Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
92/15.8GAPRL-B.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
FORTES INDÍCIOS
Data do Acordão: 02/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Existem indícios fortes, nomeadamente para efeitos da aplicação de Prisão Preventiva (art. 202º do CPP), quando constem dos autos elementos de prova que sustentem e revelem a convicção de que um facto se verifica no momento da decisão. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os conhecidos no momento em que é proferida a decisão interlocutória.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos autos de inquérito com o número em epígrafe que correm termos na 1ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora em que é arguido AA, n. 02.03.1969, de nacionalidade portuguesa, vendedor ambulante, foi proferido em 31.10.2016, na sequência de 1º interrogatório judicial, o despacho judicial de fls 960 a 972 dos presentes autos de recurso em separado, que decidiu aplicar-lhe a medida de coação de Prisão Preventiva, conforme requerido pelo MP, por considerar-se fortemente indiciada a prática pelo arguido de cinco crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts 203º e 204º nº2 al. a) e e), do C.Penal.

2. Daquele despacho interpôs o arguido o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes

«CONCLUSÕES:

1.ª
Da prova indiciária recolhida não resulta a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente dos crimes de furto.
2.ª
A prisão preventiva, porque implica a privação da liberdade do cidadão, está dependente de pressupostos específicos para a sua aplicação.

3.ª
O pressuposto base é que dos autos resulte a existência de fortes indícios da prática pelo arguido de um crime doloso com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, não bastando a existência de indícios suficientes.

De facto,
4.ªA decisão recorrida não invoca quaisquer factos que integrem o conceito jurídico de “fortes indícios”.

5.ª
Não existem nos autos qualquer tipo de prova, ainda que meramente indiciária, que possa relacionar o recorrente com a prática dos factos que lhe são imputados.

6.ª
Não há relatos de vigilâncias externas, não há localizações celulares, intercepções telefónicas, nem sequer foram emitido quanto ao recorrente mandado de busca Domiciliária.

7.ª
Tendo já o processo cerca de 3000 páginas e 1 cerca de ano e meio de investigação, o ora recorrente era completamente desconhecido para a investigação até à data da sua detenção que ocorreu cerca das 09H25 do dia 31.10.2016.

8.ª
Detenção que ocorre fora do flagrante delito, feita perto da localidade de Lavre, quando o recorrente seguia num veículo, completamente bêbado, acompanhado de outros três indivíduos a quem tinha pedido boleia.

9.ª
O veículo em que seguia, não estava referenciado nos autos.

10.ª
Porque realizada fora de flagrante delito a detenção do recorrente só poderia ter sido feita ao abrigo de mandado de detenção, o que não aconteceu, sendo portanto ilegal, por violação do n.º 1 do art.º 257.º do CPP.

11.ª
O recorrente reside no Barreiro e tinha ido a Évora vender um automóvel, o que aconteceu.

12.ª
Em Évora encontrou um cigano de nome Albino que estava acompanhado de um sobrinho e de um tio, tendo todos estado a beber cervejas.

13.ª
Estando o recorrente bêbado pediu ao Albino que lhe desse boleia, tendo esta acedido a fazê-lo, razão porque o arguido se encontrava no carro deste aquando da sua detenção.

14.ª
O recorrente esteve sempre com a mesma roupa, sendo certo que, sendo-lhe imputado o facto de ter sido ele que de noite andou na herdade a juntar e a carregar 30 bovinos, se apresentar em sede de 1.º interrogatório com a roupa e calçado completamente limpos.

15.ª
É a própria Autoridade Judiciária que confirma o facto de o recorrente nem sequer ser tido como mero suspeito nos autos.

Pois que,
16.ª
Foram emitidos mandados de Busca tendo por base toda a prova recolhida nos autos, nomeadamente, declarações dos queixosos, dados de GPS instalados numa das viaturas, das comunicações telefónicas, bem como do relato de diligências policiais, existirem fortes indícios e fundadas suspeitas do envolvimento de A, C, R, E, L e J.

17.ª
Não havia à data da emissão dos mandados, nem existe agora, qualquer prova contra o ora recorrente, razão de nem sequer o seu nome estar incluído nos suspeitos a cujos domicílios foram ordenadas buscas.

18.ª
No ponto IV do despacho de aplicação das medidas de coacção refere em relação à investigação a Exm.ª Dra. Juiz de Instrução:

“…Sendo certo que se reconhece que a investigação está longe de ser isenta de reparos (sendo pouco claros alguns dos autos e do expediente, em especial do relativo à abordagem levada a cabo no dia de ontem, e inexplicável o não cumprimento dos mandados de busca já emitidos e cujo efeito útil pode vir a ficar efectivamente comprometido) …”

19.ª
Quando a Meritíssima juíza de Instrução se refere à abordagem levada a cabo no dia de ontem ´, está a referir-se à detenção do recorrente feita bastantes horas depois do furto e em local completamente diverso do dos factos, sem seguimento do mesmo e, como já se invocou sem estarem na posse de mandado de detenção.

20.ª
Apesar desta constatação, que descredibiliza por completo a investigação, foi aplicada a todos os arguidos de uma forma genérica, sem qualquer distinção entre os mesmos, quer quanto ao eventual grau e importância dos mesmos na eventual prática, a medida de coacção mais gravosa – Prisão Preventiva.

21.ª
A prisão preventiva apenas pode ser aplicada se for considerada inadequada e insuficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa. Daí o seu caracter excepcional.

22.ª
O Despacho recorrido não fundamenta a razão por que qualquer outra medida de coacção não é suficiente e adequada em relação a cada um dos arguidos

Pelo que,
23.ª
Não está preenchido o pressuposto base previsto no art.º 202.º n.º 1, al. a) do CPP, de que depende a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.

24.ª
A medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao recorrente é excessiva.

Pois que,
25.ª
Viola claramente os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade, consagrados no art.º 193.º do CPP.

26.ª
A prisão preventiva tem carácter excepcional, sendo a ultima ratio, apenas devendo ser aplicada se ao caso concreto não for suficiente e adequada a aplicação de medida de coacção menos gravosa que, igualmente satisfaça as necessidades cautelares que se pretendem obter com a aplicação da medida de coacção.

27.ª
A aplicação ao recorrente da medida de coacção de prisão preventiva viola claramente os comandos constitucionais vertidos nos art.ºs 28.º, n.º 2, 32.º, n.º 2 da CRP , 191.º a 193.º, 202.º e 204.º do CPP.

Pois que,
28.ª
Não teve em consideração o facto de o recorrente estar socialmente integrado, vivendo com a sua companheira e 3 filhos de 10, 16 e 24 anos de idade.

29.ª
O recorrente é vendedor ambulante de roupa desde há pelo menos 20 anos, provendo com o exercício desta o seu sustento e o da sua família.

30.ª
O recorrente está colectado junto da Autoridade Tributária com o CAE 47820.

31.ª
O recorrente apresenta declaração de IRS, Modelo 3, com anexos B e SS.

32.ª
O recorrente está inscrito como vendedor ambulante nas seguintes Juntas de Freguesia: União das Freguesias de Palhais e Coina, Junta de Freguesia de Baixa da Banheira, Junta de Freguesia de Coina, Câmara Municipal da Moita, Câmara Municipal de Palmela, Junta de Freguesia do Pinhal Novo e Junta de Freguesia De Quinta do Conde.

33.ª
Tem assim o recorrente uma actividade profissional regular e constante, trabalhando todos os dias.

34.ª
O recorrente tem morada fixa, residido há mais de 15 anos na Rua …, Cidade Sol, Sto. António da Charneca, 2835-508 Barreiro.

35.ª
Apesar de ser de etnia cigana, o recorrente vive em prédio em que tem por vizinhos pessoas não ciganas, sendo considerado por todos.

36.ª
O recorrente tem de facto condenações anteriores, mas estas datam de há bastantes anos, tendo desde essa altura vivido de acordo com o direito e as regras sociais.
37.ª
Não havendo prova indiciária que suporte a eventual prática pelo recorrente dos factos que lhe são imputados, não pode vir agora o seu passado a por em causa todo o seu esforço de integração junto da sociedade. Senão teríamos uma situação completamente aberrante num Estado de Direito, de que, uma vez condenado, condenado para sempre.

38.ª
Da consulta dos autos resulta Meritíssimos Juízes Desembargadores, a fortíssima possibilidade de em sede de audiência de Discussão e Julgamento o recorrente vir a ser absolvido.

39.ª
Os “pericula libertatis” invocados – perigo de fuga, perturbação de ordem e tranquilidade pública e perigo de perturbação do inquérito aquisição e conservação da prova não estão fundamentados em concreto.

40.ª
Estão afirmados abstracta e genericamente e em simultâneo para todos os arguidos.

41.ª
Os “pericula libertatis” invocados não são inferidos de situações concretas directamente relacionadas com o recorrente, mas de meras suposições sem qualquer apoio factual.

42.ª
A medida de coacção de Obrigação de Apresentação Periódica, diária, no posto da autoridade mais próximo da sua residência, cumulada com a medida de Proibição de se ausentar do Concelho do Barreiro, local da sua residência, são adequadas, suficientes e proporcionais aos factos indiciados.- Art. 198.º, n.ºs 1 e 2 e art.º 200.º, n. 1 al. c), ambos do CPP.

Caso assim não se entenda,
43.ª
A medida de coacção de Permanência na Habitação, igualmente privativa da liberdade, fiscalizada com a utilização de meios técnicos de controlo à distância é suficiente e adequada a acautelar os ulteriores termos do processo.

TERMOS em que, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-se a prisão preventiva pela medida de coação de Obrigação de Apresentação Periódica diária, no posto da GNR do Barreiro, cumulada com a proibição de se ausentar para fora do Concelho do Barreiro, ou em alternativa, caso assim não se entenda, seja substituída pela medida de Permanência na Habitação, sujeita a Fiscalização com meios Electrónicos de Controlo à Distância –art.º 201.º, n.ºs 1, 2, 3 do CPP e Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, se fará justiça.»

3. Na sua resposta à motivação do recorrente, entende o MP, em síntese, que a decisão recorrida que aplicou ao arguido a medida de prisão preventiva deve ser integralmente mantida.

4. Nesta Relação, a senhora Procuradora-Geral Adjunta no mesmo sentido, por considerar que a medida de prisão preventiva aplicada é necessária, adequada e proporcionada à exigências cautelares que neste caso se fazem sentir.

5. Notificado nos termos do art. 417º nº2 do CPP, o arguido nada acrescentou.

6. Transcrição do despacho recorrido:

«DESPACHO

I - A detenção dos arguidos foi legal porque efetuada em flagrante delito e os mesmos foram presentes para primeiro interrogatório judicial no prazo máximo de 48 horas, observando-se assim o disposto nos art.ºs 254º, n.º 1, al. a), 255º e 256º, todos do C. P. Penal.

II - Indiciam fortemente os autos que:

Pelo menos, desde Dezembro de 2015 que os arguidos C, J, T, conjuntamente com os suspeitos, E, R, A, P e outros cuja identidade ainda não foi possível apurar, em conjugação de esforços e vontades se vêm dedicando ao furto de gado.

Nos contactos telefónicos que mantinham, numa tentativa de não serem detetados, os arguidos designavam o gado por "paletes" "palha" "restolho", "vassouras compridas" "vassouras torcidas", "vassouras" "vassouras pequenas", "fardos pequeninos", etc.

Igualmente designavam as viaturas que seriam utilizadas nos furtos por "cavalo", "berdon", "tractor para carregar aquilo", etc.
Os arguidos raramente falam em nomes de indivíduos ou de locais, sendo frequente utilizarem expressões como "o gajo", "o rapaz", "o senhor", "o outro senhor", "o lacorrílho" para se referirem a determinadas pessoas e "Vamos lá ali", "ver aquilo", "ver o charuto", " á da rapariga" para se referirem a um local.

O arguido C é quem mais estabelece comunicações com vista à perpetração dos ilícitos, não só com os irmãos E, R e A, mas também com outros suspeitos dos quais se destacam os arguidos J e P.

O arguido C relaciona-se com o arguido P na realização de furtos de gado, combinando com este a sua deslocação aos locais dos ilícitos e a forma de transporte (fls. 2260 e 2529).

O arguido C, J, conjuntamente com os suspeitos E, R, A, P e outros cuja identidade ainda não foi possível apurar, e estabelecem comunicações onde resulta que os mesmos conjugam esforços com vista à execução de furtos de gado, para os quais combinam a troca de brincos nos animais subtraídos e as viaturas a utilizar nos furtos (fls. 2510 e 2553).

Assim,
Entre as 18 horas do dia 14 de Dezembro de 2015 e as 07h00 do dia seguinte, no Monte da Herdade da Carneira, Monte do Trigo, em Évora foram furtados 23 bovinos, estimando-se um prejuízo para o proprietário de € 18.000,00.

O arguido C, bem como outro indivíduo de identidade não apurada, ter-se-ão deslocado na véspera, ao local do crime, fazendo-se transportar no veículo automóvel, de matrícula ---EC, sob o pretexto de estarem interessados no cultivo de brócolos, que aí também tem lugar, fazendo perguntas acerca da presença de pessoas na herdade durante o dia e a noite.

Assim os factos terão sido praticados em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente delineado com a participação de C, J e T, AA de alcunha "Toninho" e A e outros ainda não concretamente apurados.

NUIPC --/16.8GDARL
No período noturno compreendido entre o dia 11 para 12 de Janeiro de 2016, foram furtados 60 ovinos, no Monte Vale D' el Rei.

Para o efeito forçaram o portão de entrada no referido monte e aí introduzidos, fazendo uso de um veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ---OS, colocaram os animais no interior da caixa da referida viatura e encetaram a fuga do local.

O referido veículo encontrava-se na posse de N.

Apurou-se que o arguido N se terá deslocado à localidade da Azervadinha, local onde reside o arguido C.

Igualmente resulta que o arguido C se terá deslocado uns dias antes de ter ocorrido o furto, àquele local, conduzindo um veículo de marca Opel modelo Corsa com a matrícula ----0S.

Assim os factos terão sido praticados em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente delineado com a participação de C, J e T, AA de alcunha "Toninha" e A e outros ainda não concretamente apurados.

NUIPC ---/16.0GDEVR:
No período compreendido entre os dias 15 e 19 de agosto de 2016, foram subtraídos da Herdade das Valadas - EN 114 - Évora, 15 bovinos. (NUIPC ---/16.0GDEVR-fls 2696).

No dia 18-08-2016, J pergunta a E se os "carros" que estão perto da autoestrada já estão vendidos, respondendo aquele que não sabe mas acha que não.

Assim, o arguido J referia-se aos bovinos existentes na Herdade das Valadas, junto à autoestrada A6 e que entretanto foram alvo de furto (fls. 2186).

No dia 26-08-16, cerca das 17h52 C e B (960-----) falam sobre P e sobre o facto do mesmo lhe ter levado 11 bovinos quando deveriam ser 15 (fls. 2261).

Assim os factos terão sido praticados em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente delineado com a participação de C, J e T, AA de alcunha "Toninho" e A e outros ainda não concretamente apurados.

NUIPC ---/16.7GDARL
No dia 04-09-16 (domingo), C e P, estabeleceram comunicações telefónicas com vista à execução de um furto de gado

Naqueles telefonemas os mesmos combinavam entre outras coisas, o preço de cada bovino, o sítio onde P deveria ir ter, bem como qual a melhor viatura para o transporte dos animais (fls. 2530, sessões 200, 203, 215, 221. 227 e 237 do CD5 do alvo 85439050).

Verificaram-se ainda comunicações que pareciam indicar a entrega de animais a J, mas que à última da hora C terá desistido de tal negócio (fls. 2511, 2530, 2532 a 2534 e relatórios de diligência externa de fls. 2318 a 2326 que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

Na noite de 04/05 de Setembro de 2016 ocorreu um furto no Monte Pucicaros ¬Pavia (NUIPC ---/16.7GDARL), que terá sido efetuado em conjugação de esforços e vontades entre os arguidos e P.

Emerge ainda dos autos que, nos dias subsequentes ao furto, C nos contactos telefónicos que estabelece demonstra grande preocupação com o facto de P ter sido intercetado com o produto do furto (fls. 2551 a 2553, fls. 2332, 2438 e 2531 e 2929).

Assim os factos terão sido praticados em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente delineado com a participação de C, J, P, T, AA de alcunha "Toninho" e A. e outros ainda não concretamente apurados.
***
No dia 31 de Outubro de 2016, cerca das 5 horas, os arguidos J, C, T, AA e A, em conjugação de esforços e vontades e em execução de um plano previamente delineado, deslocaram-se à Herdade da Guisada, Santa Suzana, Redondo com o intuito de se apoderarem do gado que aí se encontrasse.

Previamente, os arguidos C e J encontraram -se no café "Barraquinha de pau", sito em Évora, na denominada zona da Barraca de Pau, na EN 114.

Cerca das 23h21 parqueou junto ao supra referido no sentido Montemor-Évora local uma viatura pesada, adaptada ao transporte de animais, ostentando a matrícula ---QB marca Nissan modelo Alteo 140, precedida de uma viatura ligeira marca mercedes-benz modelo C180 ostentando a matrícula ---HA.

Mais tarde, cerca das 00h38 a viatura de C vinda de Évora é parqueada junto ao café da Barraca de Pau debaixo de um telheiro, da mesma saem C, AA ("toninho" utilizador do número de telemóvel 934----) e um indivíduo desconhecido de etnia cigana, entrando imediatamente na viatura ligeira marca Mercedes, C e AA sendo que o outro indivíduo entrou para a viatura pesada.

Chegados a Santa Suzana, pelas 02h05, ambas as viaturas entram numa estrada de terra batida que dá acesso à Herdade da Guizada, supra referida.

Passados breves momentos a viatura ligeira, inverteu marcha no sentido Redondo em velocidade, chegado ao Redondo inverteu marcha no sentido Santa Suzana.

Cerca das 04h20, a viatura pesada -- -QB precedida da viatura ligeira, saem da herdade e seguem em direção a Redondo e, em seguida, a Évora.

Chegados ao cruzamento de São Miguel de Machede ambas as viaturas seguem para Azaruja.

Chegados à EN 18, as viaturas separam-se e a pesada segue em direção ao cemitério da Azaruja.

Cerca das 05h 30m foi feita a abordagem aos arguidos C, J e T junto ao café denominado "Barraca de Pau" onde se encontrava parqueada a viatura de C.

Quanto aos ocupantes da viatura pesada, AA de alcunha "Toninho" e A, abandonaram a referida viatura com 30 animais de raça bovina que retiraram da referida Herdade, acabando por ser intercetados, junto à localidade de Lavre pelas 09h21.

Nessa altura os arguidos AA de alcunha "Toninho" e A, faziam-se transportar numa viatura marca Ford modelo Smax de cor cinza ostentando a matrícula ---MQ--- viatura que se encontra parqueada na localidade de Azervadinha, residência de C.

Os animais de raça bovina eram de boa qualidade, estimando-se o valor do prejuízo seria de dezoito mil euros (€18000,00)

Em todos os factos supra descritos os arguidos atuaram em conjugação de esforços e vontades e em execução de um plano previamente delineado entre si, bem sabendo que entravam no interior das referidas propriedades agrícolas, sem o consentimento e contra a vontade dos seus proprietários/explorador, o que fizeram com a intenção de se apropriarem dos animais/gado bovino que aí se encontrassem e que sabiam não lhes pertencerem, o que conseguiram.

Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

III - Fundamentam a indiciação supra os elementos de prova constante dos autos, designadamente:

1. Auto de notícia e aditamentos;
2. Participação;
3. Informações e relatórios das vigilâncias policiais.
4. Autos de busca e apreensão;
5. Reportagens fotográficas;
6. Interceções telefónicas (registos, autos e transcrições);
7. Relatos de diligência externa.

Nas medidas de coação a aplicar aos arguidos, o Tribunal tomará também em consideração o teor dos crc's (fls. 3309 a 3353).

IV - Entende o Tribunal que os factos se encontram fortemente indiciados e integram a prática pelos arguidos, em coautoria e concurso efetivo, de cinco crimes de furto qualificado p. e p. nos termos dos arts. 203.º e 204.º, n.º 2, al. a) e e) do Cód. Penal.

Os arguidos contestam a forte indiciação dos crimes de furto (em especial dos quatro crimes). Sendo certo que se reconhece que a investigação está longe de ser isenta de reparos (sendo poucos claros alguns dos autos e do expediente, em especial do relativo à abordagem levada a cabo no dia de ontem, e inexplicável o não cumprimento dos mandados de busca já emitidos e cujo efeito útil pode vir a ficar efetivamente comprometido), tendo em conta, não obstante, as exigências cautelares da fase processual em curso, o juízo de forte indiciação é decorrente das diligências já efetuadas e suportado pelos elementos probatórios supra indicados.

V - O crime de furto qualificado é punido com pena de prisão até 2 a 8 anos. Tendo em conta a natureza deste ilícito fortemente indiciado e a pena correspondente ao mesmo, é admissível, em abstrato, a aplicação de qualquer uma das medidas de coação previstas no Código de Processo Penal, incluindo a de prisão preventiva (art. 202.º, n.º 1, al. d), do Cód. Proc. Penal).

Todos os arguidos têm antecedentes criminais.

O arguido J foi condenado pela prática de crime de desobediência.

O arguido A foi condenado pela prática de crimes de furto qualificado, de condução ilegal, de falsas declarações e de roubo.

O arguido T. já foi condenado pela prática de crimes de ofensa à integridade física, de condução sem habilitação legal, de detenção de arma proibida, de resistência e coação sobre funcionário e de sequestro, este último em pena de 26 meses de prisão suspensa, por decisão transitada em 3/02/2016, encontrando-se, por isso, no período de suspensão.
O arguido C tem um vasto leque de antecedentes criminais, tendo registadas condenações desde o ano de 1993.

Foi condenado, inúmeras vezes, pela prática dos crimes de furto qualificado, condução sem habilitação legal, evasão, falsas declarações e favorecimento pessoal, roubo, falsificação de documentos, passagem de moeda falsa, detenção ilegal de arma, uso de documento de identificação ou de viagem alheio.

Entre os anos de 1991 e 2004 sofreu quatro condenações pela prática do crime de evasão.

Já o arguido AA foi condenado pela prática dos crimes de fraude sobre mercadorias, venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, ameaça agravada e resistência e coação sobre funcionário.

Os arguidos negam a prática de qualquer um dos factos imputados.

Contudo, a explicação que dão para se terem encontrado, no dia de ontem, nesta localidade é manifestamente inverosímil.

Na verdade, os arguidos foram seguidos e detetados os movimentos de localização celular, demonstrando a existência de contacto prévio entre C e J no dia de ontem com vista à marcação do encontro na Barraca de Pau.

A operação levada a cabo pela GNR surge na sequência de vigilâncias anteriores, de há alguns meses a esta parte, que documentam os contactos frequentes entre os suspeitos e a localização dos mesmos nas proximidades de locais que foram sendo alvo de furtos.

Os arguidos C e J desempenham um papel preponderante no planeamento e angariação de meios necessários à execução dos factos e na escolha dos locais onde vão operar. São, também, responsáveis pela recruta dos demais agentes (arguidos e suspeitos, entre os quais se incluem os hoje detidos) que os auxiliam.

Os arguidos estão particularmente alerta, tratando-se de grupo organizado, com mais ramificações, variando os intervenientes que atuam, em concreto, em cada uma das situações, o que aporta dificuldades probatórias acrescidas, de que os arguidos se têm valido.

Estando os arguidos alertados, abandonaram o veículo de transporte de gado assim que desconfiaram da proximidade da GNR, já tendo antes encetado diversas manobras de contra vigilância.
Pese embora os arguidos afirmem ter atividade profissional, o que carece de confirmação, esta não será de molde a prover às suas necessidades nem a obstaculizar a que se dediquem a atividades ilícitas, de que aliás dão conta os respetivos certificados de registo criminal.

Os arguidos dedicam-se, em conjugação de esforços entre si e com terceiros (alguns já identificados) à prática de crimes contra o património, mormente furtos de gado em propriedades rurais, em período noturno.

Os animais serão, posteriormente, colocados no mercado, à margem do circuito habitual.

Esta atividade, pelos valores envolvidos, permite a obtenção de lucros elevados.

Por todos estes fatores é patente o risco, quer em razão da personalidade dos arguidos (expressa nos atas que tem praticado desde há vários meses a esta parte) quer em razão da natureza do crime (permitindo-lhe, pelos proventos, assegurar a respetiva subsistência própria e do agregado familiar), da prática pelos arguidos de factos da mesma índole e que tal prática ocorra em condições que perturbem a ordem e tranquilidade pública, uma vez que os arguidos têm levado a cabo diversas ações disseminadas pelo território nacional, prejudicando explorações agrícolas, provocando a morte de diversos animais, que abandonam assim que desconfiam que possam ser fiscalizados, perturbando o sossego e tranquilidade dos visados e afetando o regular desempenho da atividade económica.

Por outro lado, constata-se que ainda importa apurar a participação dos demais suspeitos já identificados nos furtos em investigação, sendo efetivo o risco de que os arguidos procurem concertar versões e alertar os demais visados, assim prejudicando a aquisição, conservação e veracidade da prova.

C já foi condenado por diversas vezes pela prática de crime de evasão. Os arguidos A e AA encetaram fuga no dia de ontem, abandonando os animais objeto do furto.

Verificando-se, assim, os requisitos indicados nas als. a), b) e c) do art. 204.º do Cód. Proc. Penal, importa aplicar medida de coação adequada às exigências cautelares dos presentes autos.

Como já referimos, os arguidos têm antecedentes criminais, sendo que os arguidos C e AA contam com condenações pela prática de crimes contra o património.

O arguido T encontra-se em período de suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada pela prática de crime de sequestro.

Os arguidos revelam, quer pelos atos que têm vindo a praticar e acima referidos, quer pelo leque de antecedentes criminais, uma personalidade manifestamente avessa ao cumprimento das regras de vida em sociedade, indiferente às consequências dos seus atos e propensa às condutas ilícitas em que reiteradamente incorrem, pelo que o Tribunal entende que nenhuma outra medida de coação se revela adequada a acautelar a preservação da prova e o perigo de reiteração da atividade delituosa e de fuga que, neste caso, é agravado, que não a promovida pela Digna Magistrada do M.º P.º.

Em face das concretas exigências cautelares, entende o Tribunal que apenas uma medida de coação privativa da liberdade é adequada a acautelar os perigos enunciados, sendo necessária a tal fim e proporcional à medida da pena que previsivelmente será aplicada em julgamento.

De entre as medidas privativas da liberdade, entende o Tribunal que a atuação dos arguidos é particularmente reveladora de uma personalidade desviante e propensa à desconsideração do património alheio, que não será contida por uma medida de obrigação de permanência na habitação, ainda que com vigilância eletrónica, sendo certo que nenhuma das penas em que foram condenados foram interiorizadas.

Assim, apenas a medida de coação de prisão preventiva se nos afigura adequada à salvaguarda das exigências cautelares, sendo para o efeito necessária e proporcional à pena que se antevê aplicada em sede de julgamento.

Pelo exposto, nos termos dos arts. 191.º a 194.º, 202.º, n.º 1, al. d) e 204.º, als. a), b) e c) do Cód. Proc. Penal, determina-se que os arguidos T, J, C, AA e A aguardem os ulteriores termos em prisão preventiva.»

Cumpre agora decidir o presente recurso

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Questões a decidir

No caso presente, o arguido recorrente fundamenta o recurso do despacho que lhe aplicou a medida de prisão preventiva na insuficiência de indícios fortes da prática dos crimes de furto qualificado que lhe são imputados e, subsidiariamente, na ausência de “pericula libertatis” relativamente ao arguido e na suficiência das medidas de Obrigação de Apresentação Periódica (OPP) e proibição de se ausentar do Concelho onde reside ou, em alternativa, da Obrigação de Permanência na Habitação (OPH) com utilização de meios técnicos de controlo à distância.

São, pois, estas as questões a apreciar no presente recurso.

2. Decidindo
2.1. – Breves considerações de ordem geral.

Como é sabido (art. 191º CPP), a limitação total ou parcial da liberdade das pessoas mediante a aplicação de alguma das medidas de coação ou garantia patrimonial legalmente tipificadas, apenas pode ter lugar em função das exigências processuais de natureza cautelar a que se reporta o art. 204º do C.P.P., o que traduz, no essencial, o princípio da necessidade. Por outro lado, as medidas a aplicar devem ser adequadas às exigências cautelares concretamente verificadas e proporcionais à gravidade do crime e das sanções que, previsivelmente, venham a ser aplicadas (art. 193º CPP).

No que respeita aos requisitos ou pressupostos específicos previstos na lei para cada uma das medidas de coação, o art. 202º do CPP faz depender a aplicação da Prisão Preventiva (doravante, PP) da existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena superior a 5 anos ou de algum dos crimes especialmente previstos nas alíneas b) a f) do seu nº1, nomeadamente o crime de furto qualificado punível com pena superior a 3 anos de prisão, e, ainda, da inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coação legalmente previstas, com o que claramente atribui carácter subsidiário à prisão preventiva, conforme é pacificamente entendido.

Estes os aspetos normativos que nos parecem essenciais, sendo ao nível da verificação no caso concreto de indícios fortes da prática dos crimes, enquanto pressuposto de que a lei faz depender a prisão preventiva, que focaremos a nossa atenção, pois é a esse nível que a decisão recorrida e o presente recurso refletem as questões controvertidas que o caso encerra.

2.2. – A invocada insuficiência de fortes indícios do cometimento dos cinco crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts 203º e 204º nº2 al. a) e e), do C.Penal imputados ao arguido.

Diz o arguido recorrente, AA, no essencial, que quanto aos quatro primeiros crimes de furto qualificado não há nos autos quaisquer indícios de que os tenha praticado e quanto ao quinto furto considerado, relativo a factos de 31.10.2016 na Herdade da Guisada, Santa Susana, Redondo, os indícios existentes não podem reputar-se de fortes.

Vejamos.

2.2.1. Antes de mais, tem o arguido razão quanto aos primeiros quatro crimes de furto que lhe são imputados, relativos a factos de 14.12.2015, de 11 para 12 de janeiro de 2016, 15 e 19 de agosto de 2016, e 4.09.2016.

Com efeito, o despacho recorrido (fls 960 a 972) não refere qualquer atividade levada a cabo por este arguido, tanto nas considerações mais gerais expendidas no início do despacho como nas referências personalizadas que faz a propósito de cada um dos quatro primeiros crimes, limitando-se a mencionar o arguido ora recorrente na afirmação abrangente de que os factos terão sido praticados em conjugação de esforços e vontades, mediante um plano previamente delineado com a participação daqueles outros arguidos e AA de alcunha "Toninho, sem que esta afirmação reflita o narrado anteriormente no despacho em causa, bem como nos elementos de prova considerados pelo tribunal recorrido, máxime no Relatório de diligência externa da GNR de fls 832 a fls 856 e Auto de detenção de fls 857 a 872.

Por tal motivo, impõe-se a conclusão que não decorre dos autos a verificação de quaisquer indícios da prática daqueles mesmos quatro crimes por parte do arguido AA, como referido, pelo que é manifesta a procedência do recurso nesta parte.

2.2.2. Relativamente aos factos de 31.10.2016, que levaram à detenção do ora recorrente, o despacho recorrido começa por afirmar (fls 965) que “No dia 31 de Outubro de 2016, cerca das 5 horas, os arguidos J, C, T, AA e A, em conjugação de esforços e vontades e em execução de um plano previamente delineado, deslocaram-se à Herdade da Guisada, Santa Suzana, Redondo com o intuito de se apoderarem do gado que aí se encontrasse”.

Seguidamente, o despacho recorrido descreve a seguinte sequência factual: “cerca das 00h38m [do dia 31.10.2016] saíram da viatura de C, que estacionara junto do café “Barraquinha de Pau”, na EN 114, sentido Montemor-Évora, C, AA e um indivíduo desconhecido de etnia cigana. Destes, C e AA entraram imediatamente na viatura ligeira marca Mercedes, modelo C-180, matrícula -----HA, que se encontrava estacionada naquele mesmo local juntamente com uma viatura pesada, adaptada ao transporte de animais, de matrícula ----QB, marca Nissan modelo Alteo 140, desde as 23h21m. Na mesma ocasião, o indivíduo desconhecido entrou para a viatura pesada.

Mais tarde, chegados a S. Susana, pelas 2h05m, ambas as viaturas entraram numa estrada de terra batida que dá acesso à Herdade da Guisada, mas a viatura ligeira referida fez inversão de marcha em direção ao Redondo e depois, nova inversão de marcha no sentido de Santa Susana.

Cerca das 04h20m, continua aquele despacho, a viatura pesada ----QB saiu da herdade da Guisada em direção ao Redondo e seguidamente em direção a Évora. No cruzamento de São Miguel de Machede a viatura pesada e também a viatura ligeira de marca Mercedes seguem na direção de Azaruja. Chegados à EN 18 as viaturas separam-se e a viatura pesada segue em direção ao cemitério de Azaruja.

Continua o despacho que:

«Cerca das 05h 30m foi feita a abordagem aos arguidos C, J e T junto ao café onde se encontrava parqueada a viatura de C.

Quanto aos ocupantes da viatura pesada, AA de alcunha "Toninho" e A, abandonaram a referida viatura com 30 animais de raça bovina que retiraram da referida Herdade, acabando por ser intercetados, junto à localidade de Lavre pelas 09h21.

Nessa altura os arguidos AA de alcunha "Toninho" e A, faziam-se transportar numa viatura marca Ford modelo Smax de cor cinza ostentando a matrícula --MQ-- viatura que se encontra parqueada na localidade de Azervadinha, residência de C.».

Aquela descrição factual assenta no teor do Relatório de diligência externa de fls 832 a 834 (dos presentes autos de recurso em separado) até ao momento da detenção dos ocupantes do veículo ligeiro de marca Mercedes, ---HA (C, J e T) e, parcialmente, no Relatório de diligência externa de fls 855 que, seguido de Auto de Identificação e Revista de A, antecede o Auto de detenção de fls 857 a 872 destes autos em separado, que, de fls 869 a 872, respeita à detenção do ora arguido pelas 09h21m de 31.10.2016 e factos que a antecederam desde as 10h de 30.10.2016, hora a que foi encetada vigilância policial, repetindo parte do teor daqueles Relatórios de diligência externa.

Assim, a indiciação dos factos ora descritos, no que respeita ao arguido AA, assenta apenas no que terá sido visto pelos agentes da GNR que levaram a cabo as diligências de vigilância que integram os presentes autos e cujo teor se encontra parcialmente vertido no referido auto de detenção.

Os restantes elementos de prova genericamente referidos no despacho recorrido (cfr fls 967) que acompanham o auto de detenção são nesta fase irrelevantes para a indiciação dos factos imputados ao arguido AA, porquanto nenhum deles lhe respeita.

2.2.3. Ora, da conjugação dos Relatórios de diligência externa e auto de detenção, ora referidos, resulta, no essencial, que o arguido AA foi identificado pela primeira vez pelos soldados da GNR em diligência de vigilância, pelas 00h48m de 31.10.2016 junto da Barraca de Pau, EN 114-Évora, quando saía do veículo ligeiro marca Peugeot, matrícula ---QQ, utilizado pelo arguido C, e entrava no pesado de mercadorias, Nissan-Alteo 140, de matrícula --QB[1], juntamente com o arguido C.

O ora arguido só voltou a ser inequivocamente identificado pelos militares da GNR no momento da sua detenção, em Lavre, às 9h21, quando seguia na viatura de marca Ford, Smax, de matrícula --MQ-- juntamento com o arguido A, cerca de 5 horas depois de ter alegadamente abandonado a viatura pesada.

Antes disso, refere-se no Relatório de diligência externa (fls 833) que o pesado de mercadorias ----QB entrou na Herdade da Guisada em Santa Susana à 01h50m, de onde saiu em direção a Évora às 4h20m, tendo sido abandonada às 05h10m junto do cemitério da Azaruja, por dois indivíduos que fugiram a pé para parte incerta. Por sua vez, o auto de detenção menciona que o veículo pesado, com 30 animais de raça bovina, foi abandonado à hora e local indicados (4h20m, cemitério de Azaruja), pelos seus ocupantes, que diz terem sido identificados como AA e A, os quais foram detidos quando se faziam transportar no veículo Ford Smax, matrícula ---MQ---, na localidade Lavre, pelas 9h21m.

Ou seja, resultando do Auto de diligência externa que os dois ocupantes do veículo pesado ---QB não foram reconhecidos no momento em que o abandonaram e não se explicando no auto de detenção ou no despacho recorrido em que se fundamenta a afirmação de que o arguido AA era um deles, apenas pode concluir-se que tal assenta em inferência lógica retirada da circunstância de o ora arguido ter sido reconhecido pelos OPC ao entrar naquele veículo pesado pelas 00h48m desse mesmo dia 31.10.2016 e de se encontrar na companhia de A (em veículo que antes se encontrava estacionado junto da residência do arguido C), arguidos estes relativamente aos quais existem nos autos diversos indícios que os associam aos factos de 31.10.2016 e à prática de furtos semelhantes noutras ocasiões.

Assim e tendo ainda em conta que o veículo pesado em causa foi seguido pelos militares da GNR até entrar e depois sair na Herdade da Guisada, parece poder inferir-se logicamente que o arguido participou na factualidade típica, ou seja, nos atos de subtração de 30 bovinos da Herdade da Guisada em Santa Susana, pelo que encontramo-nos no domínio da indiciação indireta relativamente à participação do arguido AA no furto em causa.

2.2.4. Não pode, porém, concluir-se pela existência de fortes indícios da participação do arguido AA, por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, a participação do arguido – qualquer que tenha sido – não pode considerar-se seguramente indiciada por uma cadeia ou sequência de factos diretos e indiretos que permitisse dá-la como assente, com o grau de certeza exigível, pois há hiatos na descrição factual feita nos autos com base na vigilância policial e são muito escassas as referências diretas a este arguido, sendo de destacar não ter sido sequer sujeito a identificação e revista no momento da detenção (permitindo saber, por observação do agente policial, o estado em que se encontrava) e que bens teria consigo, contrariamente ao coarguido A detido em sua companhia, pelo que não pode sequer dar-se por seguramente infirmada a versão do arguido de que no dia em causa estava de boleia e encontrava-se embriagado, apesar da forma nada convincente como depôs em 1º interrogatório.

Em segundo lugar, não existem nos autos outros elementos de prova – vg interceções telefónicas, autos de vigilância, buscas, revistas ou apreensões - que permitam associar o arguido à prática de atos da mesma natureza em datas anteriores a 30.10.2016, contrariamente ao que sucede com os demais arguidos, a que acresce a inconsequência e aridez das declarações do arguido em 1º interrogatório, pelo que os autos não permitem esclarecer em que atos se terá traduzido a participação nos factos singelamente indiciada, bem como a que título a eventual participação terá ocorrido. Não esqueçamos que a autoria exige a prova de factos que se reconduzam a alguma das formas previstas no art. 26º do C. Penal, sem prejuízo de poder estar em causa mera cumplicidade nos factos, com consequências de relevo tanto do ponto de vista da medida da pena aplicável como da pena concretamente a aplicar.

Por último, aproximando-nos da noção apresentada por Pinto de Albuquerque, entendemos que existem indícios fortes, nomeadamente para efeitos da aplicação de Prisão Preventiva (art. 202º do CPP), quando constem dos autos elementos de prova que sustentem e revelem a convicção de que um facto se verifica no momento da decisão. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os conhecidos no momento em que é proferida a decisão interlocutória. Vd - Comentário do Código de Processo penal, 2007 p. 337.

Deste modo, concluímos que no estado atual do processo não se encontra fortemente indiciado que no dia 31 de Outubro de 2016, cerca das 5 horas, o arguido AA, juntamente com os arguidos J, C e T, em conjugação de esforços e vontades e em execução de um plano previamente delineado entre si, bem sabendo que entravam no interior das referidas propriedades agrícolas, sem o consentimento e contra a vontade do seu proprietário/explorador, deslocou-se à Herdade da Guisada, Santa Susana, Redondo, com o intuito de se apoderar do gado que aí se encontrasse, e que sabiam não lhes pertencerem, o que conseguiram, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Assim e tendo ainda presente a inexistência de indícios verificada quanto aos primeiros quatro crimes de furto que lhe vinham imputados, relativos a factos de 14.12.2015, de 11 para 12 de janeiro de 2016, 15 e 19 de agosto de 2016, e 4.09.2016, impõe-se revogar a medida de prisão preventiva aplicada ao arguido AA, por não existirem nos autos fortes indícios de que tenha praticado algum dos cinco crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts 203º e 204º nº2 al. a) e e), do C.Penal, ainda que a título de cumplicidade.

2.2.5. No entanto – diferentemente da inexistência de indícios verificada quanto aos primeiros quatro crimes de furto que lhe vinham imputados, – encontra-se meramente indiciada nos autos, como vimos, a participação do arguido AA, pelo menos a título de cumplicidade, na prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos arts 203º e 204º nº2 al. a) e e), 27º e 73º do C. Penal, com prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses.

Deste modo e uma vez que os autos indiciam suficientemente a existência de perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente através de contactos que possa vir a manter com outros arguidos, dadas as relações familiares e de amizade existente com alguns deles, bem como mediante ausência a diligências a que seja convocado, dada a sua atividade de venda ambulante, decide-se sujeitar o arguido AA à medida de Obrigação de apresentação periódica em posto da GNR próximo da sua residência, duas vezes por semana – cfr art. 198º do CPP.

Procede, pois, o presente recurso, nos termos expostos.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando o despacho recorrido na parte respetiva e decidindo, em substituição, que este arguido aguardará os ulteriores termos do processo em liberdade, mediante obrigação de apresentação periódica, nos termos expostos supra.

Passe mandados de libertação do arguido.

Sem custas – cfr art. 513º do CPP na sua atual versão.

Évora, 21 de fevereiro de 2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)
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[1] Só por lapso se referirá no despacho recorrido que cerca das 00h38m os arguidos AA e C e [do dia 31.10.2016] saíram da viatura de C e entraram imediatamente na viatura ligeira marca Mercedes, modelo C-180, matrícula ----HA, em vez de mencionar a viatura pesada, adaptada ao transporte de animais, de matrícula ----QB, marca Nissan modelo Alteo 140, conforme relatado no Auto de diligência externa (fls 833)