Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
452/19.5GABNV.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PRISÃO EFECTIVA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Pode fundamentar a aplicação de uma pena de prisão efectiva a atitude de total insensibilidade do agente face à progressividade das penas em que foi sendo condenado (começando por penas de multa, 3x, passando por uma pena de prisão suspensa, por uma pena de prisão substituída por trabalho e, finalmente, por uma pena de prisão que veio a ser cumprida em regime de permanência na habitação), que não tiveram qualquer efeito dissuasor quanto à prática ulterior de mais um crime, sendo ainda de sublinhar que a prática do crime dos autos teve lugar “menos de cinco meses” após a extinção do cumprimento da pena anterior em regime de permanência na habitação.
II - Em face dos altos índices de sinistralidade rodoviária, é decisivo que os cidadãos tenham a consciência de que a validade e eficácia da norma que determina a exigência de título de condução para circular nas vias públicas se encontra, em concreto, assegurada, através do adequado sancionamento das respectivas violações, e que tal sancionamento será tanto mais robusto quanto aquelas forem sucessivas, assegurando-se mesmo, em casos justificados, o afastamento coercivo do delinquente da actividade da condução.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de Benavente (J1) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, corre termos o processo sumário n.º 452/19.5GABNV, no qual veio o arguido LMM, filho de MEBM, natural de …, nascido em …, solteiro, residente na Rua … …, a ser condenado “pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao artigo 121.º do Código da Estrada, na pena de dez meses de prisão efetiva.”

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1 - O arguido foi condenado na pena de 10 meses de prisão efectiva, cujo mérito e dosimetria não se discute;

2 - Discorda-se, em exclusivo, do modo de execução desta pena;

3 - As recentes opções de política criminal atribuem um papel de especial relevo ao cumprimento de pena na habitação, com meios técnicos de fiscalização, nos termos do artigo 43º do Código Penal;

4 - No caso de se optar pela aplicação de uma pena privativa da liberdade, diz o legislador que deve dar-se preferência ao cumprimento na habitação;

5 - Não escamoteando o seu extenso passado criminal, o certo é que não comete crimes há 5 anos;

6 - Está social e familiarmente inserido;

7 - O facto de estar, há vários meses, inscrito em Escola de Condução e ter frequentado já várias aulas de condução denota uma inversão do seu percurso de vida, e a interiorização do desvalor da condução sem habilitação legal;

8 - O cumprimento da pena na habitação pode passar pela imposição ao condenado de várias regras de conduta;

9 - O enfoque dado às finalidades ressocializadoras das penas impõe que o arguido, mais do que pagar pelos seus actos, tem que ser orientado para prevenir que incorra na prática de novos crimes;

10 - Não deve o Sistema de Justiça confiná-lo aos muros da prisão – e submete-lo ao estigma do cárcere pela primeira vez na sua vida,

11 - Mas antes orientá-lo – ou mesmo obrigá-lo – a habilitar-se a conduzir, não deixando de o privar da liberdade;

12 - Deve, assim, o arguido cumprir a pena que lhe foi imposta em regime de permanência na habitação, com obrigação de frequentar as aulas de condução e submeter-se ao respectivo exame, tudo nos termos do artigo 43º/1 a) e 4 a) e b) do Código de Processo Penal.”

Pugnando, sinteticamente, pelo seguinte resultado:

“Nestes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):

“1 - Por sentença proferida e depositada no dia 19.12.2019, foi o recorrente condenado, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao artigo 121.º do Código da Estrada, na pena de dez meses de prisão efetiva;

2 - O recorrente considera que a pena de dez meses de prisão deve ser aplicada em regime de permanência na habitação, nos termos previstos no art. 43.º, do C. Penal;

3 - Um dos requisitos para execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação é a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da execução da pena de prisão - art. 43.º, n.º 1, do C. Penal.

4 - O art. 42.º, n.º 1, do C. Penal, estabelece que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

5 - O arguido tem, desde 2005, sete condenações anteriores pela prática de crime de condução sem habilitação legal (e outras por crimes de outra natureza), sendo que nos últimos cinco anos tem três condenações pela prática deste tipo de crime, com aplicação de penas de prisão, sendo as duas últimas datadas de julho de 2016 e de novembro de 2017, tendo-lhe sido, então, aplicadas penas de prisão por dias livres, a última da qual foi substituída por prisão em permanência na habitação, que foi declarada extinta em 21.6.2019.

6 - Menos de cinco meses após a declaração de extinção da pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, o recorrente praticou os factos que determinaram a sua condenação nos presentes autos;

7 - O arguido encontra-se familiarmente inserido, mas não possui actividade profissional de carácter estável e permanente e é visto de forma negativa pela comunidade onde se insere, em virtude de ser associado à prática de crimes.

8 - Verificando-se que o condenado já cumpriu pena de prisão executada em regime de permanência na habitação e que menos de cinco meses após a extinção de tal pena decidiu voltar a praticar o crime de condução sem habilitação legal, tal demonstra que a execução da pena de prisão em meio habitacional não está a servir uma das finalidades da execução da pena de prisão - a protecção da sociedade, prevenindo a prática de crimes.

9 - Por outro lado, em que medida é possível afirmar que a anterior execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação teve um efeito positivo nas exigências de prevenção especial e nas finalidades de reintegração do arguido/recorrente se este, diga-se, mais uma vez, menos de cinco meses após a extinção da referida pena voltou a incorrer na prática do mesmo crime, demonstrando, assim, total e absoluta indiferença para com as consequências da sua conduta para a sociedade e para si?

10 - Por fim, dizer-se que o facto de estar, há vários meses, inscrito em Escola de Condução e ter frequentado já várias aulas de condução denota uma inversão do seu percurso de vida, e a interiorização do desvalor da condução sem habilitação legal não é inteiramente correcto, porquanto a interiorização do desvalor da conduta ocorreria caso o arguido se abstivesse de incorrer na prática de crimes;

11 - Não se desvaloriza a obtenção de título de condução, como é evidente, como forma de, futuramente, caso obtenha aprovação nos necessários exames, o arguido/recorrente poder conduzir sem incorrer na prática de crime. Certo é que a sua primeira e principal preocupação deve ser não praticar o crime;

12 - Em face do exposto, cremos que a sentença proferida não merece qualquer censura, porquanto, neste momento, a execução da pena de 10 meses de prisão em regime de permanência na habitação já não é adequada e suficiente a realizar as finalidades da execução da pena de prisão, previstas no art. 42.º, n.º 1, do C. Penal, quer no que tange à defesa da sociedade e prevenção da prática de crimes, quer no que se refere à reintegração social do arguido, não se encontrando, assim, reunidos todos os requisitos previstos no art. 43.º, n.º 1, do C. Penal.”

Defendendo, sinteticamente, que:

“Nestes termos e nos demais de direito aplicável (…) deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exactos termos.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1).

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:

Da acusação pública

1 - No dia 15.11.2019, pelas 08:50 horas, o arguido LMM, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com matrícula …, na Rua …, no Bairro …, área do concelho de …, sem que fosse portador de carta ou licença de condução, ou outro documento equivalente, emitido pelas autoridades competentes, que o habilitasse a conduzir legalmente aquele tipo de veículo.

2 - Com a conduta descrita, o arguido quis conduzir o veículo motorizado acima identificado na via pública, bem sabendo que para tal não se encontrava habilitado, propósito que se propôs e logrou alcançar.

3 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

*

Das condições familiares, sociais e económicas e dos antecedentes criminais

4 - O arguido viveu a sua infância e juventude integrado na família materna, junto da mãe e irmã mais velha, uma vez que o pai separou-se da mãe antes do seu nascimento e não o perfilhou, nem participou o seu crescimento. Posteriormente a mãe estabeleceu nova união afetiva, da qual tem mais três irmãos. O agregado apresentava uma situação económica debilitada, dependendo a sua sobrevivência da venda ambulante e do trabalho ocasional na agricultura.

Estudou até ao 4.º ano de escolaridade, que completou, e depois abandonou o percurso escolar para trabalhar na venda ambulante e na agricultura sazonal.

Aos 18 anos casou com GP, de quem tem cinco filhos, todos menores de idade, tendo o mais novo nascido recentemente. O agregado familiar viveu em … até há sete anos, altura em que, na sequência de desavenças que ocorreram com familiares da esposa, alteraram a sua residência para …, onde residem desde então. Habitam num apartamento arrendado, em zona urbana, que reúne condições básicas de habitabilidade.

Atualmente o arguido trabalha de forma ocasional na apanha da pinha, atividade que é realizada em vários locais e pela qual aufere, em média, 500,00€ mensais. Paga a renda mensal 160,00€ e tem consumos domésticos de cerca de 130,00€ mensais. O agregado recebe cerca de 600,00€ mensais de RSI, acrescido de 150,00 referente à prestação familiar dos filhos.

Ao nível social, no meio onde vive, a sua imagem é associada a anteriores contactos com o sistema judicial.

O arguido tem licença de aprendizagem para obtenção de carta de condução emitida pelo IMT no dia 5.2.2019.

5 - O arguido foi anteriormente condenado:

a) no processo abreviado n.º 303/04.5GTEVR, por sentença transitada em julgado em 2.5.2005, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 40 dias de multa.

b) no processo comum n.º 17/05.9PATZ, por sentença transitada em julgado em 6.12.2006, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 130 dias de multa.

c) no processo sumário n.º 132/10.7GAELV, por sentença transitada em julgado em 18.10.2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 140 dias de multa.

d) no processo sumário n.º 270/10.6GBCCH, por sentença transitada em julgado em 3.2.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 105 dias de multa.

e) no processo comum n.º 352/06.9GBPSR, por sentença transitada em julgado em 4.4.2011, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 240 dias de multa.

f) no processo sumário n.º 652/11.6GEALR, por sentença transitada em julgado em 24.10.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano.

g) no processo sumário n.º 60/14.7GABNV, por sentença transitada em julgado em 14.3.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão substituída por trabalho, e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 70 dias de multa.

h) no processo abreviado n.º 32/15.4GTSTR, por sentença transitada em julgado em 4.7.2016, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, a cumprir por dias livres.

i) no processo sumário n.º 593/15.8GABNV, por sentença transitada em julgado em 27.11.2017, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, a cumprir por dias livres, que foi alterada para prisão em regime de permanência na habitação, pena declarada extinta em 21.6.2019.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é se deve ou não a pena de prisão efectiva aplicada na decisão recorrida ser substituída pelo regime de permanência na habitação, com obrigação do condenado frequentar as aulas de condução e submeter-se ao respectivo exame.

*

B. Decidindo.

Questão única – Deve ou não a pena de prisão efectiva aplicada na decisão recorrida ser substituída pelo regime de permanência na habitação, com obrigação do condenado frequentar as aulas de condução e submeter-se ao respectivo exame.

Considerando que o arguido foi condenado pelo crime previsto art.º 3.º, n.º 2 do DL 2/98, e que tal normativo prevê uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, coloca-se uma questão de escolha da pena, cujo critério se encontra previsto no art.º 70.º do CP, que determina que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: “Trata-se (…) de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de também dever fundamentar a não aplicação da pena não privativa da liberdade (fundamentação negativa), quando dê preferência à pena privativa da liberdade.” (2)

No caso dos autos, relativamente à pena de prisão efectiva aplicada, o tribunal a quo fundamentou tal aplicação (e, concomitantemente, a não aplicação de pena não privativa da liberdade) nos seguintes termos:

“Cumpre agora ponderar sobre a possibilidade de aplicação de uma pena de substituição.

Para tanto, põe-se a questão de saber se a justa punição do arguido passa inevitavelmente pela execução da pena de prisão ou se ainda é suficiente a aplicação de uma medida não detentiva, maxime, a multa nos termos do art.º 45.º, a prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do art.º 58.º, a suspensão da execução desta pena, nos termos do artigo 50º, e/ou a pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 43.º, todos do Código Penal.

Ora, a aplicação de cada um dos referidos preceitos depende da conclusão do Tribunal de que por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena de prisão e, ainda, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, ou seja, de proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Neste contexto há que fazer apelo, portanto, a um juízo de prognose social sobre a conduta futura do arguido, o qual tem de assentar especialmente na prevenção especial, mas tendo ainda em conta as necessidades de prevenção geral.

Ora, neste ponto, atendendo ao facto de o arguido ter sete condenações pela prática deste crime desde 2005, sendo que nos últimos cinco anos tem três condenações pela prática deste crimes, com aplicação de penas de prisão, tendo acabado de cumprir a última em regime de permanência na habitação menos de cinco meses antes da prática do crime pelo qual vai condenado no nosso processo, nenhuma outra conclusão se pode retirar que não seja a de que o arguido apresenta uma personalidade com dificuldade em encontrar o ponto de retorno face à adequação dos seus atos aos comandos sociais vigentes, pois a ameaça com penas de prisão e o real cumprimento de penas detentivas da liberdade, ao longo destes anos, não foram suficientes para que se abstivesse de praticar crimes da mesma natureza.

Veja-se que o arguido cumpriu recentemente pena de prisão em regime de permanência na habitação e passados menos de cinco meses da extinção dessa pena praticou um novo crime de condução sem habilitação legal, num total e evidente desprezo pelas normas penais vigentes e revelando que a última pena não obteve qualquer efeito na sua consciencialização sobre o desvalor da sua conduta.

De dizer, ainda, que o facto de o arguido se encontrar familiarmente inserido e ter licença de aprendizagem para obtenção de licença de condução desde fevereiro deste ano e o facto de ter confessado os factos, não é suscetível de alterar o juízo de prognose desfavorável que este Tribunal faz do arguido, sendo revelador de um grave desrespeito e desinteresse pelas suas condenações criminais a conduta de quem, como o arguido, depois de cumprir pena privativa da liberdade, em regime de dias livres e de permanência na habitação, volta a praticar crime da mesma natureza passados poucos meses.

Assim, o Tribunal entende que a substituição da pena de prisão por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade, bem como a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão mediante a suspensão da execução da pena, e até mesmo a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, já não são suficientes para prevenir o cometimento de novos crimes pelo arguido.

Daí que o arguido deve cumprir a pena de 10 meses de prisão de modo efetivo em meio prisional, sendo a única pena que dá uma resposta adequada e necessária designadamente às exigências de prevenção especial sentidas no caso concreto, que são elevadíssimas.”

Desde já adiantamos que concordamos com a fundamentação exposta, que nos parece mencionar as razões nucleares da opção tomada de forma normativamente escorada no quadro legal aplicável.

No que respeita às razões invocadas pelo recorrente, dir-se-á: quanto às conclusões 3.ª e 4.ª, trata-se de referências ao quadro normativo aplicável, asserções indiscutíveis na sua abstracção, sendo a sua aplicabilidade à situação dos autos precisamente o núcleo da discussão em causa neste recurso.

Assim, segundo o art.º 43.º do CP, epigrafado regime de permanência na habitação, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: (a) a pena de prisão efetiva não superior a dois anos.

“O pressuposto material de aplicação desta pena de substituição (3) [realização, de forma adequada e suficiente das finalidades da execução da pena de prisão] é o da sua adequação às finalidades da punição. A escolha desta pena de substituição, como de qualquer outra, é determinada exclusivamente por considerações de natureza preventiva, quer de prevenção geral quer especial.” (4)

Sublinha o ora recorrente que “não comete crimes há 5 anos”. A esta afirmação pode e deve contrapor-se que tem averbadas 7 (sete) condenações homótropas, a que acrescem mais duas condenações por crimes polítropos e ainda uma condenação (conjunta com uma das sete mencionadas) por condução de veículo em estado de embriaguez. Trata-se, pois, de um passado criminal muito substancial, não se afigurando, em função do mesmo, especialmente valioso o indicado período sem delinquir (rectius, sem condenações). Para tal relativa desvalorização também contribui, de forma substancial, a atitude de total insensibilidade do ora recorrente face à notória progressividade das penas em que foi sendo condenado (começando por penas de multa, 3x, passando por uma pena de prisão suspensa, por uma pena de prisão substituída por trabalho e, finalmente, por uma pena de prisão que veio a ser cumprida em regime de permanência na habitação), que não tiveram qualquer efeito dissuasor quanto à prática ulterior de mais um crime, sendo ainda de sublinhar, como se fez na decisão recorrida e supra se sublinhou, que a prática do crime dos autos teve lugar “menos de cinco meses” após a extinção do cumprimento da pena anterior em regime de permanência na habitação. Neste contexto, também a sua inscrição numa escola de condução não se nos afigura decisiva (podia e devia ter ocorrido – muito tempo - antes, considerando que a primeira condenação ocorreu em 2005…), evidenciando-se uma alta probabilidade de tal inscrição apenas ser motivada pelo receio da prisão e não por uma atitude de cumprimento normativo e de afastamento da prática de mais crimes. É assim, claramente insuficiente e tardio este intento, uma vez que, neste momento, a prevenção especial demanda a adoção de um propósito neutralizador, “por via do afastamento do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, pelo menos durante certo tempo” (5) , ou seja, o tempo de cumprimento da pena decretada. Por último, entendemos que também fortíssimas razões de prevenção geral positiva exigem a escolha da pena de prisão efectiva: in casu, só esta permitirá (após as condenações anteriores progressivas, como assinalámos) estabilizar contrafaticamente as expectativas da comunidade na validade e eficácia da norma violada (mais uma vez), pois o desprezo a que o ora recorrente votou os valores prosseguidos pela norma (especialmente a vida das pessoas que circulam nas vias públicas) em detrimento dos seus interesses pessoais, traduz uma “infracção normativa e, por isso, uma desautorização da norma. Esta desautorização dá lugar a um conflito social na medida em que põe em questão a norma como modelo de orientação.” (6)

Assim, em face dos altos índices de sinistralidade rodoviária, é decisivo que os cidadãos tenham a consciência de que a validade e eficácia da norma que determina a exigência de título de condução para circular nas vias públicas se encontra, em concreto, assegurada, através do adequado sancionamento das respectivas violações, e que tal sancionamento será tanto mais robusto quanto aquelas forem sucessivas, assegurando-se mesmo, em casos justificados, o afastamento coercivo do delinquente da actividade da condução.

Pelo exposto, nenhuma censura merece a fixação da pena efetuada, que, assim, se manterá.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 07 de setembro de 2021

Edgar Gouveia Valente

Laura Maria Peixoto Goulart Maurício

Sumário

I – Pode fundamentar a aplicação de uma pena de prisão efectiva a atitude de total insensibilidade do agente face à progressividade das penas em que foi sendo condenado (começando por penas de multa, 3x, passando por uma pena de prisão suspensa, por uma pena de prisão substituída por trabalho e, finalmente, por uma pena de prisão que veio a ser cumprida em regime de permanência na habitação), que não tiveram qualquer efeito dissuasor quanto à prática ulterior de mais um crime, sendo ainda de sublinhar que a prática do crime dos autos teve lugar “menos de cinco meses” após a extinção do cumprimento da pena anterior em regime de permanência na habitação.

II - Em face dos altos índices de sinistralidade rodoviária, é decisivo que os cidadãos tenham a consciência de que a validade e eficácia da norma que determina a exigência de título de condução para circular nas vias públicas se encontra, em concreto, assegurada, através do adequado sancionamento das respectivas violações, e que tal sancionamento será tanto mais robusto quanto aquelas forem sucessivas, assegurando-se mesmo, em casos justificados, o afastamento coercivo do delinquente da actividade da condução.

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1 Diploma a que pertencerão as menções normativas ulteriores, sem indicação diversa.

2 Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, página 71.

3 Esta classificação não é pacífica. Para Maria João Antunes (Ob. cit. página 33) pode questionar-se se este regime prevê uma verdadeira pena de substituição ou, antes se trata de uma forma de execução da pena decretada pelo juiz da condenação.

4 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Lisboa, 2015, página 290.

5 José Adriano Souto de Moura, “Visitar Durkheim a Propósito dos Fins das Penas”, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2019, II, página 48.

6 Günter Jakobs in Derecho Penal, Parte General, Marcial Pons, Madrid, 1995, página 13.