Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2365/17.6T8PTM-B.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
AUDIÊNCIA DE PARTES
MARCAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – De acordo com o disposto no artigo 14.º do RCP, a 1.ª prestação da taxa de justiça (ou única) deve ser paga até ao momento da prática do ato a ela sujeito, e a 2.ª prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final.
II – Sendo no mesmo ato o Réu notificado para contestar a ação em 10 dias e designada desde logo a data audiência de julgamento tal não impede que haja lugar ao pagamento da taxa de justiça em duas prestações, que não em simultâneo: uma com a apresentação da contestação, outra até ao termo do prazo de 10 dias da data em que foi designada a audiência de julgamento.
III – Para além disso, para efeitos de pagamento da 2.ª prestação, a fixação na audiência de partes da data da audiência final não corresponde, para efeitos do referido artigo 14.º do RCP, a notificação para a audiência final.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2365/17.6T8PTM-B.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
No âmbito da ação declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho (Proc. n.º 2365/17.6T8PTM), que BB move, entre outros, a CC, e em que que atribuiu à acção o valor de € 17.930,20, procedeu-se em 25-01-2018 à audiência de partes, no âmbito da qual se encontrava presente, no que ora releva, o exmo. mandatário do Réu.
Finda a diligência, foi pelo exmo. juiz a quo proferido o seguinte despacho:
«Uma vez que não foi possível o acordo entre as partes, ficam as rés desde já notificadas para, querendo, contestar a ação no prazo de DEZ DIAS (artº. 56º. al. a) do C.P.T).
(…)
Por acordo de agendas, designa-se como data para audiência de julgamento o próximo dia 12 de Abril de 2018 pelas 14:00 horas.
Notifique.»

Em 29-01-2018, o referido Réu apresentou contestação, juntando o comprovativo do pagamento de € 204,00 de taxa de justiça, que referiu reportar-se à 1.ª prestação.

Na sequência, em 30-01-2018 a Secção de Processos remeteu ao exmo. mandatário do Réu a seguinte notificação:
«Uma vez que apenas pagou a 1ª prestação da taxa de justiça e deveria ter pago a totalidade, visto que a data para a audiência final já se encontra designada, fica V.ª Ex.ª notificado, na qualidade de Mandatário do Réu CC, para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às cominações previstas no artigo 14º, nº 4 RCP.
Limites da multa:
1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.
2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 10 UC, a multa terá o valor de 10 UC.
Pagamento da taxa de justiça e da multa
O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, por Guia DUC, dentro do prazo concedido.
Prazo de pagamento
O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa».

E remeteu ao Réu a guia para pagamento, no total de € 816,00, sendo € 408,00 por “multa e outras penalidades” nos termos do artigo 14.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, e igual montante a título de taxa de justiça.

Apresentou então o Réu, em 31-01-2018, um requerimento ao tribunal, no sentido de se proceder à «correcção da anomalia constatada” e se “dê sem efeito o pagamento de qualquer importância que não seja a cingida ao valor da 2.ª prestação no montante de €204,00 (duzentos e quatro euros».
Tal requerimento foi objeto do seguinte despacho, de 01-02-2018:
«Decorre da conjugação dos artigos 530.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais que a taxa de justiça paga pelo autor ou réu é devida pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, aplicando-se na falta de outra disposição legal, os valores constantes da tabela I-A.
Para o valor indicado na petição inicial, a taxa de justiça inicial era de 4 unidades de conta.
Não está previsto (nem no Regulamento, nem nas Portarias que regulam a matéria) a possibilidade do pagamento, pela ré e neste tipo de processos, da taxa de justiça por si devida em prestações (a contestação é apresentada depois de designado o dia para julgamento, pelo que nunca surgiria a possibilidade de pagar a segunda prestação, conforme artigo 14º, nº 2, do Regulamentos das Custas Processuais).
De acordo com o valor que foi apresentado para a acção e de acordo com a referida Tabela I-A, como se disse, a ré deveria ter pago 4 UC de taxa de justiça inicial (ou seja, €408).
Resulta, por isso, claro que com a contestação não foi junto o comprovativo da taxa de justiça devida.
Rege inteiramente, por isso, o disposto no artigo 570º, nº 3, do Código de Processo Civil (e que, de resto, foi indicado na notificação enviada a fls. 183).
Deverá, por isso, proceder ao pagamento da taxa de justiça com o acréscimo ali previsto, não merecendo acolhimento o seu requerimento de 31/01/2018 (por não estar previsto o pagamento a prestações) que, por isso, se indefere.
Decidindo:
Decide-se indeferir o requerimento de 31/01/2018 (fls. 189 e ss.), devendo o réu proceder ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de multa de igual montante ao do pagamento omitido».

No mesmo dia 01-02-2018 o Réu procedeu ao pagamento da taxa de justiça, na importância de € 204,00, que referiu ser correspondente à 2.ª prestação.
E em 06-02-2018 interpôs recurso do transcrito despacho.
A 1.ª instância não admitiu o recurso; contudo, na sequência de reclamação do Réu para este tribunal, por despacho do ora relator veio a ser admitido o recurso.
Nas alegações de recurso que apresentou o recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1º A taxa de justiça de € 408 (quatrocentos e oito euros) corresponde à Tabela I-A pode ser paga em 2 (duas) prestações.
2º Isto porque tendo um prazo de 10 (dez) dias para contestar referido na audiência de partes fê-lo acompanhado do comprovativo do pagamento da 1ª prestação em 29/01/18 ainda que o prazo terminasse em 5/02/18.
3º E porque designada na mesma audiência de partes a data da audiência final e dela notificada pagou dentro do prazo dos mesmos 10 (dez) dias a 2ª prestação, sempre juntando os respectivos comprovativos.
4º Não há lugar a qualquer multa nem está coagido a pagar € 1.218,00 (mil duzentos e dezoito euros) quando pela tabela I-A, face ao valor da acção, só tem de pagar, o que de resto já fez apenas € 408 (quatrocentos e oito euros).
Nos termos do artº 639º do NCPC
a) Considera violadas as regras do Nº 1 al. a), 54 e 56 al. a) todos do CPT e ainda artº 13º Nº 1 e Nº 2 e artº 14º Nº 2 do RCP.
b) É errónea a interpretação feita pelo ilustre julgador ao socorrer-se do artº 530º Nº 3 do NCPC para sufragar a aplicação de multa de mais 2 (duas) UC, pois as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas no sentido de no caso em apreço poder pagar-se em 2 (duas) prestações o pagamento da taxa de justiça devida e não apenas numa logo com a contestação, pois o prazo de 10 (dez) nas duas previsto foi observado visto ser comum à obrigação tributária que acompanha a contestação e a devida após a designação da data da audiência final.
c) A par disso o foro laboral não está excluído do presente Regulamento face ao aludido artº 13º Nº 1 do RCP pela aplicação subsidiária dos termos do NCPC aos casos omissos no CPT, pelo que as normas jurídicas aplicáveis são as do RCP – (Nº 2 do artº 13º e Nº 2 do artº 14º e não a do artº 570. Nº 3 do NCPC) a qual de resto tanto logra constatar nem sequer consta da notificação de fls. 183 (no caso de ser a que lhe foi remetida em 30/01/18 com a refª 108328839)
O recorrente está em prazo – artº 638º Nº 1 do NCPC
Oferece comprovativo do pagamento da taxa de justiça nos termos do artº 7º do RCP, Tabela I-B ou sejam 2 (duas UC).
Nestes termos deve ser dada procedência ao presente recurso e revogado o douto despacho judicial em critica e declarar-se estar cumprida a obrigação do recorrente do pagamento da taxa de justiça devida em 2 (duas) prestações».

Contra-alegou o Autor/recorrido, sem apresentar síntese conclusiva, a pugnar pela improcedência do recurso.

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da procedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu o recorrido, a manifestar a sua discordância e a reafirmar que o recurso deve ser julgado improcedente.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso e Factos
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em saber se, tal como foi decidido no despacho recorrido, encontrando-se já designada a data de audiência de julgamento, com a apresentação da contestação o Réu teria que pagar a totalidade da taxa de justiça, ou se, como sustenta o recorrente, com a apresentação da contestação teria que pagar a 1.ª prestação da taxa de justiça, devendo pagar a 2.ª prestação no prazo de 10 dias após se encontrar designada a data de julgamento.
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, que assim se sintetiza:
(i) em 25-01-2018 realizou-se a audiência de partes;
(ii) não tendo havido conciliação nessa audiência, o Réu foi notificado para, querendo, contestar a ação no prazo de 10 dias, tendo logo sido designado o dia 12-04-2018 para a realização da audiência de julgamento;
(iii) o Réu, aqui recorrente, apresentou contestação em 29-01-2018 e pagou a taxa de justiça de € 204,00, correspondente à 1.ª prestação (tendo em conta o valor da ação de € 17.930,20);
(iv) em 30-01-2018 foi notificado nos termos do n.º 3 do artigo 14.º do RCP para proceder ao pagamento da importância de € 816,00, uma vez que, encontrando-se já designada data para julgamento com a apresentação da contestação, devia ter procedido ao pagamento da taxa de justiça pela sua totalidade;
(v) em 01-02-2018 o Ré procedeu ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, no valor de € 204,00.

IV. Enquadramento Jurídico
De acordo com o disposto no artigo 6.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pela Lei n.º 34/2008, de 26-02, com posteriores alterações, e que doravante se passará a designar RCP ou apenas por Regulamento) a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixado em função do valor e complexidade da causa de acordo com o mesmo RCP, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A.
Estatui o n.º 1 do artigo 13.º do mesmo Regulamento que a taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil; e, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, nos casos da tabela I-A e C, esta relativa ao n.º 3 do artigo 13.º, a taxa de justiça é paga em duas prestações de igual valor por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
Por sua vez, estipula o n.º 1 do artigo 14.º do mesmo Regulamento que o pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato a ela sujeito; já a segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação da audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo (n.º 2 do mesmo artigo).
Do referido artigo 14.º resulta:
(i) a 1.ª prestação da taxa de justiça (ou única) deve ser paga até ao momento da prática do ato a ela sujeito;
(ii) a 2.ª prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final.
Importa também ter presente que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 530.º, n.º 1, 570.º, n.º 1 e 552.º, n.ºs 3 e 4, todos do Código de Processo Civil, com a apresentação da contestação o Réu está sujeito ao pagamento de taxa de justiça.
No caso dos autos, sendo o valor da ação de € 17.930,20, afigura-se pacífico, face ao constante da tabela I-A anexa ao Regulamento, que o valor total da taxa de justiça devida pelo Réu era(é) de 4 UC.
Com a apresentação da contestação em 29-01-2018 o Réu, aqui recorrente, procedeu ao pagamento da 1.ª prestação, no valor de € 204,00 (2 UC).
Por força do estatuído no já referido n.º 2 do artigo 14.º do RCP, e considerando que não está em causa qualquer das situações previstas no artigo 14.º-A do mesmo Regulamento, a 2.ª prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para audiência de julgamento.
Ora, mesmo que se admita que na audiência de partes realizada em 25-01-2018 houve lugar a notificação para a audiência de julgamento, em 01-02-2018, quando o Réu/recorrente procedeu a esse pagamento, ainda se encontrava em curso o referido prazo de 10 dias a contar de tal notificação.
Se bem se interpreta o entendimento do exmo. julgador a quo, encontrando-se já designada data para a audiência de julgamento não pode haver lugar ao pagamento da taxa de justiça em duas prestações, na medida em que aquela é designada antes da apresentação da contestação.
Sem desdouro por tal entendimento, não podemos acompanhar o mesmo.
Desde logo, não retiramos do referido artigo 14.º que sendo no mesmo ato o Réu notificado para contestar a ação em 10 dias e designada desde logo a data para a audiência de julgamento não possa haver ao pagamento da taxa de justiça em duas prestações, que não em simultâneo: uma com a apresentação da contestação, outra até ao termo do prazo de 10 dias da data em que se designou a data da audiência de julgamento.
E no caso verificou-se tal pagamento: a 1.ª prestação com a apresentação da contestação, em 29-01-2018, e a 2.ª prestação, em 01-02-2018, no referido prazo de 10 dias após a audiência de partes realizada em 25-01-2018, em que foi designada a data da audiência final.
Nesta linha interpretativa, não vislumbramos fundamento para a emissão e remessa ao Réu em 30-01-2018 da guia para pagamento da importância € 816,00, por falta de pagamento atempado da taxa de justiça.
Mas para além deste argumento, um outro se pode invocar para a não exigibilidade do pagamento em causa, que se prende com a designação na audiência de partes da data para audiência de julgamento.
Como se escreveu no acórdão deste tribunal de 24-05-2018, relatado pela aqui 1.ª adjunta (Processo n.º 969/17.6T8PTM.E1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) a fixação da data da audiência final não se confunde com a notificação para a audiência final. A primeira, marca uma determinada data para a realização da audiência final, mediante prévio acordo dos mandatários das partes e depois de auscultada a sua disponibilidade para tal data. É um ato que constitui uma espécie de “reserva” de agenda, mas que é suscetível de alteração ou que pode mesmo ficar sem efeito (veja-se a situação prevista no n.º 3 do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho). Já a notificação para a audiência final, constitui um ato que visa chamar as pessoas para comparecerem em tribunal na data indicada. Estamos, pois, perante realidades processuais distintas».
Assim, em rigor até se poderá afirmar que o recorrente nem sequer estava notificado para a audiência final: o que existia era uma mera data indicativa, sujeita a eventual alteração.
Nesta sequência, é de concluir que inexistia fundamento para em 30-01-2018 ser remetida ao Réu a guia para pagamento da quantia de € 816,00, pelo que deverá a mesma ser dada sem efeito.

As custas do recurso deverão ser suportadas pelo Autor/recorrido, por ter deduzido oposição e ter ficado vencido (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Isto sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto por CC e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, dando-se sem efeito a guia n.º … que foi enviada ao Réu/recorrente em 30-01-2018, para pagamento da importância de € 816,00.
Custas pelo Autor/recorrido, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Évora, 31 de outubro de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva

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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.