Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
149/16.8YREVR.E1
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Não tendo sido questionada a cessão da posição contratual transmitiu-se para cessionária a posição detida pela cedente de empregadora nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, passando a ter a cessionária toda a legitimidade para continuar a tramitar os processos disciplinares pendentes, aplicando as sanções disciplinares que considere adequadas, passando também a ser a única responsável pelos atos praticados.
Na ação judicial que visa a impugnação da sanção disciplinar aplicada a uma trabalhadora pela cessionária, a cedente, apesar de ter dado início ao processo disciplinar, não tem interesse algum em contradizer, pois não pode ser responsabilizada pelos atos entretanto praticados pela cessionária, sendo assim parte ilegítima na ação.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 149/16.8YR.EVR (Apelação)
CH/MS/JN

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (A.) intentou a presente ação declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra CC, SA (1ª R.), impugnando uma sanção disciplinar que lhe foi aplicada.
A R., na sua contestação, deduziu a exceção da sua ilegitimidade, alegando que por virtude de ter cedido a sua posição contratual à DD (2ª R.) deixou de ser, em 1/1/2015, a entidade patronal da A., tendo requerido a intervenção desta na ação.
A A. não respondeu à exceção da ilegitimidade e manifestou, através de requerimento, nada ter a opor à requerida intervenção.
A intervenção foi admitida e no despacho saneador o tribunal decidiu julgar procedente a exceção da ilegitimidade, tendo absolvido da instância a 1ª R.
Inconformada com esta decisão judicial, a A. interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.º Salvo o devido respeito, que é muito, por douta e melhor opinião em contrário, a CC, S.A., de acordo com o plasmado no número 1 do artigo 30.º do Código de Processo Civil, tem todo o interesse em contradizer os presentes autos, dado a nota de culpa ter sido lavrada e notificada à Autora, quando era entidade patronal;
2.º No entanto, talvez para encobrir qualquer situação menos clara, a nota de culpa refere como empregadora a DD, facto que não corresponde à verdade, uma vez que a Autora, apenas em Janeiro de 2015, passou a ser trabalhadora desta;
3.º Portanto, aquando da pseudo ocorrência, da instauração do procedimento disciplinar e elaboração e notificação da nota de culpa, a empregadora era a CCl, pelo que tem todo o interesse em contradizer;
4.º No que concerne aos documentos juntos aos autos, pela Ré, escritos em francês, os mesmos deveriam ser acompanhados da respetiva tradução, de acordo com o constante no número 1 do artigo 133.º e número 1 do artigo 134.º ambos do Código de Processo Civil, no sentido da Autora conhecer o seu teor e levar a efeito o necessário contraditório;
5.º Não sendo oferecida a respetiva tradução, foi violada norma constante no número 1 do artigo 133.º do Código de Processo Civil;
6.º No que concerne ao oferecimento, no douto Despacho Saneador, de matéria assente, estamos perante uma violação das normas constantes no número 1 do artigo 61.º do Código de Processo do Trabalho e no número 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil;
7.º Ou seja, na vigência do Código de Processo Civil revogado é que, de acordo com o inserto no número 1 do artigo 511.º poderia ocorrer o agora sindicado, no entanto, sempre com a reclamação constante no número 1 do artigo 512.º do mesmo diploma, o que hoje não sucede e
8.º Não sucede pelo facto de, atualmente não haver seleção de matéria assente ou controvertida, sendo que o Julgador apenas determinará os temas de prova de acordo com o inserto no número 1 do artigo 596.º do Código de Processo Civil.
A CC, S.A. contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
a) Analisando o recurso apresentado pela Recorrente, constata-se que o mesmo apenas pode ser Admitido, e tem suporte legal, na matéria que se circunscreve á douta decisão de procedência da exceção de ilegitimidade invocada pela Ré “CC, SA”, e que determinou a sua absolvição da instância, nos termos do disposto nos 576º e 577º alínea e) ambos do C.P.C.
b) E tal acontece, porque, a Meritíssima Juiz “a quo”, excluiu uma parte do processo e constituiu, quanto a ela, decisão final, e, nessa circunstância, tornou tal decisão, nessa exclusiva secção do despacho saneador, suscetível de Recurso de Apelação apresentável nesta fase, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 79º – A do Código de Processo do Trabalho.
c) Toda a restante matéria recorrida apenas tem suscetibilidade de enquadramento em sede de Recurso efetuado conjuntamente com a decisão final, ou após sua prolação, de acordo com o nº 3, 4 e 5 do artigo 79º -A do Código de Processo de Trabalho.
d) Por tal circunstância, se requer que seja reconhecida a inadmissibilidade legal de recurso nos moldes apresentados, em toda a matéria que extravase a análise e decisão da exceção de ilegitimidade invocada.
e) Contudo, circunscrevendo o objeto de recurso a esta sede de exceção, também não assiste qualquer razão á Recorrente, devendo, pelos motivos sustentados no douto despacho recorrido, reconhecer-se a ilegitimidade da Ré CC, SA, determinando-se e a sua absolvição da instância.
f) Tal como a relação material controvertida é configurada pela Recorrente, torna-se claro que, a “DD”, na qualidade de atual entidade empregadora da Autora, que, por cessão de posição contratual tripartida, recebeu e promoveu a tramitação disciplinar, e aplicou a sanção impugnada, é a entidade que tem exclusivo e absoluto interesse em contradizer a ação (artº 30º do C.P.C.)
g) A Ré “CC, SA”, não tem qualquer interesse em contestar a ação, já que da forma como a mesma está configurada pela Recorrente, não lhe advirá qualquer prejuízo para a sua esfera jurídica, por consequência da sentença.
h) Ilegitimidade da Ré “CCl, SA”, que, sem qualquer mácula, foi reconhecida em sede de despacho saneador, e determinou a sua absolvição da instância, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 576º e 577º alínea e) do Código de Processo Civil, aplicáveis por via do artigo 1º do Código de Processo do Trabalho.
Foi proferido despacho pelo relator no sentido de cingir o recurso à questão da ilegitimidade, atento o disposto no art. 79º-A nº2 alínea d) do Código de Processo do Trabalho (CPT), pois nesta fase processual só é suscetível de impugnação tal decisão.
A Senhora Procuradora-Geral Adjunta, neste tribunal da relação, apôs o seu visto.
Foi remetido o projeto de acórdão aos Ex.mos Juízes-adjuntos que, atendendo à natureza das questões a decidir, deram o seu acordo para serem dispensados os vistos, nos termos do art. 657º nº4 do Código de Processo Civil.

II. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente retira da respetiva motivação, tendo sido suscitada a questão da legitimidade da 1ª R. para a presente ação.

III. A decisão recorrida assentou nos seguintes factos:
1. A A. foi contratada para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª R. em 17 de setembro de 2007;
2. Em 1 de janeiro de 2015 foi celebrado entre a A., a 1ª R. e a 2ª R. um acordo de cessão da posição contratual, passando a A. a integrar os quadros laborais da 2ª R;
3. A 1ª R. instaurou um processo disciplinar à A., em data anterior à referida em 2., que veio a ser concluído pela 2ª R. com a aplicação de uma sanção disciplinar.

IV. Fundamentação
A decisão recorrida é do seguinte teor:
Na sua douta contestação deduz a Ré a exceção da sua ilegitimidade, alegando em resumo que, em 17 de setembro ( 2007)[1] contratou a Autora, tendo tal relação laboral perdurado até 31 de dezembro de 2014, altura em que por acordo, a Autora foi cedida `”DD”, passando a autora a estar integrada nos quadros da referida empresa, passando também o processo disciplinar que lhe havia sido instaurado a ser tramitado sob a direção e supervisão exclusiva no novo empregador, sendo a Ré alheia à aplicação da sanção que a autora impugna.
Conclui a Ré pela declaração da sua ilegitimidade e consequente pela sua absolvição da instância, requerendo a intervenção provocada da empregadora da Autora.
A autora não respondeu à exceção, no entanto pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à intervenção provocada do empregador.
Cumpre apreciar e decidir
E decidindo se dirá, que salvo o devido respeito por opinião contrária, à Ré assiste toda a razão pelo que a exceção por si deduzida terá de proceder.
Vejamos porquê.
Nos termos do art. 30º n.º 1 do C.P.C., o Autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o Réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para o Réu, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal.
A legitimidade – pressuposto processual – determina-se pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes têm na relação material controvertida, tal como a configura o autor.
Decidir da legitimidade das partes não é decidir sobre a procedência ou improcedência da ação. O Réu terá legitimidade – interesse em contradizer face à relação jurídica “desenhada” pelo Autor se lhe advier prejuízo com a procedência da ação. Se, conhecendo de fundo, o Réu não for titular da real relação jurídica controvertida, então a ação improcederá.
No caso em apreço e tal como a Autora configura a ação, dúvidas não nos restam de que a Autora, a partir de janeiro de 2015 passou a trabalhar por conta de “DD”, tendo sido esta quem lhe aplicou a sanção disciplinar que agora a Autora veio impugnar.
Destes factos podemos seguramente concluir que a Ré não aplicou à Autora qualquer sanção disciplinar, pois é a própria autora quem o reconhece, ao afirmar que o empregador lhe aplicou uma sanção disciplinar, sendo certo que à data em que a decisão foi proferida a Ré não era o seu empregador, nem é esta quem profere a decisão final no procedimento disciplinar.
Tal como a autora configura a ação a sua entidade empregadora à data da prolação da decisão proferida no âmbito do procedimento disciplinar não era a Ré, nem foi esta quem proferiu tal decisão.
Em nossa opinião a Ré não tem qualquer interesse em contestar a presente ação, já que da forma como a mesma está configurada pela Autora não lhe advirá qualquer prejuízo.
Em face do exposto, julgo a exceção de ilegitimidade da Ré totalmente procedente por provada e consequentemente ao abrigo do disposto nos artigos 576º e 577º al. e), absolvo a Ré CC, S.A. da instância, fazendo prosseguir a ação contra chamada que assumirá a posição de única Ré.
A recorrente estriba a sua discordância relativamente a esta decisão na seguinte argumentação, que se sintetiza:
- A 1ª R., de acordo com o disposto no nº1 do art. 30.º do Código de Processo Civil (CPC), tem todo o interesse em contradizer os presentes autos, dado que a nota de culpa foi elaborada e notificada à A., quando ainda era entidade patronal desta;
- Para encobrir qualquer situação menos clara, a nota de culpa refere como empregadora a 2ª R., facto que não corresponde à verdade, uma vez que a A., apenas em janeiro de 2015, passou a ser trabalhadora desta;
Vejamos se lhe assiste razão:
O art. 30º do atual CPC (art.º 26.º do CPC de 1961), sob a epígrafe de “Conceito de legitimidade” dispõe o seguinte:
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
A redação dada ao nº 3 introduzida pela reforma de 95/96 pretendeu por termo a uma velha querela doutrinária e jurisprudencial, adotando a teoria que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade da relação controvertida descrita pelo autor na petição inicial.[2]
Temos assim que a legitimidade das partes deve se aferida através da relação jurídico-processual tal como ela é desenhada pelo autor na petição inicial.
Não tendo sido questionada a cessão da posição contratual, operada em 1/1/2015, transmitiu-se para a 2ª R. a posição de empregador, detida até aí pela 1ª R., nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, como resulta do art. 285º do Código do Trabalho, aplicável a transmissões por qualquer título.
No caso concreto dos autos, a própria A. refere que em janeiro de 2015, passou a ser trabalhadora da 2ª R., tendo sido esta que lhe aplicou a sanção disciplinar no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela 1ª R..
A 2ª R., na qualidade de entidade empregadora, tinha toda a legitimidade para continuar a tramitar os processos disciplinares pendentes, aplicando as sanções disciplinares que entendesse adequadas, passando também a ser a única responsável pelos atos praticados.
Não tem qualquer relevo o facto de a nota de culpa ter sido elaborada e notificada à A. pela 1ª R. quando ainda detinha a posição de entidade patronal daquela, pois o que releva é o facto de a 2ª R. deter a qualidade de empregadora aquando da propositura da ação.
Nesta perspetiva a 2ª R. acaba por ser a única titular da relação controvertida descrita pelo A. na petição inicial, pelo que a 1ª R não terá interesse algum em contradizer, pois não pode ser responsabilizada pelos atos entretanto praticados pela 2ª R., sendo assim parte ilegítima na presente ação.

V. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação, mantendo na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.

Évora, 10/11/2016
Joaquim António Chambel Mourisco (Relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes

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[1] Nesta parte da decisão não consta o ano. No entanto, nos factos assentes refere-se que a A. foi contratada pela 1ª R. em 17 de setembro de 2007.
[2] Orientação sustentada por Barbosa de Magalhães e seguida por A.Palma Carlos e Castro Mendes e grande parte da jurisprudência- vd. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 25/6/1981- BMJ, 308º/242.
A outra posição que defendia que a legitimidade das partes decorria da relação material controvertida que se viesse a apurar como real e verdadeira no decurso da ação, foi sustentada por J.Alberto dos Reis e seguida por Rodrigues Bastos, Anselmo de Castro e Varela /Bezerra/Nora e também por alguma jurisprudência- vd. Ac. STJ de 16/7/1981 – BMJ 309/280.