Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
119/14.0TTFAR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
TEMPO DE DISPONIBILIDADE
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Dedicando-se a entidade empregadora à actividade de transporte rodoviário de passageiros, à organização do trabalho é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho;
II. Por isso, o “tempo de disponibilidade”, em que a trabalhadora não se encontra obrigada a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrita à realização da actividade em caso de necessidade, não constitui tempo de trabalho;
III. Em conformidade com as proposições anteriores, as prestações pagas a título de tempo de disponibilidade não integram a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal;
IV. No âmbito do Código do Trabalho de 2003, e posteriormente do Código do Trabalho de 2009, o subsídio de Natal reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades a não ser que as disposições legais, convencionais ou contratuais disponham “em contrário”, assumindo, nessa medida, uma ruptura com o direito anterior;
V. Peticionando a Autora o pagamento de juros de mora (pedido acessório, distinto do pedido principal, que não se encontra abrangido pela irrenunciabilidade dos créditos laborais) sobre créditos vencidos desde a data da propositura da acção, é nula, por condenação superior ao pedido, a sentença que condena a Ré no pagamento de juros de mora desde as datas de vencimentos das respectivas prestações, anteriores à propositura da acção.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 119/14.0TTFAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. BB, devidamente identificada nos autos, intentou no extinto Tribunal do Trabalho de Faro a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC Transportes, S.A., também devidamente identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 2.916,12 a título de retribuição de férias, € 2.916,12 a título de subsídio de férias, € 2.916,12 a título de subsídio de Natal e ainda € 2.030,05 a título de descanso compensatório, tudo acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal, contados desde a propositura da acção até integral pagamento.
Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 19 de Setembro de 2005, passando desde essa data a desempenhar as funções de motorista de veículos pesados de passageiros e que no desempenho dessas funções prestou, com carácter regular e periódico, trabalho suplementar e nocturno, teve o denominado “tempo de disponibilidade” e recebeu o correspondente subsídio.
Acrescentou que as quantias auferidas pelos títulos indicados integram a sua retribuição, pelo que devem ser computadas na retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal.
Além disso, tendo prestado trabalho fora do horário de trabalho teria direito ao descanso compensatório e, uma vez que o mesmo não lhe foi concedido, tem direito ao correspondente pagamento.
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Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, por excepção e por impugnação: (i) por excepção, sustentando a prescrição dos juros de mora em relação aos créditos vencidos mais de cincos antes da data de citação; (ii) por impugnação, afirmando, muito em resumo, que embora sempre tenha remunerado a Autora por todas as horas compreendidas entre o início e o termo do respectivo horário de trabalho, ressalvados os intervalos de refeição – pagando-lhes as primeiras oito horas pelo valor normal e as horas seguintes com o acréscimo previsto para a remuneração de trabalho suplementar, mesmo que tenham ocorrido nos períodos durante os quais ela não exerceu, nem lhe foi solicitada, qualquer actividade – daí não decorre que o pagamento pela prestação de tal trabalho lhe dê (à Autora) direito ao descanso compensatório previsto no contrato colectivo de trabalho aplicável, uma vez que este apenas prevê o descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório e pela prestação de trabalho em dia feriado no estrangeiro.
Além disso, tais prestações não integram a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal.
Em conformidade concluiu pela procedência da excepção de prescrição, em relação aos juros de mora, e pela improcedência da acção.
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Os autos prosseguiram os termos legais, tendo em 20-05-2015 sido proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
“Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
A) Condenar a R. CC Transportes, S.A. a pagar à A. BB a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respectivos subsídios de férias e de Natal pagos nos anos de 2006 a 2011, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar propriamente dito nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, acrescida de juros de mora desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento;
B) Condenar a R. CC Transportes, S.A. a pagar à A. BB a quantia de € 2.030,05 a título de descanso compensatório, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data limite de 90 dias, subsequentes ao vencimento de cada período de descanso compensatório.
C) Absolver a R. CC Transportes, S.A. do restante peticionado”.
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Inconformada com a sentença, a Autora dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“I – As relações de trabalho entre A. e R. aplica-se o A.E. publicado no B.T.E. 1ª serie nº 38 de 15/10/1991 e suas sucessivas alterações.
II – A A. a solicitação da R. auferiu a título de horas extras, mensalmente, quantias pecuniárias desde Janeiro de 2006 a Dezembro de 2011 (vide recibos de vencimentos junto á p.i. como docs n.ºs 1 a 75 e matéria dada como provada e supra referida).
III – A A. executou ao longo do tempo a que se refere a ação sub judice, trabalho suplementar com regularidade a solicitação da R. e no interesse desta.
IV – A A. para além do trabalho suplementar efetivamente prestado, para além do seu horário normal, esteve disponível para, quando a R. o entendesse, ordenar a execução desse trabalho.
V – A atividade diária da A. é organizada pela R., por escalas pelas quais lhe era atribuída uma chapa de serviço. Era,
VI – Pela consulta desta chapa a A. sabia em que períodos do dia, para além do intervalo de descanso, não tinha trabalho distribuído. Mas,
VII – Também sabia que durante tais períodos podia ser chamada para prestar qualquer serviço de motorista ou outro.
VIII – A R., até Fevereiro de 2009 sempre pagou ao A., o período de tempo posterior á 8ª hora do inicio da jornada de trabalho, na rubrica trabalho suplementar (H.Extr). Mas,
IX – A partir de Maio de 2009 tal período de tempo passou a ser pago sob as rubricas “H.Extra” e “Tempo de Disponibilidade”.
X – A douta sentença recorrida acolheu o conceito de tempo de disponibilidade resultante do D.L. nº 237/2007 de 19/6 e por ele introduzido para pessoas que exerçam atividades móveis de transportes rodoviário, embora não tivesse aplicado o dito Decreto-lei.
XI – A A. ora recorrente exerce as atividades referidas no número imediatamente anterior.
XII – Da análise das ditas chapas, a douta sentença recorrida concluiu que o tempo em que a A. não conduzia era tempo de disponibilidade. E,
XIII – Embora pago pela R. como trabalho extraordinário ou ao preço de trabalho extraordinário/suplementar, não pode ser entendido como tempo de trabalho. E,
XIV – Consequentemente, o pagamento deste tempo não tem natureza retributiva.
XV – Insurge-se a A. contra tal conclusão e dela recorre. Na verdade,
XVI – Resulta da matéria dada como provada, que é no interesse da R. que a A. se encontra disponível para além do seu horário normal de trabalho, a fim de realizar trabalho suplementar sempre que lhe seja ordenado dentro da jornada de trabalho.
XVII – Resulta igualmente provado – ponto 2 da fundamentação da douta sentença – que a A., na grande maioria dos casos, não pode ir para casa (durante o período denominado de tempo de disponibilidade), por motivos vários, nomeadamente, distancia da mesma, não pode desenvolver tarefas de que gosta ou necessita, dado, v.g., o facto de estar fardado e não dispor de sitio para mudar de roupa e que só excecionalmente deixa as imediações das paragens ou se ausenta das estações. Contudo, não é obrigado a permanecer no local de trabalho.
XVIII – A douta sentença recorrida não considera que o pagamento dos períodos ditos de inatividade, não revestem a natureza de retribuição á luz dos artigos 249º e 258º dos C.T. de 2003 e 2009, respetivamente. Mas,
XXIX – Considera a ora recorrente que tal pagamento deve revestir natureza retributiva. Dado que,
XX – Por um lado, são regulares e periódicas, isto é, são pagas mensalmente e dizem respeito a períodos de tempo quase diários, sendo igualmente parte não despicienda da retribuição mensal da A.. Pelo que,
XXI – Na esteira por todos do estipulado no ac. do S.T.J. no processo nº 2065/075 TTL.S.B.L 1.51 disponível em www.dgsi.pt, e do preceituado no disposto nos artigos 82º da LCT e nos artigos 249º e 258º dos C.T. de 2003 e 2009 respetivamente, devem ser tidos como pagamentos de natureza retributiva.
XXII – Por outro lado, tais períodos de tempo devem ser considerados tempo de trabalho e em consequência retribuídos como tal, foi sempre assim que a R. o fez. Pois,
XXIII – Se a R. sempre pagou esse tempo como tempo de trabalho extraordinário, é porque o considerou como tempo de trabalho. Aliás,
XXIV – Este entendimento resulta do preceituado no artigo 2º da Lei nº 73/98 de 10/11 e do artigo 156º nº 1 alínea a) do C.T. de 2003, bem como do disposto no artigo 5º em conjugação com disposto no artigo 197º nº 2 alínea a) do C.T. de 2009, que não são contrariados pelo A.E. aplicável á relação sub júdice. Na verdade,
XXV – Tanto a R. como a A. sempre consideraram como tempo de trabalho as interrupções que a douta sentença recorrida apelida de tempo de disponibilidade.
XXVI – A consideração de tais períodos como tempo de trabalho resultam também do que é uso da empresa (matéria dada como provada e docs nºs 1 a 75 junto á p. i.)
XXVII – Estes períodos devem ser remunerados como trabalho extraordinário/suplementar, como, aliás, sempre foram. Dado que,
XXVIII – É tempo de trabalho que se verifica para além do tempo de trabalho normal (8 horas por dia). Assim,
XIX – Decidindo como o fez, a douta sentença recorrida desrespeitou os normativos legais referidos supra em XXI e XXIV. Pelo que,
XXX – Deve a douta sentença recorrida ser parcialmente revogada, por violação de tais normativos, substituindo-se a mesma por outra que condene a R. como peticionado pela A. ora recorrente, dado que o pedido de capital é líquido.
Contudo, Colendos Juízes Desembargadores V.Ex.ª farão, estou certo, farão a costumada justiça”.
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A Ré apresentou contra-alegações a pugnar pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:
“A) O Dec. Lei 237/2007, de 19 de Junho, procedeu à transposição da Directiva 202/15/CE para o direito interno português e veio “regular determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março;
B) Tal como a Directiva transposta, o Dec. Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, aplica-se aos trabalhadores móveis como tal se considerando aqueles que fazem parte do pessoal viajante ao serviço de um empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários de passageiros ou de mercadorias, abrangida pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 cit. ou pelo AETR;
C) Ao contrário do sustentado no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 11/03/2010 (FELIZARDO PAIVA), tirado no Processo 608/09.9TTVIS.C1 e conforme se reconheceu nos ACÓRDÃOS do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA de 17/12/2014 (ISABEL TAPADINHAS), tirado no processo nº 715/13.3TTVFX.L1-4, de 15/04/2015 (CELINA NÓBREGA), tirado no processo 717/13.0TTVFX.L1 e de 01/07/2015 (PAULA SANTOS), tirado no processo nº 720/13.0TTVFX.L1, o regime aprovado pelo Dec-Lei nº 237/2007 aplica-se aos contratos de trabalho como o do autos e, por isso, conforma a organização dos tempos de trabalho da Autora;
D) O tempo de disponibilidade, definido, no artigo 2º alínea c) do Dec. Lei nº 237/2007 não é considerado tempo de trabalho pelo artigo 5º do mesmo diploma;
E) As regras de organização do tempo de trabalho estabelecidas pelo Dec. Lei nº 237/2007 são privativas dos trabalhadores móveis, criadas e delineadas tendo em atenção as especiais características da actividade, nomeadamente, a normal descontinuidade do exercício efectivo das funções dos condutores, características essas que impõem ritmos de trabalho e exigências próprios e, nos termos do disposto no seu artigo 1º nº 3, prevalecem sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho;
F) O que estas regras têm de especial em relação ao regime regra dos demais trabalhadores -- portanto dos trabalhadores não móveis aos quais se aplicam as regras do Código de Trabalho – é, além do mais, que no cômputo do período normal de trabalho diário e consequentemente, tanto no cômputo do período normal de trabalho semanal, como no cômputo do trabalho suplementar, não são contados os períodos de simples disponibilidade; ou seja, os períodos de disponibilidade são períodos neutros, que não contam como tempo de trabalho, mas que também não são tempos de descanso;
G) Assim, os períodos de inactividade da Autora que a Douta Sentença recorrida deu como provados, são verdadeiros tempos de disponibilidade em face da definição fornecida pelo artigo 2º alínea c) do Dec. Lei nº 237/2007, de 19 de Junho, que, por não serem considerados tempos de trabalho, não podem contar para o cômputo do respectivo horário de trabalho e, consequentemente, não podem ser tidos em conta no cálculo do trabalho suplementar constitutivo do direito aos descansos compensatórios;
H) Para o cálculo do descanso compensatório só poderá, pois, ser tomado em conta o tempo de exercício efectivo da actividade contratada que exceda o período normal de trabalho diário que cada trabalhador;
I) Os pagamentos que a R. ora recorrente fez à A. sob a designação genérica de “H. EXTRA”, até Fevereiro de 2009 e sob a designação de “TEMPO DE DISPONIBILIDADE” e de “SUPLEMENTO DE DISPONIBILIDADE”, a partir de Março de 2009, compreenderam todo o tempo decorrido após a oitava hora contada do início do horário de trabalho, ressalvado apenas o tempo correspondente ao intervalo de descanso e quer se tenha tratado de tempo durante o qual ela exerceu a sua actividade, quer se tenha tratado de períodos durante os quais não houve prestação de qualquer tarefa de condução ou outra;
J) As importâncias que a R. pagou à A. como compensação pelo tempo de disponibilidade não têm natureza retributiva, porque a retribuição é, desde logo e necessariamente, a contrapartida do trabalho e aquelas não se destinam a retribuir o trabalho, mas a compensar a simples disponibilidade, que não é tempo de trabalho;
K) A esta conclusão não pode objectar o facto da R. até Fevereiro de 2009 ter pago tais importâncias sob a designação genérica de “H. EXTRA” (portanto, como se de trabalho suplementar se tratasse), pois, “ … em matéria de retribuição vale também o princípio do realismo e não o do nominalismo. Em suma, o que importa saber para qualificar uma prestação como retribuição não é o nome que as partes lhe dão (…) mas sim se ela reúne as características legais e, designadamente, se é contrapartida do trabalho. Daí que (…) os empregadores possam demonstrar (…) que pagaram como trabalho suplementar, assim mencionado no recibo, não apenas trabalho suplementar genuíno, mas também horas de disponibilidade que não são tempo de trabalho e cuja contrapartida não é, por isso, retribuição”;
L) Em consequência, tais importâncias não são devidas nem na retribuição das férias, nem no subsídio de férias, nem, tão pouco, no subsídio de Natal;
M) Ao decidir que períodos de inactividade da A. não são tempos de trabalho e que, por isso, não podem ser considerados no cômputo do trabalho suplementar constitutivo do direito ao descanso compensatório e que os valores que a R. lhe pagou como compensação desses períodos não têm natureza retributiva, não devendo a média desses pagamentos integrar a remuneração das férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal, a Sentença recorrida não merece qualquer censura, pois procedeu a uma criteriosa aplicação do direito aos factos dados como provados.
Termos em que, julgando-se a Apelação da A. totalmente improcedente, deverá manter-se a Sentença recorrida nos precisos termos ora postos em crise”.
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Para além de contra-alegar, a Ré interpôs recurso subordinado, onde arguiu desde logo, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, por ter condenado em quantidade superior ao pedido quantos aos juros de mora [artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC] e por falta de fundamentação (de facto) quanto à condenação em € 2.030,05 a título de descanso compensatório [alínea b) do mesmo número e artigo].
E a terminar as alegações formulou as seguintes conclusões:
“A) A composição do subsídio de Natal, quer no âmbito do CT2003, como, depois, no âmbito do CT2029, restringe-se à retribuição base e às diuturnidades;
B) Ao condenar a ora recorrente a pagar à A. a quantia em falta nos subsídios de natal pagos nos anos de 2006 a 2011 correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar propriamente dito nos 12 meses que antecederam o pagamento desses subsídios, a Sentença recorrida interpretou incorrectamente e, com isso, violou as disposições dos artigos 250º e 254º CT2003 e 262º e 263º CT2009;
C) O Tribunal recorrido não dispunha de todos os elementos necessários para proferir uma condenação líquida a título de descanso compensatório não gozado, faltando-lhe saber, em especial, quais os dias úteis em que foi prestado o trabalho suplementar que conferiu o direito ao descanso compensatório, qual o número de horas prestadas em cada um dos dias e qual a remuneração que a A. auferia no nonagésimo dia subsequente ao vencimento de cada dia de descanso não gozado, pelo que deveria ter feito uso do disposto no artigo 609º nº 2 NCPC, remetendo o apuramento dos valores devidos pela R. para liquidação posterior;
D) Ao proferir a condenação líquida que proferiu, a Sentença recorrida violou o disposto neste artigo 609º nº 2 NCPC.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Excias. Doutamente proverão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá a decisão recorrida ser revogada”.
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Os recursos (independente e subordinado) foram admitidos na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.
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Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou apenas sobre o recurso da Autora, concluindo pela sua improcedência.
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Preparando a deliberação, foi remetido projecto de acórdão aos exmos. juízes desembargadores adjuntos.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Consabido como é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam, no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. Do recurso da Autora:
i. saber se a compensação que lhe foi paga pela Ré pelo tempo de disponibilidade integra a retribuição da mesma e deve ser computada no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal;
2. Do recurso da Ré:
i. saber se a sentença é nula, (a) por ter condenado em quantidade superior ao pedido, ou seja, em juros de mora desde o vencimento das respectivas prestações, quando apenas foi pedida a condenação a tal título desde a propositura da acção, (b) e também por falta de fundamentação quanto à condenação na quantia líquida de € 2.030,05 a título de descanso compensatório, devendo no apuramento deste ter-se apenas em conta o período de trabalho suplementar propriamente dito (que designaremos também por trabalho suplementar “stricto sensu”, para distinguir do trabalho suplementar lato sensu onde a Ré incluía também o pagamento do tempo de disponibilidade);
ii. saber se existe fundamento para condenar a Ré no pagamento à Autora da pretensa quantia em falta nos subsídios de Natal dos anos de 2006 a 2011, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar propriamente dito nos 12 meses que antecederam o pagamento desses subsídios.
iii. saber se o tribunal recorrido dispunha de elementos para proferir a condenação líquida a título de descanso compensatório.
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III. Factos
Constatando-se que não vem questionada a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, e não se vislumbrando fundamento legal para a sua alteração, entende-se ser de manter a mesma.
Todavia, por um lado, por comodidade de referência, e até de localização, substitui-se a indicação dos factos por alíneas pela numeração dos mesmos; por outro, a matéria de facto é significativamente extensa, face à concreta indicação do que a Autora auferiu a título de “horas extra” e ao concreto “tempo de disponibilidade”.
Tal matéria de facto não vem concretamente posta em causa.
Por isso, em conformidade com o previsto no n.º 6 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, a fim de evitar uma desnecessária extensão da matéria de facto no presente acórdão, considera-se aqui por reproduzido o que consta da sentença recorrida, mais especificamente da matéria de facto, quanto ao que a Autora auferiu a título de “horas extra”, “tempo de disponibilidade”, “suplemento de disponibilidade”, trabalho nocturno e ainda quanto aos concretos períodos de “tempo de disponibilidade”.
Assim, feita esta advertência, na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. A A. foi admitida ao serviço da R. em 19/09/2005, para prestar serviço de motorista de veículos pesados de passageiros;
2. No exercício das suas funções a A. ocupava-se da condução de veículos automóveis pesados de passageiros, prestava serviço de agente único, zela pela boa conservação e limpeza da viatura, verifica os níveis de óleo, água, combustível;
3. Sempre a A. desempenhou tais funções sob a ordem, direcção e fiscalização permanentes da R.;
4. O horário de trabalho da A. é de oito horas por dia e quarenta horas semanais;
5. Às relações de trabalho existentes entre A. e R. aplicava-se o AE publicado no B.T.E. 1ª serie nº 38, de 15/10/1991 e a suas sucessivas alterações;
6. A A. tem os seus dias de folga ao Sábado e Domingo;
7. O local de trabalho da A. é em Loulé;
8. A A. aufere mensalmente quantias pecuniárias a título de retribuição de base, diuturnidades, subsídio de agente único, trabalho suplementar, subsídio nocturno, refeições, tempo de disponibilidade;
9. No ano de 2006, a solicitação da R., a A. auferiu a título de horas extra as seguintes quantias mensais:
(…);
10. No ano de 2007, a solicitação da R., a A. auferiu a título de horas extra as seguintes quantias mensais:
(…);
11. No ano de 2008, a solicitação da R., a A. auferiu a título de horas extra as seguintes quantias mensais:
(…);
12. No ano de 2009, a solicitação da R., a A. auferiu a título de horas extra, tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade as seguintes quantias mensais:
(…);
13. No ano de 2010, a solicitação da R., a A. auferiu a título de horas extra, tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade as seguintes quantias mensais:
(…);
14. No ano de 2011, a solicitação da R., a A. auferiu a título de Horas extra, tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade as seguintes quantias mensais:
(…);
15. No ano 2006, a R. pagou à A. a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, a quantia de € 1.746,54;
16. No ano 2007, a R. pagou à A. a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, a quantia de € 1.783,23;
17. No ano 2008, a R. pagou à A. a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, a quantia de € 1.827,81;
18. No ano 2009, a R. pagou à A. a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, a quantia de € 1.864,38;
19. No ano 2010, a R. pagou à A. a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, a quantia de € 1.864,38;
20. No ano 2011, a R. pagou à A. a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, a quantia de € 1.888,62;
21. No ano de 2006, por solicitação da R., a A. efectuou trabalho nocturno, tendo auferido a este título, neste ano, as seguintes quantias mensais:
(…);
22. No ano de 2007, por solicitação da R., a A. efectuou trabalho nocturno, tendo auferido a este título, neste ano, as seguintes quantias mensais:
(…);
23. No ano de 2008, por solicitação da R., a A. efectuou trabalho nocturno, tendo auferido a este título, neste ano, as seguintes quantias mensais:
(…);
24. No ano de 2009, por solicitação da R., a A. efectuou trabalho nocturno, tendo auferido a este título, neste ano, as seguintes quantias mensais:
(…);
25. No ano de 2010, por solicitação da R., a A. efectuou trabalho nocturno, tendo auferido a este título, neste ano, as seguintes quantias mensais:
(…);
26. No ano de 2011, por solicitação da R., a A. efectuou trabalho nocturno, tendo auferido a este título, neste ano, as seguintes quantias mensais:
(…);
27. No ano de 2006 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 800 horas;
28. No ano de 2007 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 704 horas;
29. No ano de 2008 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 864 horas;
30. No ano de 2009 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 480 horas;
31. No ano de 2010 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 224 horas;
32. No ano de 2011 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 128 horas;
33. No ano de 2012 a A. esteve ao dispor da R., para além do horário de 8 horas diárias, 32 horas;
34. A R. não concedeu à A. descanso compensatório nem lhe pagou qualquer quantia a título de descanso compensatório;
35. A R. é uma organização empresarial com mais de 300 trabalhadores;
36. A R. exerce a actividade de transporte público rodoviário de passageiros em todo o território nacional e no estrangeiro, realizando serviços regulares, serviços regulares especializados e serviços ocasionais;
37. No que concerne ao serviço de carreiras, e sem incluir as carreiras Expresso cujo percurso se desenvolve em todo o território continental, a R. exerce a sua actividade com predominância na região do Algarve;
38. A actividade da R. é marcada por uma forte pendularidade, existindo uma forte concentração de meios humanos e materiais em dois períodos distintos do dia: o primeiro na ponta da manhã (06h30m/10h) e que correspondente às deslocações casa/emprego e o segundo na ponta da tarde (16h30m/20h/30m) que corresponde às deslocações emprego/casa;
39. Em cada um desses períodos a R. é obrigada a afectar a totalidade dos meios humanos e materiais disponíveis para poder satisfazer as necessidades de transporte das populações;
40. Por tal facto, nesses períodos, a R. tem de empregar todos os motoristas e todos os autocarros disponíveis;
41. Fora desses períodos de ponta, a R. apenas necessita de afectar entre 40% a 60% dos seus motoristas e autocarros, dependendo da hora e da zona de tráfego;
42. No que concerne ao sector dos transportes ocasionais, especialmente dos que são organizados por operadores turísticos, a actividade da R. é marcadamente sazonal, mostrando especial incidência no período de Maio a Outubro;
43. Ao invés, os meses de Novembro, de Dezembro, de Janeiro e de Fevereiro são meses em que a actividade da R. é muitíssimo reduzida;
44. A actividade dos condutores afectos à realização de transportes ocasionais, particularmente dos que são organizados por operadores turísticos, caracteriza-se pela existência de muitos períodos de inactividade (tempos mortos) durante a jornada de trabalho, cuja frequência e duração variam de dia para dia;
45. A existência desses períodos de inactividade (tempos mortos) não permitem que o período normal de trabalho dos condutores possa ser cumprido em dois únicos períodos de trabalho consecutivos, separados por um intervalo de descanso;
46. As regras de organização do tempo de trabalho dos motoristas que vigoram na R. e que decorrem do AE aplicável só permitem uma única interrupção da jornada de trabalho e, ainda assim, com duração não superior a duas horas;
47. Daí que seja praticamente inevitável o recurso à prestação de trabalho para além da oitava hora contada do início do horário e excluindo o tempo do intervalo;
48. Por isso, salvo raras excepções, a hora de termo do trabalho diário fixada nos horários de trabalho dos motoristas ocorre sempre mais de dez horas depois da hora do início, sendo normal a fixação de horários com amplitudes de doze horas;
49. É, por isso, a R. que, no seu interesse, necessita que a A. execute trabalho nocturno e para além do seu período normal de trabalho e esteja disponível para, quando o entenda, ordene a execução desse trabalho;
50. Os motoristas entre o inicio e o termo da jornada de trabalho têm períodos de inactividade;
51. Não obstante, a R. remunera aos seus motoristas todas as horas compreendidas entre o início e o termo dos respectivos horários de trabalho, ressalvado o intervalo de refeição e quer se trate de tempo durante o qual eles exercem efectivamente a actividade de motorista, quer se trate de tempo durante o qual nenhum trabalho de condução ou de outra natureza lhes é solicitado;
52. A R. remunera as primeiras oito horas ao valor da hora normal, sem qualquer acréscimo e as horas seguintes ao valor da hora normal com os acréscimos previstos para a remuneração do trabalho suplementar;
53. A R. organiza a actividade diária da A. e dos demais motoristas por escalas, pelas quais atribui a cada um uma chapa de serviço;
54. As chapas de serviço mencionam, além do mais, as horas de início e do termo da jornada de trabalho, os intervalos de descanso e os serviços de transporte que o trabalhador deve assegurar, com indicação dos respectivos horários;
55. A descrição dos serviços de transporte constante da chapa é feita cronologicamente, com indicação do horário de partida e do horário de chegada de cada serviço;
56. As escalas de serviço são comunicadas aos motoristas pelo menos no dia anterior;
57. E as chapas de serviço estão afixadas nos vários locais de trabalho para consulta dos motoristas;
58. Pela consulta da chapa a A. e os demais motoristas da R. também ficam logo a saber em que períodos do dia, para além do intervalo de descanso, não terão qualquer tarefa atribuída, de condução ou outra excepto a de abertura e preparação do veículo com vista ao início do trajecto;
59. Mas, porque não são intervalos de descanso, durante tais períodos os motoristas sabem que podem ser chamados para ocorrer à realização qualquer serviço que não esteja previsto na chapa mas que seja necessário assegurar;
60. Os motoristas não estão obrigados a permanecer no local de trabalho durante os períodos dentro da jornada de trabalho em que não prestam nem lhes é solicitado que prestem serviço de transporte ou outro, embora possam ser chamados para o fazer;
61. A partir de Março de 2009 cada chapa de serviço passou a mencionar separadamente os ditos períodos de inactividade, com a duração de cada um e a duração acumulada diária, designando-os expressamente como “Tempo de disponibilidade”;
62. No período de 01/01/2009 a 31.12.2009, a R. fixou à A. as horas de início e de termo do horário de trabalho diário, bem como os intervalos para refeição indicados no documento junto a fls. 163 a 167 e que se dá por integralmente reproduzido;
63. No período de 01/01/2010 a 31.12.2010, a R. fixou à A. as horas de início e de termo do horário de trabalho diário, bem como os intervalos para refeição indicados no documento junto a fls. 168 a 173 e que se dá por integralmente reproduzido;
64. No período de 01/01/2011 a 31.12.2011, a R. fixou à A. as horas de início e de termo do horário de trabalho diário, bem como os intervalos para refeição indicados no documento junto a fls. 174 a 178 e que se dá por integralmente reproduzido;
65. No ano de 2009 e nos dias em que amplitude do horário de trabalho foi superior a oito horas, a A. não prestou, nem lhe foi solicitado, qualquer trabalho de condução ou outro, durante períodos cuja duração acumulada diária foi a seguinte, tendo por referência Ano Mês Dia Amplitude Horário de trabalho Tempo inactividade e Tempo pago com o acréscimo do trabalho suplementar:
(…);
66. No ano de 2010 e nos dias em que amplitude do horário de trabalho foi superior a oito horas, a A. não prestou, nem lhe foi solicitado, qualquer trabalho de condução ou outro, durante períodos cuja duração acumulada diária foi a seguinte, tendo por referência Ano Mês Dia Amplitude Horário de trabalho Tempo inactividade e Tempo pago com o acréscimo do trabalho suplementar:
(…);
67. No ano de 2011 e nos dias em que amplitude do horário de trabalho foi superior a oito horas, a A. não prestou, nem lhe foi solicitado, qualquer trabalho de condução ou outro, durante períodos cuja duração acumulada diária foi a seguinte, tendo por referência Ano Mês Dia Amplitude Horário de trabalho Tempo inactividade e Tempo pago com o acréscimo do trabalho suplementar:
(…);
68. Até Fevereiro de 2009, e independentemente da realização de alguma actividade pela A., a R. pagou-lhe o período de tempo posterior á 8ª hora do início da jornada de trabalho na rubrica respeitante ao trabalho suplementar, que vinha designada no recibo de vencimento pela expressão abreviada “H. EXTRA”;
69. A partir de Maio de 2009 o pagamento dos ditos períodos passou a ser feita sob a designação de “T. Disp.”, que é a forma abreviada de designar “Tempo de Disponibilidade”:
70. Tal alteração foi comunicada previamente a todos os trabalhadores e foi agrafada aos recibos de vencimento do mês de Fevereiro de 2009;
71. A A. e a R. nunca acordaram substituir descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil por remuneração;
72. No mês em que a R. remunera o mês de férias, subsídio de férias e de natal paga, também, ao A. o valor médio anual que auferiu a título de subsídio de agente único.
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IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar e decidir, de per si, cada uma delas.
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1. Do recurso da Autora
Como já se deixou assinalado, no recurso que interpôs a Autora sustentou, em síntese, que o tempo de disponibilidade é tempo de trabalho, que o correspondente pagamento desse tempo assume natureza retributiva, pelo que deve integrar a retribuição de férias, subsídio de férias e de natal.
Assim não o entendemos.
Vejamos porquê.
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No âmbito do Código do Trabalho de 2003, o artigo 249.º estabelece os princípios gerais da retribuição, nos seguintes termos:
“1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2 — Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 — (…)”.
Idêntico é o regime que decorre do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009.
Como assinala Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, pág. 456), deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global - no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade (no sentido de ser satisfeita por períodos aproximadamente certos) e regularidade (no sentido da sua constância) da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo dessa forma relevância no pagamento.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2007 (Proc. n.º 3211/06 – 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt), “com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E exigindo carácter “periódico” para a integração da prestação do empregador no âmbito da retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes”.
No dizer de Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 465), “a qualificação de certa atribuição patrimonial como elemento do padrão retributivo definido pelo art.º 249.º da CT não afasta a possibilidade de se ligar a essa atribuição patrimonial uma cadência própria, nem a de se lhe reconhecer irrelevância para o cálculo deste ou daquele valor derivado da «retribuição»”.
Todavia, importa ter presente que embora verificando-se a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constituirá retribuição se tiver uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, como acontece, por exemplo, com as ajudas de custo, despesas de transporte, abonos de viagem ou outra forma de compensação de despesas ou gastos tidos pelo trabalhador ao serviço do empregador, salvo na parte em que essas importâncias excedam os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato, se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador (cfr. artigos do CT/2003 e do CT/2009).
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No caso, coloca-se a questão de saber se o tempo de disponibilidade é tempo de trabalho.
Sobre esta problemática escreveu-se no acórdão deste tribunal de 05-11-2015 (Proc. n.º 159/15.2T8TMR.E1), também relatado pelo ora relator e em que que interveio como 1.º adjunto o aqui também 1.º adjunto:
“De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 197.º do Código do Trabalho (a que corresponde o n.º 1 do artigo 155.º do CT/2003), “[c]onsidera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.”.
No número 2 em causa são diversas pausas equiparadas a tempo de trabalho efectivo, como seja, por exemplo, o intervalo para refeição em que o trabalhador permaneça no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade [alínea d)].
Assim, de acordo com aquele normativo legal – assim como do disposto no artigo 155.º do Código do Trabalho de 2003 – o tempo de trabalho corresponde ao período em que o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade empregador e no exercício da sua actividade ou das suas funções.
Porém, Francisco Liberal Fernandes (O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, pág. 27) sustenta que “[e]nquanto a noção de tempo de trabalho designa a obrigação de o trabalhador estar presente no local fixado pelo empregador e à disposição deste para realizar de imediato a prestação, o conceito de disponibilidade para trabalhar – que não supõe necessariamente a presença física do trabalhador no local de trabalho – tem por referência a obrigação de o trabalhador permanecer às ordens do empregador e de iniciar, dentro de um determinado intervalo de tempo, a sua actividade laboral, quando lhe for exigido. Assim, considera-se tempo de trabalho o período em que o trabalhador se mantém, de modo permanente, às disposição do empregador, seja no posto de trabalho ou noutro local indicado pela entidade patronal (ou escolhido pelo trabalhador)”.
Ou seja, de acordo com o referido autor considera-se “tempo de trabalho os períodos em que o trabalho é intermitente ou em que o trabalhador permanece à disposição do empregador em regime de localização ou à chamada, com ou sem presença física no local de trabalho” (pág. 28).
Contudo, este não tem sido o entendimento acolhido pela jurisprudência, que em relação ao “tempo de disponibilidade” apenas o considera como de trabalho se o trabalhador se mantém em presença física no local de trabalho.
Assim, como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-11-2004 (Revista n.º 340/04, com sumário disponível em www.stj.pt), “[s]e o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece fora do seu local de trabalho, podendo ainda que de forma limitada, gerir os seus interesses e desenvolver actividades à margem da relação laboral, apesar de se encontrar disponível para trabalhar para esta, esse período de tempo não pode em regra considerar-se tempo de trabalho.”.
E acrescenta-se no referido acórdão: “Não pode entender-se como tempo de trabalho o chamado “tempo de localização”, ou seja, aquele em que o trabalhador não tinha que estar presente fisicamente na empresa, mas apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto.”.
No mesmo sentido vai o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2005, Proc. n.º 3164/04, disponível em www.dgsi.pt.
Mais recentemente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2014 (Proc. n.º 715/13.3TTVFX.L1-4, disponível em www.dgsi.pt), (…) sufragou também esse entendimento.
O Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, veio regular determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividade de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006 (artigo 1.º, n.º 1).
Prescreve a alínea c) do artigo 2.º do referido diploma legal, que se considera «tempo de disponibilidade» “(…) qualquer período, que não seja intervalo de descanso, descanso diário ou descanso semanal, cuja duração previsível seja previamente conhecida pelo trabalhador, nos termos previstos em convenção colectiva ou, na sua falta, antes da partida ou imediatamente antes do início efectivo do período em questão, em que este não esteja obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da actividade em caso de necessidade (…)”.
Como decorre deste diploma, o mesmo aplica-se a trabalhadores móveis em actividade de transporte rodoviário abrangida pelo Regulamento n.º 561/2006, entendendo-se por transporte rodoviário, “qualquer deslocação de um veículo utilizado para transporte de passageiros ou de mercadorias efectuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga” [artigo 4.º, alínea a) do Regulamento].
E a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo Regulamento determina que se aplica ao transporte rodoviário de passageiros, “(…) em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade”.
É certo que o artigo 3.º exclui a aplicação do Regulamento a determinados transportes rodoviários, nomeadamente o transporte efectuado por veículos afectos ao serviço regular de transporte de passageiros, cujo percurso de linha não ultrapasse 50 quilómetros [alínea a)].
No entanto, a matéria de facto assente não permite concluir que o transporte em apreciação nos autos se enquadre em qualquer das excepções previstas no referido artigo 3.º.
(…).
Assim, nos termos deste compêndio legal, rectius do seu artigo 2.º, alínea c), é «tempo de disponibilidade» aquele em que o trabalhador não está obrigado a permanecer no local de trabalho, embora se mantenha adstrito à realização da actividade em caso de necessidade; e de acordo com o artigo 5.º – em conformidade, aliás, como o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que se deixou supra descrito – esse tempo de disponibilidade não é considerado tempo de trabalho”.
Da referida transcrição resulta que se entendeu que face ao disposto na alínea c) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, para além do tempo de trabalho e do tempo de descanso, em relação aos trabalhadores móveis em actividade de transporte rodoviário efectuado em território nacional existe também um tertio genus, o “tempo de disponibilidade”, tempo em que o trabalhador não tem qualquer tarefa atribuída nem é chamado a realizar qualquer tarefa e que, de acordo com o artigo 5.º do mesmo diploma legal, não é considerado tempo de trabalho.
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Ora, em função da análise efectuada, uma conclusão se impõe: o tempo de disponibilidade da Autora – ou o equivalente no período anterior a Março de 2009 – tempo esse também designado por alguma doutrina “à chamada” (cfr. Pedro Romano Martinez, et alii, Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 477), não é de considerar tempo de trabalho, pelo que ainda que a compensação que lhe era paga a tal título tivesse carácter regular e periódico, a mesma não integra a retribuição, não sendo, por isso, de computar na retribuição de férias e no subsídio de férias e de Natal.
Este foi o sentido da sentença recorrida, como se constata da seguinte transcrição da mesma:
“No caso que nos ocupa, a A. sabia previamente quais os períodos em que não teria qualquer tarefa atribuída embora pudesse ser chamada para ocorrer à realização de qualquer serviço que não previsto mas que fosse necessário assegurar.
Apurou-se que muito embora os motoristas só excepcionalmente deixassem as imediações das paragens ou se ausentassem das estações, a verdade é que a Ré não os obrigava a permanecer no local de trabalho.
É verdade que não podem, na grande maioria dos casos, ir para casa, dada a distância da mesma a que se encontram, ou desenvolver tarefas de que gostam ou necessitam por implicações várias, como o facto de estarem de farda e não terem vestiários para mudar de roupa ou não disporem de outros meios e condições para o fazerem.
No entanto, também é verdade que não estar a exercer qualquer actividade para a R., embora disponíveis para tal.
Os períodos de tempo em que não houve trabalho suplementar propriamente dito são tempos de disponibilidade na definição da lei e o tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho.
Daí que as quantias pagas como compensação por esses períodos não revistam a natureza de retribuição, na definição dada pelos artigos 249.º do Código do Trabalho de 2003 e 258.º do Código do Trabalho de 2009, visto que não remunera nem trabalho nem tempo de trabalho, não devendo, por isso, a respectiva média integrar a remuneração das férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal.
Do exposto resulta que, por estarmos na presença de horas pagas como trabalho suplementar mas que correspondem a tempo de disponibilidade tal como deixámos definido, não devem integrar a remuneração das férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal.».
Nesta sequência, verificando-se que a sentença recorrida decidiu, nesta parte, com acerto, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso da Autora e, por consequência, pela improcedência deste.
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2. Do recurso da Ré
2.1. Da nulidade da sentença
Como se deixou explicitado, a Ré arguiu a nulidade da sentença com dois fundamentos:
i. por condenação quanto aos juros de mora em quantidade superior ao pedido;
ii. por falta de fundamentos quanto à condenação líquida pela falta de gozo de descanso compensatório.
Analisemos cada um dos fundamentos.
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i. Da arguida nulidade por condenação em quantidade superior ao pedido [alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC]
No entendimento da Ré, a Autora apenas peticionou o pagamento dos juros de mora desde a propositura da acção, mas o tribunal a quo proferiu condenação em juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações.
Analisemos.
No artigo 97.º da petição inicial, após formular cada um dos pedidos pelos títulos que indica, a Autora afirma na alínea e):
«Pagar, sobre a quantia em dívida, juros de mora à taxa legal, a contar da presente data até integral pagamento».
E recorde-se que na sentença recorrida consta o pagamento de determinadas quantias, acrescidas de juros de mora “desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento”, ou, vencendo-se os juros de mora “desde a data limite de 90 dias, subsequentes ao vencimento de cada período de descanso compensatório”.
Assim, afigura-se inequívoco que tendo a Autora peticionado “apenas” juros de mora desde a propositura da acção, a sentença foi mais além: condenou nos juros vencidos desde o vencimento de cada prestação.
Por isso, e estando em causa a condenação em juros de mora – pedido acessório do pedido principal por créditos laborais, em relação ao qual não existe fundamento para considerar o crédito irrenunciável – a sentença recorrida condenou em quantidade superior ao pedido, pelo que violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) e 609.º, n.º 1, ambos do CPC [neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2010 (Proc. n.º 1052/05.2TTMTS.S1, disponível em www.dgsi.pt].
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Face à nulidade, nesta parte, da sentença recorrida, tendo presente o disposto no n.º 1 do artigo 665.º do CPC, a questão que se coloca consiste em saber desde quando são devidos os juros de mora.
Estão em causa prestações de execução continuada do contrato de trabalho, e que têm prazo certo (cfr. artigo 278.º do CT/2009).
Tratando-se de obrigações de prazo certo o devedor constitui-se em mora, independentemente da interpelação (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil).
A mora constitui o devedor na obrigação de reparar os prejuízos causados ao credor, correspondendo a indemnização, na obrigação pecuniária, aos juros legais a contar da constituição em mora (artigos 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil).
Por sua vez, o artigo 323.º, n.º 2, do CT/2009, prescreve que o empregador que falta culposamente ao cumprimento das obrigações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar juros de mora.
Assim, seriam devidos juros de mora desde o vencimento das respectivas prestações: todavia, considerando que a Autora apenas os peticionou desde a data da propositura da acção (07-03-2014), os juros de mora serão devidos desde essa data até integral pagamento.
Isto tendo em conta que ainda que os créditos não sejam líquidos, a iliquidez é imputável à entidade empregadora porquanto sabia, ou tinha obrigação de saber, o montante devido pelos mesmos.
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ii. Da arguida nulidade por falta de fundamentos de facto quanto à condenação por falta de descanso compensatório
Quanto a esta arguida nulidade, argumenta a recorrente que da matéria de facto não se extrai que no cálculo do valor da compensação se tenha apenas atendido ao trabalho suplementar propriamente dito (trabalho suplementar stricto sensu) e não também ao tempo de disponibilidade.
Constam da matéria de facto da sentença recorrida, entre o mais, as horas de trabalho prestadas anualmente pela Autora, para além das 08 horas diárias (cfr. factos n.º 27 a 33).
E justificou-se na mesma sentença a condenação da Ré em importância líquida por não dar a gozar à Autora o descanso compensatório, no essencial, nos seguintes termos:
«A R. não concedeu à A. descanso compensatório nem lhe pagou qualquer quantia a título de descanso compensatório.
Outra questão que se coloca consiste em saber se o descanso compensatório se deve circunscrever ao tempo em que ocorreu efectiva prestação de trabalho, obstando, assim, aquela inactividade ao gozo do descanso compensatório.
Tudo o que ficou dito permite concluir que há lugar à concessão de descanso compensatório, reservado para a realização de trabalho suplementar propriamente dito.
Sucede que no cálculo do montante peticionado a título de descanso compensatório não foi incluído o período intitulado de tempo de disponibilidade».
Ou seja, na sentença recorrida considerou-se que o descanso compensatório apenas se verifica em relação à prestação do trabalho suplementar propriamente dito, aí não incluindo o tempo de disponibilidade, e que o montante peticionado pela Autora por não gozo de descanso compensatório não incluía o tempo de disponibilidade, mas apenas o trabalho suplementar propriamente dito e, nessa conformidade, condenou-se a Ré no peticionado.
Tenha-se presente que de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, aínea b) do CPC, é nula a sentença que [n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 139), ensinamento que embora do domínio de anterior regime processual se mantém actual, [a] sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido à apreciação do juiz; ao comando geral e abstracto da lei o magistrado substitui um comando particular e concreto. Mas este comando não se pode gerar arbitrariamente. (…) Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao seu valor legal”.
E mais adiante (pág. 140) afirma: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
No caso em apreciação, como resulta da transcrição feita da decisão da 1.ª instância, esta justificou o porquê da condenação no montante em causa por falta de descanso compensatório: além do mais, porque o peticionado, e tendo em conta a matéria de facto provada, não incluía o tempo de disponibilidade, mas apenas o trabalho suplementar propriamente dito.
A recorrente poderá considerar tal justificação insuficiente: porém, ainda que assim seja, não estamos perante uma falta absoluta de fundamentação – única situação que acarretaria a analisada nulidade –, mas apenas perante uma fundamentação que por insuficiente, errada ou até incompleta poderá conduzir à revogação da sentença.
Aqui chegados, forçoso é concluir que não se verifica a nulidade da sentença com o fundamento ora em apreciação; e porque ao tribunal compete indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, infra se analisará se a matéria em causa, indevidamente suscitada como nulidade da sentença, poderá configurar, atenta a forma como foi configurada erro de julgamento (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do CPC).

2.2. Da condenação da Ré no pagamento no subsídio de Natal da média de valores pagos a título de subsídio nocturno e de trabalho suplementar stricto sensu
A Ré rebela-se contra esta condenação, argumentando, muito em síntese, que quer no âmbito do Código do Trabalho de 2003 (artigos 250.º e 254.º), quer no âmbito do Código do Trabalho de 2009 (artigo 262.º), o valor do subsídio de Natal se restringe à retribuição base e diuturnidades.
E, efectivamente, assim é.
Com efeito, o artigo 254.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 (que, recorde-se, entrou em vigor em vigor em 1 de Dezembro de 2003 – artigo 3.º do respectivo diploma preambular) dispõe que [o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano».
E o n.º 1 do artigo 250.º estabelece que, [q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”.
O n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, contém as definição “retribuição base” e “diuturnidade”, nelas não se incluindo as prestações em causa nos autos.
Por isso, e como a jurisprudência tem entendido de modo uniforme (vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-04-2007, Proc. n.º 4557/06, 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt) no domínio do Código do Trabalho de 2003 a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades.
Idêntica é, de resto, a conclusão no âmbito do Código do Trabalho de 2009, face ao que dispõem os seus artigos 262.º e 263.º.
Assim, face ao disposto nos citados normativos dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, e não resultando dos autos a existência de qualquer norma legal, convencional ou contratual que afaste a interpretação que decorre dos mesmos (a cláusula 52.ª do AE aplicável - outorgado entre a Rodoviária do Algarve, S.A., e o Sindicato dos Transportes Rodoviários do Distrito de Faro, e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 38 de 15/10/1991- alude apenas a que o trabalhador tem direito a receber um subsídio correspondente a um mês de retribuição, terminologia equivalente à dos normativos legais referidos), a conclusão a extrair – conclusão essa que se apresenta inequívoca, por isso dispensa alongadas considerações –, é a de que a partir de 1 de Dezembro de 2003 para efeitos de subsídio de Natal a “retribuição” se confina à retribuição base e diuturnidades.
Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso, pelo que a condenação constante de alínea a) da parte decisória da sentença recorrida se deve restringir à retribuição de férias e subsídios de férias (sendo que quanto aos juros de mora, como se analisou, são devidos desde a propositura da acção até integral pagamento).
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2.3. Quanto à condenação pelo não gozo de descanso compensatório
Recorde-se que a Ré foi condenada no pagamento à Autora da quantia de € 2.030,05 a título de descanso compensatório.
A referida condenação corresponde ao peticionado, nesta matéria, pela Autora, tendo-se concluído na sentença recorrida para justificar tal valor condenatório que no cálculo efectuado pela Autora na petição inicial esta tinha apenas atendido ao trabalho suplementar efectivamente prestado, mas já não ao tempo/período de disponibilidade.
Ou seja, e dito de forma simples, a sentença recorrida condenou, nesta matéria, no pedido, com o argumento que este se circunscrevia ao trabalho suplementar efectivamente prestado.
Será assim?
Entendemos que não.
Como resulta da petição inicial, maxime do seu artigo 10.º, a Autora alegou que ao serviço da Ré a partir de Janeiro de 2006 prestou regularmente trabalho suplementar.
Esse trabalho suplementar a partir de Março de 2009 era pago uma parte como trabalho suplementar e a restante como tempo de disponibilidade e suplemento de disponibilidade (artigo 12.º).
E nos artigos 83.º e segts do petitório alegou o quantitativo anual do trabalho prestado além do seu horário normal de trabalho (trabalho suplementar), concluindo no artigo 90.º que a Ré nunca lhe concedeu o descanso compensatório nem lhe pagou qualquer quantia a tal título, e que, assim, a Ré lhe deve a tal título a quantia de € 2.030,05.
Pois bem: importa ter presente que ao longo da petição a Autora sempre considerou o tempo de disponibilidade como fazendo parte do trabalho suplementar: aliás, como resulta da análise já efectuada, a Autora integrou o tempo de disponibilidade no trabalho suplementar lato sensu prestado e considerou que a compensação pelo tempo de disponibilidade integra a retribuição, daí concluindo que deve ser computada no cálculo da retribuição e no subsídio de férias e de natal.
E, consentâneo com tal entendimento – de considerar todo esse tempo como trabalho suplementar (portanto, incluindo o de disponibilidade) – apurou o montante global do mesmo e, como alegou não ter gozado o descanso compensatório, calculou o valor da compensação devida pelo não gozo do descanso compensatório.
Afigura-se por isso como adquirido que nas horas alegadas de trabalho suplementar e no correspondente montante peticionado por não gozo de descanso compensatório a Autora teve em conta não só o trabalho suplementar propriamente dito (ou se se quiser o trabalho suplementar stricto sensu), como também o tempo de disponibilidade.
De resto, nem se vislumbra como se poderia harmonizar o entendimento sustentado na sentença recorrida – de que o cálculo da indemnização por não gozo do descanso compensatório apenas teve em conta o trabalho suplementar propriamente dito –, com o pedido e causa de pedir na acção sempre em torno de que o tempo de disponibilidade é tempo de trabalho e, por conseguinte, que esse tempo é considerado trabalho suplementar.
Contudo, como se analisou a propósito do recurso da Autora, o tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho, pelo que o cálculo do valor devido por não gozo do descanso compensatório terá apenas que ter por base o trabalho propriamente dito prestado pela Autora, o que significa que nos factos 27 a 33 terá que se apurar quais as horas que se reportam, efectivamente, a trabalho suplementar propriamente dito e quais as que se reportam a tempo de disponibilidade e, após, calcular sobre aquelas o montante devido por não gozo do descanso compensatório, o que deverá ser feito em incidente de liquidação (cfr. n.º 2 do artigo 609.º e n.º 2 do artigo 358.º, ambos do Código de Processo Civil).
Tenha-se presente que, como a jurisprudência da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado, quer no âmbito do artigo 661.º, n.º 2, do anterior CPC, quer do artigo 609.º, n.º 2, do actual CPC, nestes normativos legais estão contempladas não apenas as situações em que foi deduzido um pedido genérico, mas também aquelas em que se formulou um pedido específico mas em que não foi possível coligir elementos probatórios suficientes para precisar o objecto e/ou a quantidade da condenação [vide, entre outros, os acórdãos de 28-08-2005 (Proc. n.º 578/05), de 22-03-2006 (Proc. n.º 3729/05), de 10-01-2007 (Proc. 4319/06), de 23-11-2011 (Proc. n.º 277/09.6TTBCL.P1.S1) e de 25-06-2015 (Proc. n.º 1109/11.0TTPRT.P1.S1), encontrando-se o segundo e o último publicados em www.dgsi.pt].
Procedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.
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3. Assim, em síntese:
- improcede o recurso da Autora;
- procede a arguição, pela Ré, de nulidade da sentença quanto aos juros de mora, por condenação em valor superior ao pedido, sendo estes devidos desde a data da propositura da acção (07-03-2014) até integral pagamento;
- procede o recurso da Ré, no que se reporta à inclusão do subsídio por trabalho nocturno e trabalho suplementar propriamente dito no cálculo do subsídio de Natal, sendo de revogar tal inclusão;
- procede o recurso da Ré quanto à condenação líquida de € 2.030,05 a título de descanso compensatório, devendo substituir-se tal condenação líquida pelo que se apurar em posterior incidente de liquidação.
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4. Da condenação em custas
De acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, as custas devem ser pagas pela parte vencida, na proporção em que o for.
Tal significa que as custas do recurso interposto pela Autora seriam por ela suportadas, e no recurso interposto pela Ré as custas seriam suportadas na proporção do decaimento.
Deverá atentar-se, contudo, que a Autora/recorrente se encontra isenta de custas, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais, isenção essa que não abrange a responsabilidade da Autora pelos encargos a que tenha dado origem, uma vez que a sua pretensão foi totalmente vencida nos termos do artigo 4.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, nem pelos reembolsos previstos no artigo 4.º, n.º 7, do mesmo Regulamento.
Quanto às custas do recurso da Ré, sendo devidas na proporção do decaimento, fixa-se a mesma em 1/10 para a Ré e em 9/10 para a Autora, não sendo, todavia, devidas por esta face à isenção de custas de que goza.
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V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. negar provimento ao recurso interposto pela Autora;
2. julgar parcialmente procedente o recurso (subordinado) interposto pela Ré e, em consequência, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
A) Condena-se a Ré CC Transportes, S.A. a pagar à Autora BB a quantia em falta, que se vier a apurar em liquidação posterior, nas remunerações de férias e respectivo subsídio de férias nos anos de 2006 a 2011, correspondente à média dos valores pagos a título de subsídio nocturno e trabalho suplementar propriamente dito nos 12 meses que antecederam tais pagamentos, acrescida de juros de mora desde a data da propositura da acção (07-03-2014) até integral pagamento;
B) Condena-se a Ré CC Transportes, S.A. a pagar à Autora BB a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação a título de descanso compensatório, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da propositura da acção até integral pagamento.
3. No mais (ou seja, quanto ao restante peticionado na acção), mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas quanto ao recurso da Autora, atenta a isenção de que a mesma goza, sem prejuízo da sua responsabilidade pelos encargos a que tenha dado origem, uma vez que a sua pretensão foi totalmente vencida nos termos do art. 4.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, nem pelos reembolsos previstos no art. 4.º, n.º 7, do mesmo Regulamento.
As custas do recurso da Ré, sendo devidas na proporção do decaimento, fixa-se a mesma em 1/10 para a Ré e em 9/10 para a Autora, não sendo, todavia, devidas por esta face à isenção de custas de que goza.

Évora, 07 de Julho de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (1.º adjunto)
Joaquim António Chambel Mourisco (2.º adjunto)