Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/13.6TTFAR.E1
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FACEBOOK
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE FARO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
i. Constitui grave violação dos deveres laborais de respeito, urbanidade e mesmo de lealdade devidos ao legal representante da sua entidade empregadora e, nessa medida, constitui justa causa de despedimento, a divulgação feita pelo trabalhador, através da rede social “facebook”, de mensagens cujo teor sabia que feriam a honra e o bom nome do legal representante daquela e demais membros da mesa administrativa, para mais quando nada resultou demonstrado no sentido da veracidade das imputações feitas através dessas mensagens;
ii. A gravidade de tal comportamento ainda se torna mais patente pela circunstância do trabalhador o haver assumido de uma forma velada, usando o subterfúgio de um nome de utilizador e fotografia nada reveladores da sua identidade, com o propósito de não ser reconhecido como trabalhador ou, sequer, como associado que também era da empregadora.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
A..., residente na Rua…, deduziu, no Tribunal do Trabalho de Faro e através do formulário a que se alude nos artigos 98º-C e 98º-D do Código de Processo do Trabalho a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento de que, em 19/12/2012, foi alvo por parte da S…, com sede na R…
Realizada a audiência das partes a que se alude no artigo 98º-F do Cod. Proc. Trabalho, não surtiu a tentativa de conciliação que aí foi levada a efeito.
Notificada, a ré, para apresentar articulado motivador do despedimento, esta alegou, em síntese e com interesse, que é uma pessoa coletiva de utilidade pública que compreende diversos órgãos sociais entre eles a mesa administrativa da qual são membros V.., F... e J... exercendo, ainda, este último as funções de…
Acrescenta que F..., que é utilizadora da rede social facebook com a alcunha de “B…”, recebeu no dia 24 de Maio de 2011 uma mensagem de um outro utilizador dessa rede, de nome “L…”, mas que posteriormente veio a verificar-se ser o aqui autor, com o seguinte teor: “Desculpa o meu atrevimento mas à dias agúem me disse que fazias parte da mesa da s...,, será que ainda não reparaste na pouca vergonha do p… e do outro mensário que eu não conheço. Segundo diz a senhora da contabilidade que só ele faz mais Km de carrinha a passear que as 4 carrinhas que andam a trabalhar, dizem no centro de saúde uma Dra. Que lá esta que quer uma viatura para levar os velhotes e elas andam sempre por fora 1 em vila real e a outra em frente a segurança social o fim-de-semana todo, é essa a contenção que estás a fazer? Foi para isso que não aumentaram aquelas desgraçadas em 10€ para andar a esbanjar dinheiro com os primos de os “F…” a mudar chão da igreja que tinha sido posto a 3 anos? Comprando vitrais? Achas que é essa a tua função? Emprestando dinheiro a musica para comprarem carrinhas assim o disse o presidente dessa colectividade! “E o povo PÁ” vou-te informar que vai ser feita uma queixa a segurança social e ao ministério publico por uso de peculato por parte da mesa da s…!”
A F... fez chegar essa mensagem a J… que, por sua vez, fez queixa-crime contra incertos na qualidade de P… da S...
Alega ainda que, entre os dias 16 de Junho de 2011 e 15 de Outubro do mesmo ano, o autor, usando a mesma designação de “L...”, publicou outras mensagens, desta feita na página do facebook de V…, entre as quais se destaca a de 15 de Outubro de 2011 com o seguinte teor “Sr V… voçe sabe-me dizer como ficou aquele caso em que a funcionaria da s… agrediu um demente? Sabe dizer se o p… ó o sr partecipou ao ministério publico? / (...) Desde quando é que a mesa sabe que o sei: P... anda a usar dois carros por dia em proveito proprio? olhe que o sr sabe que isso é abuso de poder alguém lá de dentro comentou que esse cavalheiro gasta mais gasóleo a passear que os outros a trabalhar”.
Acrescenta que o autor, além de ter difundido algumas das mensagens durante o período normal de trabalho, bem sabia que os referidos dizeres atentavam contra a honra e bom nome do representante da S… e afetavam a respeitabilidade da instituição.
Instaurado processo disciplinar e não demonstrando o autor qualquer arrependimento, concluiu, a final, pela verificação de justa causa para o seu despedimento, despedimento que se mostra lícito.
Notificado deste articulado, respondeu o autor confirmando a autoria das mensagens e alegando que os factos por si relatados correspondem à verdade, não tendo qualquer carácter ofensivo.
Acrescenta, por outro lado, que o seu único intuito foi o de chamar a atenção para comportamentos pouco éticos que ocorrem no exercício das funções do p… e de outro membro da mesa, defendendo assim os superiores interesses da instituição.
Contesta, no entanto, que a sua entidade patronal seja o p…, nega que com o seu comportamento tenha faltado ao respeito, urbanidade e lealdade para com a sua entidade patronal.
Em reconvenção peticiona a declaração da ilicitude do despedimento, a condenação da ré a reintegrá-lo, sem prejuízo da opção pela indemnização, bem como no pagamento de € 8 646, 88 a título de indemnização pela antiguidade, € 2 000,00 por danos morais já que o despedimento lhe causou depressão e das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até trânsito da decisão, tudo acrescido de juros de mora.
A ré exerceu o contraditório invocando que o autor, em sede de audiência de partes, optou pela indemnização pelo que tal direito de opção precludiu. Quanto ao mais impugnou a alegação incluindo a data do início da relação laboral.
Foi dispensada a realização de audiência preliminar e foi admitida a reconvenção, exceto na parte em que o autor pedia a reintegração por tal direito já ter sido exercido.
Saneado o processo sem que se procedesse à seleção da matéria de facto assente, bem como da matéria de facto controvertida, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual o Tribunal de 1ª instância proferiu decisão sobre matéria de facto provada e não provada (fls. 94 a 99), sem terem sido apresentadas quaisquer reclamações.
Seguidamente, foi proferida a sentença de fls. 101 a 114, a qual culminou com a seguinte decisão:
Em face do exposto julgo o pedido do A., A..., improcedente e, consequentemente, declaro lícito o seu despedimento, absolvendo a R. do demais peticionado.
Custas pelo A. (cfr. art. 446º do C.P.C.).
Fixo o valor da causa em € 10 646, 88.

Inconformado com esta sentença, dela veio o autor interpor recurso para esta Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
A) – Objectiva e subjectivamente o comportamento do trabalhador não tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, pelo que a Meritíssima Juiz “a quo”, com o devido respeito, não fez uma interpretação legítima do conceito de justa causa, violando o preceituado no art.º 351.º do C.T.. .
B) – O comportamento do trabalhador não teve quaisquer consequências para a S…
C) – Os requisitos cumulativos da justa causa de despedimento não se verificam no caso presente.
D) – As consequências invocadas pela Recorrida têm a ver com o P… e nada têm a ver com a Instituição e entidade patronal;
E) – Não é legítima a quebra da relação laboral perante os factos dados como provados uma vez que todos se referem à pessoa do P…
F) – Era possível a manutenção da relação de trabalho e viável a sua subsistência, dadas as funções de motorista desempenhadas pelo Recorrente, sem qualquer interferência na gestão.
G) – O despedimento deve ser declarado ilícito com as legais consequências.
Nestes termos e nos demais de direito que VV.Exas. doutamente suprirão deverá o presente recurso ser admitido e, em consequência:
a) Deverá a douta sentença proferida pelo tribunal “ a quo”, ser revogada, substituindo-a por outra que considere ilícito o despedimento do ora Recorrente, com as legais consequências, só assim se fazendo o que é de Lei e de Justiça.

Contra-alegou a ré formulando as seguintes conclusões:
1. O Exmo. Tribunal "a quo ", na douta sentença proferida nos presentes autos, deu como provados os fatos constantes dos pontos nºs 1 a 24 do probatório (cfr. aI. A), da Parte III da douta sentença proferida);
2. O Recorrente, no douto Recurso interposto, não colocou em causa a matéria de fato dada por assente;
3. O Recorrente não logrou provar a veracidade das imputações formuladas e não conseguiu ilidir a presunção que decorre do disposto no artigo 799.° n.º 1 do Código Civil;
4. Atenta a factualidade dada por assente, verifica-se que o Recorrente, pelo seu comportamento, violou culposamente os deveres laborais de respeito, de urbanidade e de lealdade a que estava legal e contratualmente vinculado para com a sua entidade empregadora, ora Recorrida;
5. A conduta do Recorrente, tendo em conta as circunstâncias em que se processou e as consequências que acarretou, inclusivamente para a própria instituição, é muito grave;
6. A gravidade da conduta do Recorrente depõe no sentido da adequação da sanção expulsiva ao caso concreto, não sendo razoável exigir à Recorrida a manutenção da relação de emprego;
7. O despedimento, porquanto assentou em justa causa, é lícito e não dá azo a qualquer indemnização ou compensação ao Recorrente;
8. A douta sentença proferida pelo Exmo. Tribunal "a quo ", não merece qualquer reparo porquanto deverá manter-se na íntegra.
Do Pedido:
Nestes termos, e nos mais de Direito, deverá o presente Recurso improceder na sua totalidade, confirmando-se, integralmente, o decidido pelo Exmo. Tribunal "a quo".
Assim decidindo, V. Excelências decidirão bem e com Justiça!

Admitido o recurso na espécie própria e com adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Mantido o recurso, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 87º do Cod. Proc. Trabalho, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido o parecer de fls. 152 a 155, no sentido da procedência, pelo menos, parcial do recurso interposto, entendendo-se que o despedimento do autor, por não assente em justa causa, deve ser considerado ilícito.
Respondeu a ré pugnando pela licitude do despedimento e manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

Questões a apreciar
Dado que, como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o objeto da sua apreciação, coloca-se à análise desta 2ª instância a questão de saber se, no caso vertente, se verifica ou não justa causa para o despedimento do autor e se, como tal, este se deve considerar como lícito ou ilícito e quais as consequências daí decorrentes.

II - APRECIAÇÃO

Fundamentos de facto
Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
1. O A. foi admitido ao serviço da R. para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de motorista no dia 05 de Julho de 1999.
2. O A. era igualmente associado da S…
3. A R. é uma pessoa coletiva de utilidade pública “ (...) com o objetivo de satisfazer carências sociais e praticar atos de culto católico, de harmonia com o seu espírito tradicional, e ainda pelos princípios da Doutrina Social da Igreja e da Moral Cristã”.
4. A R. compreende diversos órgãos sociais, entre eles, a mesa administrativa.
5. São membros do referido órgão V… e F…
6. J…, para além de ser membro da mesa administrativa, desempenha igualmente as funções de … da S…
7. F… é utilizadora da rede social “facebookque opera sob a plataforma e nome de domínio www.facebook.com.
8. F…, enquanto utilizadora do software facebook”, utiliza a alcunha “B…”.
9. No dia 24 de Maio de 2011, outro utilizador do “facebook”, com o nome de utilizador “L…” colocou na página de F… a seguinte mensagem:
“Desculpa o meu atrevimento mas à dias agúem me disse que fazias parte da mesa da s…, será que ainda não reparaste na pouca vergonha do p…e do outro mensário que eu não conheço. Segundo diz a senhora da contabilidade que só ele faz mais Km de carrinha a passear que as 4 carrinhas que andam a trabalhar, dizem no centro de saúde uma Dra. Que lá esta que quer uma viatura para levar os velhotes e elas andam sempre por fora 1 em vila real e a outra em frente a segurança social o fim-de-semana todo, é essa a contenção que estás a fazer? Foi para isso que não aumentaram aquelas desgraçadas em 10€ para andar a esbanjar dinheiro com os primos de os “F…” a mudar chão da igreja que tinha sido posto a 3 anos? Comprando vitrais?
Achas que é essa a tua função? Emprestando dinheiro a musica para comprarem carrinhas assim o disse o presidente dessa colectividade! “E o povo PÁ” vou-te informar que vai ser feita uma queixa a segurança social e ao ministério publico por uso de peculato por parte da mesa da s…!”.
10. F…, por sua livre e espontânea vontade, fez chegar a referida mensagem à posse de J…
11. F… desconhecia, na referida data, a identidade do autor da mensagem.
12. J… apresentou queixa-crime, pelo crime de difamação, contra incertos junto dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Vila Real de Santo António.
13. Posteriormente à afixação e difusão da mensagem dirigida a F… o mesmo utilizador, com o nome “L...”, difundiu outras mensagens, desta feita, na página do “facebookde V…
14. Tais mensagens foram difundidas entre vinte e seis de Junho de 2011 e 15 de Outubro de 2011.
15. Assim, no dia 15 de Outubro de 2011, às 12h07m o A. dirigindo-se a V… escreveu: “Sr V... voçe sabe-me dizer como ficou aquele caso em que a funcionaria da s…agrediu um demente? sabe dizer se o p… ó o sr partecipou ao ministério publico? / (...,) Desde quando é que a mesa sabe que o sei: P… anda a usar dois carros por dia em proveito proprio? olhe que o sr sabe que isso é abuso de poder alguém lá de dentro comentou que esse cavalheiro gasta mais gasóleo a passear que os outros a trabalhar”.
16. No decurso do inquérito crime, tramitado sob n.º 255/11.5TAVRS, veio a apurar-se que o nome de utilizador “L…” fora criado e era usado para o efeito pelo A..
17. O A. criou um perfil no facebook com o nome “L…”, onde colocou uma fotografia recolhida aleatoriamente da internet, para poder comunicar naquela rede social sem revelar a sua verdadeira identidade, em virtude de ser “irmão” da S… e funcionário da mesma instituição.
18. O A., agiu de forma livre e esclarecida, bem sabendo que os referidos dizeres feriam a honra e bom nome da pessoa do P… e representante da sua entidade empregadora, o que efetivamente conseguiu.
19. O A. difundiu a mensagem referida em 15º quando estava ao serviço.
20. A R., sendo uma instituição sem fins lucrativos, dedica-se especialmente a atividades de escopo previdencial e de ação social proporcionando, designadamente, os serviços de lar e de cuidados de saúde a idosos.
21. Tendo em conta a sua atividade e a sua natureza, pautada pela doutrina Social da Igreja e pela Moral cristã a preservação da confiança da comunidade, seja na respeitabilidade e competência dos seus órgãos dirigentes, seja na organização e funcionamento da entidade empregadora, constituem um aspeto fundamental.
22. Instaurado processo disciplinar, no dia 14 de Dezembro de 2012 a R. proferiu decisão de despedimento do A., a qual lhe foi comunicada por carta registada com aviso de receção recebida em 19 de Dezembro do mesmo ano.
23. À data do despedimento o A. exercia as funções de motorista de 2ª, competindo-lhe conduzir veículos ligeiros para o que tinha carta de condução e auferia € 640,51/mês, acrescida de € 4,27/dia a título de subsídio de alimentação.
24. O A. nasceu a 24/10/1951.

Dado que esta matéria de facto não foi objeto de impugnação, nem se veem razões de ordem legal para a sua alteração, considera-se a mesma como definitivamente assente.
Fundamentos de direito
Sendo incontroversa a existência de uma relação de natureza contratual laboral entre as partes, relação que se verificava desde 5 de Julho de 1999, altura em que o autor foi admitido ao serviço da ré, para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções de motorista, mediante o percebimento de uma retribuição mensal e tendo aquele sido despedido por esta em 19 de Dezembro de 2012, no âmbito de procedimento disciplinar que a ré lhe instaurara no dia 14 do mesmo mês e ano, a questão submetida à nossa apreciação, consiste em, como se referiu supra, saber se esse despedimento se funda em justa causa e se, como tal, se deve considerar lícito ou ilícito e quais as consequências daí decorrentes tendo em consideração a decisão recorrida.
Importa, antes de mais referir que a mencionada questão de recurso deve ser apreciada à luz do regime jurídico instituído através do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02.
Posto isto, estabelece o art. 351.º n.º 1 deste Código que, «[c]onstitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».
Enunciam-se, depois, no n.º 2 do mesmo preceito e a título meramente exemplificativo (nomeadamente), diversos comportamentos suscetíveis de constituírem justa causa de despedimento de um trabalhador pela sua entidade empregadora.
Contudo, como sempre afirmamos quando somos chamados a apreciar questões deste género, não basta a demonstração de qualquer comportamento violador de deveres laborais por parte do trabalhador, para que, de imediato, possamos concluir pela verificação de justa causa para o despedimento deste. Para que tal suceda, mostra-se necessário que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) Que o comportamento em causa seja culposamente assumido pelo trabalhador (requisito subjetivo);
b) Que o comportamento em causa seja, em si mesmo, grave e com consequências gravosas (requisito objetivo);
c) Que se verifique a existência de um nexo de causalidade entre a assunção do comportamento em causa e a imediata e prática impossibilidade de subsistência da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (motivo determinante).
A justa causa de despedimento pressupõe, portanto, uma determinada ação ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo laboral estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo contratual.
Quer a culpa, quer a gravidade da violação de tais deveres, na falta de um critério legalmente estabelecido, hão-de apurar-se pelo entendimento de um “bonus pater famílias” ou, por mais adequado ao caso, de um “empregador normal, médio”, colocado em face do caso concreto na posição do real empregador, utilizando-se, para o efeito, critérios de objetividade e razoabilidade(() Cfr. neste sentido e entre muitos os Acs. do STJ de 07-03-1986 e de 17-10-1989, em www.dgsi.pt, Procs. n.ºs 001266 e 002519.), sendo que, quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral e citando, entre outros, o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2012(() Proc. n.º 686/07.5TTPRT.P1.S1, publicado em www.dgsi.pt.), haverá que considerar que aquela se verifica e, nessa medida, se justifica a adoção do despedimento-sanção «… sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador», como sucederá, designadamente, quando os factos levem a concluir pela verificação de uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, suscetível de criar no espírito daquele uma legítima dúvida sobre a idoneidade futura da conduta deste último, deixando de existir um suporte psicológico mínimo para o normal desenvolvimento da relação laboral entre ambos.
Importa, no entanto, considerar que, sendo o despedimento imediato e sem qualquer indemnização ou compensação a sanção disciplinar mais gravosa para o trabalhador infrator, na medida em que é a única que, desde logo e em termos irreversíveis, quebra o vínculo laboral existente, só deverá ser aplicada em casos de bastante gravidade, isto é, quando o comportamento culposo assumido pelo trabalhador for de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele como inadequada a adoção, pelo empregador, de uma das outras sanções disciplinares – repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, perda de dias de férias ou a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade – colocadas, por lei (art. 328º do aludido CT), à sua disposição e que, embora corretivas, conservam o vínculo contratual existente entre as partes.
Na verdade, importa não esquecer que, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 330º do mesmo Código, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do trabalhador infrator.
A sanção disciplinar de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação, deve, portanto, ser adotada apenas quando a conduta violadora, culposamente assumida pelo trabalhador infrator, ponha definitivamente em causa o aludido suporte psicológico mínimo de confiança em que assenta ou deve assentar a relação contratual de trabalho.
Finalmente, importa também levar em linha de conta o que se determina no n.º 3 do mencionado art. 351º do Código do Trabalho, ou seja, que, «[n]a apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes … e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».
Ora, tendo em consideração todos estes aspetos e revertendo ao caso em apreço, demonstrou-se que, sendo o aqui autor trabalhador ao serviço da ora ré desde 5 de Julho de 1999, aí desempenhando, desde então e sob as ordens, direção e fiscalização desta, as funções de motorista mediante o percebimento de uma retribuição mensal, no dia 24 de Maio de 2011, utilizando a rede social “facebook” e mediante o nome de utilizador “L…” dirigiu a F…, um dos membros da mesa administrativa da ré e igualmente utilizadora da referida rede social, a seguinte mensagem: «Desculpa o meu atrevimento mas à dias agúem me disse que fazias parte da mesa da s…, será que ainda não reparaste na pouca vergonha do p… e do outro mensário que eu não conheço. Segundo diz a senhora da contabilidade que só ele faz mais Km de carrinha a passear que as 4 carrinhas que andam a trabalhar, dizem no centro de saúde uma Dra. Que lá esta que quer uma viatura para levar os velhotes e elas andam sempre por fora 1 em vila real e a outra em frente a segurança social o fim-de-semana todo, é essa a contenção que estás a fazer? Foi para isso que não aumentaram aquelas desgraçadas em 10€ para andar a esbanjar dinheiro com os primos de os “F…” a mudar chão da igreja que tinha sido posto a 3 anos? Comprando vitrais? Achas que é essa a tua função? Emprestando dinheiro a musica para comprarem carrinhas assim o disse o presidente dessa colectividade! “E o povo PÁ” vou-te informar que vai ser feita uma queixa a segurança social e ao ministério publico por uso de peculato por parte da mesa da s…!» (cfr. pontos 1., 4., 5., 7., 9. e 16. dos factos provados).
Provou-se também que a referida F…, desconhecendo quem havia sido o remetente desta mensagem, de livre e espontânea vontade fez chegar a mesma à posse de J…, membro da mesa administrativa e P… da ré, tendo este apresentado queixa-crime junto dos serviços do Ministério Público da Comarca de Vila Real de Santo António, por crime de difamação contra incertos (cfr. pontos 10. e 12.).
Para além disso, demonstrou-se que após a difusão da aludida mensagem, o autor, igualmente sob o nome de utilizador “L…”, entre 26 de junho e 15 de outubro de 2011 difundiu outras mensagens, estas na página de “facebook” de V…, também ele membro da mesa administrativa da ré, figurando entre essas mensagens a de 15 de Outubro de 2011 com o seguinte teor: «Sr V…voçe sabe-me dizer como ficou aquele caso em que a funcionaria da s…agrediu um demente? sabe dizer se o p… ó o sr partecipou ao ministério publico? / (...,) Desde quando é que a mesa sabe que o sei: P… anda a usar dois carros por dia em proveito proprio? olhe que o sr sabe que isso é abuso de poder alguém lá de dentro comentou que esse cavalheiro gasta mais gasóleo a passear que os outros a trabalhar» (cfr. pontos 4., 5., 15. e 16. dos factos provados.).
Finalmente e ainda com interesse demonstrou-se que o autor criou um perfil no facebook com o nome “L…”, onde colocou uma fotografia recolhida aleatoriamente da internet, para poder comunicar naquela rede social sem revelar a sua verdadeira identidade, em virtude de ser “irmão” da S… e funcionário da mesma instituição, difundiu esta última mensagem quando estava ao serviço, e agiu de forma livre e esclarecida, bem sabendo que os dizeres das referidas mensagens feriam a honra e bom nome da pessoa do P… e representante da sua entidade empregadora, o que efetivamente conseguiu (Cfr. pontos 17. a 19. dos factos assentes).
Em face desta matéria de facto provada e tendo em consideração os referidos aspetos jurídicos decorrentes do direito que, ao caso, é aplicável, também nós, à semelhança do que se verificou na sentença recorrida, não podemos deixar de concluir que os comportamentos assumidos de forma culposa – já que podia e tinha capacidade para agir de modo diverso – pelo aqui autor, constituem grave violação dos seus deveres laborais de respeito, urbanidade e mesmo de lealdade devidos ao legal representante da sua entidade empregadora. Para mais quando é certo que nada resultou demonstrado no sentido de corresponderem, de algum modo, à verdade as imputações por ele feitas ao P… e demais membros da mesa administrativa da ré através das referidas mensagens.
A isto acresce a circunstância de que o autor, ao atuar da forma descrita, sobretudo, tendo conhecimento de que o teor das referidas mensagens feria a honra e o bom nome da pessoa do P… da ré, haver pretendido e, ao que tudo leva a crer, alcançado esse preciso objetivo, já que, frisa-se, para além de nada se haver demonstrado no sentido da verificação das imputações por ele feitas através do referido meio, se constata que o mesmo o fez de uma forma velada, usando o subterfúgio de um nome de utilizador de facebook nada revelador da sua identidade, de forma a não ser reconhecido como trabalhador ou, sequer, como associado que também era da ré, o que torna, de todo, intolerável a violação dos mencionados deveres laborais, tendo em conta os princípios de boa-fé que devem presidir não só a formação mas também a execução dos contratos.
A circunstância do autor ser trabalhador ao serviço da ré desde julho de 1999 e de não ter qualquer passado em termos disciplinares não torna tolerável tão inusitado comportamento.
Verifica-se, pois, a ocorrência de justa causa para o despedimento do autor concretizado pela ré através de procedimento disciplinar que oportunamente lhe instaurou, não merecendo censura a sentença recorrida ao haver decidido desse modo.
III – DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Évora, 30.01.2014
(José António Santos Feteira)
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)