Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3085/19.2T8ENT-A.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUBROGAÇÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) o Fundo de Garantia Automóvel, por sub-rogação, com os poderes que competem à entidade credora para exercer o seu direito à indemnização, pode deitar mão de uma ação executiva para ser ressarcido de tal indemnização, a que acrescem os restantes direitos derivados do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 54.º do Decreto-Lei n.º 291/2007.
ii) o título dado à execução pelo FGA, é um título executivo complexo, composto pela decisão judicial condenatória, com a atinente autoridade de caso julgado, e pela certidão emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Comarca de Santarém (Entroncamento - Juízo de Execução – J3)
Recorrente: A...
Recorrido: Fundo de Garantia Automóvel
R33.2020

I. O Fundo de Garantia Automóvel intentou a presente Execução para Pagamento de Quantia Certa, contra A…, alegando o seguinte:
“1.º Por sentença de 15-01-2018, proferida na ação 142/12.0TBCCH que correu seus termos pelo Juízo Central Cível de Santarém - Juiz 4, exequente e executado foram solidariamente condenados a pagar à então autora a quantia global € 31.586,06, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento – cfr, sentença que se anexa.
2.º Não se tendo conformado com a decisão, os então Réus, ora exequente e executado, recorreram da sentença, tendo sido proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 18-10-2018 (que se anexa e que se considera aqui por integralmente reproduzido), que manteve a decisão da 1ª Instância na íntegra.
3.º O exequente, na qualidade de garante (nos termos previstos nos artigos 47º e seguintes do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto), pagou à lesada o montante total de capital e juros de €39.872,86, cfr certidão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e print informático das ordens de pagamento que ora se juntam.
4.º A este valor acrescem juros de mora vencidos e vincendos à taxa supletiva legal desde a data do pagamento da última indemnização que ocorreu em 05-12-2018 – vide certidão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, bem como print de ordens de pagamento) até efetivo e integral pagamento.
5.º Os juros vencidos até à presente data, ascendem a € 1.214,76.
6.º Acrescendo àquele valor as despesas com a instrução da ação que, à presente data, somam €4.691,34 – cfr. certidão aqui dada por reproduzida para os devidos efeitos legais.
7.ºA quantia de € 4.691,34, é devida a título de despesas incorridas com a instrução e liquidação do presente processo, nos termos do disposto no artigo 54.º, n.º 1 do DL 291/200, de 21 de Agosto e conforme resulta do teor da certidão emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, que se junta, tal como foi reconhecido no Ac. do STJ em 10/01/2013, proferido na revista 157-E/1997. G.S1, da 2.ª secção.
8.º Até à presente data o exequente não foi reembolsado por parte do executado, sendo certo que foi devolvido € 734,40 de custas judicias, ficando assim, as despesas reduzidas a € 3.956,94 (€ 4.691,34- € 734,40).
9.º Assiste ao exequente a faculdade de requerer que o executado seja sancionado com juros compulsórios à taxa de 5% até efetivo e integral pagamento, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, nº 4 do Código Civil, o que desde já se requer, devendo a liquidação ser efetuada a final pelo agente de execução, nos termos conjugados dos n.ºs 2 e 3 do artigo 716.º do CPC.
10.º A dívida é certa, líquida e exigível.
11.º A Sentença e o Acórdão condenatórios transitados em julgado são título executivo e seguem em anexo.
…”

Por apenso à Execução, veio o Executado deduzir os presentes Embargos de Executado, invocando os seguintes fundamentos:
Inexistência de Titulo executivo
1º O titulo dado à execução não pode valer como titulo executivo.
2º Uma vez que na sentença dada à execução o exequente figura como Réu.
3º Tendo inclusivamente sido condenado.
4º É certo que o embargante também foi condenado.
No entanto,
5º Não foi condenado a pagar rigorosamente nada ao embargado.
6º A existência ou não de um eventual direito de regresso tem de ser discutida numa acção declarativa e não uma acção executiva.
Pelo que,
7º Também existe erro na forma de processo.
8º Devendo, também, por essa razão ser o executado absolvido da instância.
9° o que aqui e agora se requer.
Acresce que,
10º A obrigação também não é certa, liquida e exigivel.
11º Não existe por isso titulo executivo.
12º Uma vez que o executado não foi condenado na sentença dada à execução.
Para além de que
14º O exequente também foi condenado juntamente com o executado na mesma sentença.
15º Não fazendo sentido o exequente réu nessa mesma acção estar a executar o co-réu nos presentes autos.
16º Dando à execução essa mesma sentença onde foi condenado.
17° Em face do exposto deve a execução ser liminarmente rejeitada.
18º O que se requer.
Suspensão da Execução
19º Refere o art° 733° do CPC que a acção executiva poderá ser suspensa quando for deduzida a inexigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda.
20º Factos, estes, que foram aqui, oportunamente alegados.
21º Assim, e ao abrigo da disposição legal supracitada deve imediatamente a presente execução ser suspensa.
22º O que se requer.
Penhora de Bens Comuns
Mais:
23º O exequente penhorou abusivamente bens que não são próprios do executado.
24º São também propriedade da esposa do executado Isabel Maria Amado Lopes.
25º Pelo que também, por esta via, a execução não pode prosseguir uma vez que não foram penhorados bens próprios do executado.

Nestes termos e nos melhores de Direito, devem os presentes embargos ser recebidos, com todas as consequências legais, e, ser suspenso presente pro -cesso de execução e a final julgados procedentes por provados e a execução ser extinta.
Outrossim,
Deve a penhora dos bens não próprios do executado ser imediatamente levantada.”

Proferido Despacho Liminar, foi decidido o seguinte:
“Preceitua o artigo 732.°, n." 1, do Código de Processo Civil, que os embargos devem ser liminarmente indeferidos quando tiverem sido deduzidos fora de prazo, quando o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.° a 731.° daquele código ou quando forem manifestamente improcedentes.
No caso vertente, os embargos foram deduzidos tempestivamente. Entende-se, contudo, que os embargos são manifestamente improcedentes.
O título executivo é uma sentença e uma certidão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.
Não há dúvidas que ao exequente assiste o direito de regresso previsto no artigo 54.°, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
Não há assim fundamento na inexistência de título executivo invocada.
Por outro lado, quanto à penhora de bens do casal, era ao cônjuge do executado e não ao próprio executado que incumbia requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, nos termos do artigo 740.° do Código de Processo Civil.
Pelo que carecem também por aqui de fundamento os embargos deduzidos.
*
Face ao exposto, decide-se, nos termos do artigo 732.°, do Código de Processo Civil, indeferir liminarmente a oposição à execução mediante embargos de executado.
…”

Inconformado com tal Decisão, veio o Embargante interpor Recurso de Apelação, cujas Alegações terminou com a formulação das seguintes Conclusões:
“1) O Tribunal a quo não decidiu quanto à matéria de facto nem à sua fundamentação, tanto quanto aos factos dados como provados como para os factos que considerou não provados;
2) O titulo dado à execução não pode valer como titulo executivo:
3) Porque nesse titulo o recorrente não foi condenado a pagar ao recorrido qualquer quantia;
4) O Direito de regresso tem de ser declarado num ação declarativa e não executiva;
5) Existe erro na forma de processo e isso é do conhecimento oficioso do Tribunal conforme é
pacifico na nossa jurisprudência;
6) O despacho recorrido é por isso nulo;
7) O despacho recorrido enferma de imprecisões contradições e inexactidões.
8) Deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decrete a rejeição da acção executiva cujos embargos são apenso;
9) Devendo os mesmos prosseguir;
10) Foram violadas entre outras bem como o seu correto entendimento, as normas contidas nos artigos 607º nºs 3 e 4, e art. 615º bem como o art.729° todos do CPC.
Pelo exposto deve revogar-se o despacho recorrido substituindo-o por outro que rejeite a execução proposta pelo recorrido em virtude do despacho recorrido enfermar das nulidades supra invocadas.”

Cumpre decidir.
II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do N.C.P.C., o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se a Decisão recorrida padece da arguida nulidade, por falta de fundamentação de facto;
b) Se o título dado à execução não pode valer como título executivo;
c) Se estamos perante um erro na forma de processo, pelo que, não tendo o Tribunal “a quo” conhecido oficiosamente de tal questão, o Despacho recorrido é nulo;
d) Se o Despacho recorrido padece de imprecisões, contradições e inexactidões;
e) Qual a solução a dar ao pleito.

No que respeita à primeira questão, o Despacho sob recurso, no que ao objecto do presente Recurso interessa, basta-se a apreciar as questões de direito arguidas pelo Executado nos seus Embargos, não havendo qualquer controvérsia quanto à causa de pedir da presente Execução, ou seja, quanto aos factos elencados pelo FGA para fundamentar a sua pretensão, nem quanto aos documentos que constituem o título executivo complexo que suporta a Execução, a saber, Sentença e Acórdão proferidos no Proc. n.º 142/12.0TBCCH e certidão emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões comprovando o pagamento pelo FGA, da quantia em que foi condenado a pagar, solidariamente com o ora Executado, à aí Autora B… Transportes, S.A..
Aliás, como resulta do arrazoado do seu Requerimento Inicial, o Embargante não põe em causa nem os factos alegados pelo FGA no seu Requerimento Executivo, nem os documentos que suportam a Execução, mas apenas que o título dado à execução não pode valer como título executivo por razões meramente de direito.
Pese embora se pudesse admitir que o Tribunal “a quo” tivesse dado como assente o teor dos documentos dados à execução, que servem de título executivo complexo da mesma, dada a natureza da Decisão recorrida _ Despacho Liminar _ e a não existência de controvérsia sobre a causa de pedir da presente execução e os documentos que constituem o título executivo complexo que a suporta, não se nos afigura necessário que o Tribunal “a quo” tivesse dado por assentes quaisquer factos respeitantes ao teor dos documentos que o FGA deu à execução para suportar a sua pretensão.
Nestes termos, a fundamentação do Despacho recorrido, por respeitar apenas a questões de direito, cumpre as exigências legais com a fundamentação que suporta tal Decisão (art.º 613º, n.º3, do NCPC), não padecendo da nulidade de falta de fundamentação de facto, por não exigível.
Improcede assim, nesta parte, o presente Recurso.

A segunda questão, atém-se a saber se os documentos que constituem o título executivo complexo invocado pelo FGA para suportar a sua pretensão, constituem título executivo bastante.
Como se retira dos fundamentos plasmados no Requerimento Executivo do FGA, a sua pretensão advém do pagamento, na qualidade de garante _ a que se encontra vinculado nos termos do disposto nos artigos 47º e seguintes do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto_, de uma indemnização à empresa B… Transportes, S.A., em conformidade com o decidido no Acórdão proferido no Proc. n.º 142/12.0TBCCH.E1 _ que, relembre-se, condenou o FGA, solidariamente com o ora Executado, a pagar uma indemnização à referida empresa_, o que está certificado pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, e, efectuado que foi esse pagamento, no direito de sub-rogação do FGA nos direitos do lesado sobre o aqui Executado, que lhe asiste nos termos do art.º 54º do referido Decreto-Lei nº 291/2007.
Em suma, o FGA suporta a sua pretensão executiva na conjugação desse título executivo complexo _ composto pelo citado Acórdão do TRE (e Sentença da Primeira Instância), com a atinente autoridade de caso julgado, e pela certidão emitida pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões_ com o disposto no art.º 54º do referido Decreto-Lei nº 291/2007.

Nos termos do n.º 1, do 54º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, “satisfeita a indemnização _em que o FGA foi condenado, enquanto garante nos termos dos art.º 47º e sgs. do mesmo diploma_, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso.
Ficando assim o FGA, por sub-rogação, com os poderes que competiam à entidade credora para exercer o seu direito à indemnização, nomeadamente o direito a deitar mão de uma acção executiva para ser ressarcido de tal indemnização, a que acrescem os restantes direitos derivados do disposto na segunda parte do n.º1 do art.º 54º do Decreto-Lei nº 291/2007.

No caso em apreço, por via da sua sub-rogação nos direitos da empresa Barraqueiro Transportes, S.A., que lhe advêm de ter pago a dita indemnização, passou o FGA a poder deitar mão do dito Acórdão, para, em substituição da aí Autora, agora como Exequente, exercer os direitos que o mesmo lhe conferia contra o ora Executado, ou seja, o direito a receber do ora Executado a indemnização plasmada no citado Acórdão.
Isto, para além de poder peticionar na mesma execução os direitos que lhe são conferidos pela segunda parte do n.º 1 do art.º 54º do do Decreto-Lei nº 291/200.

Aqui chegados, afigura-se-nos não restarem dúvidas que, atenta a causa de pedir formulada no Requerimento Executivo, estamos perante um título executivo complexo que legitima a pretensão do FGA a deduzir a sua pretensão executiva contra o aqui Executado.

Dito isto, resta-nos concluir que o título executivo complexo dado à execução pelo FGA, é, conjugado com o disposto no n.º1 do art.º 54º do Decreto-Lei nº 291/2007, título executivo bastante para suportar a presente Acção Executiva.
Improcede assim, também nesta parte, o presente Recurso.

Atento o que vimos expendendo, parece-nos evidente que não estamos perante qualquer erro na forma de processo, pelo que improcede também a terceira questão.

Prende-se a quarta questão, em saber se o Despacho recorrido padece de imprecisões, contradições e inexactidões.
Apesar de enunciar a questão, o Apelante não concretiza quais são as imprecisões, contradições e inexactidões do Despacho recorrido, nem nós as vislumbramos, pelo que, também nesta parte, improcede o presente Recurso.

Resta-nos dar a solução ao pleito.
Como decorre do acima expendido, o presente Recurso improcede, porque nos resta confirmar o Despacho recorrido.
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do Recurso, confirmando-se a Decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 24 de Setembro de 2020
(Silva Rato - Relator)
(Tem o voto de conformidade do Sr. Desembargador Mata Ribeiro por comunicação à distância)
(Mata Ribeiro– 1º Adjunto)
(Tem o voto de conformidade da Sr.ª Desembargadora Maria da Graça Araújo por comunicação à distância)
(Maria da Graça Araújo – 2ª Adjunta)