Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
56/14.9TBVRS-A.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: INSOLVÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1-O artigo 151º, nº 1, do C.P.C. estipula que o Juiz deve providenciar pela marcação das diligências (v.g. audiência de julgamento) mediante prévio acordo com os mandatários judiciais;
2-Mas tal normativo não é aplicável ao processo de insolvência e respectivos apensos (como os embargos), em virtude da sua natureza urgente – cfr. art. 9º, nº 1, do CIRE.
Decisão Texto Integral: P.56/14.9TBVRS-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Nos embargos à insolvência da sociedade Quinta da (…) – Empreendimentos do Algarve, S.A. (que foi declarada insolvente), embargos esses nos quais é embargante (…) – Investimentos Turísticos e Marketing, Lda. e embargados (…) Ria, S.A. e (…), veio a referida embargante - inconformada com o teor, quer de despachos proferidos na audiência realizada em 29/6/2016, quer do despacho proferido nos autos a 27/6/2016 - interpor recurso de tais despachos, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:

a) O processo corre termos na Comarca de Faro no tribunal de Olhão.
b) A sociedade Recorrente, à data da entrada do processo e da declaração de insolvência tinha a sua sede social no Concelho de Sintra.
c) A declaração de insolvência ocorreu em 15 de Outubro de 2015 no Tribunal de Olhão.
d) Em 5 de Maio de 2015 foi suscitada, oficiosamente, a incompetência territorial do Tribunal de Olhão para apreciar da declaração de insolvência da Recorrente.
e) Em 15 de Outubro de 2015 o Tribunal de Olhão declarou a insolvência da Recorrente.
f) A sentença de insolvência não se pronunciou sobre a alegada incompetência territorial do tribunal de Olhão tendo apenas declarado que o Tribunal era competente em razão da matéria, de nacionalidade e de hierarquia.
g) A sentença de declaração de insolvência de Outubro de 2015 é nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código do Processo Civil. h) Verificada uma situação de impedimento por parte de um dos advogados, os mandatários do processo consensualizaram duas datas disponíveis, informando o tribunal, e declarando que não tinham datas disponíveis antes das datas propostas, nos termos do art.º 155º, nº 2, tendo a Meritíssima Juiz adiado o julgamento.
i) Não obstante, sem ouvir os mandatários, o douto tribunal agendou o julgamento para uma das datas que os mandatários informaram não ter disponibilidade.
j) O ora signatário, por requerimento de 23-6-2016 informou o douto tribunal não ter disponibilidade para estar presente na data designada, 29 de Junho de 2016, nem ter qualquer colega que o pudesse substituir, pelo que nos termos do artigo 603.º do CPC requereu o adiamento da mesma.
k) A argumentação invocada no despacho, em que refere que a primeira audiência foi adiada por serem ambos processos urgentes, não consta do despacho de adiamento inicial da audiência de 22 de Junho, nem foi alegado pela mandatária da massa insolvente no seu requerimento.
l) Esta justificação não fundamentou o adiamento da audiência agendada para 22 de Junho, serviu para fundamentar o indeferimento do adiamento do embargante.
m) No caso em apreço verifica-se uma clara violação do princípio da igualdade.
n) Apenas se deve impor a agenda do tribunal naqueles casos residuais em que as partes não se entendem ou em que razões de serviço urgente se sobreponham às datas indicadas pelas partes, mas mesmo nestes casos deve procurar-se consensualizar a data da realização da audiência.
o) À luz do princípio constitucional de que todos têm direito ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade (artigo 20º), é seguro que o legislador, não obstante as suas patentes preocupações de celeridade processual na resolução dos conflitos, procurou salvaguardar o princípio de que o julgamento deve decorrer na presença dos mandatários das partes.
p) Ao impedir-se a presença do mandatário da embargante que tem acompanhado o processo, foi negada justiça à embargante.
q) No intuito de assegurar que fosse feita justiça, se não fosse possível encontrar data dentro dos 5 dias referidos no despacho, devia o tribunal agendar para data posterior ao 5º dia, fundamentando as razões determinantes do não cumprimento do prazo.
r) A realização do julgamento viola claramente o dever de cooperação que deve existir entre os intervenientes judiciais, previsto no art.º 155.º, n.º 1, do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de audição prévia dos mandatários judiciais relativamente à data da diligência que for por si indicada.
s) Na data de audiência de julgamento, apresentou-se um outro mandatário da embargante, que solicitou 5 dias para consultar o processo, uma vez que não estava dentro do mesmo.
t) O mandatário da recorrente, naturalmente, não teve tempo para se inteirar do processo, e esteve presente na inquirição de testemunhas sem perceber os contornos do processo.
u) Mantendo a decisão de realizar a audiência de julgamento no passado dia 29 de Julho de 2016 - tendo presentes os requerimentos feitos pelo mandatário da Recorrente - violou a Exma. Juíz a quo os seguintes direitos e princípios da igualdade processual das partes; do princípio do contraditório; da resolução do caso com recurso à verdade material; da conformação do processo segundo os direitos fundamentais; da necessidade de fundamentação dos actos processuais.
v) Mais estranho é o facto de na audiência de julgamento realizada no dia 29 de Junho, a Meritíssima Juiz ter atendido à impossibilidade de uma das mandatárias, da Massa insolvente ou da embargada, não poder estar presente na continuação no dia 6 de Julho, ter agendado para dia 8 de Julho a continuação da audiência de julgamento.
w) Não se compreende que nesta situação a Meritíssima Juiz não tenha tido a preocupação dos 5 dias.
x) Mais uma vez existe aqui uma clara violação dos princípios da igualdade.
y) Também andou mal a Exma. Sra. Juiz a quo ao não ordenar o adiamento da diligência de julgamento marcada para o dia 29 de Junho de 2016, na medida em que a Recorrente apenas foi notificada para a diligência no dia 28 de Junho de 2016, conforme resulta do levantamento da notificação que lhe foi dirigida,
e deu conhecimento desse facto ao tribunal.
z) Apenas nesta data, teve a Recorrente conhecimento de que teria de reunir todas as condições para apresentar as suas testemunhas em juízo horas depois da recepção da notificação.
aa) Mais uma vez, existe aqui claramente uma desproporção entre a necessidade de realização da audiência de julgamento no dia 29 de Junho de 2016 e a necessidade de a Recorrente ver garantidos todos os seus direitos de defesa, nomeadamente, ter presente o seu mandatário na diligência, assim como poder prover diligentemente à deslocação das suas testemunhas até ao tribunal, conforme foi requerido no inicio da audiência de julgamento.
bb) Na audiência de julgamento, o mandatário presente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 466.º do Código do Processo Civil, que o gerente da Recorrente prestasse declarações sobre a generalidade dos factos descritos nos autos por ter conhecimento directo dos mesmos.
cc) Para sua profunda surpresa, a Exma. Sra. Juiz a quo indeferiu tal pretensão com o fundamento de que o mandatário da Recorrente não indicara especificamente os factos sobe os quais pretendia que versassem tais declarações.
dd) O mandatário quando requereu a prestação de declarações por parte do gerente da Recorrente, em sede de audiência de julgamento, identificou a matéria sobre a qual deveria incidir as declarações pretendidas - sobre a generalidade dos factos constantes da petição de embargos - por ter o referido gerente conhecimento directo dos mesmos e serem tais declarações fundamentais para o esclarecimento cabal da verdade.
ee) O mesmo se diga no que se refere à não admissibilidade do depoimento do R.O.C do Grupo (…) – Dr. (…) – testemunha elementar para a conclusão do presente processo em respeito à verdade dos factos.
ff) Temos em que declarando nula e sem nenhum efeito a sentença que declarou a insolvência, e os despachos proferidos na audiência de julgamento realizada no dia 29 de Junho de 2016 e o despacho de 27/06/2016 Vossas Exas. farão a costumada Justiça.

Pela embargada (…) Ria, S.A. foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção dos despachos recorridos.

Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela embargante, aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:

1º) Saber se se verifica a incompetência territorial do tribunal da comarca de Faro para conhecer do pleito (pertencendo tal competência ao Tribunal da comarca da Grande Lisboa Norte), sendo que na sentença que decretou a insolvência da Quinta da (…), S.A. (processo principal a que este está apenso) não foi conhecida tal questão, o que constitui nulidade de sentença (cfr. art. 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C.), a qual deverá ser decretada;
2º) Saber se ao ter indeferido o adiamento da audiência de julgamento designada para o dia 29/6/2016 a M.ma Juiz “a quo” violou os princípios da cooperação, do contraditório e da igualdade processual das partes, sendo que a embargante apenas foi notificada de tal indeferimento (e que o julgamento se mantinha para a data supra referida) em 28/6/2016, tendo menos de 24 horas para apresentar as suas testemunhas em tribunal, o que constitui uma violação dos seus direitos de defesa e uma violação do princípio da proporcionalidade;
3º) Saber se inexiste fundamento legal para a M.ma Juiz “a quo” ter indeferido a tomada de declarações de parte ao gerente da embargante, em virtude de não terem sido indicados especificamente os factos sobre os quais o mesmo deveria recair;
4º) Finalmente, saber se também inexiste fundamento legal para a M.ma Juiz “a quo” ter indeferido a inquirição como testemunha do ROC do Grupo (…) (…), uma vez que o seu depoimento era importante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão do pleito.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pela embargante, aqui apelante – relativa à incompetência territorial do tribunal recorrido – haverá desde já que dizer a tal respeito que a invocada nulidade da sentença que decretou a insolvência, por omissão de pronúncia quanto à referida questão da incompetência (cfr. art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C.), apenas poderia ser apreciada no próprio processo que decretou a insolvência da sociedade Quinta da (…), S.A. e não nos presentes embargos à insolvência.
Por isso, é destituído de fundamento legal (cfr. nº 4 do citado art. 615º) suscitar tal nulidade nestes autos e, por isso, está vedado a este Tribunal Superior pronunciar-se quanto à referida nulidade pela presente via recursiva!
No que tange à competência territorial apenas se dirá que a acção de insolvência foi intentada em 23/1/2014, sendo que, nessa data, a insolvente tinha a sua sede em Vila Nova (…), Vila Real de Sto. António, não obstante, em data posterior - 11/4/2014 - ter mudado a sua sede para o Cacém, Sintra.
Ora, o art. 7º, nº 1, do CIRE estatui que é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor, acrescentando o art. 38º, nº 1, da LOSJ que a competência do tribunal é fixada no momento em que a acção é intentada, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, pelo que resulta evidente que a comarca de Faro, Tribunal de Olhão, Secção de Comércio, é a competente para apreciar e decidir, não só o processo de insolvência, como também os presentes embargos à insolvência que lhe estão apensos.

Analisando agora a segunda questão levantada pela recorrente - saber se ao ter indeferido o adiamento da audiência de julgamento designada para o dia 29/6/2016 a M.ma Juiz “a quo” violou os princípios da cooperação, do contraditório e da igualdade processual das partes, sendo que a embargante apenas foi notificada de tal indeferimento (e que o julgamento se mantinha para a data supra referida) em 28/6/2016, tendo menos de 24 horas para apresentar as suas testemunhas em tribunal, o que constitui (também) uma violação dos seus direitos de defesa e uma violação do princípio da proporcionalidade – importa referir a tal propósito que o art. 151º, nº 1, do C.P.C. estipula que o Juiz deve providenciar pela marcação das diligências (v.g. audiência de julgamento) mediante prévio acordo com os mandatários judiciais.
Todavia, tem sido entendimento maioritário dos nossos tribunais superiores que o citado art. 151º não é aplicável ao processo de insolvência e respectivos apensos (como o presente), em virtude da sua natureza urgente – cfr. art. 9º, nº 1, do CIRE.
Nesse sentido, podem ver-se, entre outros, os Acs. da R.L de 31/3/2009 e de 26/9/2013, bem como o Ac. da R.C. de 5/11/2013, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Por isso, não obstante o art. 17º do CIRE afirmar que o C.P.C. é subsidiariamente aplicável aos processos de insolvência, respectivos incidentes e seus apensos, a verdade é que tal aplicação subsidiária é feita em tudo o que não contrarie as disposições do CIRE, sendo que a norma contida no nº 4 do art. 41º do CIRE assume-se como uma norma especial que - por ser especial - não poderá, nem deverá, ceder perante o regime geral previsto no art. 151º do C.P.C.
Acresce ainda que a recorrente, quando requereu o adiamento do julgamento, por indisponibilidade do seu mandatário, não alegou factualidade ou motivação concreta para tal, nem juntou prova documental que comprovasse essa (alegada) indisponibilidade, sendo certo que o cumprimento do art. 151º do C.P.C. pressupõe e tem como objectivo principal a não sobreposição de diligências (que o ilustre mandatário da embargante - de todo - não comprovou nos autos…).
Por último sempre se dirá que o não adiamento da audiência de julgamento designada para o dia 29/6/2016 não impediu a embargante de apresentar as suas testemunhas para prestarem o seu depoimento no tribunal “a quo”, uma vez que foi adiada a inquirição das testemunhas que, comprovadamente não puderam estar presentes em tal data, sendo certo que a testemunha (…) que, nessa altura, se encontrava no estrangeiro, veio a ser inquirida, posteriormente, na sessão de julgamento de 8/7/2016, pelo que se constata não terem sido coarctadas as garantias de defesa da embargante.
Assim sendo, forçoso é concluir que não se mostram violados os princípios da cooperação, do contraditório, da igualdade processual das partes e da proporcionalidade invocados pela embargante nesta instância recursiva.

Apreciando, de seguida, a terceira questão suscitada pela embargante, aqui apelante – saber se inexistia fundamento legal para a M.ma Juiz “a quo” ter indeferido a tomada de declarações de parte ao gerente da embargante, em virtude de não terem sido indicados especificamente os factos sobre os quais o mesmo deveria recair – haverá que dizer a tal respeito que na audiência de julgamento realizada em 29/6/2016 (após audição da respectiva gravação) o ilustre mandatário da recorrente requereu a tomada de declarações de parte ao sócio-gerente da embargante, sem indicar, todavia, os factos sobre os quais as mesmas deveriam recair.
Convidado pela M.ma Juiz “a quo” a indicar e a concretizar quais os factos sobre que deviam incidir tais declarações de parte, veio o ilustre mandatário da embargante dizer que “eram todos de uma maneira geral”, acrescentando ainda que “será, enfim, a toda a questão relacionada com as questões levantadas no processo de embargos.”
Ora, de acordo com o disposto nos artigos 452º, nº 2, 454º, nº 1 e 466º, nº 2, do C.P.C. devem as partes indicar, de forma discriminada, os factos sobre os quais as declarações de parte devem recair, a fim de que o tribunal possa sopesar da validade e da pertinência de tais declarações para a descoberta da verdade material.
“In casu” a embargante foi demasiada genérica, pois não especificou a que factos, em concreto (v.g. dos articulados apresentados pelas partes), devia ser ouvido o gerente da embargante, limitando-se, tão só, a referir a toda questão relacionada com as questões levantadas no processo de embargos, sendo certo e evidente que questões não são factos!
Assim sendo, bem andou a M.ma Juiz “a quo” ao indeferir a tomada de declarações de parte ao gerente da embargante, uma vez que, não obstante o convite ao aperfeiçoamento, não foi dado cumprimento pela embargante ao estatuído no nº 2 do citado art. 452º (aplicável ex vi do nº 2 do referido art. 466º) e, por via disso, não merece censura o despacho recorrido.

Finalmente, analisando a quarta questão levantada pela recorrente – saber se inexiste fundamento legal para a M.ma Juiz “a quo” ter indeferido a inquirição como testemunha do ROC do Grupo (…) (…), uma vez que o seu depoimento era importante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão do pleito – importa desde já referir a tal propósito que o Grupo ou o Banco (…) não é parte nestes autos, não tendo a embargante demonstrado a imprescindibilidade da inquirição da dita testemunha ao abrigo do disposto no art. 411º do C.P.C., uma vez que não tem relevância para a boa decisão da causa saber de onde decorre o financiamento da embargada (…) Ria, S.A. para efeitos de pagamento da cessão de créditos realizada entre esta e o Banco (…).
Acresce que a testemunha em causa nem sequer foi arrolada pela embargante no seu requerimento probatório, pelo que tal diligência – requerida em audiência de julgamento – importava, necessariamente, uma alteração aos meios de prova que, na fase processual em que foi requerida, já não se mostrava, de todo, admissível (cfr. arts. 25º, nº 2 e 41º, nº 3, do CIRE).
Assim sendo, nada mais restava ao tribunal “a quo” do que indeferir a requerida inquirição e, por via disso, entendemos que será de manter o despacho recorrido.

Deste modo, e uma vez que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que as decisões recorridas não merecem qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões do recurso formuladas pela embargante, aqui apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- A acção de insolvência foi intentada em 23/1/2014, sendo que, nessa data, a insolvente tinha a sua sede em Vila (…), Vila Real de Sto. António, não obstante, em data posterior (11/4/2014), ter mudado a sua sede para o Cacém, Sintra.
- Ora, o art. 7º, nº 1, do CIRE estatui que é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor, acrescentando o art. 38º, nº 1, da LOSJ que a competência do tribunal é fixada no momento em que a acção é intentada, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, pelo que resulta evidente que a comarca de Faro, Tribunal de Olhão, Secção de Comércio, é a competente para apreciar e decidir, não só o processo de insolvência, como também os presentes embargos à insolvência que lhe estão apensos.
- O art. 151º, nº 1, do C.P.C. estipula que o Juiz deve providenciar pela marcação das diligências (v.g. audiência de julgamento) mediante prévio acordo com os mandatários judiciais. Todavia, tem sido entendimento maioritário dos nossos tribunais superiores que o citado art. 151º não é aplicável ao processo de insolvência e respectivos apensos (como o presente, de embargos à insolvência), em virtude da sua natureza urgente – art. 9º, nº 1, CIRE.
- De acordo com o disposto nos arts. 452º, nº 2, 454º, nº 1 e 466º, nº 2, do C.P.C. devem as partes indicar, de forma discriminada, os factos sobre os quais as declarações de parte devem recair, a fim de que o tribunal possa sopesar da validade e da pertinência de tais declarações para a descoberta da verdade material.
- “In casu” a embargante foi demasiada genérica, pois não especificou a que factos em concreto (vg dos articulados apresentados pelas partes), devia ser ouvido o gerente da embargante, limitando-se, tão só, a referir “a toda questão relacionada com as questões levantadas no processo de embargos”, sendo certo e evidente que questões não são factos.
- O Grupo ou o Banco (…) não é parte nestes autos, não tendo a embargante demonstrado a imprescindibilidade da inquirição da testemunha (…), ROC do Grupo (…), ao abrigo do disposto no art. 411º do C.P.C., uma vez que não tem relevância para a boa decisão da causa saber de onde decorre o financiamento da embargada (…) Ria, S.A. para efeitos de pagamento da cessão de créditos realizada entre esta e o Banco (…).
- Acresce que a testemunha em causa nem sequer foi arrolada pela embargante no seu requerimento probatório, pelo que tal diligência – requerida em audiência de julgamento – importava, necessariamente, uma alteração aos meios de prova que, na fase processual em que foi requerida, já não se mostrava, de todo, admissível (cfr. arts. 25º, nº 2 e 41º, nº 3, do CIRE).

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela embargante, confirmando-se inteiramente as decisões recorridas proferidas pelo tribunal “a quo”.
Custas pela embargante, aqui apelante.

Évora, 26 de Janeiro de 2017

Rui Manuel Duarte Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho
Mário António Mendes Serrano
__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).