Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1703/20.9T8EVR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
SANÇÃO ACESSÓRIA
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Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito, nos termos do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
II – Para que o art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, possa operar, os mencionados vícios da matéria de facto têm de resultar de forma expressa do texto da sentença recorrida, não sendo, por isso, admissível o recurso a declarações ou depoimentos ou mesmo a documentos constantes do processo.
III – Nos termos do art. 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a sanção acessória de publicidade é de aplicação automática, desde que a arguida tenha sido condenada em contraordenação muito grave ou em contraordenação grave com reincidência, isto sem prejuízo de haver lugar à dispensa da sanção acessória, nos termos do n.º 1 do art. 563.º do mesmo Diploma Legal.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1703/20.9T8EVR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
A recorrente “Lamision – Sociedade de Transportes, Lda.” (arguida) veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe aplicou uma coima única no valor de €22.440,00 e na sanção acessória de publicidade na página eletrónica da ACT, pela prática das seguintes contraordenações:
1) uma contraordenação p. e p. pelos arts. 4.º, al. h), e 8.º, ambos do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 20.º, n.º 5, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1018502417);
2) uma contraordenação p. e p. pelo art. 6.º, n.º 3 do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 2, als. a) e b), e 18.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 5 UC (CO n.º 1018502412);
3) uma contraordenação p. e p. pelo art. 8.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 2, als. a) e b), e 20.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 5 UC (CO n.º 1018502414);
4) uma contraordenação p. e p. pelo art. 6.º, n.º 3 do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 2, als. a) e b), e 18.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 5 UC (CO n.º 1018502415);
5) uma contraordenação p. e p. pelo art. 8.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 2, als. a) e b), e 20.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 5 UC (CO n.º 1019500426);
6) uma contraordenação p. e p. pelo art. 8.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 3, als. a) e b), e 20.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 10 UC (CO n.º 1019500427);
7) uma contraordenação p. e p. pelo art. 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 19.º, n.º 2, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1019501274);
8) uma contraordenação p. e p. pelos arts. 4.º, alínea h), e 8.º, ambos do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 20.º, n.º 6, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1019501279);
9) uma contraordenação p. e p. pelo art. 36.º do Regulamento (CE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1019501281);
10) uma contraordenação p. e p. pelo art. 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 3, als. a) e b), e 19.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 10 UC (CO n.º 1019501282);
11) uma contraordenação p. e p. pelo art. 36.º do Regulamento (CE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04-02, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1019501288);
12) uma contraordenação p. e p. pelo art. 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 19.º, n.º 2, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1019501290);
13) uma contraordenação p. e p. pelo art. 7.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 19.º, n.º 2, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, na coima de 30 UC (CO n.º 1019501291).
O Tribunal de 1.ª instância, realizada a audiência de julgamento, por sentença proferida em 16-09-2021, julgou nos seguintes termos:
Pelo exposto, o tribunal julga totalmente improcedente, por não provado, o presente recurso, e, consequentemente, decide manter a decisão da autoridade administrativa impugnada nos seus precisos termos.
Mais se condena a Recorrente LAMISION – SOCIEDADE DE TRANSPORTES, LDA. no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) Unidades de Conta – cf. artigo 94.º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. aplicável ex vi e artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Notifique a Recorrente, o Ministério Público e a autoridade administrativa da presente sentença.
Deposite.
Inconformada, veio a arguida “Lamision – Sociedade de Transportes, Lda.” interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
A. Como de uma leitura da mesma se constata a, aliás mui douta, sentença de que se recorre incorre num erro notório de apreciação de prova – artº 410º nº 2 al c) CPP aplicável ex vi artº 60º Lei 107/2009
B. Erros esses que, inclusive são de conhecimento oficioso
C. E que no caso se consubstanciam em que nos processos 101 901 248 e 101 901 255
D. Resulta dos documentos juntos pela Arguida, ora Recorrente no seu requerimento nº 37145904 de 14/NOV/2020 de fls que existe (e existia) registo de tempo de descanso no registo tacográfico dos cartões de condutor inseridos no aparelho tacográfico no período temporal que, no auto de noticia e agora nos factos dados como provados em 14 e 16 se diz não ter havido apresentação de registos….
E. Sendo inquestionável existirem registos dos períodos que medeiam entre 08-12-2018 e 01-01- 2019 e 01-11-2018 – 06-11-2018.
F. E que, se os registos tacográficos existem e constam do cartão de condutor como se demonstrou documentalmente nos autos, então, decorre da natureza das coisas (da lei da vida) e é inquestionável que os mesmos foram apresentados aquando da fiscalização
G. Aliás têm que ter sido apresentados pois só assim é que os agentes autuantes podiam afirmar faltar registos entre determinados períodos temporais como fazem nos autos de notícia…
H. Isto é um dado objectivo: só se pode afirmar nos autos de notícia que não foram apresentadas a totalidade das folhas de registo, especificando dias concretos em falta – como fizeram os agentes autuantes – se os registos lhe tiverem sido apresentados.
I. Assim, tem que forçosamente se concluir que os registos tacográficos dos motoristas (…) e (…) foram apresentados às autoridades no decurso da acção de fiscalização de que resultou a instauração dos processos de contraordenação 101901248 e 101901255
J. Pelo que, com todo o devido respeito, o tribunal errou ao dar como provada a prática destas duas contraordenações
K. Mais, também no caso do processo 101 901 219 o tribunal deu como provado o preenchimento do elemento objectivo do tipo legal de contra-ordenação erradamente que carecem de preenchimento fáctico no seu elemento objectivo
L. Até porque, para que esta infracção se consume é (e era) imprescindível que se averiguasse qual a duração do período de descanso semanal anterior
M. E, como resulta do registo junto aos autos no requerimento nº 37145904 de 14/NOV/2020 o condutor (…) havia efectuado um período de descanso regular entre 07/MAR/2018 às 11:44H e 11/MAR/2018 às 13:48H, perfazendo 98:04H de descanso semanal
N. Assssim, dado que no período entre 07 e 11 de Março o condutor havia efectuado um período de descanso semanal regular, o período de descanso semanal ocorrido entre 17 e 18 de Março (periodo de descanso semanal subsequente) podia ser reduzido desde que no mínimo fosse de 24 horas
O. E resulta da factualidade dos autos que o condutor fez um descanso semanal de 24:16h entre 17 e 18 de Março de 2018 - lLogo superior a 24:00H
P. Razão pela qual nem sequer se mostra, mais uma vez, preenchido o elemento objectivo do tipo legal da infracção pela qual a ora Recorrente foi condenada numa coima de € 2.719,32
Q. Sendo certo que da prova documental junta ao auto de notícia não constam sequer registos tacográficos bastantes para se imputar a contraordenação à ora Recorrente, pois apenas se mostram juntos os “prints” dos dias 17 e 18 de Março
R. E por último andou ainda mal o tribunal ao dar como não provada a organização do trabalho dos seus motoristas pela Arguida ora recorrente
S. Pois resulta de documentos juntos no requerimento nº requerimento nº 37145904 de 14/NOV/2020 de fls que a arguida não só ministra formação profissional aos seus motoristas
T. Como planeou e organizou as viagens concretas em causa nos presentes autos
U. E que as planeou dando itinerários específicos e concretos aos seus motoristas,
V. Itinerários esses que incluem locais de paragem concretos e específicos para cumprimento da regulamentação social dos transportes
W. Tudo documentalmente demonstrado – e não foi impugnado ou posto em causa pelo Ministério Publicou ou pelo tribunal - para cada uma das viagens concretas em que as infracções ocorreram – cfr requerimento de fls
X. Estando assim a efectiva e adequada organização e planeamento existiu e está documentalmente demonstrada
Y. E se bem que outra coisa é dizer-se que a efectiva e adequada organização e planeamento foi bem cumprida e executada
Z. E por isso é que, apesar de existir, algumas vezes não é cumprida pelos motoristas (por inúmeras razões alheias à organização e planeamento do trabalho (nomeadamente, circunstâncias de trânsito ou de condições meteorológicas)
AA. O que se poderia era afirmar que apesar de organizadas e planeadas as viagens, a organização e planeamento destas não foi cumprida
BB. Mas isso, com todo o devido respeito por opinião contrária, não é o que a lei exige
CC. Na verdade dispõe o artº 13.º, n.º 2 da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, que A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
DD. E essa organização do trabalho do condutor foi concretamente realizada com os planos de viagem juntos aos autos a fls
EE. Pelo que, com todo o devido respeito, foi demostrada a organização do trabalho dos motoristas concretos de cada uma das infracções ocorridas
FF. Donde resulta que o que ocorreu foi que, em cada um dos casos, a organização do trabalho dos motoristas não foi cumprida por estes.
GG. Mas a lei não pode exigir – nem exige, aliás – como causa de exclusão de responsabilidade que não existam falhas humanas de motoristas na execução da organização e planeamento das suas viagens – que existem sempre em qualquer empresa ou instituição humana (seja, uma empresa de transportes rodoviários de mercadorias sejam num tribunal ou numa instituição de solidariedade social)
HH.Com todo o devido respeito interpretar-se a norma de exclusão de responsabilidade do nº 2 da Lei 27/2010 como só existindo se a organização do trabalho for sempre e em todo e cada caso eficaz e bem sucedida – que é o que no fundo o tribunal a quo considera ser necessário
II. Então, nunca essa organização de trabalho pré existente à conduta infractora do motorista é causa de exclusão de responsabilidade da empresa…
JJ. Porque, se mesmo existindo essa organização de trabalho (como existe no caso da recorrente), há infracções, e a existência daquela não é causa bastante de absolvição da arguida neste caso
KK. Então nunca o é nem será – porque das duas uma: oOu a organização funcionou e não ocorre infracção ou não funcionou e a infracção é punida porque a organização não a impediu…
LL. E o nº 2 do artº 10º da Lei 27/2010, nesta interpretação “radical” é letra morta”
MM. Nem faria sentido existir o nº 3 do mesmo artº 10º
NN. Devendo em sede de recurso ser dada como provada a existência de organização e verificação da causa de exclusão de responsabilidade da ora Recorrente pela ocorrência das infracções de que vem sancionada nos autos
OO. Na verdade, o facto de existir a prática de factos que preenchem o elemento objectivo das contraordenações previstas e punidas na Lei 27/2010 PP. Não pode acarretar o sancionamento “automático” da ora Recorrente se esta organiza o trabalho dos seus motoristas de modo a cumprir a regulamentação social dos transportes
QQ. Sob pena de, como se disse, a causa de exclusão de responsabilidade prevista no nº 2 do artº 10º ser letra morta
RR. Ora, com todo o devido respeito, falhas e contraordenações sempre existirão
SS. Para se excluir a responsabilidade não se pode exigir a uma empresa de transporte aquilo que a ninguém se exige
TT. Que não apenas organize as viagens dos motoristas de modo a cumprir a regulamentação social dos transportes
UU. Como impeça sempre e em todo e cada caso o seu incumprimento
VV. Ou seja, condenada porque, apesar de ter essa organização, os motoristas, como seres humanos que são, não a executem de um modo perfeito
WW. Com todo o devido respeito, se esta é a interpretação da causa de exclusão de responsabilidade prevista na lei então mais valia eliminá-la..
XX. Mas a causa existe e no caso foi demonstrada documentalmente
YY. Devendo também aqui a matéria de facto dos factos não provados ser dada como provada
ZZ. O Tribunal a quo na sentença limita-se a dizer que «…Atento o disposto no art° 562º do Código de Trabalho e uma vez que a recorrente praticou contraordenações muito graves e tem antecedentes contra-ordenacionais, julgo adequada aplicação da sanção acessória de publicidade.»
AAA. Ora, nem da sentença nem da decisão administrativa constam os elementos essenciais que permitiriam considerar preenchidos os pressupostos da reincidência
BBB. Lida a decisão administrativa da mesma não constam sequer as infrações em concreto, a data em que as mesmas foram praticadas e a data e conteúdo das respectivas decisões
CCC. Sendo sempre e em qualquer caso a partir dessa factualidade que se se averiguaria estarem ou não preenchidos os pressupostos da reincidência.
DDD. Que assim não se podem considerar preenchidos não devendo consequentemente ser a arguida condenada na sanção acessória por ser reincidente
Devendo por isso a sentença ora sob recurso ser anulada revogada e substituída por outro que seja conforme á lei
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!
O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso, e, após a subida dos autos ao tribunal da relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.
A recorrente não veio responder a tal parecer.
Admitido o recurso, tendo-se apenas alterado o seu efeito, e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
II – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Impugnação da matéria de facto; e
2) Requisitos para a aplicação da sanção acessória de publicidade.
III. Matéria de Facto
A matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
A decisão da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
Auto de contra-ordenação n.º 1018502417
1. A arguida permitiu que o seu condutor (…) realizasse um período de repouso de 24h16m, entre as 12h50m do dia 17 de Março de 2018 e as 13h06m do dia 18 de Março de 2018, ou seja, um período de repouso semanal inferior a 36 horas.
Auto de contra-ordenação n.º 1018502412
2. A arguida permitiu que o seu condutor (…) realizasse, entre as 00h00m do dia 2 de Abril de 2018 e as 24h00m do dia 15 de Abril de 2018, um período de condução acumulado de 93h25m, ou seja, superior a 90h.
3. A arguida permitiu que o seu condutor (…) realizasse os seguintes períodos intradiários (entre as 00h00m e as 24h00m) de condução,
- 03h34m (três horas e trinta e quatro minutos), no dia 02 de abril de 2018;
-10h44m (dez horas e quarenta e quatro minutos), no dia 03 de abril de 2018;
-11h11m (onze horas e onze minutos), no dia 04 de abril de 2018;
- 05h39m (cinco horas e trinta e nove minutos), no dia 05 de abril de 2018;
- 07h28m (sete horas e vinte e oito minutos), no dia 06 de abril de 2018;
- 09h50m (nove horas e cinquenta minutos), no dia 07 de abril de 2018;
- 06h25m (seis horas e vinte e cinco minutos), no dia 08 de abril de 2018;
- 06h45m (seis horas e quarenta e cinco minutos), no dia 09 de abril de 2018;
- 06h50m (seis horas e cinquenta minutos), no dia 10 de abril de 2018;
- 08h56m (oito horas e cinquenta e seis minutos), no dia 13 de abril de 2018;
-08h57m (oito horas e cinquenta e sete minutos), no dia 14 de abril de 2018; e
- 07h06m (sete horas e seis minutos), no dia 15 de abril de 2018.
Auto de contra-ordenação n.º 1018502414
4. A arguida permitiu que o seu condutor (…) iniciasse a jornada de trabalho de condução do dia 27 de fevereiro de 2018, pelas 20h02m, tendo terminado a mesma, pelas 11h20m do dia 28 de fevereiro de 2018.
5. A arguida permitiu que o seu condutor (…), após a jornada de trabalho do dia 27 de Fevereiro de 2018, e num período de 24h, entre as 20h02 do dia 27 e as 20h02m do dia 28 de fevereiro de 2018, realizasse um período de repouso de 8h42m (oito horas e quarenta e dois minutos), entre as 11h20 e as 20h02m do dia 28 de fevereiro de 2018, ou seja, inferior a 9 horas consecutivas.
6. O condutor (…) tem registado no seu cartão de motorista, os seguintes períodos intradiários (entre as 00h00m e as 24h00m) de condução:
- 09h29m (nove horas e vinte e nove minutos), no dia 26 de fevereiro de 2018;
-03h43m (três horas e quarenta e três minutos), no dia 27 de fevereiro 2018;
- 04h08m (quatro horas e oito minutos), no dia 28 de fevereiro de 2018;
- 08h09m (oito horas e nove minutos), no dia 01 de março de 2018;
- 09h42m (nove horas e quarenta e dois minutos), no dia 02 de março de 2018;
- 02h20m (duas horas e vinte minutos), no dia 03 de março de 2018;
- 08h35m (oito horas e trinta e cinco minutos), no dia 05 de março de 2018;
- 05h59m (cinco horas e cinquenta e nove minutos), no dia 06 de março de 2018;
- 11h52m (onze horas e cinquenta e dois minutos), no dia 07 de março de 2018;
- 07h47m (sete horas e quarenta e sete minutos), no dia 09 de março de 2018;
- 08h40m (oito horas e quarenta minutos), no dia 10 de março de 2018, e;
- 07h55m (sete horas e cinquenta minutos), no dia 11 de março de 2018.
Auto de contra-ordenação n.º 1018502415
7. A arguida permitiu que o seu condutor (…) realizasse, entre as 00h00m do dia 26 de Fevereiro de 2018 e as 24h00m do dia 13 de Março de 2018, um período de condução acumulado de 90h06m, ou seja, superior a 90h.
Auto de contra-ordenação n.º 1019500426
8. A arguida permitiu que o seu condutor Sr. (…) iniciasse a jornada de trabalho do dia 25 de abril de 2018, pelas 10h03m e terminasse a mesma pelas 16h06m do dia 26 de abril de 2018.
9. A arguida permitiu que o seu motorista (…), após a jornada de trabalho do dia 25 de abril de 2018, e num período de 30 horas, entre as 10h03m do dia 25 e as 16h03m do dia 26 de abril de 2018, realizasse um período de repouso de 8h46m (oito horas e quarenta e seis minutos), entre as 23h10m do dia 25 e as 07h56m do dia 26 de abril de 2018, ou seja, inferior a 9 horas consecutivas.
Auto de contra-ordenação n.º 1019500427
10. O condutor (…) registou no seu cartão de motorista, que iniciou a jornada de trabalho do dia 25 de abril de 2018, pelas 06h43m, tendo a mesma terminado pelas 23h11m.
11. No dia 25 de Abril de 2018, a arguida permitiu que o seu motorista (…), num período de 24 horas, entre as 06h46m do dia 25 e as 06h46m do dia 26 de abril de 2018, regisasse um período de repouso de 7h32m (sete horas e trinta e dois minutos), entre as 23h11m do dia 25 e as 06h43m do dia 26 de abril de 2018, ou seja, inferior a 9 horas consecutivas.
Auto de contra-ordenação n.º 1019501274
12. No dia 27 de novembro de 2018, a arguida permitiu que o seu condutor (…), no período entre as 08h19m e as 13h30m, efetuasse um período de condução acumulado de 4h56m, tendo efetuado os seguintes registos dos tempos de trabalho no seu cartão de motorista:
- Entre as 08h19m e as 09h15m, efetuou 0h56m de “condução”;
- Entre as 09h15m e as 09h17m, efetuou 0h02m de “pausa”;
- Entre as 09h17m e as 10h53m, efetuou 1h36m de “condução”;
- Entre as 10h53m e as 10h58m, efetuou 0h05m de “pausa”;
- Entre as 10h58m e as 13h16m, efetuou 2h18m de “condução”;
- Entre as 13h16m e as 13h17m, efetuou 0h01m de “pausa”;
- Entre as 13h17m e as 13h18m, efetuou 0h01m de “outros trabalhos”;
- Entre as 13h18m e as 13h19m, efetuou 0h01m de “pausa”;
- Entre as 13h19m e as 13h20m, efetuou 0h01m de “outros trabalhos”;
- Entre as 13h20m e as 13h25m, efetuou 0h05m de “condução”, e;
- Entre as 13h25m e as 13h29m, efetuou 0h04m de pausa.
Auto de contra-ordenação n.º 1019501279
13. A arguida permitiu que o seu condutor (…), realizasse um período de repouso semanal de 19h10m, entre as 14h10m do dia 25 de Novembro de 2018 e as 09h20m do dia 26 de Novembro de 2018.
Auto de contra-ordenação n.º 1019501281
14. No dia 5 de Janeiro de 2019, a arguida permitiu que o seu motorista (…) conduzisse o veículo trator pesado de mercadorias de 73-SG-78, na Estrada Nacional n.º 4, km 61, Vendas Novas, sem que este apresentasse a totalidade das folhas de registo, que lhe foram solicitados no decurso de uma ação de fiscalização, referentes aos últimos 28 dias, a saber, entre os dias os dias 08-12-2018 e 01-01-2019.
Auto de contra-ordenação n.º 1019501282
15. No dia 20 de Dezembro de 2018, a arguida permitiu que o seu motorista (…), no período entre as 08h24m e as 15h04m do dia 20 de dezembro de 2018, efetuasse um período de condução acumulado de 5h38m, tendo efetuado os seguintes registos dos tempos de trabalho no seu cartão de motorista:
- Entre as 08h24m e as 10h41m, efetuou 2h17m de “condução”;
- Entre as 10h41m e as 10h45m, efetuou 0h04m de “pausa”;
- Entre as 10h45m e as 10h47m, efetuou 0h02m de “outros trabalhos”;
- Entre as 10h47m e as 10h49m, efetuou 0h02m de “pausa”;
- Entre as 10h49m e as 10h52m, efetuou 0h03m de “condução”;
- Entre as 10h52m e as 11h09m, efetuou 0h17 de “pausa”;
- Entre as 11h09m e as 11h10m, efetuou 0h01m de “outros trabalhos”;
- Entre as 11h10m e as 11h11m, efetuou 0h01m de “condução”;
- Entre as 11h11m e as 11h13m, efetuou 0h02m de “outros trabalhos”;
- Entre as 11h13m e as 11h17m, efetuou 0h04m de “pausa”;
- Entre as 11h17m e as 12h07m, efetuou 0h50m de “condução”;
- Entre as 12h07 e as 12h09m, efetuou 0h02m de “outros trabalhos”;
- Entre as 12h09m e as 13h26m, efetuou 1h17m de “condução”;
- Entre as 13h26m e 13h49m, efetuou 0h23m de “pausa”;
- Entre as 13h49m e as 14h56m, efetuou 1h07m de “condução”;
- Entre as 14h56m e as 15h01m, efetuou 0h05m de “pausa”;
- Entre as 15h01m e as 15h04m, efetuou 0h03m de “condução”;
Auto de contra-ordenação n.º 1019501288
16. No dia 30 de Novembro de 2018, pelas 16h10m, a arguida permitiu que o seu motorista (…) conduzisse o veículo pesado de mercadorias de 39-TR-65, na Autoestrada n.º 6, ao km 7, em Vendas Novas, sem que este apresentasse a totalidade das folhas de registo, que lhe foram solicitados no decurso de uma ação de fiscalização, referentes aos últimos 28 dias, a saber, entre os dias 01-11-2018 – 06-11-2018.
Auto de contra-ordenação n.º 1019501290
17. No dia 14 de Novembro de 2018, a arguida permitiu que o seu motorista (…). no período entre as 05h25m e as 11h28m, efetuasse um período de condução acumulado de 5h13m, tendo efetuado os seguintes registos dos tempos de trabalho no seu cartão de motorista:
- Entre as 05h25m e as 06h10m, efetuou 0h45m de “condução”;
- Entre as 06h10m e as 06h37m, efetuou 0h27m de “pausa”;
- Entre as 06h37m e as 10h12m, efetuou 3h35m de “condução”;
- Entre as 10h12m e as 10h14m, efetuou 0h02m de “pausa”;
- Entre as 10h14m e as 10h21m, efetuou 0h07m de “condução”;
- Entre as 10h21m e as 10h42m, efetuou 0h21m de “pausa”, e;
- Entre as 10h42m e as 11h28m, efetuou 0h46m de “condução”.
Auto de contra-ordenação n.º 1019501291
18. No dia 24 de Novembro de 2018, a arguida permitiu que o seu motorista (…). no período entre as 13h14m e as 18h15m, efetuasse um período de condução acumulado de 4h32m, tendo efetuado os seguintes registos dos tempos de trabalho no seu cartão de motorista:
- Entre as 13h14m e as 15h06m, efetuou 1h52m de “condução”;
- Entre as 15h06m e as 15h24m, efetuou 0h18m de “pausa”;
- Entre as 15h24m e as 17h16m, efetuou 1h52m de “condução”;
- Entre as 17h16m e as 17h27m, efetuou 0h11m de “pausa”; e
- Entre as 17h27m e as 18h15m, efetuou 0h48m de “condução”.
Mais se provou que:
19. A arguida dedica-se à atividade de Transportes Rodoviários de Mercadorias.
20. Nas datas acimas referidas, todos os motoristas em causa eram funcionários da arguida, desempenhando as funções de motoristas de veículos pesados de mercadorias.
21. A arguida não agiu com a diligência a que se encontrava obrigada e de que era capaz para evitar que os seus condutores, seus trabalhadores subordinados, infringissem as normas relativas ao cumprimento e registo dos períodos de repouso/pausas.
22. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e sancionadas por lei contra-ordenacional.
23. A arguida ministra periodicamente formação aos seus condutores sobre tempos de condução, tempos de descanso e tacógrafos.
E não provados os seguintes factos:
A. A arguida organizou as viagens de todos os seus condutores acima identificados de modo a assegurar que aqueles pudessem cumprir os tempos de condução e repouso legalmente previstos, bem como a terem em seu poder a documentação legalmente exigida.
IV – Enquadramento jurídico
1) Impugnação da matéria de facto
Entende a recorrente que existe erro notório de apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, uma vez que, quanto aos processos contraordenacionais nºs. 101901248 e 101901255, em face dos documentos que apresentou em 14-11-2020[2], provou que existia registo de tempo de descanso no registo tacográfico dos cartões de condutor inseridos no aparelho tacográfico no período temporal que, no auto de noticia e agora nos factos dados como provados em 14 e 16, se diz não ter havido apresentação de registos, pelo que teria de se ter concluído que os registos tacográficos dos motoristas (…) e (…) foram apresentados às autoridades no decurso da ação de fiscalização de que resultou a instauração dos processos de contraordenação nºs. 101901248 e 101901255.
Alegou ainda que existe erro notório de apreciação da prova também quanto ao processo n.º 101901219, uma vez que deveria ter sido averiguada a duração do período de descanso semanal anterior, sendo que, em face dos documentos que juntou aos autos em 14-11-2020, o condutor (…), entre 07-03-2018, às 11h44m, e 11-03-2018, às 13h48m, havia efetuado um período de descanso semanal regular de 98h04m, pelo que o período de descanso semanal, ocorrido entre 17 e 18 de Março (período de descanso semanal subsequente), podia ser reduzido desde que no mínimo fosse de 24 horas, o que foi cumprido.
Alegou também que, quanto a este processo, nem sequer se encontram junto aos autos os respetivos registos tacográficos, mas apenas prints dos dias 17 e 18 de março.
Alegou igualmente que houve erro notório de apreciação da prova do tribunal a quo ao ter dado como não provado que a arguida organizava o trabalho dos seus motoristas, em face dos documentos que juntou em 14-11-2020, que comprovam que a arguida, não só ministra formação profissional aos seus motoristas, como planeou e organizou as viagens concretas que constam destes autos, pelo que as contraordenação foram praticadas, não por falta de planeamento e organização da arguida, antes sim, por falhas na execução e cumprimento desse planeamento e organização por parte dos seus motoristas, responsabilidade essa que não lhe pode ser assacada, devendo, por isso, o facto não provado ser dado como provado.
Apreciemos.
Conforme já se mencionou supra, o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito, nos termos do art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09, com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Dispõe o art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que:
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

Atente-se que para que o art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, possa operar, os mencionados vícios da matéria de facto têm de resultar de forma expressa do texto da sentença recorrida, não sendo, por isso, admissível o recurso a declarações ou depoimentos ou mesmo a documentos constantes do processo.
Sobre esta matéria, cita-se o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-02-1992[3]:
II - Como resulta do artigo 410 do Codigo de Processo Penal, os vicios nele referidos, nomeadamente o erro notorio na apreciação da prova, tem de resultar da propria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo de inquerito ou na instrução ou ate mesmo no julgamento.

No caso concreto, a recorrente invoca expressamente o erro notório na apreciação da prova.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 30-11-1993[4]:
II - Não pode ser considerado notório, pelo menos para quem não assistiu ao julgamento e leia o texto da decisão recorrida, o erro na apreciação que o Tribunal Colectivo fez da prova produzida em julgamento.

Cita-se ainda pela sua relevância o acórdão do TRC, proferido em 10-07-2018[5]:
I – O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.
II - Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

Por fim transcreve-se parte do acórdão proferido pelo TRL, em 22-09-2020[6]:
Por sua vez, o vício do erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do n.º2 do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se apercebe de que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, verificando-se, igualmente, este vício quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. O requisito da notoriedade afere-se, como se referiu, pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio - ou, talvez melhor dito (se partirmos de um critério menos restritivo, na senda do entendimento do Conselheiro José de Sousa Brito, na declaração de voto no acórdão n.º 322/93, in www.tribunalconstitucional.pt, ou do entendimento do acórdão do S.T.J. de 30 de Janeiro de 2002, Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, sumariado em SASTJ), ao juiz “normal”, dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, desde que seja segura a verificação da sua existência -, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente, consistindo, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, ob. cit., p. 74; acórdão da R. do Porto de 12/11/2003, Processo 0342994).
[…]
Por outro lado, na perspectiva do “erro notório”, entendemos que o recorrente incorre num equívoco ao invocar o artigo 410.º, n.º2, alínea c), já que o “erro” que imputa à decisão de facto não se evidencia pela análise da própria decisão, antes depende da diferente valoração da prova efectuada pelo recorrente em relação à que foi efectuada pelo tribunal.
Ora, o vício do “erro notório” não se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do artigo 127.º do C.P.P., entendeu dar como provada: essa é matéria que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova e só é sindicável caso seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto.

O erro notório na apreciação da prova decorre, portanto, quando, resultante do teor da própria sentença recorrida, se verifique uma falha grosseira e evidente na análise da prova, percetível a qualquer homem médio, nomeadamente, quando se deram como provados factos inconciliáveis entre si, ou como provados e não provados factos igualmente inconciliáveis entre si ou quando se decide em oposição ao que se provou. Porém, já não se inclui no erro notório na apreciação da prova o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência de julgamento, quer por depoimentos, quer por documentos, valoração que aquele tribunal é livre de efetuar de acordo com o disposto no art. 127.º do Código de Processo Penal.
Ora, da leitura da sentença recorrida não transparece qualquer erro notório na apreciação da prova relativamente aos arts. 14.º e 16.º dos factos provados, visto que tais factos não são inconciliáveis com quaisquer outros factos (provados ou não provados), tendo na fundamentação de direito o tribunal a quo decidido, quanto a estes factos, de acordo com a lógica, desconstruindo, inclusive, a argumentação que a recorrente apresentou nesta sede recursiva, mas que também já invocara em sede de impugnação judicial.
Na realidade, consta da sentença recorrida, quanto à argumentação da recorrente, o seguinte:
Concretamente no que respeita às imputações efetuadas à Recorrente relacionadas com a circunstância de ter permitido que os seus motoristas conduzissem sem que tivessem na sua posse a totalidade das folhas de registo referentes aos últimos 28 dias – as quais a mesma impugnou especificadamente, invocando não se mostrar preenchido o elemento objetivo do tipo contra-ordenacional em causa –, entende-se igualmente não assistir razão à Recorrente, na medida em que a consumação do referido ilícito contra-ordenacional se basta com a não apresentação por parte dos condutores, quando solicitados por agente encarregado da fiscalização, dos referidos documentos; o que, efetivamente sucedeu nas situações em apreço.
Sendo irrelevante, para efeitos de consumação das contra-ordenações em análise, que os condutores em causa tenham, ou não, estado a descansar nos dias descritos; circunstância que não os exime de apresentar as folhas de registo de condução ou, inexistindo estas, de um documento comprovativo que justifique a ausência dos registos nos dias em falta (nesse sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23-04-2021, proc. n.º 4078/20.2T8CBR.C1, rel. Felizardo Paiva, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, e porque o erro notório na apreciação da prova não versa sobre uma eventual discordância sobre a apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, nem permite uma segunda reapreciação de tal prova (inclusive documental[7]), quanto a esta parte só resta concluir pela sua improcedência, reiterando-se, uma vez mais, que ao tribunal ad quem está vedada a apreciação da prova, fora das situações mencionadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Relativamente ao processo n.º 101901219, em bom rigor, aquilo que a recorrente invoca é uma situação de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e não de erro notório de apreciação da prova.
De igual modo, também o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem de resulta do teor da sentença recorrida.
Assim sendo, importa atentar se os factos que foram dados como provados no processo n.º 101901219 se mostram suficientes para imputar à recorrente a contraordenação p. e p. pelos arts. 4.º, al. h), e 8.º, ambos do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14-03, e arts. 14.º, n.º 4, als. a) e b), e 20.º, n.º 5, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08.
Atentemos, então, ao facto provado 1.º, do qual consta que:
1. A arguida permitiu que o seu condutor (…) realizasse um período de repouso de 24h16m, entre as 12h50m do dia 17 de Março de 2018 e as 13h06m do dia 18 de Março de 2018, ou seja, um período de repouso semanal inferior a 36 horas.

No caso em apreço, é imputada à recorrente uma situação de violação do período de repouso semanal imposto por lei[8] e constatou-se, em face da matéria dada como provada, que efetivamente, não só o período de repouso semanal de 45 horas não foi cumprido pelo motorista (…), como o seu período de descanso semanal foi inferior a 36 horas[9]. Caso fosse entendimento da recorrente que à situação concreta deveria ter-se aplicado não o período de repouso semanal, mas sim o período de repouso semanal reduzido, deveria ter invocado tais factos em sede de impugnação judicial, de forma a que sobre os mesmos tivesse sido efetuada prova, o que, estranhamente, não fez, vindo apenas, em sede recursiva, invocar tais factos. Porém, como é do conhecimento da recorrente, o tribunal ad quem não tem competência nem para reapreciar a prova realizada pelo tribunal a quo, para além dos citados limites do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nem para apreciar os meios de prova quanto a novos factos.
Pelo exposto, também nesta parte improcede a pretensão da recorrente.
Por fim, e quanto ao erro notório de apreciação da prova do tribunal a quo, relativamente a todas as contraordenações, por ter dado como não provado que a arguida organizava o trabalho dos seus motoristas, o que não poderia ter feito, em face dos documentos que a arguida juntou em 14-11-2020, importa, uma vez mais, salientar, que a notoriedade do erro terá de resultar do próprio teor da sentença, não sendo admissível recorrer-se a elementos exteriores à sentença.
No caso em apreço, a sentença recorrida fundamentou do seguinte modo ter dado como não provado o facto A[10]:
Já no que concerne à factualidade não provada, considerou-se a ausência de prova disponível e/ou suficiente para o efeito.
Com efeito, no que respeita às testemunhas (…) e (…), ambos motoristas da Ré à data dos factos, começará por se assinalar a pouca credibilidade que mereceram dos respetivos depoimentos, atenta a forma pouco espontânea como depuseram, sendo manifesto o comprometimento daqueles para com a posição da sua atual (no primeiro caso) ou antiga (no segundo) entidade empregadora, ora Recorrente.
Ademais, não poderá deixar de se assinalar que os mesmos se limitaram a corroborar terem recebido formação profissional por parte da Recorrente – factualidade que resultou efetivamente provada –, a qual lhes daria instruções para o cumprimento das respetivas obrigações legais.
Quanto ao mais, demonstraram as identificadas testemunhas não se recordar do sucedido no que respeita aos factos em que intervieram (recorde-se que algumas contra-ordenações imputadas à Recorrente decorrem da atuação das mencionadas testemunhas), o que não permite concluir, conforme alegado por esta última, que tenha existido efetivamente uma adequada organização e planeamento das respetivas viagens, em termos tais que lhes permitisse o cumprimento das obrigações legais pelos mesmos infringidas.
Sendo que a referida factualidade não se basta, conforme parece resultar igualmente manifesto, com a circunstância de a Recorrente efetuar o planeamento das viagens em causa (conforme surge sinalizado nas ‘instruções de carga e descarga’ de fls. 289 verso a 307 dos autos), por se desconhecer – e tal não foi trazido aos autos por parte da Recorrente –, que os planos de viagem/carga e descarga fossem adequados e/ou sequer suficientes para assegurar o cumprimento por parte dos seus motoristas das obrigações legais que sobre estes impendiam.
Ademais, não poderá deixar de se chamar à colação a explicação dada pelas testemunhas (…) e (…), os quais explicitaram quais os procedimentos por si desenvolvidos em caso de incumprimento das respetivas obrigações legais (conforme mencionado pelas referidas testemunhas, por exemplo, quando se encontram na iminência de ultrapassar os limites máximos de condução, ligavam para os serviços da Recorrente, a quem informavam terem de realizar uma paragem antes do previsto; tal não sendo possível, emitiam um ‘ticket’ onde faziam constar a causa do respetivo incumprimento). Procedimentos esses que não foram minimamente cumpridos nas situações em apreço, sem que tenha sido fornecida qualquer explicação para o efeito por parte das testemunhas em causa.
O que se disse é, de igual modo, extensível no que respeita à testemunha (…), cujo depoimento, tratando-se de um prestador de serviços externo à Recorrente, apenas foi considerado no que respeita ao âmbito da respetiva atividade, ou seja, para a prova de que a Recorrente efetivamente ministra formação aos seus motoristas na área de tacógrafos.
Não deixando de se assinalar, a este propósito, que a identificada testemunha, pese embora tenha avançado com explicações para algumas das infrações em causa – algumas das quais, cuja factualidade nem sequer foi colocada em causa pela Recorrente no âmbito do presente recurso –, acabou por reconhecer não saber, em concreto, o que terá sucedido em cada uma das referidas situações.
Pelo exposto, concluiu o tribunal inexistirem elementos suficientes nos autos que permitam corroborar que a arguida/recorrente tenha efetivamente planificado as viagens dos seus condutores, nas concretas circunstâncias em apreço, de modo a assegurar que aquele pudesse cumprir os tempos de condução e repouso legalmente previstos; o que não se basta, conforme se deixou já expresso, com o depoimento prestado pelas identificadas testemunhas, atenta a falta credibilidade do respetivo depoimento e/ou falta de conhecimento direto dos factos em apreciação, nos termos assinalados.

Ora, da pormenorizada e lógica fundamentação citada não resulta qualquer violação das regras da experiência comum ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, não havendo, por isso, qualquer erro, quanto mais notório, no enquadramento do facto A como não provado.
Dir-se-á ainda, quanto aos documentos a que a recorrente faz menção, que a sentença recorrida socorreu-se de alguns desses documentos para dar como provado o facto 23.º. Porém, a mera circunstância de ter sido dado como provado que a arguida ministra periodicamente formação aos seus condutores sobre tempos de condução, tempos de descanso e tacógrafos, não permite concluir, por si só, que a arguida organizou as viagens de todos os seus condutores identificados nos autos, de modo a assegurar que aqueles pudessem cumprir os tempos de condução e repouso legalmente previstos, bem como a terem em seu poder a documentação legalmente exigida (facto não provado A), pelo que inexiste igualmente qualquer contradição notória entre o facto provado 23 e o facto não provado A.
Deste modo, também nesta específica parte, improcede a pretensão da recorrente.
2) Requisitos para a aplicação da sanção acessória de publicidade
Considera a recorrente que o tribunal a quo determinou a aplicação da sanção acessória de publicidade, em virtude da reincidência da arguida, quando da matéria factual constante da sentença recorrida, ou mesmo da decisão administrativa, não consta qualquer facto referente à reincidência, não se encontrando, por isso, os pressupostos desta preenchidos.
Decidamos.
Dispõe o art. 562.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - No caso de contra-ordenação muito grave ou reincidência em contra-ordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.

Resulta, assim, do citado artigo que nos casos de contraordenação muito grave é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade e apenas nos casos de contraordenação grave é que é exigida a reincidência. Em ambas as situações, verificados esses requisitos, a aplicação da sanção acessória de publicidade é automática, podendo apenas ser dispensada nos termos do n.º 1 do art. 563.º do Código do Trabalho.
A recorrente mostra-se condenada por sete contraordenações muito graves, nos termos dos arts. 19.º, n.º 2, al. c), 20.º, n.º 5, al. c) e n.º 6, al. c), e 25.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/2010, de 30-08, pelo que a aplicação da sanção acessória de publicidade é automática.
Importa ainda mencionar que a sentença sob recurso não apresentou qualquer fundamentação para a aplicação da sanção acessória de publicidade assente na reincidência (não tendo sequer efetuado qualquer menção a esta), nem teria de o ter feito, por aquela não depender desta.
Nesta conformidade, resta-nos confirmar a bem fundamentada sentença recorrida.
V - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Évora, 27 de janeiro de 2022
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Silva
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; Adjunto: Moisés Silva.
[2] Referência n.º 37145904.
[3] No âmbito do processo n.º 042419, consultável em www.dgsi.pt.
[4] No âmbito do processo n.º 045854, consultável em www.dgsi.pt.
[5] No âmbito do processo n.º 26/16.2GESRT.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] No âmbito do processo n.º 3773/12.4TDLSB.L1-5, consultável em www.dgsi.pt.
[7] Excetuada a situação da prova vinculada ou da leges artis, o que, manifestamente, não se aplica à presente situação.
[8] 45 horas.
[9] Veja-se o art. 20.º, n.º 5, al. c), da Lei n.º 27/2010, de 30-08.
[10] Que a recorrente pretende que seja dado como provado.