Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1285/17.9T8PTG.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ASSINATURA A ROGO
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1- A aposição da impressão digital em documento por quem não saiba, ou não possa assinar, prevista no artigo 51.º do Código do Notariado, só constitui exigência legal nos casos em que não se opte pelo mecanismo da assinatura a rogo, desde que este último tenha respeitado as exigências legais decorrentes dos artigos 373.º, n.º 3 e 4, do Código Civil e 152.º e 154.º do Código do Notariado;
2- Apenas é nula por condenar em objecto diverso do pedido a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância, não observe os limites impostos pelo artigo 609.º, n.º 1, do CPC;
3- Os danos não patrimoniais consubstanciam danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem moral, ideal, ou espiritual, como tal, danos não susceptíveis de avaliação pecuniária e que não se reflectem no património do lesado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1285/17.9T8PTG.E1
Comarca de Portalegre
Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre – Juiz 3
Apelante: (…)
Apelado: (…)
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
*
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I - RELATÓRIO

(…), solteiro, maior, aposentado, residente na Rua (…), n.º 43, 7480 - 328 Ervedal, NIF (…), intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…), casado, residente na Rua (…), n.º 24, 7480, Ervedal, pedindo a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de € 52.744,36, correspondente ao montante que este último levantou ou transferiu da conta bancária identificada no artigo 7º da petição inicial para outra, ou outras, a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento.
Subsidiariamente, pediu a condenação do Réu a restituir-lhe o montante de metade desse valor, ou seja, € 26.372,18, que o R. levantou ou transferiu da conta bancária identificada no dito artigo 7º para outra, ou outras, a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento.
Cumulativamente com qualquer um dos pedidos atrás enunciados, pediu ainda a condenação do Réu a indemniza-lo na quantia de € 5.000,00, pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros legais a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte:
Tem 92 anos, é solteiro e não tem, nem nunca teve, filhos, sendo tio do Réu, acrescentando que desde 18 de Setembro de 2013 que ele e o Réu são titulares da conta bancária n.º (…), a que corresponde o IBAN PT50 (…), do balcão de Avis do Banco “(…)”, “no regime de movimentação solidária”;
Disse ainda que todo o dinheiro depositado nessa conta foi fruto do seu trabalho, figurando o Réu como cotitular dessa conta bancária apenas por precaução, dada a idade avançada que tem, não ter filhos e o Réu ser seu sobrinho, mais referindo que em 03 de Abril de 2017 o Réu transferiu dessa conta conjunta nº (…) para uma conta pessoal dele, sem a sua autorização e conhecimento todo o valor aí depositado à data, ou seja € 52.744,36, pelo que em 07 de Novembro de 2017 enviou-lhe, através de mandatário judicial, uma carta registada com aviso de receção a interpelá-lo para, em 8 dias seguidos, proceder à devolução dos € 52.744,36, carta essa que o Réu recebeu em 09 de novembro de 2017, recusando-se, porém, aquele a devolver-lhe o montante de € 52.744,36 que levantou da dita conta bancária.
Concluiu mencionando que em consequência dessa conduta do Réu viu-se de um dia para outro sem o dinheiro que tinha poupado durante uma vida inteira, o que lhe causou perturbação, instabilidade e ansiedade.
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Regularmente citado o Réu contestou, arguindo a falta de mandato do advogado do Autor, afirmando que este último desconhece a propositura da presente ação, mais alegando ainda e em síntese que o Autor sempre quis ter com ele, em comum, o seu dinheiro para ser tido como pertença de ambos e ele, Réu, poder dispor dele livremente, esclarecendo que, além disso, a natureza da conta bancária onde o dinheiro se encontrava depositado permite a qualquer titular fazer movimentos sem a intervenção dos demais, sendo, pois, válida a transferência feita por si e irrelevante que o dinheiro tivesse sido ou não do Autor.
Concluiu, pedindo que seja julgada procedente a exceção dilatória invocada com a sua absolvição da instância e, em caso de prosseguimento dos autos, que seja a final julgada improcedente a ação e absolvido do pedido.
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Findos os articulados, foi designada data para realização da audiência prévia, na qual se revelou inviável a conciliação entre as partes, tendo sido indeferida a questão prévia de falta de mandato suscitada na contestação e fixados os temas da prova.
No decurso da audiência final o Autor apresentou um articulado superveniente, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 588.º e 589.º do Código de Processo Civil, o qual veio a ser admitido, tendo o Réu apresentado articulado de resposta impugnando os factos aditados pelo Autor.
Foram aditados temas de prova.
Na sequência de incidente suscitado na pendência dos autos foi nomeado curador provisório ao Autor que, notificado, ratificou todo o processado.
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Realizada a audiência final, seguiu-se a prolação de sentença que contêm o seguinte dispositivo:
“Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, decido julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação, e, consequentemente:
a) Condeno o Réu (…) a restituir ao Autor a quantia de € 52.744,36 (cinquenta e dois mil, setecentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa civil vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento;
b) Condeno o Réu (…) a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora à taxa civil vencidos e vincendos desde a data da presente sentença até integral pagamento;
c) Absolver o Réu do demais peticionado pelo Autor.
Custas a cargo do Réu.
Notifique e registe.”
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Inconformado, veio o Réu apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes:

“CONCLUSÕES
1- A lei exige que, em causas como a dos autos, a parte constitua advogado (artº 40º do C. P. Civil) e disciplina a forma como o mandato deve ser conferido (artigos 373.º, n.º 2, do C. Civil e 151.º, 152.º e 154.º do Código Notariado), sendo nulo o processado que se opere sem intervenção de advogado. A consequência é a absolvição da instância (artº 41º do C. P. Civil).
2- É verdade que, antes de isso decidir, tem o tribunal de convidar a parte a constituir advogado; mas, entretanto, terá de anular todo processado. No caso, todo o processado subsequente à apresentação da petição inicial.
Isso se requer.
3- Ao apresentar-se como curadora, em representação do Autor, a nomeada Joana devia, também ela, ter constituído advogado, bem sabendo que não podia continuar a invocar a procuração passada pelo Autor.
4- Ocorre, assim, mais um motivo de anulação do processado a operar a partir da nomeação da curadora, se não proceder a falta de mandato invocado nos precedentes pontos 1 e 2.
5- A situação criada não pode deixar de constituir motivo de forte suspeição sobre quem seja o verdadeiro Autor, se o (…) ou a (…), e de perplexidade pela ligeireza com que da parte do Autor se está litigando com a prática de vícios.
6- A sentença condenou em objecto diferente do que foi pedido. Pedia o Autor a condenação do Réu na restituição do dinheiro, por ter violado as regras do contrato de depósito feito com o Banco. E a Meritíssima Juiz condenou-o por prática de acto ilícito e também a coberto do enriquecimento sem causa. Cometeu-se a nulidade do artº 615º, nº 1, al. e), do C. P. Civil.
7- Tivesse a acção sido proposta com base em responsabilidade aquiliana e o Réu teria invocado a prescrição por terem decorrido mais de 3 anos sobre a transferência do dinheiro para aplicação a favor do Réu.
8- Deve anular-se a sentença e ordenar-se que a acção seja julgada de acordo com as regras da responsabilidade contratual. Julgada nessa perspectiva deve a acção ser julgada improcedente por o Réu ter actuado a coberto de acordo celebrado entre ele, o Autor e o Banco.
9- O julgamento de facto não resiste, com o devido respeito, ao confronto dos factos entre si, pois que há contradição entre muitos deles e a prova documental e gravada obrigam à alteração de sentido, de mudança de provado para não provado ou vice-versa, de vários outros.
10- Não pode o Tribunal decidir tendo por base que “... nem faria qualquer sentido que o Autor, pessoa de avançada idade, analfabeto e sem familiares diretos, decidisse “dar” a totalidade ou pelo menos uma grande parte do dinheiro que amealhou ao longo da sua vida, ficando desse modo total ou grandemente desprovido de qualquer aforro económico nos últimos anos da sua vida...” face à prova concreta (documental e testemunhal) existente nos autos, chegando a fazer referência às declarações de parte do Autor, do qual declarou a sua incapacidade judiciária.
11- Assim e particularmente não pode dizer-se no ponto 9, que foi por precaução que o dinheiro ficou também em nome do Réu, quando do depoimento das testemunhas (...) e (...) resulta que o Autor sempre quis doar parte do dinheiro ao Réu; tal como nos pontos 16, 22 e 29 que foi sem conhecimento, sem autorização e sem consentimento do Autor que o Réu transferiu parte do dinheiro para conta sua, desde que no facto 6 se dá por assente (e bem porque resulta da documentação bancária) que a conta primitiva era solidária em termos de qualquer dos depositantes a poder movimentar, assim como o ponto 25. A manutenção da aplicação durante 4 anos e o recebimento dos juros permite a presunção judicial de que houve doação desse valor.
12- Não pode também dizer o Autor nos pontos 28 e 30 que desconhecia que o Réu transferiu o dinheiro para aplicação só em seu nome e só em Abril de 2017 soube disso, desde que no ponto 15 se dá como assente que tal aplicação foi feita em 2013 e nos pontos 23 e 24 se diz que a mesma produzia juros e era a (…) que mensalmente os levantava, e os gastava em prol do Autor, bem sabendo de onde vinham.
13- Por fim, não pode dar-se como não provado, como se vê das als. c), d) e f) dos factos não provados, que o dinheiro não foi depositado para ser de ambos os depositantes, nem o Autor doou, depois € 50.000,00 ao Réu, para ser dele embora com juros a favor do Autor, desde que testemunhas próximas de ambos, como são as testemunhas (…) e (…) asseveram que sabem que o dinheiro foi mesmo doado. Vale aí sobretudo a prova gravada, registada no texto, mas reforçada pela circunstância de o Autor e a sobrinha (…) fazerem mensalmente levantamento dos juros, bem sabendo, porque recebiam a documentação, que os mesmos vinham da aplicação a favor do Réu. E não pode, igualmente, por esta última razão, dar-se como não provado o que consta da alínea e) pois que o levantamento dos juros impõe que se conclua que o Autor e a (…) sabiam, sempre souberam, desde 2013, da aplicação.
14- Devem, pois, dar-se como não provados os factos dos pontos 9, 16, 22, 25, 28, 29 e 30; e devem passar de não provados a provados os factos das alíneas c), d), e) e f) do elenco dos não provados.
15- A natural consequência da alteração do julgamento de facto nesse sentido é a absolvição do Réu no pedido, se não se julgar que ocorrem os vícios de mandato e de nulidade da sentença que ficaram invocados.
16- Julgado como devia ser à luz da responsabilidade civil contratual, o máximo que ao Autor caberia receber seria metade do dinheiro depositado. É o corolário do principio da solidariedade que a prática bancária aplica em todas as situações.
17- Nunca poderá haver lugar à condenação por danos não patrimoniais porque o Réu não cometeu nenhum acto ilícito. O Autor não justifica a eles ter direito.
18- Não decidindo nos termos expostos, violou a douta sentença o disposto nos artigos 607.º, n.º 5, 40.º, 41.º, 44.º, 278.º, n.º 1, alínea e), 609.º e 615.º, n.º 1, alínea e), todos do C.P.Civil.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exªs doutamente suprirão, deve revogar-se a douta sentença e proferir-se decisão:
a) Que julgue procedentes os vícios de mandato e de nulidade da sentença, apontados, com a consequente anulação do processo e subsequente absolvição da instância.
b) Que, a não se entender assim, altere o julgamento de facto nos termos referidos e, corrigido este, se julgue improcedente a acção, tanto no que se refere ao dinheiro transferido como no que se refere aos danos não patrimoniais.
c) Que, no limite, reconheça ao Autor apenas metade do dinheiro.
Essa será, Senhores Desembargadores, a expressão da JUSTIÇA”.
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O Apelado apresentou resposta ao requerimento de recurso, alinhando as seguintes conclusões:
“1. Sobre a questão da falta de mandato incidiu douto despacho judicial de 08 de Junho de 2018, em que indeferiu a falta de mandato do ora recorrido invocada por este.
2. Desse despacho de 08 de Junho de 2018 não houve qualquer recurso, tendo o mesmo transitado em julgado em 08 de Julho de 2018; pelo que está o recorrente impedido de levantar a questão de “falta de mandato por parte do próprio Autor”, uma vez que esta questão jurídica já foi decidida por despacho judicial transitado em julgado.
3. Pelo Exposto, está este Venerando Tribunal da Relação de Évora impedido de se pronunciar relativamente ao ponto I das suas alegações de recurso, identificado como “I- Da falta de mandato por parte do próprio Autor”.
4. Ao contrário do que alega o recorrente, o despacho judicial de 30 de Outubro de 2019 não declarou a incapacidade judiciária do A. e não foi nomeado um curador “normal” (aspas) a este.
5. Joana Moreno foi nomeada curadora provisória ao A., ora recorrido, o que é diferente do que o recorrente alega.
6. Com a declaração de incapacidade judiciária do A. e nomeado curador ao mesmo não cessam os efeitos de representação no âmbito da procuração outorgada a advogado.
7. Sobre os despachos de 12, de 27 e de 30 de Setembro de 2019 não incidiu qualquer recurso, tendo os mesmos 3 despachos transitado em julgado; pelo que está o recorrente impedido de levantar a questão de “falta de mandato, determinante de absolvição da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea e) e 41.º do C.P.Civil)”, uma vez que esta questão jurídica já foi decidida por 3 despachos judiciais transitados em julgado.
8. Pelo Exposto, está este Venerando Tribunal da Relação de Évora impedido de se pronunciar relativamente ao ponto II das suas alegações de recurso, identificado como “II- Da falta de mandato da representante nomeada”.
9. (…) foi nomeada curadora provisória para representar o Autor, de acordo com o despacho de 27 de Setembro de 2019 e do despacho de 30 de outubro de 2019, ambos transitados em julgado.
10. O recorrente confunde representação com mandato forense.
11. O Autor nos presentes autos é (…) e este é que tem que estar representado por mandatário forense / advogado; o que acontece desde o início dos presentes autos.
12. E (…) é curadora provisória e representante do Autor nos presentes autos, ou seja, processualmente (…) está a representar o Autor … (não como mandatário forense).
13. (…), como representante e curadora provisória do Autor, não é parte processual nos presentes autos e como tal não tem que estar representada por Advogado (mandatário forense).
14. (…) não é, nos presentes autos, parte que se apresenta, por ela própria a litigar, mas sim como mera representante processual do Autor (…).
15. E no caso dos autos, o Autor é (…) e não (…).
16. (…) age nos autos como curadora provisória / representante e não como parte processual, daí que quando esta é nomeada em tal qualidade não cessam os poderes forenses que o seu representado, o Autor nos presentes autos, outorgou a favor do Advogado, signatário da presente resposta.
17. No caso dos autos, a instância encontra-se regularizada porque a acção foi proposta por (…), que emitiu procuração forense a Advogado, o ora signatário, que o representa juridicamente, no âmbito do mandato judicial.
18. Considerando que o Advogado que subscreve a petição inicial se assume como titular de um mandato forense, com procuração forense junta aos autos, encontrando-se plenamente regularizado o mandato.
19. Já na representação, o representante age de modo expresso e assumido, em nome do representado, dando a conhecer aos interessados o facto da representação.
20. Ora, nos presentes autos, (…) intervém como representante / curadora provisória do A., que nada tem a ver com o mandato judicial; o qual resultou de procuração forense passada por este (A.) ao Advogado subscritor da presente resposta.
21. Ao contrário do que alega o recorrente, com a declaração de incapacidade judiciária do A. e nomeada curadora provisória / representante ao mesmo não cessam os efeitos de representação no âmbito da procuração outorgada a advogado.
22. Por requerimento de 01 de Outubro de 2019 a curadora provisória emitiu uma declaração, em que declarou que “declaro que aceito a nomeação de curadora provisória do Autor (…), nos presentes autos.
Mais declaro, na qualidade de curadora provisória de (…), Autor nos autos em epígrafe, que ratifico todo o processado anterior nos presentes autos, em nome do Autor, levado a cabo pelo mandatário do Autor, o Advogado (…)”.
23. Daí que, a instância encontra-se regularizada, em termos de mandato.
24. Caso não se entenda o alegado anteriormente, junta-se procuração forense outorgada por (…), na qualidade de representante / curadora provisória do Autor (…) a favor do Advogado signatário das alegações de recurso, com ratificação de todo o processado.
25. No ponto III das suas alegações de recurso, o recorrente alega incorrectamente que a sentença a quo é nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC porque “condenou-se em objecto diferente do pedido”, pelo seguinte facto: por o A. / recorrido ter feito um pedido e a sentença a quo ter condenado em pedido diferente.
26. Com o devido respeito, o recorrente parece não estar “por dentro” do processo para fazer essas considerações.
27. O recorrente esquece-se que o pedido formulado pelo ora recorrido não é o que consta na petição inicial deste, mas sim o que consta no articulado superveniente apresentado em 20 de Fevereiro de 2019, ao abrigo do disposto nos artigos 588º e 589º, ambos do CPC, o qual foi admitido por despacho de 25 de Fevereiro de 2019, transitado em julgado.
28. E o pedido dos autos, resultante desse articulante superveniente, é a que consta nos artigos 39º e 40º desse articulado.
29. E foi com base nesse pedido formulado pelo ora recorrente, no articulado superveniente, que a sentença recorrida se baseou para proceder à condenação, nos termos em que o fez.
30. Pelo Exposto, a sentença a quo não é nula, não existindo a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, uma vez que a decisão recorrida não condenou em objecto diferente do pedido.
31. A sentença recorrida fez uma apreciação crítica e correcta das provas, que consistiu na exposição do processo racional e lógico.
32. O Tribunal a quo considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida, tendo exposto o(s) motivo(s) pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa.
33. A sentença recorrida fez uma apreciação crítica das provas e expressou uma decisão ponderada, não arbitrária, compreensível e de acordo com as regras do direito.
34. Ao contrário do que refere o recorrente, a Mmª Juiz a quo fez uma correcta apreciação da prova, pois dos depoimentos das testemunhas não se impunha outra decisão.
35. A douta sentença recorrida fez uma correcta aplicação da Lei ao caso dos autos.
36. Por todo o exposto, a Mmª Juíza a quo não incorreu em qualquer erro de apreciação da prova nos pontos concretamente indicados pelos recorrentes (nem em outros).
37. O Tribunal a quo não está proibido de atribuir maior credibilidade às testemunhas arroladas pelo Autor do que às arroladas pelo Réu.
38. A sentença a quo não enferma dos vícios alegados pelo recorrente, uma vez que a matéria de facto dada como provada não está notoriamente errada, nem dela se retirou conclusão logicamente inaceitável ou que contrarie os meios de prova vinculados na sua interpretação.
39. As conclusões e os fundamentos constantes na douta sentença recorrida, bem como da matéria considerada como provada, podem não ser do agregado dos ora recorrentes, mas tal não implica que estejam notoriamente erradas.
40. Não existe uma errada interpretação e avaliação da prova produzida em julgamento, que leve a qualquer nulidade.
41. Ao contrário do que alegam os recorrentes, a matéria de facto dada como provada encontra correspondência na prova produzida.
42. A Mm.ª Juíza a quo avaliou e considerou, globalmente, toda a prova produzida, e, de forma expressa, clara e abundante, devidamente fundamentada, explicitou os fundamentos de formação da sua convicção, em raciocínio coerente, correspondente à prova realizada, esclarecendo e salientado os meios de prova que valorizou e os que desconsiderou.
43. Não deve, sequer, ser apreciado, por este Venerando Tribunal da Relação, o que consta nesse ponto VII das alegações de recurso do recorrente, por este não ter apresentado quaisquer argumentos para tal, nem de facto nem de direito e nem invoca qualquer disposição legal que a sentença violou decidindo em contrário.
44. A sentença a quo, ao ter condenado o recorrente no pagamento ao ora recorrido, no valor de € 3.000,00 a título de danos morais não violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 5, 40.º, 41.º, 44.º, 278.º, n.º 1, alínea e), e 609.º, n.º 1, alínea e), todos do C.P. Civil.
45. A decisão em crise agiu de acordo com a lei e com o direito ao ter decidido que “No que respeita aos danos não patrimoniais, aplica-se o critério definido pelo artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, aqueles deverão ter a gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito, o que sucede “in casu”.
Nestes termos e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA!!!”.
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O recurso foi admitido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que se afigura correcto, pelo que se mantem como tal na presente Instância.
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Correram Vistos.
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II - OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
1-Nulidade processual assente em falta de constituição de advogado pelo Autor (ora Apelado);
2-Nulidade processual por falta de constituição de advogado pela curadora nomeada ao Autor (ora Apelado);
3-Nulidade da sentença, fundada em condenação em objecto diverso do pedido;
4- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
5- Reapreciação de mérito.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Decorre da sentença recorrida a seguinte matéria de facto:
“- Factos provados:
1. O A. é solteiro e tinha 92 anos à data da instauração da ação.
2. Não tem, nem nunca teve, filhos.
3. O A. não sabe ler nem escrever.
4. O Autor reside com a sua sobrinha (…), que trata e cuida dele, desde há cerca de seis anos.
5. O A. é tio do R..
6. Em 18 de Setembro de 2013, o A. e o R. abriram uma conta de depósitos à ordem, no balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…), com o valor de € 79.182,53, no regime de movimentação solidária, podendo ser movimentada quer pelo Autor quer pelo Réu.
7. O valor depositado para abertura dessa conta proveio da conta IBAN PT50 (…), da Caixa do Crédito Agrícola Mútuo de (...), cujos titulares eram o Autor e o Réu.
8. Todo o dinheiro depositado nas contas bancárias referidas nos pontos 6 e 7 proveio do trabalho do A., que foi depositando o dinheiro que amealhou durante a sua vida, para fazer face às despesas da velhice.
9. O R. figurava apenas como cotitular dessas contas bancárias por precaução, dada a idade avançada do A., por este não ter filhos e porque confiava no seu sobrinho.
10. Toda a vida o A. trabalhou na agricultura e como pastor, ao serviço de vários patrões, sendo que nos últimos anos que laborou foi na Fundação (…).
11. O A. sempre foi uma pessoa muito trabalhadora, trabalhando todos os dias, quase sem folgas.
12. Ao longo de toda a sua vida, o A. também criou borregos, que vendeu.
13. Ao longo de toda a sua vida o A. foi amealhando dinheiro, produto do seu salário e da venda dos borregos.
14. O Autor foi sempre uma pessoa muito poupada.
15. Em 27 de Setembro de 2013 o R. retirou € 50.000,00 da conta referida em 6. e subscreveu, só em seu nome, uma apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013”, com o n.º (…), no valor de € 50.000,00, para vigorar de 27 de setembro de 2013 a 07 de outubro de 2021.
16. O que fez sem o conhecimento, sem o consentimento e sem autorização do A.
17. A referida aplicação financeira com a apólice número (…), no valor de € 50.000,00, ficou associada à conta de depósitos à ordem, do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o nº (…).
18. A apólice nº (…) é o único seguro de vida no Banco (…) Seguros associado ao NIB indicado (…).
19. Em 31 de Março de 2017 o Réu deu ordem de resgate total da apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013” com o valor de € 52.541,55.
20. Essa quantia foi depositada na conta bancária solidária dos A. e R. n.º (…).
21. E, no dia 03 de abril de 2018, na sequência de uma ordem de transferência dada pelo Réu, via net, a quantia de € 52.744,36 foi transferida da referida conta nº (…) para a conta com o n.º (…), do Banco (…), balcão de Avis, titulada pelo Réu e pela sua mulher (…).
22. Essa ordem de transferência foi dada sem conhecimento, sem autorização e sem consentimento do Autor.
23. Durante o tempo em que a apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013” esteve em vigor (de 21 de março de 2017 a 31 de março de 2017) esse produto financeiro foi dando juros mensais de € 120,00, os quais eram mensalmente depositados, automaticamente pelo banco, na conta do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).
24. E todos os meses a sobrinha do A., (…), através de um cartão Multibanco da aludida conta (…) do balcão de Avis do Banco “(…)”, levantava esses juros de € 120,00, para fazer face às despesas do Autor. 25. Nunca o A. deu € 50.000,00 ao R., em qualquer data, da conta do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).
26. Em 03 de Abril de 2017 nessa conta bancária encontrava-se depositada a quantia de € 52.744,36.
27. No dia 02 de maio de 2017 o A. recebeu o extrato dessa conta bancária, referente ao mês anterior (abril de 2017).
28. Nessa data, o A. constatou que em 03 de abril de 2017 o R. transferiu dessa conta n.º (…) para uma conta pessoal sua (do R.), sem a autorização e conhecimento daquele (A.), todo o valor aí depositado, à data, € 52.744,36.
29. Nunca o A. deu autorização ao R. para este mexer nessa conta bancária ou para este transferir qualquer valor dessa conta para qualquer outra conta.
30. O Autor desconhecia a existência da mencionada “apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013”, até ao dia 31 de janeiro de 2019.
31. Em 07 de Novembro de 2017 o A. enviou, através de mandatário judicial, uma carta registada com aviso de receção a interpelá-lo para, em 8 dias seguidos, proceder à devolução dos € 52.744,36, carta essa que o R. recebeu em 09 de novembro de 2017.
32. O R. recusa-se a devolver ao A. o montante de € 52.744,36 que levantou da dita conta bancária.
33. O A. quando teve conhecimento que tinha “desaparecido” dessa sua conta os € 52.744,36 teve um choque muito grande e de um dia para o outro o A. viu-se sem o dinheiro que tinha poupado uma vida inteira.
34. Quando o A. soube que ficou sem dinheiro e porque confiava no sobrinho, ficou afetado psicologicamente, o que lhe causou sofrimento e desgosto, perturbação, instabilidade e ansiedade.
35. O A. ficou triste e abatido.
*
- Factos não provados:
a) O Réu sempre cuidou do Autor quando o mesmo vivia com os pais do Réu e mesmo depois da morte destes.
b) O Autor nunca teve despesas.
c) O Autor sempre quis ter com o Réu, em comum, o seu dinheiro para ser tido como pertença de ambos e para o réu o poder levantar e poder dele dispor livremente.
d) O A. deu ao Réu a quantia de € 50.000,00 que se encontrava depositada na conta bancária n.º (…), no balcão de Avis do Banco “(…)”;
e) Em 07 de outubro de 2013 o Réu fez uma aplicação em Instrumento de Captação de Aforro Estruturado (ICAE) – apólice individual;
f) Tendo ficado acordado entre o Réu e o Autor que este último receberia os juros da aplicação financeira feita por aquele primeiro.
g) O A, pessoalmente e através de outros familiares, exigiu ao R. que lhe devolvesse toda essa quantia que existia, à data da transferência, nessa conta bancária n.º (…).
*
A restante matéria alegada pelas partes não foi considerada por se entender que a mesma é conclusiva e/ou irrelevante para a apreciação e decisão da causa.”
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Iniciemos, então, este segmento do acórdão abordando a 1ª das questões objecto do recurso:
1-Nulidade processual por falta de mandato:
Pretende o Apelante que se julgue nulo o processado nos autos subsequente à apresentação da petição inicial.
Na resposta ao recurso que apresentou no processo o Apelado refere que a questão da falta de mandato foi objecto de despacho judicial proferido pelo Tribunal a quo de 08 de Junho de 2018, que a indeferiu, não tendo havido recurso do mesmo, tendo operado o trânsito em julgado do mesmo, o que impedia o Apelante de levantar neste recurso essa questão e este Tribunal de recurso de se pronunciar sobre tal questão.
Vejamos:
Da análise dos autos resulta que em sede de audiência prévia realizada em 08 de Junho de 2018 foi proferida pelo Tribunal a quo a título de questão prévia, antecedendo o despacho saneador, o seguinte despacho:
“DESPACHO
Da falta de mandato invocada pelo Réu:
Na sua contestação veio o Réu suscitar “Questão prévia” da falta do mandato com fundamento em que a procuração apresentada com a petição inicial, contendo a assinatura a rogo, não foi este efectuado correctamente.
Entretanto, veio o Autor juntar nova procuração com poderes especiais e com declaração de ratificação do processado, tendo tal procuração sido assinada a rogo do Autor, com reconhecimento notarial na Conservatória de Registo Civil, Predial e Comercial de Avis, em 19-01-2018.
Respondeu ainda a Ré, mantendo que a presente acção é uma construção e que o Autor está alheio e que o rogo declarado é apenas aparente.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Tribunal que, face à procuração entretanto apresentada, o Autor se encontra devidamente representado por advogado.
Com efeito, da análise da procuração e do reconhecimento notarial, resultam cumpridos o disposto nos artigos 373.º, n.º 4, do Código Civil e 152.º e 154.º do Código de Notariado.
Quanto à invocação efectuada pelo Réu de que o Autor é alheio à construção da presente acção e que o rogo será apenas aparente, não cabe ao Tribunal, pelo menos nesta sede, fazer qualquer juízo sobre tal invocação.
Pelo exposto, indefiro a questão prévia invocada, julgando rectificado todo o processado.
Notifique.”
Apesar da denominação conferida à referida questão, desde logo pelo Apelante, o certo é que a mesma consubstancia uma excepção dilatória nominada, prevista em concreto na alínea h) do artigo 577.º do CPC.
Como tal, do ponto de vista formal deveria ter sido apreciada em sede de despacho saneador e não imediatamente antes do seu proferimento como veio a suceder.
Caso da sua apreciação tivesse resultado a absolvição do Réu implicaria recurso de apelação autónomo, ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea b), do CPC, inviabilizando a reapreciação da questão no recurso que viesse a ser interposto da decisão final que pusesse termo à causa.
Porém, atendendo a que a questão foi pelo Tribunal a quo julgada improcedente, ou indeferida, mostra-se aplicável o disposto no n.º 3 do mencionado artigo 644.º, o que permitia impugnar a questão em apreço no recurso da sentença que colocou termo á causa, como veio a suceder.
Dito isto, não existe fundamento para rejeitar a apreciação da questão em apreço.
Sem embargo, da análise da procuração com poderes especiais e ratificação do processado, com assinatura a rogo do Autor, dado presencialmente pelo mesmo e reconhecimento notarial, em 19/01/2018, não se vislumbra qualquer vício, tendo sido cumpridas as exigências legais, a que aludem os artigos 373.º, n.º 4, do Código Civil, 43.º, a), do CPC, 152.º e 154.º do Código do Notariado.
E tendo havido assinatura a rogo do Autor afigura-se-nos dispensável a aposição de impressão digital na procuração por parte daquele no instrumento da procuração.
Na verdade, a aposição da impressão digital em documento por quem não saiba, ou não possa assinar, prevista no artigo 51.º do Código do Notariado só faz sentido nos casos em que não se opte pelo mecanismo da assinatura a rogo.
No que tange ao processado seguido, o que se verifica é que antecipadamente a ser ordenado pelo Tribunal a quo o cumprimento do disposto no artigo 48.º, n.º 2, 1ª parte, do CPC, que se impunha em concreto, o Apelante veio suprir adequadamente o vício de irregularidade de mandato detectado pela parte contrária, pelo que não tendo chegado a ser fixado pelo Juiz a quo prazo para a regularização do mandato terá necessariamente que se entender que tal regularização ocorreu tempestivamente.
Ora, resulta da redacção da 2ª parte do mencionado n.º 2 do artigo 48º do CPC que apenas no caso de a Parte não suprir no prazo fixado o vicio detectado de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato é que será de considerar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, sendo, nesse caso, o réu absolvido da instância.
No caso vertente, sublinhe-se, ao antecipar-se ao despacho que certamente seria prolatado pelo Tribunal a quo com vista à regularização do mandato o Apelado sanou com oportunidade o vício detectado.
A tese do Apelante é que o Tribunal a quo deveria ter anulado o processado entre a apresentação da petição inicial com procuração irregular e o momento em que foi apresentada a procuração regular.
Mas tal não tem fundamento.
Na verdade, da conjugação dos artigos 41.º e 48.º, n.º 2, b), 2ª parte, do CPC, resulta que o Tribunal só deve considerar sem efeito o processado e absolver o Réu da instância depois de ultrapassado o prazo por si fixado em despacho para o Autor suprir a falta detectada ao nível do mandato judicial, que pode consistir na sua falta, insuficiência ou irregularidade, sem que o Autor tenha logrado supri-la.
As expressões legais utilizadas, respectivamente, nos dois normativos acima apontados “sob pena de” e “findo o qual”, são esclarecedoras.
Ora, se o vicio se mostrar sanado nos autos ainda antes de o Tribunal ter tido o ensejo de fixar prazo para o Autor o fazer afigura-se claro, por maioria de razão, ser destituído de fundamento anular o processado subsequente à apresentação da petição inicial até estar demonstrada nos autos a regularização do mandato.
Na verdade, nesse conspecto, demonstrada a sanação do vicio o que se imporia ao Tribunal fazer?
Validar de novo os actos que uns dias antes anulara!
Tal redundaria num processado anómalo, pouco escorreito e nada célere, até porque na situação concreta tudo constaria, em principio, do mesmo despacho judicial…
Acresce que a figura da ratificação do processado foi concebida precisamente para tornar válidos actos processuais praticados anteriormente à sanação do vicio encontrado.
Termos em que improcedem as conclusões recursivas no tocante a esta primeira questão, não sendo de apontar qualquer censura ao despacho impugnado.

2- Nulidade processual por falta de constituição de advogado por parte da curadora nomeada ao Autor.
Pretende o Apelante que se anule o processado a partir da nomeação da curadora nomeada ao Autor, (…), argumentando que a mesma devia, também ela, ter constituído advogado, por não poder continuar a invocar a procuração passada pelo Autor.
Na sua resposta ao recurso refere o Apelado que (…) foi-lhe apenas nomeada curadora provisória, não cessando desse modo os efeitos de representação no âmbito da procuração outorgada a advogado, entendendo que o Apelante confunde representação com mandato forense.
Mais acrescentou que não incidiu recurso sobre qualquer um dos despachos judiciais exarados em 12, 27 e 30 de Setembro de 2019, pelo que transitaram em julgado, estando, assim, o Apelante impedido de levantar a questão de falta de mandato, determinante de absolvição da instância, o que impede o Tribunal da Relação de se pronunciar sobre a alegada falta de mandato da representante nomeada.
Vejamos:
Resulta do n.º 3 do artigo 644.º do CPC que:
3- As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº 1.”
Ora, é evidente que estando em causa decisões interlocutórias é pressuposto basilar para serem apreciadas pelo Tribunal de recurso que o Recorrente se digne identificar devidamente o que pretende em concreto impugnar, afim de se evitar quaisquer equívocos.
Sucede que, como bem o diz na resposta ao recurso o Apelado, relacionada com a questão da incapacidade judiciária do ora Apelante e consequente nomeação de curador ao mesmo foram prolatadas, em sede incidental, pelo Tribunal a quo, pelo menos três decisões, concretamente em 12, 27 e 30 de Dezembro de 2019.
Porém, nem na motivação recursiva, nem, menos ainda, nas conclusões recursivas, o ora Apelante identificou de forma inequívoca qual a decisão, ou decisões, tomadas a propósito da dita questão que pretendia impugnar.
E se é certo que relativamente à questão que apreciámos anteriormente atinente à alegada falta de mandato judicial também não procedeu a essa concreta indicação, designadamente no segmento das conclusões recursivas, não é menos verdade que tendo sobre a dita questão recaído apenas a decisão proferida em audiência prévia, intitulada “questão prévia”, imediatamente antes da prolação do despacho saneador e o Apelante logrado extractar, em sede de motivação recursiva, uma parte da decisão que apreciou a dita questão tal permitiu a este Tribunal de recurso afastar dúvidas sobre a decisão pretendida impugnar e apreciar a mesma.
De todo o modo sempre se dirá, ainda, que mesmo que se entendesse que a questão em apreço não visava em concreto qualquer uma das decisões proferidas sobre o incidente de nomeação de curador gerando-se apenas findo o incidente de nomeação, dado não ter sido apresentada procuração forense outorgada pela própria curadora em representação do Autor, certo é que tal questão, até porque se sustentou constituir a mesma nulidade processual, teria de ter sido suscitada pelo ora Apelado junto do Tribunal a quo por força das disposições conjugadas dos artigos 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, ambos do CPC, o que implicava, no caso concreto, que o ora Apelado tivesse de ter suscitado, ou arguido, o alegado vicio até ao final da sessão de continuação de audiência final ocorrida em 06/12/2019, onde esteve presente a curadora nomeada (…), bem como os ilustres advogados dos ora Apelante e Apelado, que nela intervieram, desse modo determinando a necessidade de apreciação no Tribunal a quo.
Não obstante, percebemos da análise do processado e concretamente da leitura da acta de 06/12/2019 que não o fez.
E como não o fez também não o poderá fazer agora em sede de recurso. Até porque constituiria sempre o despoletar de uma questão nova, não apreciada, por não suscitada, junto do Tribunal a quo.
Dito isto, atentos os motivos invocados, impõe-se rejeitar a apreciação da invocada nulidade processual em apreço.

3- Nulidade de sentença
Suscitou o Apelante a nulidade da sentença entendendo que a mesma condenou em objecto diverso do que foi peticionado, argumentando que o Apelado pediu a sua condenação na restituição por violação das regras do contrato de depósito celebrado com a entidade bancária e o Tribunal a quo veio a condená-lo pela prática de acto ilícito e ainda com base no instituto do enriquecimento sem causa.
Na resposta ao recurso o Apelado referiu não assistir razão ao Apelante chamando a atenção para o facto de ter sido admitido nos autos um articulado superveniente por si apresentado baseando-se o dispositivo da sentença recorrida no pedido formulado nesse articulado, inexistindo como tal uma condenação em objecto diferente do pedido.
Vejamos:
Decorre do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, que:
É nula a sentença quando:
[ …]
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
A propósito da nulidade desta alínea diz-nos José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Almedina, 4ª edição, 2019), o seguinte:
“É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância […] não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido” (cfr. pág. 737).
Ora, sem embargo do pedido se encontrar delineado no final da petição inicial, certo é que durante a vida útil da acção o mesmo pode ser reduzido ou ampliado, desde que respeitados os contornos legais definidos nos artigos 264.º e 265.º, n.º 2, ambos do CPC, podendo também, a nosso ver, uma eventual redução ou ampliação consubstanciar-se em factos invocados em articulado superveniente que venha a admitido por despacho judicial nos autos.
Na presente causa o ora Apelado, na qualidade de Autor, formulou contra o Réu, ora Apelante, o seguinte pedido no final da petição inicial:
“Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, consequentemente, ser o R. condenado:
a) a restituir imediatamente ao A. a quantia de € 52.744,36, que o R. levantou ou transferiu da conta bancária identificada em 7º para outra, ou outras, a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento;
b) caso assim não se entenda, à cautela, e sem prescindir, e por mera hipótese de raciocínio, se se considerar que se trata de uma conta conjunta, a restituir ao A. imediatamente o montante de metade desse valor de € 52.744,36, ou seja, € 26.372,18,
que o R. levantou ou transferiu da conta bancária identificada em 7º para outra, ou outras, a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento;
c) a indemnizar o A. na quantia de € 5.000,00, pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros legais a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento”.
No decurso do processo, concretamente em 20/02/2019, o ora Apelado dirigiu aos autos uma peça processual intitulada “Articulado Superveniente”, que culmina da seguinte forma:
“Pelo exposto, deve o R. ser condenado a restituir imediatamente ao A. o mencionado montante de € 52.744,36, porque se apoderou ilicitamente dos mesmos, acrescidos de juros legais desde a citação e até pagamento integral.
40º
Caso assim não se entenda, à cautela, sem prescindir, e por mera hipótese de raciocínio, se se considerar que se trata de uma conta conjunta, pelo menos que seja o R. condenado a restituir imediatamente ao A. o montante de metade desse valor de € 52.744,36, ou seja, € 26.372,18.
41º
Deve ainda o R. ser condenado no pagamento ao A. nos danos morais peticionados na petição inicial,”
O referido articulado superveniente veio a ser admitido liminarmente pelo Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 588º, nº 4, 2ª parte, do CPC, que fez recair sobre o mesmo o despacho de 25/02/2019, tendo posteriormente proferido em 12/06/2019 despacho fundado no disposto no n.º 6 do dito artigo 588.º do CPC.
Recordando o dispositivo da sentença recorrida verificamos que do mesmo consta o seguinte:
“a) Condeno o Réu (…) a restituir ao Autor a quantia de € 52.744,36 (cinquenta e dois mil, setecentos e quarenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa civil vencidos e vincendos desde a data da citação até integral pagamento;
b) Condeno o Réu (…) a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora à taxa civil vencidos e vincendos desde a data da presente sentença até integral pagamento;
c) Absolver o Réu do demais peticionado pelo Autor.
Custas a cargo do Réu.”
Do exposto, não decorre ter o Tribunal a quo condenado em objecto diverso do pedido, uma vez que não se verifica falta de coincidência entre ambos, nem a condenação na sentença recorrida ultrapassou os limites do peticionado.
Ademais, sempre será de relembrar o que referiu a Mmª Juiz a quo no último parágrafo do despacho que proferiu em 29/06/2020, em sede de apreciação da nulidade em apreço, que nos permitimos agora reproduzir pelo acerto no tocante à matéria em causa.
“Nestes termos e salvo o devido respeito por entendimento diverso, considera-se que a sentença recorrida não ultrapassou, nem em quantidade nem em qualidade, os limites do pedido, importando ainda referir, em relação à qualificação jurídica dos factos alegados pelas partes, que o juiz não se encontra vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do C.P.C.), pelo que não se verificando o circunstancialismo previsto na alínea e) do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, decide-se manter a decisão recorrida nos seus precisos termos”.
Destarte, improcedem, também, quanto a esta questão as conclusões recursivas.

4- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto:
Resulta do artigo 662.º do CPC o seguinte:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 287), o seguinte:
“O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.”
Já o artigo 640.º, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prevê que:
1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
[…]”
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima citada, a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, a), do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
O Apelante impugna factos que foram considerados na sentença recorrida como provados entendendo deverem ser considerados como não provados e bem assim impugna factos considerados como não provados que entende deverem ser considerados como provados.
Começando por estes últimos verifica-se que o Apelante se insurge contra o facto de não ter sido considerado como provados os factos descritos sob as alíneas c), d), e) e f).
Consta da dita alínea c) não ter resultado provado que:
“c) O Autor sempre quis ter com o Réu, em comum, o seu dinheiro para ser tido como pertença de ambos e para o réu o poder levantar e poder dele dispor livremente.”
O Apelante pretende que deve passar a constar dos factos provados um ponto precisamente com essa redacção.
Na motivação recursiva percebe-se que o Apelante considera que o facto não provado em apreço contradiz o facto considerado provado sob o ponto 6. e que a simples abertura da conta como conta conjunta solidária, provada documentalmente nos autos, só pode levar a conclusão de que o facto referido na alínea c) deve passar a constar dos factos provados.
Nas conclusões recursivas (ponto 13), ainda menciona os depoimentos das testemunhas (…) e (…), de que selecionou excertos reproduzidos na motivação recursiva, acrescentando a “circunstância de o Autor e a sobrinha (...) fazerem mensalmente levantamento dos juros, bem sabendo, porque recebiam a documentação, que os mesmos vinham da aplicação a favor do Réu.”
O ponto 6 dos factos provados tem a seguinte redacção:
“Em 18 de Setembro de 2013, o A. e o R. abriram uma conta de depósitos à ordem, no balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…), com o valor de e € 79.182,53, no regime de movimentação solidária, podendo ser movimentada quer pelo Autor quer pelo Réu”.
Por seu turno, consta do segmento atinente à motivação da decisão de facto na sentença recorrida o seguinte quanto ao facto provado sob o ponto 6.
“Pontos 1, a 3, 5 a 7, 15, 18 a 21, 23 e 24. – Os factos em referência foram admitidos por acordo das partes expresso nos respectivos articulados, tendo a sua prova resultado igualmente corroborada pela análise dos documentos que se encontram juntos aos autos a fls. 9 verso e 10 (certidão de assento de nascimento do autor), 11 a 12 (comunicação e informação bancária) e 13 (extrato bancário).”
Já quanto ao facto considerado como não provado elencado sob a alínea c) referiu-se no dito segmento o seguinte:
“No que concerne aos factos não provados, decidimos nos termos acima elencados:
- Quanto a alguns deles, produziu-se prova dos factos contrários ou de uma realidade diferente, mas incompatível com os mesmos, o que sucedeu relativamente às alíneas a), c) d) e f), pelos motivos acima já explicitados;”
Ora, desde logo temos que dizer que o Apelante não selecionou qualquer parte das declarações do Autor, ora Apelado, nem do depoimento da sobrinha do mesmo, (…), que possa ser aproveitado como meio probatório quanto à alínea em apreciação, sendo certo ainda que se escuda num juízo conclusivo ao salientar “bem sabendo, porque recebia a documentação que os mesmos vinham da aplicação do Réu.”
Já quanto aos depoimentos das testemunhas (…) e (…) competia ao Apelante, pois só assim estaria a cumprir devidamente a especificação obrigatória que sobre si recaia, de “indicar com exactidão”, de entre os excertos que selecionou, as passagens que se impunha considerar para a prova do facto descrito na alínea em apreço, tanto mais que deixou claro no ponto 13 das conclusões recursivas que tais excertos também deveriam relevar, embora também aqui sem indicar devidamente as correspondentes passagens, para a prova dos factos entendidos como não provados descritos na motivação sob as alíneas d) e) e f) da sentença recorrida.
De resto, tão pouco se afigura existir contradição entre o teor do facto provado sob o ponto 6. e o teor do facto não provado sob a alínea c), pois a circunstância de ser aberta entre duas pessoas uma conta bancária em regime de solidariedade, possibilitando a mesma ser movimentada por ambos os titulares, não implica que o dinheiro que a mesma contenha seja necessariamente pertença de ambos os co-titulares e menos ainda que um deles possa vir a dispor livremente de tal dinheiro a seu bel prazer.
Aliás, estando em causa no caso concreto um co-titular com idade muito avançada e com limitações decorrentes da mesma mais facilmente se entende o recurso ao regime de conta bancária escolhido atento o dai resultante em termos de facilidade de movimentação. Mas, só isso.
Improcede, em consequência, a impugnação quanto ao facto não provado em causa.

Impugna o Apelante o facto considerado como não provado na motivação descrito sob a alínea d).
Ora consta da dita alínea d) não ter resultado provado o seguinte:
“O A. deu ao Réu a quantia de € 50.000,00 que se encontrava depositada na conta bancária n.º (…), no balcão de Avis do Banco “(…)”.
O Apelante pretende que deve passar a constar dos factos provados esse ponto com a seguinte redacção:
“O A. doou ao Réu a quantia de € 50.000,00 que se encontrava depositada na conta bancária n.º (…) no balcão de Avis do Banco “(…)”.
Na motivação recursiva alega o Apelante o seguinte:
“Quanto á doação a que se refere a alínea d) que o A. agora quer demonstrar que não ocorreu, e que para tal alega que não teve ou deu consentimento á sua constituição (o da aplicação do valor doado), vejamos:
Do ponto 16 dos factos provados consta que a referida aplicação financeira com a apólice n.º (…), no valor de € 50.000,00, ficou associada à conta de depósitos à ordem, do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).
Do ponto 23 consta que durante o tempo em que a apólice esteve em vigor esse produto financeiro foi dando juros mensais de € 120,00, os quais eram mensalmente depositados, automaticamente pelo banco, na conta á ordem do balcão de Avis do Banco “(…)”.
Do ponto 24 que todos os meses a sobrinha do A., (…), através de um cartão Multibanco levantava esses juros, para fazer face às despesas do Autor.
Dos documentos juntos pelo próprio Autor com o seu requerimento de 27.01.2019, encontram-se diversos extractos de conta enviados ao Autor (doc. 5 a 9), de todos constando a aplicação referida e a identificação do seu beneficiário … (o Réu).
Da prova testemunhal foi referido que o Autor recebia esta correspondência, assim como dos depoimentos indicados se refere ter o dinheiro sido pelo Autor doado ao Réu.
Então se recebia os juros resultantes da aplicação, os gastava, assim como mensalmente recebia os extractos onde a mesma constava, qual o seu valor por referência ás respectivas datas, e a favor de quem estava tal aplicação, como não provar que o Autor sabia, logo consentiu, na sua constituição? E como não concluir que houvesse doação com reserva de juros?
Deve assim ter-se por provado que o Autor sabia e consentiu na referida aplicação e quis doar o dinheiro, e dessa forma no ponto 16 dos factos provados passar a constar que a aplicação em causa foi feita com o conhecimento, consentimento, autorização e com intenção de doação pelo A”.
Nas conclusões recursivas, como já vimos supra, fundamenta nos mesmos moldes que o fez para a alínea c).
O ponto 16. dos factos provados tem a seguinte redacção:
“O que fez sem o conhecimento, sem o consentimento e sem autorização do Autor”.
Do segmento reservado à motivação consta sobre ele o seguinte:
“Pontos 16., 22., 29. e 30. – Atendendo à prova documental junta a fls. 51/56 (extratos bancários de abril 2016, novembro de 2016, dezembro de 2016, fevereiro de 2017 e março de 2017, constando em todos estes extratos o descritivo uma conta de aplicação em seguros financeiros em valor superior a € 50.000,00), fls. 83/84 (certidão das declarações prestadas pelo Autor perante Magistrado do Ministério Público) conjugada com as declarações das testemunhas (…) e (…) e com a circunstância de o Autor não saber ler nem escrever, ser pessoa de idade avançada e de o mesmo confiar inteiramente na pessoa do seu sobrinho aqui Réu, e perante a total falta de credibilidade das declarações do Réu como acima já se disse, concluiu-se que o Autor ignorava os concretos termos da aplicação financeira feita pelo Réu, que nunca o autorizou os concretos termos da mesma, nem autorizou o Réu a transferir o dinheiro para a sua conta pessoal ou a fazer qualquer movimento para outra conta.”
O ponto 23. dos factos considerados provados tem a seguinte redacção: “23. Durante o tempo em que a apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013” esteve em vigor (de 21 de março de 2017 a 31 de março de 2017) esse produto financeiro foi dando juros mensais de € 120,00, os quais eram mensalmente depositados, automaticamente pelo banco, na conta do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).”
Do segmento reservado à motivação consta sobre ele o seguinte:
“Pontos 1, a 3, 5 a 7, 15, 18 a 21, 23 e 24. – Os factos em referência foram admitidos por acordo das partes expresso nos respectivos articulados, tendo a sua prova resultado igualmente corroborada pela análise dos documentos que se encontram juntos aos autos a fls. 9 verso e 10 (certidão de assento de nascimento do autor), 11 a 12 (comunicação e informação bancária) e 13 (extrato bancário).”
Já o ponto 24. dos factos considerados como provados tem a seguinte redacção:
“24. E todos os meses a sobrinha do A., (…), através de um cartão Multibanco da aludida conta (…) do balcão de Avis do Banco “(…)”, levantava esses juros de € 120,00, para fazer face às despesas do A.”

Do segmento reservado à motivação consta sobre ele o seguinte:

“Pontos 1, a 3, 5 a 7, 15, 18 a 21, 23 e 24. – Os factos em referência foram admitidos por acordo das partes expresso nos respectivos articulados, tendo a sua prova resultado igualmente corroborada pela análise dos documentos que se encontram juntos aos autos a fls. 9 verso e 10 (certidão de assento de nascimento do autor), 11 a 12 (comunicação e informação bancária) e 13 (extrato bancário).”
Quanto aos meios probatórios indicados quanto a este facto pelo Apelante e mormente no tocante a prova testemunhal cabe relembrar o que supra dissemos na apreciação atinente à alínea c).
Na verdade, em sede de motivação recursiva o Apelante nada mais adianta que “Da prova testemunhal foi referido”, sem se saber a que está concretamente a referir-se, bem como menciona “depoimentos indicados”, sem precisar as passagens correspondentes.
Por seu turno, no que respeita à prova documental entendemos que a considerada pelo Tribunal a quo na apreciação dos factos acima elencados sob os pontos nºs 16., 23. e 24. afigura-se como sendo a pertinente, útil e relevante, sendo certo que o próprio Apelante a ela alude em grande medida em sede de motivação recursiva, procurando interpretá-la de outro modo, recorrendo a juízos meramente valorativos e conclusivos e não a factos naturalísticos para tentar chegar à prova de doação “com reserva de juros”.
Donde se conclui pela improcedência da impugnação apresentada também quanto a este facto.
O Apelante também impugnou o facto considerado como não provado no segmento da motivação descrito sob a alínea e), de que consta não ter resultado provado o seguinte:
“Em 07 de Outubro de 2013 o Réu fez uma aplicação em Instrumento de Captação de Aforro Estruturado 8ICAE) – apólice individual.”
O Apelante entende que deve passar a constar dos factos provados o seguinte:
“que em 27 de Setembro 2013 o Réu, com tal valor doado, fez uma aplicação em Instrumento de Captação de Aforro Estruturado 8ICAE), em seu nome.”
Na motivação recursiva alega o Apelante o seguinte:
“Ora, está provado documentalmente e não foi negada, a aplicação feita; do ponto 17 dos factos provados consta a aplicação financeira com a apólice número (…), no valor de € 50.000,00, ficou associada à conta de depósitos à ordem, pelo que se tem que ter como provado o referido em e) dos factos não provados.
Impõe-se, todavia, a sua rectificação quanto á data mencionada, devendo dela constar 27/Setembro/2013 e não 07/Outubro/2013.
Dos documentos juntos pelo próprio Autor (cfr. fls.18 a 24 do doc.1 junto com o Articulado Superveniente apresentado a 20.02.2019), resulta que a proposta da aplicação em causa foi subscrita pelo Réu a 18.Setembro.2013 (note-se a data da abertura da conta), a qual após apreciação bancária, se veio a iniciar a 27.Setembro.2013.
Documentalmente foi provado o alegado pelo Réu, de que em 18.Setembro.2013, foi aberta pelo A e R. uma conta conjunta solidária com a quantia de € 79.182,53, e que desse valor a 25.09.2013 foi constituída aplicação Super Aforro Prémio II” da quantia de € 29.182,53, cujo beneficiário é (…); e a 27.09.2013 é constituída aplicação em Instrumento de Captação de Aforro Estruturado (ICAE), cujo beneficiário é (…), pelo montante de € 50.000,00 (cfr. documentos 1 e 2 juntos com o requerimento do Réu a 31.01.2019).
Nas conclusões recursivas, como já vimos supra, fundamenta nos mesmos moldes que o fez para a alínea c) e d).
O ponto 17. dos factos provados tem a seguinte redacção:
“A referida aplicação financeira com a apólice n.º (…), no valor de € 50.000,00, ficou associada à conta de depósitos à ordem, do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).
Do segmento atinente à motivação consta sobre ele o seguinte:
“Ponto 17. – A prova deste facto decorre da examinação dos documentos juntos a fls. 93 a 98, conjugados com os esclarecimentos prestados pela testemunha (…) – gerente bancário do Banco (…) – agência de Avis – de onde resulta que a apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal Setembro 2013”, com o n.º (…), no valor de € 50.000,00, ficou associada à conta de depósitos à ordem, do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º … (cfr. fls. 93 verso). Esta prova não foi infirmada nem contrariada por nenhum outro meio de prova, sendo a mesma absolutamente conforme e consentânea com as regras da normalidade da vida.”
Ora, para além de não se vislumbrar qualquer contradição entre o facto provado sob o ponto 17. e o facto considerado não provado sob a alínea e), também se nos afigura que a motivação apresentada pelo Tribunal a quo assenta em meios de prova coerentes entre si, até de natureza diversa (testemunhal e documental), que tornam mais provável a resposta que foi dada na sentença recorrida do que a pretendida pelo Apelante.
Assim sendo, também quanto a esta alínea é de julgar improcedente a impugnação.
Em sede de impugnação de factualidade considerada na sentença recorrida como não provada verificamos que o Apelante logrou fazê-lo, ainda, relativamente à alínea f), de que resulta não ter resultado provado o seguinte:
“Tendo ficado acordado entre o Réu e o Autor que este último receberia os juros da aplicação financeira feita por aquele primeiro.”
O Apelante entende que deve passar a constar dos factos provados o seguinte:
“tendo ficado acordado entre o Réu e o Autor que este último receberia os juros da aplicação financeira feita pelo primeiro.”
Na motivação recursiva alega o Apelante o seguinte:
“Face ao atrás referido e constante dos pontos 23 e 24 dos factos provados, deve também este ponto ser dado como provado. O Autor sabia, concordou, e aceitou receber os juros resultantes da aplicação, tanto que mensalmente os recebia, levantava e gastava.”
Nas conclusões recursivas, como já vimos supra, fundamenta nos mesmos moldes que o fez para a alínea c) e d).
Recorde-se que os pontos 23. e 24. do segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida têm o seguinte conteúdo:
“23. Durante o tempo em que a apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013” esteve em vigor (de 21 de março de 2017 a 31 de março de 2017) esse produto financeiro foi dando juros mensais de € 120,00, os quais eram mensalmente depositados, automaticamente pelo banco, na conta do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).”
“24. E todos os meses a sobrinha do A., (…), através de um cartão Multibanco da aludida conta n.º (…) do balcão de Avis do Banco “(…)”, levantava esses juros de € 120,00, para fazer face às despesas do A.”

Do segmento de motivação constante da sentença recorrida consta sobre o facto não provado ora em apreciação o seguinte:

“No que concerne aos factos não provados, decidimos nos termos acima elencados:
- Quanto a alguns deles, produziu-se prova dos factos contrários ou de uma realidade diferente, mas incompatível com os mesmos, o que sucedeu relativamente às alíneas a), c) d) e f), pelos motivos acima já explicitados;”
Ora, do confronto do teor do facto descrito como não provado na alínea f) com o teor dos factos considerados como provados nos pontos 23. e 24. não resulta necessariamente que entre o Apelante e o Apelado tenha sido estabelecido qualquer acordo no sentido do Apelado receber os juros de aplicação feita pelo Apelante, mas apenas e só que se tratava de um produto financeiro que rendia juros mensais, que eram depositados automaticamente pelo banco na conta do balcão de Avis do Banco (…), que mensalmente a sobrinha do Apelado (…) levantava da conta onde tais juros eram depositados € 120,00 para as despesas do Apelado.
Improcede, em consequência, a impugnação igualmente quanto à mencionada alínea.

Prosseguindo agora na análise da impugnação apresentada contra factos provados que o Apelante entende que deveriam ter sido considerados como não provados verificamos que se dirigem aos factos provados sob os pontos nºs 9, 16, 22, 25, 28, 29 e 30.
Recordemos o conteúdo desses pontos de facto:
“9. O R. figurava apenas como cotitular dessas contas bancárias por precaução, dada a idade avançada do A., por este não ter filhos e porque confiava no seu sobrinho.
16. O que fez sem o conhecimento, sem o consentimento e sem autorização do A.
22. Essa ordem de transferência foi dada sem conhecimento, sem autorização e sem consentimento do A..
25. Nunca o A. deu € 50.000,00 ao R., em qualquer data, da conta do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).
28. Nessa data, o A. constatou que em 03 de abril de 2017 o R. transferiu dessa conta n.º (…) para uma conta pessoal sua (do R.), sem a autorização e conhecimento daquele (A.), todo o valor aí depositado, à data, € 52.744,36.
29. Nunca o A. deu autorização ao R. para este mexer nessa conta bancária ou para este transferir qualquer valor dessa conta para qualquer outra conta.
30. O Autor desconhecia a existência da mencionada apólice do Produto “Plano Financeiro Mensal setembro 2013”, até ao dia 31 de janeiro de 2019.”
Em bom rigor, como também sucedeu, aliás, relativamente à impugnação dos factos elencados nas alíneas c) e f) do segmento dos factos considerados como não provados, o Apelante não indica meios probatórios concretos que demandassem decisão diferente da plasmada na sentença recorrida no que concerne à impugnação dos factos provados sob os pontos 28. e 30.
Na verdade, em relação ao facto vertido sob o ponto 30 o Apelante limita-se a colocar uma interrogação enquanto no tocante ao facto vertido sob o ponto 28 tenta encontrar contradição com os factos assentes sob os pontos 4., 23. e 24 do segmento dos factos considerados como provados, que não logramos descortinar, devendo, porém, considerar-se desde já rectificado o lapso material constante do facto assente sob o ponto 23 na parte em que refere “21 de março de 2017”, uma vez que da leitura do ponto 20º do articulado superveniente se percebe facilmente ser “21 de março de 2013”, verificando-se que o dito lapso existente no ponto 23. dos factos provados terá sido certamente influenciado pela redacção do próprio artigo 21º do articulado superveniente onde também erroneamente aparece referência a “21 de março de 2017”, que, todavia, nunca seria possível uma vez que nessa eventualidade nem sequer um mês teria decorrido entre essa primeira data referida e a data a seguir referida “31 de março de 2017”.
Isto dito, julga-se improcedente a impugnação no tocante aos dois pontos de facto em causa.
Por outro lado, quanto à impugnação apresentada no respeitante aos factos provados vertidos sob os pontos nº 16., 22. e 29., impõe-se dizer que procura o Apelante encontrar contradição com o teor do facto provado vertido sob o ponto nº 6, acrescentando ainda como fundamento para impugnar “os documentos bancários”.
Ora, quanto a estes últimos desde logo se constata não ter sido devidamente cumprido o ónus de obrigatória especificação de concretos meios probatórios.
Já quanto à alegada contradição com o facto vertido no ponto nº 6 não se vislumbra que a mesma exista desde logo porque o circunstancialismo descrito no ponto 6. além de temporalmente anterior ao descrito nos pontos de facto nºs 16., 22., e 29., tão pouco condicionou as actuações descritas nestes três últimos uma vez que do facto de ter sido aberta uma conta solidária não deve necessariamente retirar-se, ou concluir-se, que o Apelado tenha dado consentimento, ou autorizado, o Apelante a transferir dinheiro da mesma para outras contas quando este último entendesse e como entendesse.
Do exposto, improcede igualmente a impugnação quanto aos três pontos de facto em apreço.

Relativamente à impugnação apresentada pelo Apelante no que tange ao facto considerado provado sob o ponto 9., relembremos, desde já, o mesmo.
“9. O R. figurava apenas como cotitular dessas contas bancárias por precaução, dada a idade avançada do A., por este não ter filhos e porque confiava no seu sobrinho.”
O Apelante escuda-se nos excertos de depoimento que selecionou em sede de motivação recursiva das testemunhas (…) e (…), deles concluindo que “disseram que o Autor quis doar parte do dinheiro ao Réu.”
Sobre este ponto de facto discorreu o Tribunal a quo, em sede de motivação, do seguinte modo:
Pontos 8., 9. e 25. – A prova dos factos em referência assentou, em grande parte, nas declarações prestadas por (…) – residente no Ervedal e que durante muitos anos exerceu as funções de gerente da Caixa de Crédito Agrícola de Avis – tendo o mesmo, de forma absolutamente desinteressada, natural e isenta, referido que abriu uma conta solidária em nome do Autor e do Réu na instituição bancária onde, na altura, trabalhava e que o dinheiro dessa conta pertencia ao Autor, pois derivava do salário que este amealhou e dos juros que se venceram ao logo dos anos, sendo esse dinheiro o resultado das economias de toda a vida do Autor – em quantia que situou em cerca de 10 a 12 mil contos (antes da entrava em vigor da atual moeda legal). Esta versão foi, aliás, inteiramente condicente com as generalidade da prova testemunhal produzida a este respeito, na medida em que os familiares do Autor – …, …, … (sobrinhos do Autor) – e também as testemunhas … (amigo e colega de trabalho do Autor que disse ter visto uma carta do banco de onde resultava que o Autor tinha 30 mil contos) e … (que referiu que o mesmo, há uns anos atrás, lhe confidenciou que tinha juntado 15 mil contos para a velhice dele e que gostava que fosse a sobrinha (…) a tratar dele porque ela é que tratou dos avós e dos pais) – referiram que o Autor toda a vida juntou dinheiro para a sua velhice. Aqueles sobrinhos disseram ainda que o Autor inicialmente tinha o dinheiro depositado na Caixa de Crédito Agrícola em Avis – primeiro numa conta “conjunta” em nome do Autor e do sobrinho (…) e que depois passou para uma conta “conjunta” em nome do Autor e do sobrinho aqui Réu, pessoa em quem aquele confiava e que o auxiliava nessas questões financeiras, porque o Autor não sabe ler nem escrever – sendo que esse dinheiro mais tarde passou para uma conta no Banco (…). Todos depuseram de acordo com o seu conhecimento e de forma segura e coerente entre si, pelo que, apesar do interesse da testemunha (…) na causa, considerou-se que os respetivos depoimentos foram merecedores de credibilidade.
É certo que as testemunhas … e … (também sobrinhos do Autor) apresentaram outra versão. O primeiro disse que, em seu entender, o tio deu o dinheiro ao Réu porque este era o mais competente para tomar conta do dinheiro, pois foi ele quem também ficou com o dinheiro dos pais e depois, quando estes faleceram, dividiu-o com os irmãos; já o segundo disse que em seu entender o dinheiro era de ambas as partes porque a conta estava em nome do Autor e do Réu. Estes testemunhos, todavia, não foram considerados como credíveis, quer porque as respetivas versões não são consentâneas entre si quer porque ambos depuseram com evidente parcialidade na causa – favorecendo claramente a posição do Réu em detrimento do Autor e evidenciando ambos alguma animosidade em relação a (…) pessoa quem cuida do Autor – e, além disso, ambos depuseram de forma muito subjetiva, conclusiva e até, aparentemente, contraditória no que concerne a … (afirmou que o tio deu o dinheiro ao “…” e, de seguida, refere que o irmão também ficou com o dinheiro dos pais e depois dividiu-o com os irmãos,); a tudo isto acresce o facto dessas testemunhas assentarem as suas afirmações em premissas e valorações de natureza jurídica que extravasam o seu conhecimento pessoal, denotando uma clara confusão e equívoco quanto à doação e seus efeitos e quanto à diferença entre a titularidade do dinheiro e a titularidade das contas bancárias. Aliás, as afirmações paradoxais da testemunha (…) só serão entendíveis e conciliáveis com as regras da lógica e da normalidade da vida se se partir do princípio que o tio, por confiar no sobrinho, decidiu depositar todo o dinheiro que amealhou durante a sua vida numa conta co titulada por este, com vista a assegurar a sua velhice. Nem faria qualquer sentido que o Autor, pessoa de avançada idade, analfabeto e sem familiares diretos, decidisse “dar” a totalidade ou pelo menos uma grande parte do dinheiro que amealhou ao longo da sua vida, ficando desse modo total ou grandemente desprovido de qualquer aforro económico nos últimos anos da sua vida.
Por fim, importa ainda referir que, em sede de declarações de parte, o Réu disse que o dinheiro depositado na conta da Caixa Agrícola era seu e do seu tio “porque era o dinheiro que eu e o meu tio tínhamos poupado, eu desde os 10 anos que trabalhava com ele e ajudei sempre o meu tio a arranjar o dinheiro”; acrescentando ainda a esta sua lógica argumentativa que “a conta aumentou muito à custa das aplicações que fez e dos muitos juros que a gente ganhou” e que quando decidiram fazer uma aplicação no Banco (…) no valor de € 50.000,00 o tio lhe disse “fazes esta aplicação só em teu nome e o dinheiro fica para ti”, ficando acordado entre ambos que o lucro da aplicação ficaria para o tio e ia para a nossa conta; explicou ainda que o tio assim decidiu para estar descansado e para ainda hoje ter dinheiro, afirmando que “e ele for para um hospital eu ainda posso tirar do dinheiro que era meu para pagar essas despesas, pois o resto do dinheiro já foi gasto pela (…)”. Note-se que o depoente demonstrou grande animosidade com o facto de o restante dinheiro ter sido gasto pela sobrinha com quem o Autor vive e, paradoxalmente, também disse que nunca iria abandonar o tio e se o mesmo precisar de cuidados médicos está disposto a investir esse dinheiro no tio, mas que não vê o tio há vários anos. A verdade é que estas declarações, marcadamente subjetivas, inexatas e incongruentes, não convenceram o Tribunal quer quanto à propriedade do dinheiro quer quanto ao circunstancialismo e acordo subjacente à subscrição da aplicação financeira.”
Conforme se alcança com mediana clareza o Tribunal a quo levou em consideração vários depoimentos, sendo que um deles do gerente bancário da Caixa de Crédito Agrícola de (...), pessoa certamente desprovida de qualquer interesse pessoal ou outro no desfecho do caso concreto, interpretou-os e compatibilizou-os de forma lógica e coerente podendo dizer-se que do ponto de vista do chamado “standard” da prova é francamente mais provável o circunstancialismo em causa no ponto 9. dos factos assentes ter resultado provado, do que não provado.
Pelo que improcede também a impugnação no que a este ponto de facto respeita.

Por fim, quanto ao facto vertido sob o ponto n.º 25, relembremos igualmente a sua redacção:
“25. Nunca o A. deu € 50.000,00 ao R., em qualquer data, da conta do balcão de Avis do Banco “(…)”, com o n.º (…).”
O Apelante sustenta a sua impugnação novamente nos excertos dos depoimentos que selecionou na motivação recursiva prestados pelas testemunhas (…) e (…), mais entendendo que a “manutenção do depósito de 2013 a 2017, sem protesto do Autor (e da …), só podem permitir a presunção judicial de que houve doação.”
O Tribunal a quo também motivou a sua convicção quanto a este facto no segmento que supra destacamos a propósito da apreciação da impugnação apresentada relativamente ao facto provado sob o ponto n.º 9, valendo quanto a este os considerando que então expendemos e que aqui entendemos por reproduzidos.
Destarte, improcede ainda a impugnação quanto ao facto provado vertido sob o ponto n.º 25.
Pelo exposto, é de considerar inteiramente improcedente a impugnação apresentada pelo Apelante da decisão relativa à matéria de facto provada e não provada.
Por outro lado, não resultando preenchida a previsão do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, mormente no que tange à sua segunda parte, inexistem razões para proceder a qualquer modificação da decisão relativa à matéria de facto tal como foi delineada na sentença recorrida.

5- Reapreciação de mérito.
Com excepção da questão relativa aos danos morais, ou não patrimoniais, a que nos referiremos autonomamente infra, percebemos das conclusões recursivas apresentadas pelo Apelante que o mesmo defendeu solução jurídica diversa da adoptada na sentença recorrida apenas com base nas alterações à matéria de facto por que pugnou em sede de impugnação à decisão relativa a essa matéria, dirigida quer ao segmento dos factos considerados provados, quer ao segmento dos factos considerados como não provados.
Sucede que a dita impugnação foi julgada improcedente.
Assim e não se vislumbrando que o Apelante sustente diversa solução jurídica para o presente pleito apenas e só com base nos factos considerados como assentes na sentença recorrida mostra-se prejudicada tal reapreciação, ao abrigo do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 1.ª parte e 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC.
Dito isto, impõe-se, não obstante, aludir à matéria dos danos não patrimoniais e montante em que o Apelante foi condenado na sentença recorrida.
Sustenta o Apelante não ter cometido nenhum ato ilícito e bem assim não justificar o ora Apelado o direito a receber indemnização por tais danos.
Quanto à questão da prática de acto ilícito pelo Apelante em prejuízo do Apelado temos por assente que tal sucedeu resultando esse juízo da matéria de facto assente na sentença recorrida e que não foi objecto de modificação
Quanto à ocorrência de danos não patrimoniais pelo Apelado, sua relevância jurídica no caso vertente e montante atribuído, apreciemos então.
Dispõe o artigo 496º, do Código Civil, epigrafado “Danos não Patrimoniais”, o seguinte:
1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
[…]
4 – O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; […]”.
Já no dito artigo 494º estatuiu-se o seguinte:
“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
Os danos não patrimoniais consubstanciam danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem moral, ideal, ou espiritual.
Trata-se, por conseguinte, de danos não susceptíveis de avaliação pecuniária e que não se reflectem no património do lesado.
“Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão” (Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 12ª edição, 2018, pág. 592).
Os danos não patrimoniais indemnizáveis são apenas aqueles que se mostrem suficientemente graves para merecerem a tutela jurídica.
O critério de fixação do montante indemnizatório de tais danos é o da equidade, sustentando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, de forma mais ou menos unânime, que se deve atender aos valores arbitrados em situações concretas semelhantes, por forma a garantir alguma coerência e melhor Justiça a nível do decisório nesta matéria e do mesmo modo salvaguardar igualmente o principio da igualdade.
Isto dito, vejamos, então, o que ressalta da matéria de facto considerada provada relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo Apelado:
Emergem os mesmos dos pontos 33., 34. e 35. do segmento da sentença recorrida dedicado aos factos provados, que têm a seguinte redacção:
“33. O A. quando teve conhecimento que tinha “desaparecido” dessa sua conta os € 52.744,36 teve um choque muito grande […]
34. Quando o A. soube que ficou sem o dinheiro e porque confiava no sobrinho, ficou afetado psicologicamente, o que lhe causou sofrimento e desgosto, perturbação, instabilidade e ansiedade.
35. O A. ficou triste e abatido.” (destaque em itálico nosso).
No Acórdão proferido em 21/01/2016 pelo Supremo Tribunal de Justiça (Processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1), Relator Conselheiro Lopes do Rego, referiu-se o seguinte:
“O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.”
Ora, sabemo-lo através dos factos provados na sentença recorrida, o Apelado é pessoa de idade muito avançada, não aprendeu a ler, nem a escrever, habituou-se ao longo de uma longa vida de trabalho a rodear-se e a confiar nos seus parentes mais próximos, mormente sobrinhos, não tendo constituído família própria, nem tido filhos, sendo que o Apelante foi um dos parentes em quem depositou confiança própria, pelo que não podemos deixar de considerar no plano da gravidade para que apela o direito na atribuição de relevância jurídica aos danos não patrimoniais, ao sofrimento, desgosto e ansiedade sofrida pelo Apelado, que lhe provocou instabilidade, afectando-o psicologicamente de forma significativa, tendo o Apelado experimentado um “choque muito grande.”
No final da petição inicial o Apelado peticionou o montante de € 5.000,00 a título destes danos não patrimoniais.
A sentença recorrida atribuiu o montante de € 3.000,00.
Pensamos, tenho como pano de fundo o que acima se destacou quer a nível de doutrina, quer de jurisprudência, que o montante atribuído na sentença recorrida não peca por exagerado, nem por demasiadamente parcimonioso, afigurando-se equitativamente ajustado às circunstâncias apuradas no caso concreto, pelo que é de mantê-lo.
Improcedem, assim, consequentemente, as conclusões recursivas ainda no que tange a esta questão dos danos não patrimoniais sofridos pelo Apelado.
Destarte, impõe-se concluir sobre apreciação do recurso do Apelante no sentido da sua total improcedência.

V- Decisão
Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso de apelação interposto por (…) decidindo, em consequência, o seguinte:
1 - Confirmar a sentença recorrida;
2- Fixar as custas a cargo do Apelante (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).
*
Notifique.
*
Évora, 03 de Dezembro de 2020
(José António Moita, relator – Assinatura electrónica certificada no canto superior esquerdo da primeira folha do acórdão).
(Silva Rato, 1º Adjunto – Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 20/2020, de 01/05).
(Mata Ribeiro, 2º Adjunto – Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Dec.-Lei n.º 20/2020, de 01/05).