Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
199/06.2TBSTB-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na assunção liberatória de dívida a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 199/06.2TBSTB-B.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Execução de Setúbal – J1
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
Na presente acção executiva para pagamento de quantia certa proposta por “Administração Conjunta da Quinta do (…) – Quinta do (…)” contra (…) e (…), este último opôs-se à penhora e à execução. Proferida decisão de indeferimento liminar, o executado (…) veio apresentar recurso.
*
Em síntese, o recorrente alega que, à data da citação, já não residia no local onde foi efectivada a citação e que a dívida em causa foi assumida pelo ex-cônjuge.
*
Na parte que interessa, a decisão recorrida tem o seguinte conteúdo:
Nos termos do art. 732º, n.º 1, a), do CPC, os embargos são liminarmente indeferidos quando tenham sido deduzidos fora do prazo.
O prazo em causa é de 20 dias – art. 726º, n.º 6, do NCPC, correspondente ao anterior art. 812º, n.º 6, do CPC.
Assim, verificando-se que os embargos foram apresentados em 02.07.14, ao passo que a citação teve lugar em 17.05.06, é manifesto que a oposição à execução foi deduzida fora de prazo.
Conhecendo agora da oposição à penhora, resulta do disposto nos arts. 732º, n.º 1, c) e 785º, n.º 2, do NCPC, que a oposição à penhora é liminarmente indeferida quando seja manifestamente improcedente.
O art. 784º do NCPC prevê os únicos fundamentos que podem ser invocados em sede de oposição à penhora.
O fundamento aduzido pelo executado não se enquadra em nenhuma das alíneas do citado artigo 784º, constituindo na verdade um fundamento que só em sede de embargos de executado teria cabimento.
Posto isto, é quanto basta para que se conclua que a oposição à penhora é manifestamente improcedente e que, como tal, deve ser liminarmente indeferida.
Impõe-se, por isso, indeferir liminarmente os embargos e a oposição à penhora, nos termos dos arts. 732º, n.º 1, a) e c) e 785º, n.º 2, do NCPC.
*
Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
1 – Não obstante o respeito que as decisões judiciais, sempre e em qualquer circunstância merecem, vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. dos autos, por não se conformar o Executado/Recorrente com a mesma, e que decidiu indeferir “(...) liminarmente os embargos de executado, por terem sido deduzidos fora de prazo; indefiro liminarmente a oposição à penhora, por considerar ser a mesma manifestamente improcedente”.
2 – O Tribunal a quo não tinha, salvo o sempre devido respeito por melhor opinião, elementos bastantes para, liminarmente rejeitar os embargos do ora Recorrente
3 – Na verdade, o Executado apenas teve conhecimento de que contra si corria um processo executivo quando, foi notificado em 28 de Julho de 2014 da penhora dos seus saldos bancários, altura em que contactou o Sr. Agente de Execução e procedeu à apresentação dos seus embargos e da oposição à penhora.
4 – Cremos que, salvo o sempre devido respeito por melhor opinião, carece de razão o Tribunal a quo uma vez que, por um lado, o ora Recorrente não foi citado em maio de 2006 para a execução e, por outro lado, foi relacionada prova que poderia ajudar a comprovar a sua não citação para a execução em 17 de Maio de 2006.
5 – Nos termos do artigo 728º, nº 1, do Código do Processo Civil, o Executado dispõe do prazo de 20 dias, contados da data da citação para que possa deduzir embargos.
6 – Acontece que, e contrariamente ao entendimento do douto Tribunal, o Recorrente não foi citado para a acção executiva no dia 17 de Maio de 2006.
7 – Consta de fls. dos autos, citação do executado (doc. ref. 809310) para a morada Bairro (…), Rua (…), nº 2, 1º, Direito, 2605-119 Belas, citação que o ora recorrente não recebeu, por não residir à data, naquela morada.
8 – Sucede desde 2004 que o Executado não reside na morada para a qual foi enviada a citação.
9 – Uma vez que nessa data já se encontrava separado da sua ex-mulher e a residir na Rua da (…), nº 37, 2º, Direito, 2615-051 Alverca do Ribatejo. Nunca tendo tido conhecimento de que contra si corria um processo executivo, nem nunca lhe foram entregues a cartas enviadas para a sua antiga morada.
10 – Pelo que, apenas existiu citação para o processo executivo quando foi notificado da penhora dos saldos bancários a 28 de Julho de 2014. Situação que foi, aliás, reiterada pelo Sr. Agente de Execução, em informação de fls. com a referência 2103567.
11 – Acresce que o Mmº Juiz do Tribunal a quo deveria ter convidado o Executado a aperfeiçoar a sua Oposição à Execução e à Penhora, o que não aconteceu. Apenas tendo convidado o ora Recorrente a constituir Mandatário. 12 – Razão pela qual deve o embargo ser admitido uma vez que foi apresentado no decurso do prazo de 20 dias de que dispõe o executado para se opor à execução.
13 – No que concerne à improcedência da oposição à penhora apresentada, o Mmº Juiz do Tribunal a quo considerou, manifestamente improcedente, porquanto considerou que os fundamentos apresentados não correspondem a fundamentos com cabimentos no artigo 784º do CPC.
14 – Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, carece de razão a decisão recorrida, uma vez que a penhora efectuada incidiu sobre bens que não respondem pela dívida exequenda.
15 – O recorrente a quando da apresentação da sua oposição à penhora, juntou, sob o documento 1 e 2, acta de conferência de divórcio e acordo de relação de bens, onde consta que, a dívida ora em execução é atribuída à executada.
16 – Tendo sido feito a adjudicação da dívida à executada, os bens do Recorrente deixam de ser garante das dívidas que não são suas. Isto porque, o seu património apenas constitui garantia geral das dívidas que forem da sua responsabilidade.
17 – Assim e atendendo ao que nos diz a alínea c) do número 1 do artigo 784º do CPC é fundamento de oposição à penhora, a “incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência”.
18 – Pelo exposto, existe motivo bastante para oposição à penhora, não havendo motivo para o indeferimento liminar da mesma.
19 – Ao decidir pela improcedência da acção nos termos em que o fez, o Mmº Juiz a quo, violou o disposto nos artigos 20º, nºs 1 e 2 e 205º da CRP, tal entendimento, pôs em causa princípios fundamentais como o Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Nestes termos, e nos mais do Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a douta sentença de fls., que julgou improcedente a oposição à execução e à penhora e em consequência ser proferido acórdão no qual se ordene a notificação da Embargada para, querendo, contestar, seguindo-se os demais termos da Oposição à Execução, assim se fazendo a costumada Justiça».
*
A parte contrária contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
*
II – Do objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Da interpretação e análise das transcritas alegações de recurso apresentadas resulta que a matéria a decidir se resume à apreciação da:
i) tempestividade da apresentação dos embargos.
ii) existência de fundamento para a oposição à penhora.
*
III – Da factualidade com interesse para a justa decisão da causa:
1. Em 17 de Maio de 2006 foi recepcionada carta de citação dirigida ao executado na morada sita no Bairro (…), Rua (…), nº 2, 1º, Direito, 2605-119 em Belas. Neste local, o executado manteve a sua casa de morada de família.
2. A referida carta foi recebida por terceira pessoa.
3. Em função disso, em 29 de Agosto de 2006, o executado foi notificado, nos termos do artigo 241º do Código do Processo Civil, então vigente.
4. Por sentença datada de 08/11/2007, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre (…) e (…). Nesse processo foi junta aos autos uma declaração de bens comuns, onde consta que «sobre o referido prédio pende uma dívida no valor de 17.000,00 € da responsabilidade exclusiva do cônjuge mulher».
5. Desde data não concretamente determinada que o executado reside na Rua da (…), nº 37, 2º, Direito, 2615-051 em Alverca do Ribatejo.
6. Em 28 de Julho de 2014 foi penhorado um saldo bancário no valor de 2.840,00 €, assim como ações no valor de 1.380,00 € pertencentes ao recorrente.
7. A presente oposição deu entrada em juízo no dia 02/07/2014.
*
IV – Fundamentação:
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (primeira parte do nº 1 do artigo 219º do Novo Código de Processo Civil). Com a citação, que completa o esquema da relação processual iniciado, num primeiro lance, com a proposição da acção, o réu fica constituído no ónus de contestar[1].
A citação é o acto processual mais relevante tendente a assegurar a realização dos princípios do contraditório e da transparência e que, assim, em termos abstractos, permite que sejam impulsionadas e perfectibilizadas as garantias de defesa.
As partes devem poder exercer em condições de igualdade o direito de acesso aos Tribunais. Para tanto, é imprescindível que se verifique, em termos reais, o cumprimento integral do princípio do contraditório, o qual tem consagração constitucional nos artigos 2º e 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e está reflectido na lei ordinária nos artigos 3º e 4º do Código de Processo Civil, entre outros.
Só assim, na verdade, se pode perspectivar que o princípio do contraditório foi observado e que ao réu foi, na prática, dada a possibilidade de uma actuação na lide em condições idênticas à do autor, princípio e possibilidade essas que que defluem dos aludidos normativos constitucionais.
Na realidade, ao sistema processual civil repugnam as decisões proferidas à revelia dos interessados, pela fácil constatação de que, em tais circunstâncias, os riscos de injustiça material são muito superiores aos que se conseguem através de processos com contraditório efectivo.
A lei adjectiva distingue a falta de citação da nulidade da citação. Haverá falta de citação quando: (a) o acto tenha sido completamente omitido; (b) tenha havido erro de identidade do citado; (c) se tenha empregado indevidamente a citação edital; (d) se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; ou (e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, como decorre da letra da lei. Haverá nulidade da citação quando, na sua realização, não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, como resulta do disposto no nº1 do artigo 191º do mesmo diploma.
Mesmo que se admitisse que o executado não mantinha já residência no local para onde foi expedida a carta de citação e que, como alega, não terá tido conhecimento do acto por facto que não lhe é imputável, a situação encontra acolhimento na letra do artigo 189º do Código de Processo Civil.
Com efeito, tal como postula o referido normativo, se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
E da leitura do requerimento inicialmente formulado resulta que a falta da citação não foi de imediato invocada e essa «sanação dá-se quando intervém o próprio destinatário da citação em falta, sem prejuízo de essa intervenção se dar através do representante civil da parte incapaz (pais do menor; tutor, curador) e de a parte capaz poder constituir procurador»[2].
A eventual falta de citação encontra-se sanada por força da disciplina prevista no artigo 189º do Código de Processo Civil. E, nessa perspectiva, por estar suprida a nulidade da falta de citação, o juízo postulativo inscrito na decisão recorrida mostra-se consolidado e é assim a válida a interpretação que a defesa por embargos de executado foi apresentada fora de prazo.
Já assim não seria se o recorrente tivesse suscitado a falta da sua citação, sendo que o mecanismo protector contido no artigo 189º do Código de Processo Civil obvia a que se considere que existe um quadro de violação dos artigos 20º[3] e 205º[4] da Constituição da República Portuguesa.
A intervenção nos autos sem a invocação imediata da falta de citação deixa presumir juris et de jure que a parte teve perfeito conhecimento do processado e que não quis prevalecer-se dessa falta.
A Lei Fundamental não é violada, na dimensão do acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, quando são estipuladas na lei processual adjectiva determinadas condicionantes que fazem depender um efeito anulatório de uma actuação positiva e ponderativa da parte afectada por uma decisão turbadora das respectivas garantias processuais.
*
Adicionalmente o recorrente pretende que se considere que «o Mmº Juiz do Tribunal a quo deveria ter convidado o Executado a aperfeiçoar a sua Oposição à Execução e à Penhora, o que não aconteceu. Apenas tendo convidado o ora Recorrente a constituir Mandatário».
E aqui, de forma encapotada, aquilo que se pretende é uma invocar uma nulidade atípica que se traduz numa omissão de um acto que poderia influir no exame ou na decisão da causa.
Por nulidades do processo entendem-se quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais[5].
Ainda que se entendesse que é nulidade que se projeta na decisão, certo é que não havia dever de convidar ao aperfeiçoamento. Na verdade, a peça apresentada pelo executado não continha insuficiências ou imprecisões na exposição ou na concretização da matéria de facto alegada nem carecia de qualquer requisito legal para além daquele relacionado com a falta de constituição de mandatário que pudesse encontrar eco na previsão dos números 2 a 4 do artigo 590º[6] do Código de Processo Civil.
Mesmo que assim não fosse é entendimento pacífico que da nulidade processual prevista no artigo 195º do Código de Processo Civil não cabe directamente recurso para este Tribunal da Relação, devendo a mesma ser arguida perante o Tribunal em que teve lugar (artigo 199º do mesmo diploma)[7]. Só posteriormente, no caso de discordância com o despacho que verse sobre a arguição de nulidade, quando se verifiquem os pressupostos da impugnação por via recursal, é que dessa decisão caberá recurso para este tribunal. Efectivamente, as nulidades do processo hão-de, em princípio, ser arguidas perante o tribunal em que ocorreram e nele apreciadas e julgadas (sendo excepção não correspondente ao caso dos autos a hipótese prevista no nº 3 do artigo 199º). Como refere Alberto dos Reis «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»[8].
O apelante não invocou a alegada nulidade perante o Tribunal de Primeira Instância no modo e no tempo previstos na legislação aplicável, antes logo interpondo recurso para este Tribunal da Relação, recurso que, nestas circunstâncias, também não poderia proceder pelos motivos supra aduzidos.
*
O recurso estriba-se ainda na violação da disciplina precipitada no artigo 784º[9] do Código de Processo Civil e o recorrente entende que existe um fundamento válido de oposição à penhora realizada.
Por sentença datada de 08/11/2007, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre (...) e (...). Nesse processo foi junta aos autos uma declaração de bens comuns, onde consta que «sobre o referido prédio pende uma dívida no valor de 17.000,00 € da responsabilidade exclusiva do cônjuge mulher».
E, com base nesse acordo, o recorrente defende que se está perante uma hipótese de bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Existem casos de indisponibilidade objectiva[10], de indisponibilidade subjectiva[11] [12] ou impenhorabilidade convencional[13]. Porém, as alíneas a) e c) do artigo 784º do Código de Processo Civil visam cobrir casos de bens objectivamente impenhoráveis. Na óptica de José Lebre de Freitas[14] [15], a alínea c) reporta-se às causas de impenhorabilidade, específica ou derivada dum regime de indisponibilidade objectiva, resultantes do direito substantivo.
Sobre a extensão desta indisponibilidade Marco Carvalho Gonçalves[16] advoga que se encontram nesta situação os bens do herdeiro, que este não tenha adquirido do devedor, por sucessão deste, bens excluídos de penhora por convenção entre o credor e o devedor (artigo 602º do Código Civil), os bens a que reporta o artigo 603º[17] do Código Civil, os bens que o mandatário haja adquirido em execução de mandato e que devam ser transferidos para o mandante, nos termos do artigo 1181º, nº 1, do Código Civil, desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora desses bens e não tenha sido feito o registo da aquisição quando esta esteja sujeita a registo (artigo 1184º do CC) e, finalmente, os bens sujeitos a fideicomisso, em execução movida pelo credor pessoal do fiduciário contra este (artigo 2294º do CC).
Na situação vertente, a declaração de assunção de dívidas não produz efeitos na sua esfera jurídica da exequente, face ao estipulado no artigo 595º[18] do Código Civil. Ao abrigo desta norma o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida.
Quanto à assunção liberatória, ensina Antunes Varela que «a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso»[19].
A assunção de dívida consiste no acto pelo qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem. A assunção de dívida pode comportar ou não a exoneração do devedor, mas exige sempre o assentimento do credor, prevalecendo a regra de que, em princípio, a ninguém pode ser imposto um benefício sem a colaboração da vontade própria[20] [21].
Tal como sublinha a sociedade recorrida, o executado «não poderá agora querer impor a uma entidade terceira (administração conjunta da …) a vontade manifestada apenas entre ambos», isto sem prejuízo dos efeitos dessa declaração no domínio da relação subjacente estabelecida entre devedores.
Em função de tudo isto, assiste razão ao Tribunal recorrido ao sublinhar que «o fundamento aduzido pelo executado não se enquadra em nenhuma das alíneas do citado artigo 784º» e assim confirma-se a decisão recorrida, mantendo o anterior decidido.
*
V – Sumário:
1. Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
2. Na assunção liberatória de dívida a lei não se contenta mesmo com o consentimento do credor; no próprio interesse dele e da segurança das relações jurídicas, exige o consentimento expresso.
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 12/07/2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário

__________________________________________________
[1] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 274.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 370.
[3] Artigo 20º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva):
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
[4] Artigo 205º (Decisões dos tribunais):
1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.
3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.
[5] Anselmo de Castro, «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, pág. 103.
[6] Artigo 590º (Gestão inicial do processo):
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos nºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.
[7] Artigo 199º (Regra geral sobre o prazo da arguição):
1 - Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
2 - Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
3 - Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
[8] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 507.
[9] Artigo 784º (Fundamentos da oposição):
1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
2 - Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve o executado indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.
[10] Bens do domínio público (artigo 736, al. b)), bens inalienáveis do domínio privado (artigo 736º, al. a)), o direito a alimentos (artigo 2008º, nº 1, do CC), o direito de uso e habitação (artigo 1488º do CC), o direito à sucessão de pessoa viva (artigo 2028º do CC), a propriedade de nome ou insígnia de estabelecimento separadamente deste (artigo 297º do CPI), a propriedade de recompensa industrial sem a parte do estabelecimento cujos produtos justifiquem a concessão (artigo 279º do CPI) ou a posição do arrendatário de prédio para habitação, a qual, fora o divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, só é transmissível por morte do titular e para pessoas determinadas, quando se verifiquem determinados requisitos (artigo 1106º do CC).
[11] Nos casos em que o poder de disposição é atribuído a um não titular do direito, quer para o exercício dum direito próprio da pessoa a quem é atribuído, com o fim de garantia (v.g. o direito do credor pignoratício a vender a coisa recebida em penhor nos termos do artigo 675º, nº 1, do CC), quer para a realização do interesse do respectivo titular, incapaz de o exercer (é o caso da representação legal de incapaz, privado do poder de disposição dos seus direitos).
[12] Casos de necessidade de o titular do direito obter, para dispor, uma autorização ou consentimento alheio, também por consideração ao seu próprio interesse (v.g. a assistência do inabilitado pelo curador – 153º, nº 1, do CC), quer por consideração do interesse da pessoa que terá de autorizar ou consentir o acto dispositivo (consentimento do cônjuge para a alienação de um bem imóvel próprio do outro cônjuge – artigo 1682º-A, do CC).
[13] Nas hipóteses previstas nos artigos 602º, 603º e 833º do Código Civil.
[14] A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, pág. 321.
[15] No mesmo sentido surge a posição de Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 401.
[16] Lições de processo Executivo, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 322.
[17] Artigo 603º (Limitação por determinação de terceiro):
1. Os bens deixados ou doados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do beneficiário respondem pelas obrigações posteriores à liberalidade, e também pelas anteriores se for registada a penhora antes do registo daquela cláusula.
2. Se a liberalidade tiver por objecto bens não sujeitos a registo, a cláusula só é oponível aos credores cujo direito seja anterior à liberalidade.
[18] Artigo 595º (Assunção de dívida):
1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.
[19] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª ed., págs. 361 e 362.
[20] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/04/2013, in www.dgsi.pt.
[21] Esta é a interpretação tradicional do Supremo Tribunal de Justiça que pode ser consultada nos acórdãos de 06/10/2004, 22/02/2005 e 11/04/2013, entre outros.