Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
63/16.7GECUB.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: CONEXÃO DE PROCESSOS
CESSAÇÃO DA CONEXÃO
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O caso julgado formal que se formou com a separação de processos só vincula as partes (e o tribunal) desde que se mantenha a mesma situação de facto (a mesma causa de pedir, como se diria em processo civil), alterada a situação de facto, com outros factos, outra realidade fáctica, outra pode ser a decisão, sem que com isso se possa afirmar que há violação do caso julgado.

E cessando a causa que determinou a separação de processos nada obsta a que o tribunal faça funcionar a conexão, se esta se verificar, como no caso se verifica, designadamente, por ambos os processos se encontrarem na mesma fase processual.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Instrução Criminal de Évora, corre termos o Proc. n.º 63/16.7GECUB, no qual, por despacho de 18.06.2020, se decidiu determinar a apensação aos presentes autos do Processo n.º 1239/19.0T9EVR, por se considerar que se verifica uma situação de conexão (art.º 24 n.º 1 al.ª d) do CPP) e que cessaram os obstáculos a tal conexão determinada pelo despacho de 25.10.2019 quanto à arguida MR, por na altura “se ter entendido que a conexão iria retardar de forma excessiva o julgamento de qualquer dos arguidos (sendo que à data existiam arguidos privados da liberdade), na medida em que se teria de proceder a diligências para a notificação da mesma”.

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2. Recorreu a arguida desse despacho, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

A – A recorrente não se conforma com a decisão proferida, a qual deve ser substituída por outra que determine a manutenção da separação de processos e, em consequência, prossigam os ulteriores termos processuais do processo crime que, sob o n.º 1239/19.0T9EVR, correram termos no Juízo central Cível e Criminal de Beja – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja.

B - O tribunal a quo, no passado dia 25/10/2019, havia decidido pela separação dos processos, decisão que transitou em julgado; tal decisão se tornou, para o mundo jurídico, definitiva, não sendo suscetível de ser alterada, tal como impõe o respeito pelos princípios da certeza e segurança jurídicas.

C - Por outro lado, antes de ser proferida a decisão de que ora se recorre, em momento algum foi a aqui recorrente notificada para se pronunciar sobre a intenção do tribunal a quo de apensar os autos com o n.º 1239/19.0T9EVR aos presentes, violando-se, assim, o princípio basilar do direito ao contraditório, como violou o direito de defesa da arguida, ora recorrente.

D - Quer a apensação quer a separação do processo é permitida, nos termos dos artigos 24 e seguintes do Código de Processo Penal, contudo, não é permitido que tal aconteça no mesmo processo, separando determinado processo e depois, mais tarde, reorganizar-se num só processo como se nada tivesse acontecido, prejudicando a confiança e a segurança jurídica, princípios que assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expetativas juridicamente criadas.

E - O tribunal a quo já procedeu à notificação de todos os arguidos, com exceção da aqui recorrente, da data designada para realização da audiência de julgamento.

F - A arguida não reside em Portugal, pelo que o facto de ainda não ter sido notificada do despacho que designa data para realização de julgamento, com todos os efeitos que dele decorrem, pode representar um grave risco para o direito de defesa da recorrente, concretamente, o de estar presente no julgamento e exercer a sua defesa, sendo também legitimo presumir que, pelo facto de ainda não ter sido notificada do despacho que designa data para realização de julgamento, com a conexão ora realizada, se possa verificar o retardamento excessivo de qualquer dos arguidos.

G - Ao decidir agora pela apensação o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal, assim como foram violados os artigos 60 e 61 n.º 1 al.ª b) do Código de Processo Penal, porquanto, não foi assegurado à ora recorrente o exercício de direitos e deveres processuais, bem como não foi ouvida pelo tribunal a quo antes que este proferisse a decisão ora recorrida, que pessoalmente a afeta.

H - Termos em que vem a recorrente requerer que a decisão ora recorrida seja revogada e substituída por outra que determine a manutenção da separação de processos e, em consequência, ordene que prossigam os ulteriores trâmites processuais do processo crime que, sob o n.º 1239/19.0T9EVR, correram termos no Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja.

3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

1 – A recorrente não contesta nem a verificação da relação de conexão entre o Processo Comum n.º 63/16.7GECUB e o Processo Comum n.º 1239/19.0T9EVR, nos termos sobreditos [artigo 24 n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal] nem que ambos se encontram na mesma fase processual [artigo 24 n.º 2 do Código de Processo Penal]. O que questiona é o facto de a Mm.ª Juiz do Juízo Central Cível e Criminal de Beja ter revertido a decisão, proferida pelo Mm.º Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal de Évora e transitada em julgado, de separar a sua culpa, sem sequer tê-la ouvido previamente.

2 - Mas sem justificação atendível.

Por um lado, é pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que:

- «A separação de processos não é definitiva não obstando a ulterior conexão, caso deixem de se verificar os pressupostos que determinaram a separação e se verifiquem os que justificam a apensação; após a separação dos processos, mesmo depois de ter decidido cessar a conexão de processos em relação a um dos arguidos e ordenado a separação dos mesmos (art.º 30), o tribunal pode decidir no sentido da conexão dos mesmos processos e ordenar a apensação, alterados que estejam os condicionalismos determinantes da primeira decisão. É o caso, corrente, da caducidade da declaração de contumácia. Será também o caso de separação ordenada para evitar que, por razões imputáveis a um arguido, ocorresse um retardamento excessivo do julgamento dos demais arguidos» (ANTÓNIO GAMA, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, págs. 403-404);

- «I - A decisão que ordene a separação de processos, na parte respeitante a um arguido, para obstar ao prolongamento da prisão preventiva de outros arguidos não é imutável.

II - Assim, alterados os condicionalismos determinantes de tal decisão, deverá proceder- se à reunificação dos processos no Tribunal onde pendia o originário, prosseguindo nele os termos subsequentes» (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de outubro de 1998, Processo n.º 1969/98, www.colectaneadejurisprudencia.com);

- «Mesmo depois de ter decidido cessar a conexão de processos em relação a um dos arguidos e ordenado a separação dos mesmos, nos termos do art.º 30 do CPP, o tribunal pode ainda voltar a decidir no sentido da conexão dos mesmos processos e a ordenar a respetiva apensação, alterados que estejam os condicionalismos determinantes da primeira decisão» (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de junho de 1999, Processo n.º 849/99, www.colectaneadejurisprudencia.com).

Por outro lado, com respeito ao facto de não ter sido dada oportunidade à recorrente para se pronunciar sobre a apensação do "seu" processo, se é verdade que, na decorrência do princípio constitucional do contraditório [artigo 32 n.º 5 da Constituição], o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete [artigo 61 n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal], não é menos verdade que no caso em apreço a invocada falha processual, não integrando nenhuma das nulidades tipificadas na lei [artigos 118 n.º 1, 119 e 120, todos do Código de Processo Penal], consubstancia uma mera irregularidade [artigos 118 n.º 2 e 123, ambos do Código de Processo Penal] que, entretanto, ficou sanada em virtude de não ter sido arguida nos três dias seguintes a contar da data em que a interessada foi notificada, por intermédio dos seus defensores, do despacho que ordenou a apensação [v. as datas assinaladas no ponto 1 e na alínea n) do ponto 2 desta resposta].

3 - Daí que, concluindo, o recurso deva improceder.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (parecer de 28.09.2020), manifestando a sua adesão à posição assumida pelo MP na resposta que apresentou ao recurso e acrescentando:

- “A conexão de processos é a regra, sempre que verificados os respetivos requisitos formais, apenas podendo ceder quando ocorra uma qualquer das circunstâncias elencadas no art.º 30 do CPP, tal como sucedeu no caso ora sob juízo”;

- “Deixando de subsistir a razão que determinou a separação de culpas, a regra da conexão como que é repristinada, não só consentindo, como impondo, a reunificação processual das culpas.

Entender como defende a recorrente, implicaria considerar que um Despacho que sujeitasse um arguido a prisão preventiva, constituindo caso julgado, obstaria a que a medida de coação não pudesse vir a ser alterada, ainda que os pressupostos iniciais que determinaram a sua aplicação se tivessem alterado”.

5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP), atentas as questões colocadas no presente recurso, nas conclusões, sendo que são estas que delimitam o seu objeto.

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6. Consta dos autos:

1) Em 29 de julho de 2019 a recorrente MR foi acusada da prática, em coautoria com os arguidos FAA, RR, CR, CCR, SP, VSS, SG, VD, AB, VP L, SU L, BU L, SU L e BVU L, de cinquenta e oito crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183 n.º 2 da Lei 23/2007, de 4 de julho, um crime de associação de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 184 n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, cinquenta e oito crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160 n.ºs 1 alíneas b) e c) 4 alínea d) do Código Penal, e um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299 n.ºs 2 e n.º 5 do Código Penal;

2) Na data em que foi proferida a acusação os coarguidos FAA, CCR, CR, SP e VSS encontravam-se em prisão preventiva e a co-arguida RR encontrava-se sob obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica;

3) Em 4 de outubro de 2019 o Ministério Público consignou em despacho que «o paradeiro da arguida MR é desconhecido, estando presumivelmente fora do território nacional, em parte incerta, inviabilizando-se a sua notificação»;

4) Em 9 de outubro de 2019, depois de a arguida MR ter indicado a sua morada [….], o Ministério Público determinou que fosse «organizada carta rogatória com vista à sua notificação do despacho final (…), a remeter para as autoridades judiciárias da República da …»;

5) Em 25 de outubro de 2019, e na sequência da promoção do MP de 22.10.2019, o Exm.º Juiz de instrução do Juízo de Instrução Criminal de Évora declarou cessada a conexão e determinou «a separação do processo quanto à arguida MR, extraindo-se certidão e cópia de todo o processo e apensos até ao presente despacho», em síntese, com os seguintes fundamentos:

“… o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:

c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de quaisquer arguidos.

A conexão retardará de forma excessiva o julgamento de qualquer dos arguidos na medida em que se terá de proceder a diligências para a notificação de MR. Acresce que MR, por requerimento de 04 de outubro de 2019 (cfr. fls. 5624 e seguintes), veio indicar expressamente a sua morada atual e requerer a respetiva notificação da acusação contra si deduzida; esta morada localiza-se na República da …. E em face disso o Ministério Público determinou a organização de carta rogatória com vista à sua notificação do despacho final exarado nos autos, a remeter para as autoridades judiciárias da República da ….

A norma em questão visa, então, obstar a que as garantias e as especificidades do processo em relação a um arguido cuja notificação ainda se encontra por realizar impeçam a causa de ser examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, conforme é imposto pelo art.º 6.º da CEDH.

Tal sucederá no caso em apreço se não for ordenada a separação. Ao invés, admitir, sem qualquer válvula de escape, que se aguarde a notificação de um dos arguidos, a realizar por autoridade estrangeira, acarretaria um protelamento da tutela penal, de índole formal, como um alçapão velado, em que um determinado processo poderia cair por contingências de mera efetividade da notificação de um dos arguidos, em detrimento das garantias processuais de arguidos que cautelarmente já se encontram presos”.

6) Em 27 de maio de 2020 as medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação a que os arguidos CR, CCR, SP, VSS, RR e FAA se encontravam sujeitos foram substituídas pelas de obrigações de apresentação bissemanal no posto/esquadra do OPC da respetiva área de residência, de proibição de se ausentarem do concelho da área da respetiva residência e de contactarem com as testemunhas arroladas na acusação.

7) Neste seguimento, em 18 de junho de 2020 foi proferido o despacho recorrido no qual se pode ler:

«[…]

Conforme resulta dos autos, foi deduzida acusação, além dos demais, contra a arguida MR tendo-lhe sido imputada a prática em coautoria com os demais arguidos, de cinquenta e oito crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art.º 183 n.º 2 da Lei 23/2007, de 04 de julho, um crime de associação de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art.º 184 n.ºs 1 e 2, por referência aos art.ºs 181 e 183 n.º 2, todos da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho, cinquenta e oito crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art.º 160 n.ºs 1 al.ªs b) e c) e 4 al.ª d) do Código Penal, e um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 299 n.ºs 2 e 5, em articulação com o n.º 1, do Código Penal.

Por despacho proferido em 25.10.2019… declarada cessada a conexão e determinada a separação do processo quanto à arguida MR, por se ter entendido que a conexão iria retardar de forma excessiva o julgamento de qualquer dos arguidos (sendo que à data existiam arguidos privados da liberdade) na medida em que se teriam de proceder a diligências para a notificação da mesma.

Notificada aquela arguida e decorrido o prazo para a abertura da instrução, foram os autos distribuídos a este Juízo Central (Proc. n.º 1239/19.0T9EVR) e designada data para realização da audiência de julgamento.

Entretanto a natureza urgente dos presentes autos cessou porquanto deixaram de existir arguidos privados da liberdade

Ora, encontrando-se ambos os autos na mesma fase (julgamento), verificando-se uma situação de conexão (art.º 24 n.º 1 al.ª d) do CP Penal) e tendo cessado os obstáculos a tal conexão, o julgamento de todos eles deverá ser conjunto.

Em face do exposto, determino a apensação aos presentes autos do Proc. n.º 1239/19.0T9EVR”.

6.1. – 1.ª questão (a violação do princípio do contraditório):

Alega a recorrente, em primeiro lugar, que antes da decisão recorrida “em momento algum foi… notificada para se pronunciar sobre a intenção do tribunal a quo de apensar os autos com o n.º 1239/19.0T9EVR aos presentes, violando-se o princípio basilar do direito ao contraditório, como violou o direito de defesa da arguida”.

De facto não tendo a arguida sido notificada para se pronunciar sobre tal questão, o tribunal violou o disposto no art.º 61 n.º 1 al.ª b) do CPP, não lhe dando oportunidade de se pronunciar sobre a questão decidida na decisão recorrida, que pessoalmente a afeta.

A omissão dessa formalidade, porém, não é cominada na lei como nulidade, pelo que, em face do disposto no art.º 118 n.º 2 do CPP, não cominando a lei essa omissão como nulidade, a mesma integra uma irregularidade processual, sujeita ao regime do art.º 123 n.º 1 do CPP, ou seja, teria que ser arguida pelos interessados – no caso, a arguida – no prazo de três dias a contar da data em que teve conhecimento da mesma, sob pena de se ter como sanada.

Não tendo sido tempestivamente arguida, tal irregularidade, pelas razões que se deixam expostas, tem-se como sanda.

Improcede, por isso, a 1.ª questão suscitada pela recorrente.

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6.2. – 2.ª questão (a ilegalidade da apensação/violação do caso julgado):

“Existe conexão de processos quando, nomeadamente, vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros [artigo 24 n.º 1 alínea d) do Código de Processo Penal], hipóteses que se apresentam de forma alternativa, como «resulta inequivocamente do emprego da conjunção disjuntiva ou alternativa ou», o que significa que «qualquer dos pressupostos previstos nesta alínea basta para a existência de conexão»” – excerto da resposta do MP ao recurso, citando MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 17.ª edição, 2009, páginas 120-121, e GERMANO MARQUES DA SILVA [Curso de Processo Penal, I, Editorial Verbo, 1993, páginas 142-143]).

“«A ratio da competência por conexão advém da existência da particular relacionação intercedente entre vários crimes conexos – seja em nome da sua proximidade material e objetiva, ou pessoal e subjetiva, ou uma e outra – que justifica a conveniência do seu julgamento conjunto.

Na base da competência por conexão temos razões de economia processual, razões de boa administração da justiça penal, juntando processos conexos será provavelmente mais esgotante a produção probatória e respetiva cognição, e de prestígio das decisões judiciais, pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infrações conexas se contradizerem materialmente» - resposta do MP ao recurso, citando JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, apud ANTÓNIO GAMA, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, artigos 1 a 123, Almedina, página 352, invocando no mesmo sentido GERMANO MARQUES DA SILVA, obra antes citada, pág. 138 («a conexão de processos é determinada por conveniência da justiça. Há entre os crimes que hão-de ser julgados conjuntamente uma tal ligação que se presume que o esclarecimento de todos será mais fácil ou mais completo quando processados juntamente, evitando-se possíveis contradições de julgados e realizando-se consequentemente melhor justiça») e ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, em Código de Processo Penal Comentado, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR ASPAR e outros, Almedina, 2014, página 107: «categoria processual da conexão (…) tem como finalidade prosseguir interesses processuais de economia e de prevenção de riscos de julgados divergentes”.

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Verificando-se, no caso, uma situação de conexão – questão que ninguém questiona – a mesma foi declarada cessada (quanto à arguida agora recorrente) por despacho de 25.10.2019, em síntese, porque a conexão “iria retardar de forma excessiva o julgamento de qualquer dos arguidos (sendo que à data existiam arguidos privados da liberdade) na medida em que se teriam de proceder a diligências para a notificação da mesma”, decisão que tem suporte no art.º 30 n.º 1 al.ª c) do CPP, onde expressamente se estabelece que “… o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum ou alguns processos sempre que:

c) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos”.

Ao que acresce que, estando alguns dos arguidos detidos, em prisão preventiva, havia razões ponderosas para a separação, a fim de não prolongar a prisão preventiva com a realização de diligências, previsivelmente morosas, para notificar a arguida (art.º 30 n.º 1 al.ª a) do CPP).

Esta decisão – de fazer cessar a conexão – uma vez transitada em julgado, tem força obrigatória dentro do processo, faz caso julgado formal, não podendo o tribunal alterar o decidido/dar o dito por não dito, com base na mesma situação de facto.

Acontece que, como consta dos autos – e acima se descreveu – as razões que motivaram a separação de processos e que determinaram a cessação da conexão deixaram de se verificar, ou seja, cessou a causa que determinou a cessação da conexão.

E cessando a causa que determinou a separação de processos nada obsta a que o tribunal faça funcionar a conexão, se esta se verificar, como no caso se verifica, designadamente, por ambos os processos se encontrarem na mesma fase processual.

Esta é a posição que a jurisprudência vem acolhendo em situações similares, como nos dão conta as decisões cujos excertos o Ministério Público escreveu na resposta ao recurso, e que está em conformidade com as normas dos art.ºs 29 e 30 do CPP.

Correndo o risco de nos repetirmos, em jeito de conclusão dir-se-á que o caso julgado formal que se formou com a separação só vincula as partes (e o tribunal) desde que se mantenha a mesma situação de facto (a mesma causa de pedir, como se diria em processo civil), alterada a situação de facto, com outros factos, outra realidade fáctica, outra pode ser a decisão, sem que com isso se possa afirmar que há violação do caso julgado (veja-se, a este propósito, o que acontece com a decisão que aplica uma medida de coação, designadamente, a prisão preventiva, a qual, fazendo também ela caso julgado formal – no sentido de que ela se impõe como definitiva, nos precisos termos em que decide tal questão – ela pode – e deve – ser alterada logo que se verifique uma alteração das circunstâncias, em suma, da factualidade que esteve subjacente à mesma).

Improcede, por isso, o recurso.

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7. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela arguida recorrente e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela arguida recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 9 e Tabela III anexa do RCP).

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(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado).

Évora, 10/11/2020

(Alberto João Borges)

(Maria Fernanda Pereira Palma)