Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4272/12.0TBCCH.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: REMUNERAÇÃO DO FIDUCIÁRIO
AUSÊNCIA DE ENTREGA DE RENDIMENTOS PELO DEVEDOR
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Sumário:
I- O Fiduciário tem direito a remuneração apesar da insolvente não ter entregue os montantes devidos no primeiro ano do período de cessão, sendo tal remuneração suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça;
II - No que tange à remuneração do Fiduciário, quer o insolvente tenha entregue ou não os montantes definidos, atento o disposto no art.º 240.º conjugado com o nº1 do art.º 60º, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, há que considerar o disposto no Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02., cuja versão mais recente é a da Lei n.º 17/2017, de 16/05) do qual consta expressamente que: “A remuneração do fiduciário corresponde a 10 % das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de € 5000 por ano.” (Cfr. art. 28.º).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:


ACORDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I- RELATÓRIO
1. Inconformado por o Tribunal de 1ª instância ter fixado em € 100,00 a sua remuneração como fiduciário no processo de insolvência de BB, veio CC de tal decisão recorrer formulando para o efeito as seguintes conclusões:
“A. O recurso ora apresentado tem na sua génese o douto despacho da Meritíssima Juiz a quo, que decidiu fixar em 100,00 EUR, para o primeiro ano de cessão, a remuneração do Fiduciário, ora Recorrente, no seguimento de requerimento por si apresentado, para fixação da remuneração devida pelo exercício das suas funções de Fiduciário, no montante de 3 UC, correspondente ao primeiro ano decorrido do período de cessão, e bem assim, que o respectivo montante fosse adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, porquanto, não foram entregues quaisquer montantes relativos ao período de cessão. É com esta decisão que o Recorrente não pode concordar.
B. A 11 de Dezembro de 2012, foi proferido despacho de admissão liminar do pedido de Exoneração do Passivo Restante, e de nomeação do ora Recorrente, como Fiduciário (despacho ref citius 11358326).
C. A 12 de Novembro de 2013, o ora Recorrente, remeteu à Insolvente, comunicação, a dar conhecimento do Despacho Inicial de Exoneração de Passivo Restante e dos deveres a que a Insolvente se encontrava adstrita.
D. A 28 de Novembro de 2016, foi proferido despacho de encerramento do processo, e bem assim, deu-se início ao período de cessão, pelo que, a partir daquela data, o ora Recorrente, iniciou o exercício das funções de Fiduciário (despacho ref citius 82701831);
E. A 31 de Janeiro de 2018, juntou aos autos o relatório anual (1º ano), a que alude o art. 62.º ex vi do art. 240.º/2 ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante, designado simplesmente CIRE) (requerimento ref citius 3337910).
F. Conforme consta do dito relatório anual, o ora Recorrente não possuía quaisquer elementos que permitissem a realização do sobredito Relatório.
G. A 5 de Abril de 2018, juntou aos autos o relatório anual (1º ano), após a Insolvente ter remetido ao ora Recorrente a documentação em falta (requerimento ref citius 3486602).
H. A 23 de Abril de 2018, foi remetido aos autos, requerimento comprovativo da notificação aos credores do sobredito relatório (requerimento ref citius 3528077).
I. A 15 de Maio de 2018, o ora Recorrente requer à Meritíssima Juiz a quo, lhe seja fixada remuneração, no montante correspondente a 3 UC por cada ano de cessão, a serem pagos pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (requerimento ref citius 3576368).
J. Efectivamente, a Meritíssima Juiz a quo despachou nos termos seguintes: “Ao abrigo do disposto nos arts. 241.º, n. º1, alínea a) e 60.º n.º 1 do CIRE, e dos arts. 28.º e 22.º do Estatuto do Administrador Judicial, em face do desenvolvimento jurisprudencial, plasmado nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.09.2013 e 28.10.2015; do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2016; do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.07.2016 e do Tribunal da Relação de Évora de 19.01.2017 e de 09.02.2017, com os quais concordamos, pese embora não tenha havido cedência de rendimentos, fixa-se a remuneração anual do Fiduciário em € 100,00, para o primeiro ano de cessão” (despacho ref citius 86129793).
K. A douta decisão que fixou ao Recorrente a remuneração pelas funções de Fiduciário que desempenhou, e continua a desempenhar, afigura-se como sendo divergente da maioria das decisões tomadas pela jurisprudência portuguesa.
L. Não pode a Meritíssima Juiz a quo olvidar todo o trabalho desenvolvido pelo ora Recorrente, ao longo deste primeiro ano já decorrido do período de cessão.
M. Todo o dispêndio de meios, recursos, e tempo, afectos a cada Insolvente, durante os cinco anos do período de cessão.
N. Mais do que os requerimentos, e relatórios vindos de enunciar, há que ter atenção, salvo melhor opinião, toda a logística envolvente para que, com todo o rigor, a informação neles constante chegue ao conhecimento do Tribunal e dos Credores.
O. Para a elaboração de cada Relatório Anual, o ora Recorrente carece de analisar toda a documentação que é recepcionada por parte dos Insolventes.
P. De entre ela, recibos de vencimento, declarações de IRS, eventuais pausas por doença, baixa médica, e tanta outra documentação que mensalmente é remetida para o ora Recorrente.
Q. Mais, carece de confirmar, se eventuais montantes alegadamente transferidos, se encontram efectivamente na respectiva conta.
R. Após análise da documentação, e confirmação da eventual entrada de valores, tem o ora Recorrente de introduzir a informação nas respectivas tabelas.
S. Isto para que, chegado o final de cada período de cessão, possa, sem erro, informar quem de direito, do estado da cessão.
T. Reportando-nos novamente ao caso em concreto aqui em apreço, para a elaboração do Relatório junto aos autos, foram analisados doze recibos de vencimento, cuja informação foi introduzida na respectiva tabela.
U. O Recorrente não aceita, nem pode aceitar, é que, por força da inexistência de rendimentos a ceder, veja coartado os seus rendimentos, que são o seu meio de subsistência.
V. O Recorrente não aceita, nem pode aceitar, que se entenda como justo, pagamento tão exíguo, quando, mesmo sem cedência de rendimentos, o ora Recorrente desenvolveu as suas tarefas conforme supra descritas.
W. É talvez uma visão economicista, mas é nesta visão económica que a questão deve ser ponderada.
X. Porquanto, este é o trabalho do Recorrente.
Y. É esta a sua profissão.
Z. É esta a fonte dos seus rendimentos.
AA. Pelo que, não aceita, nem pode aceitar, uma interpretação analógica da lei, feita pela Meritíssima Juiz a quo, em que, tem como bom o pagamento da remuneração do Recorrente no montante de 100,00 EUR.
BB. O Recorrente despende mensalmente, conforme avançado supra, tempo, meios e recursos do seu escritório, para exercício de uma tarefa determinada pela lei, mas que é vista pelos Tribunais como “um parente pobre” no âmbito das funções que são acometidas as Administradores Judiciais.
CC. Contudo, tais tarefas, fazem parte de uma fase processual que, no entender do Recorrente não deverá ser entendida como demeritória.
DD. Pelo que, pelo trabalho que envolve, merece por parte dos Tribunais uma remuneração justa, razoável e compatível com o trabalho – anual - desenvolvido.
EE. Assim, entende-se que a Meritíssima Juiz a quo devia ter proferido despacho no sentido de fixar a remuneração mínima a pagar ao Recorrente, em montante superior ao aí vertido.
FF. Diante da panóplia de Acórdãos defensores da premissa acima mencionada, veja-se, a título de exemplo, o douto Acórdão da Relação do Coimbra, de 12-09-2017, proferido no âmbito do processo 239/11.3TBCDR-E.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Em suma,
GG. Entende-se que o Tribunal a quo aquando da fixação da remuneração do ora Recorrente não atentou devidamente todo o trabalho desenvolvido.
HH. Entende-se igualmente que o Tribunal a quo não terá ponderado o dispêndio de tempo, meio e recursos necessários para exercício da função de Fiduciário.
II. Que tal função merece por parte dos Tribunais uma remuneração justa, razoável e compatível com o trabalho – anual - desenvolvido.
JJ. Mais, entende, que a remuneração vinda de fixar no douto despacho de que se recorre não teve em consideração tais factores, estando desajustada da realidade, mormente da realidade económica.
KK. Que não pode, nem deve, o ora Recorrente ser penalizado pela ausência de montantes a ceder por parte da Insolvente.
LL. A par disto, entende-se que o Tribunal a quo não respeitou o art 59º da Constituição da República Portuguesa, não cuidando de garantir ao ora Recorrente uma remuneração, pelo seu trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade deste.
MM. Assim, o despacho judicial em crise deverá ser substituído por outro, que fixe ao Fiduciário, aqui Recorrente, a remuneração anual de 3 UC, devida pelo exercício das suas funções de Fiduciário, ordenando que o respectivo montante seja adiantado pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
NN. A par disto, entende-se que o Tribunal a quo não respeitou o art 59º da Constituição da República Portuguesa, não cuidando de garantir ao ora Recorrente uma remuneração, pelo seu trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade deste.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA POR OUTRA QUE DEFIRA E FIXE AO RECORRENTE A REMUNERAÇÃO ANUAL DE 3 UNIDADES DE CONTA, POR CADA ANO DE CESSÃO, DEVIDA PELO EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES DE FIDUCIÁRIO, ORDENANDO QUE O RESPECTIVO MONTANTE SEJA ADIANTADO PELO INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E PATRIMONIAL DA JUSTIÇA, COMO É DA MAIS ELEMENTAR E ABSOLUTA JUSTIÇA!


2. Não houve contra-alegações.

3. Dispensaram-se os vistos.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se a remuneração do apelante deve ser fixada em 3 UCS como o mesmo pretende.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1.1. Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, que é o seguinte o teor da decisão proferida neste conspecto pelo Tribunal “ a quo”: “Ao abrigo do disposto nos arts. 241.º, n. º1, alínea a) e 60.º n.º 1 do CIRE, e dos arts. 28.º e 22.º do Estatuto do Administrador Judicial, em face do desenvolvimento jurisprudencial, plasmado nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.09.2013 e 28.10.2015; do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2016; do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.07.2016 e do Tribunal da Relação de Évora de 19.01.2017 e de 09.02.2017, com os quais concordamos, pese embora não tenha havido cedência de rendimentos, fixa-se a remuneração anual do Fiduciário em € 100,00, para o primeiro ano de cessão. “.

1.2. Há que reter igualmente que a devedora, relativamente ao 1º ano do período de cessão (Dezembro de 2016 a Novembro de 2017) deveria ter entregue € 913.20 a título de cessão de rendimentos não o tendo feito (cfr. informação do apelante a fls. 7 dos autos).


2. Apesar da insolvente não ter entregue os montantes devidos no primeiro ano do período de cessão, entendeu o Tribunal “ a quo”, na esteira do defendido em diversos arestos que cita, remunerar o fiduciário.

A única questão que o recurso coloca circunscreve-se ao quantum de tal remuneração [1] porquanto o apelante se insurge contra o fixado pugnando que lhe sejam atribuídas 3 UCS.

No que tange à remuneração do Fiduciário, designação que, em função das específicas tarefas cometidas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, se dá ao depositário e administrador das quantias cedidas pelo insolvente que constituem rendimento disponível, durante o período de cessão, estabelece o art.º 240.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que: "A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor" (nº 1), esclarecendo, de seguida, que : "São aplicáveis ao fiduciário, com as devidas adaptações, os nºs 2 e 4 do artigo 38.º, os artigos 56.º, 57.º, 58.º, 59.º e 62.º a 64.º; é também aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 60.º e no n.º 1 do artigo 61.º, devendo a informação revestir periodicidade anual e ser enviada a cada credor e ao juiz" (nº 2).

Por seu turno, do nº1 do art.º 60º decorre que a sua remuneração é fixada nos termos previstos para o administrador da insolvência pelo respectivo Estatuto.

No Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02., cuja versão mais recente é a da Lei n.º 17/2017, de 16/05) consta expressamente que: “A remuneração do fiduciário corresponde a 10 % das quantias objeto de cessão, com o limite máximo de € 5000 por ano.” (Cfr. art. 28.º).

Não é a circunstância de o devedor não cumprir as suas obrigações que pode constituir obstáculo à remuneração do fiduciário, como foi entendimento do Tribunal “ a quo”.

E sendo a remuneração do Fiduciário correspondente a uma percentagem do valor das quantias cedidas, ainda que tal não venha a suceder, nem por isso o mesmo pode deixar de ser remunerado à semelhança do que se prevê no art.º 30º do dito Estatuto: Que o pagamento da remuneração do administrador da insolvência seja suportado pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça.

Todavia, não se vê motivo para que o montante da remuneração seja superior aquele que é definido pelo art.º 28º.
Se as quantias que deveriam ter sido objecto da cessão ascenderiam a € 913.20 no 1º ano, a remuneração do fiduciário seria tão-só correspondente a 10 % das mesmas.

Ao lhe ter atribuído €100 para o primeiro ano de cessão, o Tribunal até excedeu ligeiramente tal percentagem, não havendo fundamento legal para atribuir ao apelante remuneração – que é o que aqui está em causa – superior.

III-DECISÃO

Pelo exposto, acorda este Colectivo do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 18 de Outubro de 2018
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] E é apenas desta que se cuida e não de eventuais despesas que o mesmo tenha suportado e que não reclamou.