Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1576/18.1T8MMN-A.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
INEPTIDÃO
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- A validade substantiva da declaração confessória (artigo 458.º, n.º 1, do Código Civil) não é suficiente para, com base apenas nela, o credor recorrer à acção executiva.
II- Aqui, a lei exige que seja descrito o negócio que é fonte da obrigação confessada, nos termos do artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1576/18.1T8MMN-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

Sociedade Agrícola Quinta do (…), Lda. deduziu embargos à execução que lhe move (…) – Mármores e Granitos, Lda.
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Foi proferido saneador sentença onde se decidiu:
1.º- Julgar procedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processado por força da ineptidão do requerimento executivo;
2.º- Absolver “Sociedade Agrícola Quinta do (…), Lda.” da instância executiva.
Decidiu-se assim por se ter entendido que o requerimento é omisso quanto à causa de pedir, encontrando-se o mesmo ferido de ineptidão nos termos do artigo 186.º, do C.P.C..
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Desta sentença recorre a exequente pedindo a sua revogação.
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O executado contra-alegou.
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Os factos que o tribunal considerou provados são os seguintes:
1. Em 09.11.2018, “(…) – Mármores e Granitos, Lda.” intentou execução sumária contra “Sociedade Agrícola Quinta do (…), Lda.” para pagamento da quantia de € 9.900,00, que corre termos neste juízo sob o n.º 1576/18.1T8MMN;
2. Deu à execução um documento escrito denominado “Confissão de Dívida e Acordo Pagamento” com o seguinte teor relevante para os autos: “Sociedade Agrícola da Quinta do (…), SAG, Lda. (…), aqui representada pelo seu gerente, o Exmo. Sr. (…), confessa-se devedora da quantia de € 9.900,00 (…) à sociedade comercial (…) – Importação e Comércio de Relógios e Produtos de Ourivesaria Lda. (…), aqui representada pelo sócio gerente Sr. (…).
Mais declara que o pagamento da referida quantia será efectuado até ao primeiro dia útil do mês de Dezembro de 2006.
Por estar ciente do ora declarado e que exprime a vontade da sua representada vai assim devidamente assinada a presente confissão.
Borba, 17 de Janeiro de 2006”
(Assinatura com o nome …)
3. No formulário electrónico, da exposição dos factos que fundamentam a pretensão, consta o seguinte com relevo para os autos:
“1.º Em 17 de Janeiro de 2006, o exequente subscreveu com o executado uma “confissão de dívida”, no valor de € 9.900,00.
2.º Sucede que, até à presente data, o executado nenhuma quantia liquidou.
3.º O documento em questão – confissão de dívida – é um titulo executivo, pois foi celebrado entre as partes, antes da entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013.
4.º (…)
5.º Pelo exposto, é devida a quantia de € 9.900,00 ao Exequente, pois que, apesar de interpelado, o executado nada liquidou.”.
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Nas suas alegações, a recorrente defende que está verificada a suficiência do título executivo pois que ele contém os requisitos necessários para, por si só, certificar a existência da obrigação e o direito correspondente.
Se o devedor, ainda que por declaração unilateral, confessar e reconhecer uma dívida sem menção ao negócio causal, este presume-se, não podendo o devedor ser desonerado do ónus de provar que tal negócio não existe.
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Por seu turno, a recorrida alega que o princípio da suficiência não determina que o respectivo título, quando nele nada mais conste do que um simples reconhecimento de uma obrigação, seja suficiente para sustentar uma execução. Sobre o credor recai o ónus de alegação do facto da obrigação, o qual servirá de causa de pedir aquando a apresentação do requerimento executivo, sob pena de, não o fazendo, tal requerimento padecer de falta de causa de pedir, o que o torna inepto nos termos do disposto nos artigos 186.º, n.º 2, al. a), e 724.º, n.º 1, e), ambos do CPC.
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Os embargos foram decididos da maneira exposta por aplicação do preceito do Cód. Proc. Civil citado em último lugar e que determina que no requerimento executivo se exponham os factos os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
Não está em questão a validade da declaração escrita como título executivo tal como não está posta em questão a sua validade substancial. A primeira esta afirmada na sentença e ninguém a discute; a segunda decorre do art.º 458.º, n.º 1, Cód. Civil. A doutrina deste preceito é conhecida e não vale a pena estar aqui a indicá-la. Basta reter que o preceito não acolhe negócios abstractos mas tão-só as declarações que não indicam a fonte da obrigação. Esta existe mas não está evidente, à vista de todos. A lei continua sempre a exigir o negócio que, este sim, é a fonte da obrigação confessada; a declaração só faz presumir a existência de tal negócio (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 1986, p. 392).
Mas a validade substantiva da declaração confessória não é suficiente para, com base apenas nela, o credor recorrer à acção executiva. Aqui, a lei exige algo mais; exige que seja descrito o negócio que é fonte da obrigação confessada. É este o sentido do art.º 724.º, n.º 1., al. e), Cód. Proc. Civil, que em parte alguma das alegações é referido.
A jurisprudência citada na sentença não retira validade à declaração unilateral pois que nem sequer é isso que está em discussão; o que faz é aplicar citado artigo do Cód. Proc. Civil. O ac. da Relação de Évora, de 11 de Maio de 2017, é claro ao afirmar que os «documentos particulares em que o devedor reconheça uma dívida, podem ser dados à execução, devendo o exequente, se a causa da obrigação não constar do respectivo documento, invocar descritivamente tal obrigação no requerimento executivo, sob pena de, não o fazendo, tal requerimento padecer de falta de causa de pedir, o que o torna inepto». De igual forma, o ac. da Relação do Porto, de 14 de Maio de 2013, decidiu que o «credor de uma obrigação causal, cuja causa não conste do título exequendo, deverá alegá-la no requerimento executivo, sob pena de ineptidão inicial, nos termos do art.º 193º, n.º 1, do CPC»; acrescenta, que apenas «tal alegação permitirá ao executado a prova de que tal relação fundamental não existe, sob pena de ter de ser defender contra uma infinitude de causas possíveis».
O requerimento executivo apresentado pela recorrente está exposto na matéria de facto e dúvidas não há que ele é completamente omisso quanto à causa da declaração, melhor dizendo, quanto ao negócio fonte da obrigação que consta da declaração.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 23 de Abril de 2020
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário:
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