Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA | ||
Data do Acordão: | 11/23/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Não há litisconsórcio necessáro activo com os demais herdeiros quando o Autor peticiona uma indemnização a cujo direito alega que lhe foi ttransmitido pela sua falecida mãe, estando assim tal bem já partilhado. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 551/16.5T8PTM-A.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório. 1. (…), divorciado, residente na Avª da (…), Praia da (…), Arcozelo, instaurou contra Condomínio do Prédio Sito na Torre (…) – (…) – Torralta – Alvor, sito na Praia dos (…), Torre (…), (…), Torralta, Alvor e Companhia de Seguros (…), S.A., com sede no Largo da (…), (…), Ponta Delgada, ação declarativa como processo comum. Alegou, em resumo, que (…), sua mãe, entretanto falecida, proprietária da fração autónoma 10-A do prédio sito (…), Torre (…), (…), Torralta, Alvor, constituído em propriedade horizontal, despendeu a quantia de € 14.708,70 na reparação de danos na sua fração, ocasionadas pela infiltração de água da chuva provenientes da falta de impermeabilização da estrutura do edifício. As obras necessárias à impermeabilização do edifício constituem obrigação do réu Condomínio e os danos resultantes para os condóminos da omissão de tais obras devem ser por este reparadas, responsabilidade que se mostra transferida para a ré seguradora. A 2ª Ré pagou ao 1º Ré a indemnização de € 3.515,32 relativo aos prejuízos ocasionados na fração e esta última Ré veio a compensar este valor com créditos que detinha sobre a fração. O A. e o seu irmão (…) são os únicos herdeiros de (…), por escritura de partilha de 14/3/2014, por ambos outorgada, a fração autónoma 10-A foi adjudicada ao A. e, em complemento da partilha, foram atribuídos ao A. todos os créditos e débitos relacionados com a referida fração, por documento particular. Concluiu pedindo a condenação dos RR no pagamento da quantia de € 14.256,90, a título de indemnização e juros vencidos e juros vincendos sobre a quantia de € 11.193,38 até integral pagamento. Defendeu-se a ré (…), na parte que releva para o recurso, excecionando a ilegitimidade do A., porquanto a partilha da herança por documento particular é nula e, assim, a existir o documento que atribui ao A. todos os créditos e débitos da fração, como alega o A., o mesmo não é oponível aos RR e o A. desacompanhado dos demais beneficiários da herança de sua mãe é parte ilegítima para a causa. Respondeu o A., por forma a considerar que para assegurar a sua legitimidade para a causa é necessária a intervenção dos demais herdeiros, no caso de seu irmão e a final requereu a intervenção principal deste.
2. Sobre o incidente recaiu o seguinte despacho: “O Autor requereu a intervenção principal provocada, como seu associado, de (…), seu irmão e outro único herdeiro da mãe de ambos, o que faz na sequência da alegação de exceção de ilegitimidade ativa, pela Ré (…) Seguros. Invoca o disposto no art.º 2091.º, do Código Civil, designadamente por os direitos relativos à herança só poderem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Não se coloca a questão da existência de uma herança jacente, como aludido pela Ré. Sendo certo que essa questão respeita em bom rigor ao plano do pressuposto processual da personalidade judiciária, também é certo que, e ainda que assim não fosse, o Autor refere precisamente a partilha extrajudicial da herança de sua mãe, na esfera jurídica da qual alega ter-se radicado o direito à indemnização por danos em causa. Portanto, aquela noção não é relevante no presente caso, implicada que está, na alegação do Autor, a respetiva aceitação da herança. Da partilha que consta de escritura pública, que o Autor juntou e ficou a constar de fls. 49v. e segs., não se extrai referência ao crédito agora reclamado, que o Autor assume que radica na esfera jurídica da autora da sucessão. Mas, por outro lado, é declarado pelos outorgantes que a herança de sua mãe é constituída pelos bens mencionados na escritura, onde não é referido o direito em causa. Mas o Autor alega também que em complemento da partilha da herança da sua mãe a que procederam, ele e o irmão subscreveram ainda um documento pelo qual foram atribuídos ao Autor todos os créditos e débitos relacionados com a fração dos autos, e em particular com o sinistro havido. Para efeitos da decisão do presente incidente de intervenção principal provocada, é esta a parte da alegação que se reporta à pretensão do Autor. Ou seja, o que sobressai da alegação do Autor é que, para além da partilha extrajudicial efetuada por escritura pública, existiu um complemento dessa partilha, além do mais, sobre direito existente na esfera jurídica da mãe, sendo certo que pode concluir-se, pela lógica, que o mesmo não havia sido incluído na partilha efetuada por escritura. Assim, perante os termos da alegação do Autor, o direito não é da herança por já ter sido objeto do complemento da partilha da herança, e pertence-lhe em exclusivo. A existência, validade e efeitos de tal alegado complemento são questões que já não cabe considerar nesta sede de apreciação da requerida intervenção principal provocada, que tem como fundamento os termos da alegação do Autor e a imposição que daí eventualmente decorra de chamar outrem a juízo. Verifica-se, pelo exposto, que não se impõe tal chamamento. Assim, julga-se improcedente o presente incidente de intervenção principal provocada. Custas a cargo do Autor, fixando-se pelo mínimo a taxa de justiça. Notifique.”
3. O A. recorre deste despacho exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: “1ª A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se existia fundamento para julgar improcedente o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelo Autor ou se, ao invés, deveria ser admitida a requerida intervenção do terceiro. 2ª A decisão impugnada é recorrível porque, sendo o valor do incidente o da causa a que respeita, esta tem valor superior à alçada do tribunal a quo (valor a que há que atender para efeito de sucumbência), e porque tal decisão não é de mero expediente nem foi proferida no uso de poder discricionário, tendo posto termo a incidente processado autonomamente; ademais, o recorrente tem legitimidade recursória (art. 44º, nº 1, da Lei 62/2013, e arts. 304º, nº 1, 629º, nº 1, 630º, nº 1, 644, nº 1, al. a), e 631º, nº 1, todos do CPC). 3ª O ora apelante veio peticionar nos presentes autos indemnização por danos causados na fração dos autos a 23/12/2009, cujo direito invocou ter-se constituído na esfera jurídica de sua mãe, então proprietária daquela, (…), a quem, por morte desta, ocorrida a 11/08/2012, sucederam como únicos herdeiros seus filhos, o ora A. e seu irmão, (…). 4ª O apelante alegou e comprovou ter-lhe sido adjudicada a identificada fração, por escritura de partilha de 14/03/2014; alegou ainda ter subscrito com seu irmão, em complemento da partilha, documento pelo qual foram atribuídos a si todos os créditos e débitos relacionados com a fração e, em particular, com o sinistro ora sub judice, mas não juntou aos autos tal documento. 5ª A Ré (…) Seguros, S.A., em sede de contestação, veio excecionar a ilegitimidade processual ativa do A., por o direito a que o A. se arroga apenas poder ser exercido pela herança jacente, ou por ambos os herdeiros, não tendo o A. junto o documento onde consta a adjudicação ao A. do direito reclamado na presente ação e sendo eventual partilha por documento particular nula, por a mesma ter que ser efetuada nas conservatórias ou nos cartórios notariais. 6ª O A. não juntou aos autos o documento a que aludiu no art. 35º da p.i. e veio requerer o chamamento, para intervenção principal nos autos, como seu associado, de seu irmão, assim pugnando pela sanação da exceção de ilegitimidade. 7ª O A. não afirmou explicitamente que a partilha complementar que invocou teria sido realizada por documento particular, mas não só não impugnou a ilegitimidade suscitada pela Ré, como reconheceu implicitamente que foi aquela a forma a que os interessados recorreram e, ao reconhecê-lo, aceitou que a dita partilha complementar seria nula e assumiu, portanto, que o crédito peticionado seria da herança. 8ª O tribunal não notificou o A. para apresentar o documento supra referido. 9ª Os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (art. 2091º, nº 1, do Código Civil), norma que consagra um caso de litisconsórcio necessário ativo, cuja preterição gera ilegitimidade (art. 33º, nº 1, do CPC). 10ª Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (art. 316º, nº 1, do CPC). 11ª O ora apelante deduziu incidente de intervenção principal provocada, alegando e justificando a legitimidade do chamando, por este ter, em relação ao objeto da causa, um interesse igual ao seu (arts. 33º e 311º do CPC), pelo que deveria o incidente ter sido julgado procedente. 12ª. Ao decidir em contrário, a decisão recorrida violou o disposto no art. 2091º, nº 1, do Código Civil e nos arts. 33º, nº 1, 311º e 316º, nº 1, do CPC. 13ª O dever de gestão processual do Juiz impõe-lhe promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal desenvolvimento da ação e, bem assim, providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, convidando as partes a praticar os atos que destas dependam (art. 6º, nºs 1 e 2, do CPC). 14ª A decisão recorrida deu por certo que o direito de indemnização peticionado nos autos “não havia sido incluído na partilha efetuada por escritura”, mas entendeu que “a existência, validade e efeitos de tal alegado complemento [da partilha] são questões que já não cabe considerar nesta sede de apreciação da requerida intervenção principal provocada”; pelo contrário, depende daquele documento a legitimidade do autor: se aquele não existir, não for válido ou for ineficaz, é evidente a ilegitimidade ativa do A. Nesta demanda, conducente à absolvição dos RR. da instância, não do pedido (cf. art. 278º, nº 1, al. d), do CPC). 15ª A ilegitimidade é exceção dilatória que só subsiste enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada; determina a lei que, findos os articulados, o Juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias e a determinar a junção de documentos com vista a permitir a sua apreciação (arts. 577º, al. d), 278º, nº 3, e 590º, nº 2, als. a) e c), do CPC), o que constitui um verdadeiro dever (um poder-dever vinculado) do Juiz. 16ª O Tribunal a quo devia, se tinha dúvidas sobre a natureza do documento cuja existência o A. invocou, tê-lo notificado para a sua junção, antes da decisão do incidente; se o A. juntasse o documento e este fosse idóneo a operar a partilha do direito em causa, estaria provada a legitimidade ativa do A. e o incidente improcederia; se o A. nada juntasse ou, juntando, o documento fosse inválido, haveria que determinar o chamamento do terceiro, julgando procedente o incidente. 17ª Ao decidir como decidiu, sem nada solicitar à parte, o tribunal recorrido violou, também, o disposto nos arts. 6º, nºs 1 e 2, e 590º, nº 2, als. a) e c), do CPC. Termos em que deverão V.Exas. dar provimento à presente apelação, revogando o despacho recorrido e admitindo o chamamento, para intervenção principal nos presentes autos, como associado do A., de (…), como é de DIREITO e de JUSTIÇA!” Não houve lugar a resposta. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Pressuposto da decisão recorrida que o A. não rebate e que, a nosso ver, está certo. O A. veio a juízo pedir uma indemnização por prejuízos ocasionados pela reparação de danos ocorridos numa fração autónoma que pertenceu a sua mãe e que, por morte desta, lhe veio a ser adjudicada em partilhas e quanto ao concreto direito à indemnização que peticiona alegou que também ele lhe foi adjudicado nas partilhas da herança (artº 48º da p.i.) ou, mais concretamente, “em complemento da partilha a que procederam da herança de sua mãe, o A. e seu irmão subscreveram, em data que o A. não pode neste momento precisar porque não se encontra na sua posse, documento pelo qual foram atribuídos ao A. todos os créditos e débitos relacionados com a fração dos autos e, em particular, com o sinistro ora sub judice” (artº 35º da p.i.). Na configuração dada à causa pelo A., relevante para aferir do litisconsórcio, o direito à indemnização não pertence à herança de sua mãe pertence ao A., por lhe haver sido adjudicado ou atribuído por partilha da herança com o seu irmão; o sujeito ativo da relação material controvertida, tal como é configurada pelo A. é exclusivamente o A., é ele o sucessor único de sua mãe quanto à fração e aos créditos e débitos que a ela respeitam (artº 2119º, do CC) e visando a ação o reconhecimento de um desses créditos, os demais herdeiros, como é o caso do chamado, seu irmão, não tem qualquer interesse na causa, razão pela qual, a sua falta na ação, não implica preterição de litisconsórcio necessário, nem se verificam, assim, os pressupostos para a sua intervenção. Havendo sido este o sentido da decisão recorrida, resta confirmá-la, improcedendo o recurso.
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