Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SILVIO SOUSA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA FACTOS-ÍNDICE | ||
Data do Acordão: | 11/19/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Preenchem os factos-índice das alíneas b) e e) do nº 1 do artigo 20.º do CIRE o incumprimento de outras cinco obrigações, duas delas de montantes superiores à dívida da requerente da insolvência, e outras três de valores diminutos, estas já com, pelo menos, 6 e 9 anos e frustração da acção executiva, intentada pela dita requerente, por insuficiência de bens penhoráveis. Sumário do Relator | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 45/14.3T8STR-C.E1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora: Relatório A requerimento de (…)-Vigilância e Prevenção Electrónica, Unipessoal, Lda., com sede na Avenida (…), nº 23, 1º., (…), foi a requerida (…)-Actividades Hoteleiras, S.A., com sede na Travessa do (…), (…), declarada insolvente, sem a sua oposição. Face às conclusões das alegações, o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se os factos dados como provados integram ou não a previsão das alíneas b) e e) do nº 1 do artigo 20.º do CIRE.
Fundamentação A - Os factos Na sentença foram dados como provados, nomeadamente, os seguintes fatos: 1º - A requerente exerce a sua atividade, na área da segurança privada, designadamente, serviços de vigilância, exploração e gestão de centrais de alarme e de videovigilância; 2º - A requerida é uma sociedade que tem por objecto social principal a exploração de cervejaria, actividades hoteleiras e similares; 3º - No exercício da sua actividade, a requerente prestou à requerida, mediante solicitação desta, os serviços de vigilância, que se encontram descritos nas facturas nºs 2649, de 16 de Março de 2009, 3353 de 15 de Abril de 2008 e 8703 de 17 de Setembro de 2008, nos valores de € 216,29, € 210,92 e € 1.082,70, respectivamente, com pagamento a 30 dias da data da emissão da factura; 4º - A requerida não procedeu ao pagamento destas facturas, nas datas do vencimento, nem posteriormente; 5º - Em consequência, a requerente instaurou, em 9 de Abril de 2010, um procedimento injuntivo, registado sob o nº 122089/10.8YIPTR, pedindo que lhe seja paga a quantia de € 1.732.15, a título de capital, juros vencidos e taxa de justiça, que obteve força executiva; 6º - Notificada da oposição da fórmula executória, a requerente instaurou uma acção executiva, no valor de € 1.958,76, solicitando a penhora de bens suficientes para o pagamento da quantia exequenda; 7º - A requerente deve à requerente a quantia de € 2.223,67, correspondente à soma do capital em dívida – € 1.509,91 – , acrescido de juros de mora – € 713,76; 8º - A requerida é executada em cinco acções executivas, instauradas em 2006, 2009, 2012 e 2013, tendo as quantias exequendas os valores de € 22.143,25, € 4.413,19, € 228,00, € 77,92 e € 494,50; 9º - Além disso, é demandada em dois processos comuns, instaurados em 2008 e 2011, sendo o valor destas acções € 11.954,23 e € 17.314,09; 10º - A requerida não possui imóveis, nem veículos; 11º - O pedido de penhora de saldos bancários, junto do (…) e (…), foi negado, por inexistência; 12º - A penhora de bens móveis, que constituíssem o recheio da sede social da requerida, frustrou-se; 13º - No âmbito da ação executiva intentada pela requerente, foi penhorada a importância de € 96,70.
B - O direito - “Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a ação e a julgá-la, como se fosse a primeira vez, indo antes controlar a correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último” [1]; - Não deduzindo o devedor, pessoalmente citado, oposição, os factos alegados na petição inicial são considerados confessados, sendo a insolvência declarada, “se tais factos preencherem a hipótese de algumas das alíneas do nº 1 do artigo 20º” [2]; - “Considera-se insolvente o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações já vencidas” [3]; - “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos” [4]; - “Cabe ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração requerida, e enumerados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE” [5]; - “O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundado na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade de, a partir de aí, fazer a demonstração de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência” [6]; - “Caberá então ao devedor trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir” [7]; - Um destes índices coincide com o “incumprimento de apenas uma ou várias obrigações, do qual se possa, porém, inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos” [8]; - Constitui, igualmente, índice “a insuficiência de bens do devedor para satisfação do crédito do exequente, verificada em processo executivo” [9]; - Com a reforma de 1995, consagrou-se expressamente o dever de boa fé processual, “sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundada (…)” [10]; ou seja: o regime de responsabilidade ora estabelecido, está circunscrito às seguintes realidades: lide temerária – “foi para juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que comprometiam a sua pretensão” – e lide dolosa – “sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou” [11]; - A condenação como litigante de má-fé exige que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas quanto ao depararmos com uma actuação dolosa ou gravemente negligente” [12].
C- Aplicação do direito aos factos A esta Relação compete, apenas, “controlar a correção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último” e não “mandar baixar os autos à primeira instância para que esta aprecie os factos em que fundamentou a sua sentença declaratória”. Os “elementos”/factos a considerar são apenas os acima referidos, alegados pela recorrida/requerente (…)-Vigilância e Prevenção Electrónica, Unipessoal, Lda. e não outros. Na verdade, a recorrente/requerida (…) -Actividades Hoteleiras, S.A., apesar de citada, não trouxe, na altura devida, “ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente”. Assim sendo, importa, apenas, saber “se tais factos preencherem a hipótese de algumas das alíneas do nº 1 do artigo 20º” – a b) e a e). Acontece que factos apurados consubstanciam o incumprimento de outras cinco obrigações, duas delas de montantes superiores à dívida da dita recorrida/requerente – uma, no montante de € 22.143,25 –, e outras três de valores diminutos, estas, por sinal, já com, pelo menos, 6 e 9 anos. É, pois, possível concluir, com segurança, que antes mencionada recorrente/requerida é incapaz de “satisfazer pontualmente, a generalidade das suas obrigações”. Está, também, assente que, no processo executivo instaurado pelo (…)-Vigilância e Prevenção Electrónica, Unipessoal, Lda., foi, somente, penhorada a quantia de € 96,70, frustrando-se, assim, ao objectivo do aludido procedimento. Verificam-se, pois, os alegados factos-índice. A impotência da (…)-Actividades Hoteleiras, S.A. para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos é inequívoca. No critério da requerente/recorrida (…)-Vigilância e Prevenção Electrónica, Unipessoal, Lda., a recorrente/requerida (…)-Actividades Hoteleiras, S.A. age de má-fé, a pretexto de, com a interposição do recurso, pretender discutir matéria de facto. Sucede, porém, que, para além do pedido de remessa do processo “à primeira instância para que esta reaprecie os factos em que fundamentou a sua sentença declaratória”, sustenta a dita recorrente/requerida a não alegação de “factos suficientes que per si fossem fortemente indicadores do estado de insolvência da recorrente”. Se, em relação ao primeiro pedido é possível sustentar, com segurança, que a (…)-Actividades Hoteleiras, S.A. recorreu “sem tomar em consideração as razões ponderosas que comprometiam a sua pretensão”, o mesmo não acontece com a questão do preenchimento das hipóteses consagradas nas alíneas b) e e) do nº 1 do artigo 20.º do CIRE. Quanto a esta, é de admitir alguma controvérsia, o que obsta que esta Relação tenha a certeza de que a mencionada recorrente/requerida, nesta parte, tenha adoptado uma conduta gravemente negligente. Assim, e considerando que a litigância de má-fé deverá ter como referência o pedido, no seu todo, e não uma parte dele, não se subscreve o pedido de condenação como litigante de má-fé. Decisão Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando o recurso improcedente, manter a sentença recorrida. Custas pela massa insolvente. Évora, 19 de Novembro de 2015 Sílvio José Teixeira de Sousa Rui Manuel Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira __________________________________________________ [1] José Lebre de Feitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, tomo I, 2ª edição, págs. 7 e 8, e artigo 627.º do Código de Processo Civil. |