo Decreto-lei 63-A/2013, de 10 de Maio, designado por NRJOIC ou regime jurídico dos organismos de investimento coletivo).
Quanto aos respetivos sujeitos, estes contratos caracterizam-se por ser necessariamente concluídos, em regra, entre intermediários financeiros (art.° 289.°, n.° 2 do CVM), sem prejuízo da sua representação por "agentes vinculados" em determinadas atividades (art.ºs 292.°, b), 294.° - A a 294.° - D do CVM) e da sua conclusão excecional por outras pessoas singulares ou coletivas ("maxime", as contempladas no art.° 289.°, n. ° 3 do CVM) - e investidores ou clientes - os quais se podem agrupar grosso modo em duas grandes categorias, os investidores qualificados e não qualificados (art.° 30.° do CVM).
Estes contratos têm por objeto imediato a prestação de serviços de intermediação, sendo por isso reconduzíveis, na sua maioria, ao mesmo "macrotipo negocial" (prestação de serviço) e profundamente tributários da disciplina geral da intermediação financeira (art.ºs 289.° e ss. do CVM). Têm por objeto mediato, não apenas os tradicionais valores mobiliários (ações, obrigações, unidades de participação, direitos destacados, etc.), mas genericamente qualquer tipo de instrumento financeiro, incluindo ainda instrumentos monetários.
Estes contratos celebrados com investidores não qualificados exige forma escrita (art.ºs 4.° e 321.°, n.º 1 do CVM).
Entre o mediador financeiro e o cliente estabelece-se um vínculo que o responsabiliza pelo rigor das informações que presta aos clientes, muito em especial aos clientes não qualificados.
No caso dos autos, provaram-se os seguintes factos com relevância para decisão acerca da relação estabelecida entre os autores e o réu:
- O réu, até 2012 denominado BPN – Banco Português de Negócios, S.A. e daí em diante com a actual denominação, dedicava-se e dedica-se ao exercício da actividade bancária com intuitos lucrativos.
- Os autores eram e são clientes da Agência da (…) do Banco réu, com a conta n.º (…), na qual movimentam, tanto a crédito, como a débito, parte dos seus dinheiros e possuíam as suas poupanças.
- No Banco réu, os autores aplicaram as suas poupanças em Depósitos a Prazo, em Obrigações BPN 2005 e em Unidades de Participação de Tesouraria, conforme documentos de fls. 17 verso a 20 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
- O autor marido foi contatado pelo seu gestor/gerente da Agência de (…) para oferta da possibilidade de subscrever o produto consistente na aquisição de Obrigações SLN 2006, constituindo esse produto valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente.
- Apresentou-lhe as condições do produto, concretamente a sua remuneração, vantajosa relativamente a um Depósito a Prazo, a possibilidade de reaver o investimento em qualquer altura, desde que avisasse o banco réu com 3 ou 4 dias de antecedência, a sua segurança e a garantia do reembolso do capital investido.
- Com data de 24 de Abril de 2006, o autor marido subscreveu o documento de fls. 22 cujo teor se dá por reproduzido, nos termos do qual aplicou a quantia de € 50.000,00 de que era titular em Obrigações SLN 2006.
Será esta factualidade suficiente para integrar um contrato de consultoria de investimento?
Na nossa perspectiva, a aludida factualidade é insuficiente na medida em que da mesma não resulta a assunção da obrigação por parte da entidade bancária, na pessoa dos seus colaboradores, da prestação de aconselhamento personalizado aos autores.
De qualquer forma, mesmo que se pudesse concluir pela celebração de um tal contrato, por estar em causa uma pessoa coletiva e por a aludida atividade ser complemento normal da atividade bancária, sempre se deveria concluir pelo afastamento da qualificação de consultoria para investimento (vejam-se os art.°s 4.°, n.º I, aI. f), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e 294.°, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários).
Neste âmbito, aquando da comercialização dos produtos financeiros, se o mediador prestar a informação de que o capital está garantido, a responsabilidade da entidade emitente do produto estende-se ao intermediário financeiro.
Note-se que o significado de capital garantido não pode ler-se como fiança ou outro tipo de garantia legalmente prevista.
Trata-se, outrossim, do assumir no âmbito do contrato que - em qualquer caso ­haverá o reembolso do capital investido.
Com efeito, o intermediário financeiro é quem comercializa o produto, é ele que presta as informações, que, em última instância, levarão os clientes a adquiri-los.
E nesse contexto cumpre-lhe a observância dos deveres do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, norteando-se inclusivamente pelos princípios consagrados no art.° 304.° do CVM (boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência), e bem assim pelos deveres de informação a que aludem os art.°s 7.° n.º 1 e 312.°, n.º 1, ambos do CVM., estabelecendo-se, até, nestes casos, uma presunção legal de culpa (art.° 314.° do CVM), implicando, por isso responsabilidade contratual e extracontratual – Ac. STJ de 10.01.2013, relatado pelo Ex.º Conselheiro Tavares de Paiva.
Além disso, de acordo com o corpo do n.º 1, do artigo 312.° do citado Código, o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.
Assim, os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
No mercado dos valores mobiliários a informação surge como fator essencial. "A relação bancária duradoura, estabelecida entre o banqueiro e o seu cliente, é uma relação de permanente informação entre as partes, distinguindo-se a informação bancária da comum por ser, tendencialmente, técnico jurídica, simples, directa e eficaz" – dr. Menezes Cordeiro in Manual do Direito Bancário, Almedina, 2006, p. 284 e 291.
E à data em que os autores foram contactados pelo banco réu para investir em Obrigações SLN 2006 (maio de 2006), estabelecia o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92, de 31/12) que as instituições de crédito, em todas as atividades que exerçam, devem assegurar aos seus clientes, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência (cfr. art.° 73.°); que nas relações com os clientes, os administradores e empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados (art.° 74.°); que os membros dos órgãos de administração, bem como as pessoas que exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e tendo em conta os interesses dos depositantes, dos investidores e demais credores (art.° 76.°).
Como escreve Agostinho Cardoso Guedes "... o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem. Portanto, e no que concerne à responsabilidade extra-contratual por informações, não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação, quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer (como um banco) ou quando provenha de um leigo, colocando-se a questão do nível da ilicitude e não da culpa" – A Responsabilidade do Banco por Informações à Luz do artº 485º do Código Civil in Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, p. 138 e 139.
E no contexto da responsabilidade do mediador financeiro o Prof. Menezes Leitão considera que: "mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objetivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art.º 799.º do Código Civil que «como entidade especializada na matéria se compromete á prestação de informações exatas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua" - Informação Bancária e Responsabilidade, Estudos em Homenagem ao Prof Dr. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, a p. 230 e vide também Sinde Monteiro, Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, 1999, 49.
Toda esta série de normas visa proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam aquando das conversações e ou contactos preliminares à celebração de um ato/contrato bancário, a ponto de se essas informações se mostrarem inexatas, incompletas ou falsas e foram determinantes na celebração de um ato ou contrato com o banco, este poderá ser responsabilizados pelos danos que causar, quer pela via contratual quer extracontratual (cfr. neste sentido também Ac. da Relação de Coimbra de 9.10.12 acessível via www.dgsi.pt).
No caso submetido à nossa apreciação, como resulta da factualidade provada, o banco réu prestou aos autores informação inverdadeira relativa à garantia de reembolso por si do capital investido por aqueles (vejam-se os pontos 4, 5, 9, 10 e 11 da matéria de facto provada).
Esta conduta do réu é violadora das exigências da boa - fé e da lealdade devidas aos autores, seus clientes e, dado o conteúdo da informação inverdadeira transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão dos autores de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo réu.
Os autores "avançaram" para um aplicação financeira num montante considerável em dinheiro (€ 50.000,00), sem terem sido alertados das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o banco réu em responsabilidade.
Com efeito, sendo o banco réu responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art.° 800.°, n.º 1, do Código Civil), conclui-se que aquele violou, como já se disse, os deveres de informação, bem como os princípios da boa - fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.
Actuou, por isso, de forma ilícita.
E tal conclusão não é minimamente incompatível com a factualidade provada no ponto 3, nem com a matéria constante dos incisos 2 e 4.
Para além disso, apenas se provou que o autor marido assinou o documento de fls. 22 (não se provou se lhe foi entregue ou não cópia de tal documento) e não foi alegado, nem provado, pelo réu, que tenha sido entregue ao autor marido qualquer nota informativa sobre o emitente das Obrigações SLN 2006 e sobre a emissão destas mesmas Obrigações.
Esta factualidade integra a violação dos deveres consignados nos art.°s 312.°-C e 312.°-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar a investidor não qualificado, como era o caso dos autores.
De acordo com o disposto no nº 1 do art.° 304.°-A do Código dos Valores Mobiliários, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. Quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação, presume-se a culpa do intermediário financeiro (art.° 304.°-­A, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários) – Gonçalo André Castilho dos Santos in A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina 2008, p. 215 a 216 – que sustenta que a presunção não se restringe à culpa, mas abarca também o nexo causal entre o facto e o dano.
Na responsabilidade civil por facto ilícito (veja-se que a responsabilidade contratual é também responsabilidade por facto ilícito, apenas sucedendo que sobre o devedor inadimplente recai uma presunção iuris tantum de culpa, cfr. n.º 1, do art.° 799.° do Código Civil), o nexo causal entre o facto, no caso a informação falsa prestada pelo réu sobre a segurança do reembolso do produto financeiro subscrito pelos autores e o dano, ou seja, o não reembolso do capital investido, afere-se com recurso à denominada formulação negativa da causalidade, ou seja, “o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente [...] para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto" – Das Obrigações em Geral, VoI. I, Almedina 1989, Prof. Antunes Varela, p. 861.
Uma vez que a informação falsa prestada pelo banco réu incidiu, em nosso modesto entender, sobre um dos aspectos decisivos para a determinação da decisão de subscrever as Obrigações SLN 2006, tem que se concluir que essa informação não se mostrou de todo em todo indiferente para a verificação do dano.
Neste conspecto, julga-se verificado o nexo de causalidade entre o facto ilícito que lhe é imputado e os danos sofridos pelos autores.
Porque o dano sofrido pelos autores decorreu da prestação de informação falsa e que a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação, presume-se a culpa do banco réu, nos termos previstos no n.º 2, do art.° 304.°-A do Código dos Valores Mobiliários: "os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade que lhe sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública".
(…)»
O decidido está, aliás, em consonância com a doutrina que vem sendo perfilhada pelos nossos Tribunais Superiores, veja a título de exemplo os Ac. do TRL de 10/03/2015, Ac. do TRP de 30/05/2017, Ac. do TRC de 12/09/2017 e do STJ de 17/03/2016, disponíveis em www.dgsi.pt em cujo sumário, respectivamente, se pode ler:
“I- Tendo os funcionários do Banco informado a cliente A., de acordo com as exactas instruções superiores por si recebidas, que a emissão do papel comercial em questão podia ser subscrita com toda a segurança, que o próprio Banco se responsabilizava pelo retorno no prazo do vencimento, garantindo o reembolso do mesmo e o pagamento dos respetivos juros, não comportando, por isso, qualquer risco, que o produto tinha, afinal, o mesmo valor que um depósito a prazo, e que a A. podia pedir o pagamento do capital e do juro que estivesse vencido antecipadamente, pode concluir-se que o Banco se vinculou, perante a A., a co-assumir a obrigação de reembolso do capital subscrito e respetivos juros que sobre a entidade emitente do dito papel comercial recaía, assegurado o pagamento como direto responsável por ela;
II- Ainda que assim se não entenda, e tendo em conta que o produto financeiro em questão não tinha as reais características descritas, sempre será de concluir que o Banco violou de forma grosseira o dever de informação a que estava obrigado, convencendo desse modo a A. a subscrever o papel comercial que, de outro modo, a mesma não subscreveria, o que o torna responsável pelos prejuízos causados à A., quer pela sua actuação na formação do contrato, quer na celebração e execução do mesmo.(TRL)
“I - Demonstrado que o gerente do Banco demandado propôs ao Autor uma aplicação financeira - papel comercial - com garantia do reembolso do capital investido e juros, em função da qual este aderiu à concretização da aplicação, é o mesmo Banco responsável pelo retorno desse capital e juros.(TRP)
1 -Tendo o Banco intervindo como intermediário financeiro na comercialização das Obrigações ajuizadas [SLN rendimento mais 2004 e SLN 2006], tinha ele, ao tempo dos factos, o primário e essencial dever de prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [cfr. art. 312º, al. a), do CVM, na sua redacção originária, que é a aplicável].
2 – Decorre do nº 2 do art. 314º do CVM, na mesma redacção, que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
3 – Sendo certo que sujeito responsável pela indemnização em causa será o dito intermediário financeiro, pois que, não obstante a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido. (TRC)
I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
II - Provando-se que a gerente do Banco em Janeiro de 2008 propôs ao autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (papel comercial emitido pela «CNE, S.A.») com garantia do capital investido e que o autor deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo BB, SA com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros. (STJ)
Do supra exposto, decorre a irrelevância das conclusões, não se verificando a violação dos preceitos legais cuja violação foi invocada, sendo de confirmar a decisão recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Évora, 21 de Dezembro de 2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes