Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2823/16.0T8STB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
AUTO DE NOTÍCIA
ASSÉDIO
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – O auto de notícia deve descrever a materialidade dos factos, não constituindo em si mesmo uma acusação que tenha de conter os elementos que caracterizam a existência de uma infração, nomeadamente o elemento subjetivo do ilícito;
II – Verifica-se o assédio moral previsto no artigo 29.º do CT, devendo a empregadora/arguida ser condenada pela prática de uma contra-ordenação muito grave, no circunstancialismo em que se apura que depois do regresso do trabalhador – quadro superior, director de uma unidade produtiva e adjunto do director-geral da arguida – após a baixa médica prolongada, face à recusa por este na celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho, lhe ordena para entregar a viatura que lhe estava atribuída, marca Audi A6 avant, e recebesse a viatura Ford Focus S Wagon, e que procurasse fabricantes e fornecedores internacionais para um produto que a arguida comercializava usando somente os meios de consulta das bases de dados e estabelecendo contactos via telefone ou correio eletrónico, tarefa que não o ocupava a 100%, bem sabendo que face à posição que o trabalhador ocupava na empresa, tais ordens e o esvaziamento funcional eram suscetíveis de afectar a sua dignidade, humilhá-lo, constrangê-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de cessação do contrato de trabalho.
Decisão Texto Integral: P.2823/16.0T8STB.E1
Recurso Penal

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
BB, S.A., CC, DD, EE e FF, todos com os demais sinais identificadores nos autos, impugnaram judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que os condenou no pagamento da coima única de 500 UC’s (€ 51.000) e na sanção acessória de publicidade, por violação do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
O tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a impugnação e manteve a condenação, tendo, porém, reduzido a coima para 300 UC’s (€30.060), sendo solidariamente responsáveis pelo seu pagamento os impugnantes individuais, na qualidade de administradores da sociedade. Manteve a sanção acessória aplicada.
Inconformados com esta decisão, vieram os impugnantes interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1. A ACT, no auto de notícia datado de julho de 2015, veio imputar à recorrente a alegada prática de uma contraordenação por violação, a título negligente, do art.º 29.º, 1 do CT.
2. A ACT, nos termos devidos, informou a recorrente que poderia pagar imediatamente a coima no valor de € 9.180,00, equivalente a 90UC, em que vinha condenada, ou apresentar resposta escrita.
3. A recorrente, por entender não ter cometido o facto ilícito que lhe vinha imputado, optou por apresentar defesa, o que fez tempestivamente.
4. Estranhamente, a ACT, sem informar a recorrente acerca de quaisquer novos factos, veio, na sua decisão final, condenar a recorrente por violação do art.º 29.º, 1 do CT e condená-la a título de dolo.
5. A coima aplicada à recorrente aumentou exponencialmente, passando de € 9.180,00 para € 51.000,00, mais sendo aplicado uma sanção acessória de publicidade.
6. As realidades fáticas que sustentam uma atuação dolosa e uma atuação com mera negligência são, necessariamente, distintas.
7. A alteração do elemento subjetivo da infração imputada à recorrente de negligência para dolo depende, assim, de uma alteração substancial dos factos.
8. Essa alteração substancial dos factos não foi dada a conhecer à recorrente.
9. A recorrente não teve oportunidade de contraditar os novos factos nem de requerer produção de prova, tudo em violação do direito a audiência e defesa que lhe reconhece o art.º 32.º, 10 da CRP.
10. A decisão administrativa que, inadmissivelmente, agravou o tipo de condenação aplicada à recorrente é nula.
11. Sendo nulos todos os atos a esta subsequentes e que dela dependem, nos termos do art.º 122.º, 1 do CPP.
12. A alteração do elemento subjetivo da infração, de negligência para dolo, e o consequente agravamento da moldura penal são factos notórios, que decorrem da mera leitura dos autos e aos quais o tribunal tem necessariamente acesso pelo simples exercício das suas funções.
13. O tribunal, mal, não conheceu da nulidade assim identificada.
14. O que sempre lhe cabia, oficiosamente, fazer.
15. Nos termos do art.º 410.º, 2 do CPP, a Relação deve conhecer de vícios referentes à matéria de facto quando tal seja necessário para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto claramente insuficiente ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias.
16. Vertendo ao caso sub judice, resulta do texto da sentença recorrida conjugada com as regras da experiência comum que o tribunal cometeu erro notório na apreciação da prova ao dar como facto provado o que escreveu sob o ponto u).
17. Ali em causa está um juízo de valor, uma conclusão, e não um facto.
18. O ponto u) da matéria de facto deve ser dado por não escrito.
19. O tribunal cometeu também erro notório que prejudica a decisão de direito ao não incluir na matéria de facto assente que a recorrente, como se fez prova em juízo, deu início em julho de 2014 a um processo de despedimento coletivo no qual integrou o trabalhador GG.
20. Deve ser aditado à matéria de facto o ponto mm) nos seguintes termos: ‘Em julho de 2014, a arguida iniciou um procedimento de despedimento coletivo, sendo um dos trabalhadores abrangidos o Eng.º GG’.
21. A recorrente não adotou qualquer comportamento em relação ao trabalhador GG suscetível de integrar a previsão do art.º 29.º, 1 do CT.
22. A atuação da recorrente em relação ao trabalhador GG não teve qualquer objetivo final ilícito nem sequer eticamente reprovável.
23. O próprio tribunal reconhece que o esvaziamento de funções do trabalhador se ficou a dever a uma extinção de posto de trabalho motivada por uma legítima necessidade de reestruturação da recorrente.
24. O próprio tribunal reconhece que o trabalhador não cumpriu a ordem de serviço 1/2014, não tendo a recorrente insistido no cumprimento nem iniciado qualquer procedimento disciplinar motivado por tal circunstância.
25. A recorrente não se encontra legalmente obrigada a dispensar do dever de assiduidade um trabalhador envolvido num processo de extinção de posto de trabalho.
26. É normal, e não pode ser imputado à recorrente, que um trabalhador abrangido por um processo de extinção de posto de trabalho se sinta triste e deprimido.
27. A recorrente não violou o direito de ocupação efetiva do trabalhador.
28. A recorrente não privou o trabalhador de benefícios que faziam parte da sua remuneração.
29. A recorrente não promoveu o isolamento social do trabalhador.
30. A recorrente não criou um ambiente de trabalho intimidativo, hostil, humilhante ou desestabilizador.
31. A recorrente não adotou para com o trabalhador qualquer comportamento suscetível de integrar o tipo assédio moral, nos termos em que o prevê o art.º 29.º, 1 do CT.
32. A situação em discussão nos autos não teve por intenção, nem sequer por consequência, humilhar ou desestabilizar o trabalhador e não se prolongou no tempo.
33. A recorrente e o trabalhador acordaram na revogação do contrato de trabalho em maio de 2015.
34. No limite, a recorrente atuou com mera negligência.
35. Como, aliás, decidiu inicialmente a ACT.
36. O dolo, nos termos em que o define o art.º 14.º do CP, sempre pressupõe, em qualquer uma das suas modalidades (direto, necessário e eventual), uma consciência de ilicitude.
37. Como, bem, reconhece o tribunal, a recorrente não atuou com intenção de violar o art.º 29.º, 1 do CT nem sequer equacionou que a sua atuação podia redundar nessa violação.
38. Se a consciência da ilicitude não ficar comprovada, como não ficou no caso concreto, o facto só pode, no limite, ser punido a título de negligência.
39. A recorrente não praticou qualquer contraordenação.
40. A sentença recorrida deve ser alterada no sentido de absolver a recorrente ou, no limite, havendo ainda lugar a condenação, condená-la por atuação negligente, em coima não superior a 90 UC, atento o princípio da reformatio in pejus, sempre se anulando a sanção de acessória de publicidade.
41. A decisão da autoridade administrativa e a sentença recorrida violam, entre outros, os arts. 50.º e 58.º, 1 b) e c) RGCO, o art.º 25º, 1 b) e c) do RCOLSS, os arts. 122.º, 1 e 242.º, 1 do CPP, os arts. 14.º e 15.º do CP, os arts. 32.º, 10, 61.º, 1 e 268.º, 3 da CRP, o art.º 101.º, 2 do CPA e o art.º 412.º do CPC.»
Devidamente notificado da interposição do recurso, o Ministério Público respondeu e concluiu:
«1. Não existe qualquer norma que imponha que o auto de notícia contenha os elementos subjetivos do tipo. (cf . art. 243.º do CPP, aplicável ex vi dos arts. 60.º da Lei 107/2009 de 14 de Setembro e 41.º, n.º 1 do DL 433/82 de 27 de Outubro)
2. Não houve em concreto qualquer alteração substancial de factos pelo que a decisão administrativa não enferma de qualquer nulidade.
3. A afirmação de que «A arguida não podia ignorar que, face à categoria e posição que GG ocupava na estrutura da empresa, o esvaziamento funcional e a ordem de serviço n.º 1/2014 eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilhá-lo, constrangê-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato» reconduz-se à descrição do dolo, pelo que a pretensão da recorrente deve ser rejeitada.
4. Provado que a arguida comunicou ao trabalhador em 25/06/2014 a intenção de proceder ao seu despedimento, não faz qualquer sentido aditar que «Em julho de 2014, a arguida iniciou um procedimento de despedimento coletivo, sendo um dos trabalhadores abrangidos o Eng.º GG»
5. A arguida extinguiu o posto de trabalho do Eng.º GG - que tinha a categoria profissional de diretor -, em Julho de 2013.
6. Só em Março de 2014, no regresso deste após um período de baixa de cerca de um ano, é que deu conhecimento dessa realidade ao visado.
7. Depois de propor ao trabalhador visado um acordo de revogação do seu contrato de trabalho e de este o ter rejeitado, a arguida emitiu a ordem de serviço 1/2014 que tinha o visado como único destinatário.
8. Nessa ordem de serviço o visado era instado a entregar o seu veículo Audi A6, que mantivera enquanto estivera de baixa médica, recebendo em substituição em Ford Focus; entregaria os cartões de abastecimento “GALP Frota” e “Repsol Solred”, o cartão de crédito da empresa e passaria a tomar as refeições na cantina;
9. Pela mesma ordem foi-lhe atribuída uma única tarefa - procurar fabricantes e fornecedores internacionais para o produto “Talco Tipo A”, claramente abaixo das suas qualificações e competências (facto notório) e que não o ocupava a 100%;
10. Não lhe foi atribuída qualquer outra tarefa até Agosto de 2014 altura em que o trabalhador foi dispensado do dever de assiduidade.
11. Os outros trabalhadores da arguida com a categoria de diretores tinham veículos de marca Mercedes e BMW;
12. O teor da ordem de serviço 1/2014, no contexto em que foi emitida, tinha como finalidade forçar o trabalhador a aceitar um acordo de revogação do contrato de trabalho;
13. O esvaziamento de funções do trabalhador, por via das opções da arguida aliado ao teor da ordem de serviço determinou objetivamente o isolamento do trabalhador - privado de equipa e confinado a uma única tarefa durante 5 meses – traduzindo-se objetivamente num ambiente de trabalho intimidativo, hostil, humilhante e desestabilizador.
14. Tais comportamentos integram o tipo assédio moral, nos termos previstos no art. 29.º, 1 do CT.
15. A decisão da autoridade administrativa e a sentença recorrida não violam qualquer das disposições legais, em particular os arts. 50.º e 58.º, 1, b) e c) RGCO, o art.º 25.º, 1, b) e c) do RCOLSS, os arts. 122.º, 1 e 242.º do CPP, os arts. 14.º e 15.º do CP, os arts. 32.º, 10, 61.º, 1 e 268.º, 3 da CRP o art. 101.º, n.º 2 do CPA e art. 412.º do CPC.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida SAPEC QUÍMICA, S.A e outros mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos só assim se fazendo JUSTIÇA!»
Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, propugnou pela improcedência do recurso.
A recorrente sociedade veio responder, manifestando a sua discordância com tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Nulidade da decisão administrativa e nulidade da sentença;
2.ª Existência de erro notório na apreciação da prova;
3.ª Não cometimento do ilícito contraordenacional imputado;
4.ª A considerar-se praticada a infração, a mesma deve ser imputada a título de negligência, com a consequente diminuição da coima e a anulação da sanção acessória da publicidade.
*
III. Matéria de Facto
Em matéria contraordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, pelo que a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância que, no caso, é a seguinte:
Factos Provados:
a) GG foi admitido ao serviço da arguida em 17/05/2000 como quadro superior de grau 13 para exercer funções de diretor na Unidade Produtiva de Solventes.
b) Em 2002 GG foi nomeado adjunto do Diretor Geral da arguida, Engenheiro …funções que manteve até Julho de 2012, assumindo, por inerência, o cargo de administrador Delegado da HH, S.A.
c) Entre 15/03/2013 e 19/03/2014 GG esteve ausente da empresa por baixa médica.
d) Em 01/07/1013 a HH, S.A. foi fundida e incorporada na arguida.
e) Em meados de Julho de 2013, a unidade de Solventes e Solventes foi integrada na unidade de Produtos Clássicos, ficando … responsável pela nova unidade de Produtos Químicos e Serviços.
f) Na sequência da reestruturação o posto de trabalho de GG foi extinto e as suas funções de ficaram esvaziadas.
g) No dia em que regressou ao serviço, o Diretor Geral da arguida, …, mandatado pela Administração do Grupo …, informou GG da extinção do seu posto de trabalho e propôs-lhe a cessação do contrato de trabalho por acordo.
h) GG não aceitou o acordo.
i) Em 29/04/2014 o Diretor Geral da arguida ordenou a GG que entregasse a viatura de marca Audi A6 avant, com a matrícula … e recebesse a viatura Ford Focus S Wagon, com a matrícula …; trocasse os cartões de abastecimento “GALP Frota” e “Repsol Solred”; entregasse o cartão de crédito da empresa e passasse a tomar as refeições na cantina.
j) Na mesma data, o Diretor Geral da arguida emitiu a ordem de serviço n.º 1/2014 destinada apenas a GG contendo as ordens referidas e solicitando que procurasse fabricantes e fornecedores internacionais para o produto “Talco Tipo A”, usando somente os meios de consulta das bases de dados e estabelecendo contactos via telefone ou correio eletrónico.
k) Depois do regresso ao serviço, em 19/03/2014, a arguida apenas determinou que GG procurasse fabricantes e fornecedores de “Talco Tipo A”.
l) Essa tarefa não ocupava o trabalhador a 100%.
m) Depois de regressar da baixa médica, GG viu-se sem posto de trabalho e sem funções atribuídas.
n) GG sentiu-se humilhado, constrangido e atingido na sua dignidade.
o) Entre Março e Outubro de 2014, GG sentiu-se pressionado a aceitar o acordo de cessação do seu contrato de trabalho.
p) A partir de Março de 2014 o acesso ao sistema informático S4 foi retirado a GG.
q) Até Agosto de 2014, GG não foi dispensado de comparecer ao serviço.
r) Em 25/06/2014 a arguida comunicou a GG a intenção de proceder ao despedimento coletivo, confirmada por carta de 07/07/2014.
s) Desde de Julho de 2013 que a arguida não tinha posto de trabalho, nem funções para atribuir a GG.
t) Não obstante, só em 25/06/2014 comunicou ao trabalhador a intenção de proceder ao seu despedimento.
u) A arguida não podia ignorar que, face à categoria e posição que GG ocupava na estrutura da empresa, o esvaziamento funcional e a ordem de serviço n.º 1/2014 eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilha-lo, constrange-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato.
v) Não obstante … ter assumido a unidade de negócios gerida por GG em Julho de 2014, a arguida aguardou que o trabalhador regressasse da baixa para obter um acordo de cessação do contrato de trabalho.
w) A arguida dedica-se à importação, exportação, produção, comercialização e armazenamento de produtos químicos e matérias primas relacionadas com o sector industrial, particularmente nas áreas de tintas e revestimentos para construção civil e metalomecânica, tintas de impressão e plásticos.
x) A arguida sofreu o impacto da crise económica que desde 2008 atingiu gradualmente os mercados, vindo desde 2012 a registar resultados operacionais negativos.
y) A arguida sofreu o impacto da deslocalização de compras de clientes para outros mercados com preços mais competitivos, foi afetada pelo encerramento de unidades industriais de clientes e potenciais clientes e pela deslocalização, insolvência e aplicação de medidas de austeridade de vários clientes.
z) O cenário macroeconómico exigiu um ajustamento da arguida por forma garantir a sua subsistência financeira e o posicionamento face à concorrência.
aa) Nessa sequência a arguida deu inicio a um processo de reestruturação, que obrigou ao encerramento de atividades menos rentáveis, com maiores riscos e custos fixos e, paralelamente, a uma redução do quadro de recursos humanos, excedentário face às reis necessidades da empresa.
bb) No inicio da reestruturação a arguida tinha três unidades de negócio – Produtos Clássicos; Polímeros e Matérias-Primas e Solventes e Diluentes.
cc) Em virtude de estar diretamente ligada ao sector a Construção Civil, a partir de 2011, a unidade de negócios dos Solventes e Diluentes foi uma das mais afetadas, tendo sido cancelados diversos contratos de representação/distribuição com empresas produtoras.
dd) Perante tal quadro, a arguida entendeu que não se justificava a autonomização da unidade de Solventes e Diluentes, integrando-a na Unidade de negócio dos Produtos Clássicos.
ee) Assim a arguida pretendia potenciar sinergias ao nível da mão-de-obra, diminuir custos e potenciar resultados.
ff) A unidade de negócios de solventes e diluentes, até então gerida por GG, passou a ser dirigida por … que tinha um vencimento mais baixo, maior antiguidade e maior experiencia na função.
gg) Com a extinção do posto de trabalho de GG a arguida conseguiria uma poupança anual superior a €125.000 referentes a salários e contribuições para a Segurança Social.
hh) e Coma reestruturação a arguida deixou de ter outro posto de trabalho compatível com as atribuições de GG, cujo posto de trabalho ficou esvaziado de competências e funções.
ii) A empresa optou por aguardar pelo regresso do trabalhador e, apenas nessa altura, o informar das consequências reestruturação.
jj) A arguida abordou o trabalhador no sentido de celebrar um acordo de revogação do contrato de trabalho mediante o pagamento dos créditos a que teria direito na eventualidade de um processo de despedimento coletivo e emissão da documentação para acesso ao subsídio de desemprego.
kk) O trabalhador foi acompanhado pelo Sindicato em que se encontrava filiado.
ll) No ano de 2013 a arguida declarou um volume de negócios de €32.474.165.
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Factos não Provados:
1. As ordens referidas na alínea j) tivesse sido transmitida aos gritos.
2. No da 29/04/2014, GG se tivesse sentido mal e tivesse sido assistido no posto médico.
3. Ao propor a celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho a arguida quis evitar a penosidade e desgaste associados ao processo de despedimento coletivo.
4. Nunca existiu qualquer conversa que pudesse humilhar ou afetar a dignidade do trabalhador.
5. Não tendo o trabalhador aceite a revogação do contrato de trabalho por acordo, a arguida deu início ao processo de despedimento coletivo.
6. O processo de despedimento coletivo foi necessário para assegurar a viabilidade económica da arguida, não existindo qualquer discriminação do trabalhador.
7. Os trabalhadores envolvidos no processo de despedimento coletivo, incluindo GG, aceitaram e reconheceram os fundamentos económico-estruturais em que assentou a reestruturação da empresa, aceitando a extinção dos seus postos de trabalho.
8. A arguida tinha fundamentos válidos para extinguir o posto de trabalho de GG.
9. O trabalhador acabou por reconhecer a validade da extinção do seu posto de trabalho e em Maio de 2015 celebrou com a arguida um acordo com vista à revogação do contrato de trabalho.
10. A diminuição da ocupação do trabalhador não correspondeu a qualquer represália nem teve o propósito de promover o seu isolamento social, o humilhar ou desestabilizar.
11. Extinto o posto de trabalho a arguida não tinha como atribuir ao trabalhador funções que correspondessem ao núcleo essencial da direção da unidade de negócios de solventes e diluentes.
12. A arguida não tinha uma carga de trabalho para atribuir ao trabalhador que completasse a 100% o seu horário de trabalho.
13. O trabalhador continuou a ter acesso a todos os sistemas operacionais necessários à realização das tarefas que lhe eram designadas.
*
IV. Fundamentação
1.ª Questão : Nulidade da decisão administrativa e nulidade da sentença
Como primeiro fundamento do recurso, invocam os recorrentes que a decisão da ACT é nula porque condenou a título mais gravoso do que aquele que constava do auto de notícia.
Em súmula, referem que depois da fase de instrução, a ACT entendeu que a infração imputada não tinha sido praticada a título negligente, mas antes com dolo, o que consubstancia uma alteração substancial dos factos, que ditou a majoração exponencial da medida da pena, sem ter sido dada a oportunidade à arguida de se pronunciar sobre tal alteração, o que constitui violação do preceituado no artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa.
Na resposta ao recurso, o Ministério Público refere que a mera leitura do auto de notícia permite concluir que a ACT não refere nesta peça processual se a infração em causa foi praticada a título negligente ou doloso, sendo certo que nenhuma norma legal impõe que o auto de notícia contenha os elementos subjetivos do tipo. Para sustentar a sua posição invoca um acórdão proferido por este Tribunal da Relação de 26704/2016, P. 463/15.0T8STC.E1.
Cumpre analisar a questão.
É consabido que o auto de notícia constitui uma das formas legalmente previstas para dar a “notícia da infração”, ou, dito de outra forma, por via do auto de notícia, a entidade administrativa dá a conhecer que considera que foi praticada uma determinada infração ou várias infrações.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, aplicável aos presentes autos (Regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social), o auto de notícia tem de ser especificadamente mencionar: (i) os factos que constituem a contraordenação; (ii) o dia, hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos; (iii) e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido. Deve ainda constar do auto o nome e a categoria do autuante.
Sempre que o responsável pela contraordenação seja uma pessoa coletiva ou equiparada, indica-se, sempre que possível, a sede da pessoa coletiva, e a identificação e a residência dos respetivos gerentes, administradores ou diretores, nos termos previstos pelo n.º 2 do artigo.
No auto de notícia, narram-se nos factos que constituem a contraordenação, bem como as circunstâncias em que foram cometidos, o tempo e o lugar da sua ocorrência, não exigindo a lei aplicável, a específica menção do elemento subjetivo do ilícito[1].
O auto de notícia em si não constitui uma acusação que tenha de conter os elementos que caracterizam a existência de uma infração, nomeadamente o elemento subjetivo do ilícito (mesmo no âmbito da acusação prevista no artigo 37.º da Lei n.º 107/2009, a questão é duvidosa – v.g. Acórdão da Relação de Lisboa de 5/4/2017, P. 12226/16.0T8SNT.L1-4). Não compete à entidade administrativa relatar no auto de notícia, o elemento culposo da infração ao dever legal.
No auto de notícia apenas há que descrever a materialidade dos factos.
No sentido da inexigibilidade do elemento subjetivo do ilícito no auto de notícia, para além do acórdão invocado pelo Ministério Público, supra identificado, ver também, a título meramente exemplificativo: Acórdãos da Relação de Lisboa de 5/4/2017, P. 12226/16.0T8SNT.L1-4, acessível em www.pgdlisboa.pt, e da Relação do Porto de 21/11/2007, P. 0744369, publicado na base de dados da dgsi.
Analisando agora o auto de notícia do processo, constata-se que do mesmo não consta, nem tinha de constar, qualquer especificada imputação subjetiva do ilícito, nomeadamente, a título negligente.
A entidade administrativa descreveu a materialidade dos factos e limitou-se a referir: «[N]os termos do nº 3, alínea e) do artº 554 do Código do Trabalho, considerando o volume de negócios da arguida constante no relatório único de 2013 (Doc. 1), a empresa incorre na coima de 90 UC (9.180 €) a 300 UC (30.600 €) em caso de negligência e de 300 UC (30.600 €) a 600 UC ( 61.200 €), em caso de dolo.»
A inexistência de menção especificada sobre o elemento subjetivo do ilícito considerado praticado, impossibilita, desde logo, a ocorrência da invocada alteração substancial dos factos.
E o tribunal não podia conhecer, oficiosamente, em sede de sentença, de uma alteração inexistente.
Acresce que tendo sido dado conhecimento das coimas em que a arguida incorria consoante a infração contraordenacional fosse praticada a título doloso ou meramente negligente, mostra-se devidamente assegurada a garantia constitucional prevista no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Face a todo o exposto, é de concluir que não se verifica qualquer nulidade da decisão administrativa ou da sentença, com fundamento na verificação de uma alteração substancial dos factos sem terem sido assegurados os direitos de audição e de defesa da arguida.
Destarte, improcede a primeira questão suscitada no recurso.

2.ª questão: Erro notório na apreciação da prova
Invocam os recorrentes a existência de erro notório na apreciação da prova, em relação ao facto descrito na alínea u) do acervo factual provado e por não ter sido considerado provado que a arguida deu início a um processo de despedimento coletivo que abrangeu o trabalhador Carlos Ricardo.
Analisemos.
Nos termos previstos pelo artigo 51.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, pelo que se se mostra vedada a este tribunal a reapreciação da prova produzida nos autos.
A única intervenção possível do Tribunal da Relação em sede de matéria de facto é a que resulta do preceituado no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, que é de conhecimento oficioso.
Estipula o n.º 2 do referido preceito legal:
«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova».
Têm tais vícios da matéria de facto, deste modo, de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos (cfr- Ac. do STJ de 31/1/90, BMJ-393º, pág. 333; Ac. do STJ de 20/6/90, Col. STJ, 1990, T. 3, pág. 22; Ac. do STJ de 11/6/92, BMJ-418º, pág. 478; Ac. do STJ de 8/1/97, BMJ-463º, pág. 189; Ac. do STJ de 5/3/97, BMJ-465º, pág. 407; Ac. do STJ de 9/4/97, BMJ-466º, pág. 392; Ac. do STJ de 17/12/97, BMJ-472º, pág. 407; Ac. do STJ de 27/1/98, BMJ-473º, pág. 148; Ac. do STJ de 10/2/98, BMJ-474º, pág. 351; e Ac. do STJ de 9/12/98, BMJ-482º, pág. 68) - não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo (v. Ac. do STJ de 19/12/90, BMJ-402º, pág. 232) e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo (v. Ac. Rel. de Coimbra de 5/2/97, BMJ-464º, pág. 627).
No caso concreto, o único vício invocado, como referimos, é o da existência de erro na apreciação da prova.
Para se cuidar da existência de erro notório na apreciação da prova, é necessário que se verifique uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, ou seja, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que, efetivamente, se provou ou não provou, seja que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável (Simas Santos e Leal Henriques, Obra citada, pág. 77).
Acrescentam estes autores (pág. 78) que «(…) não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceito no art.º 127.º».
Ou, como afirma Germano Marques da Silva (Obra citada, pág. 336), «[e]rro notório na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta []».
Com referência à alínea u) dos factos assentes, entendem os recorrentes que a mesma deve ser considerada não escrita por compreender um juízo de valor.
É o seguinte o teor da aludida alínea factual:
«A arguida não podia ignorar que, face à categoria e posição que GG ocupava na estrutura da empresa, o esvaziamento funcional e a ordem de serviço n.º 1/2014 eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilha-lo, constrange-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato.»
Ao contrário do alegado pelos recorrentes, estamos perante um facto, uma realidade da vida, respeitante aos aspetos do conhecimento e vontade da arguida, em relação às consequências para o trabalhador GG, das condutas assumidas pela empregadora. Está em causa uma realidade “interna” da empregadora em relação à violação do dever legal.
Inexiste, pois, qualquer falha grosseira e ostensiva na decisão de dar como provado o facto descrito na aludida alínea.
Em relação ao manifestado inconformismo quanto à circunstância de não ter sido considerado provado que a arguida deu início a um processo de despedimento coletivo que abrangeu o trabalhador GG, o mesmo consubstancia, no fundo, uma discordância acerca da forma como o tribunal de 1.ª instância apreciou e valorou a prova produzida, uma vez que a factualidade que se pretende ver aditada, consta dos factos não provados 5., 6. e 7.
Destarte, facilmente se conclui que o alegado pelos recorrentes não integra o invocado vício e, não podendo este tribunal conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que afinal é deduzida, só nos resta concluir, pela improcedência da motivação e conclusões de recurso quanto à questão analisada.
Em síntese, claudica igualmente o segundo fundamento do recurso.

3.ª questão: Não cometimento do ilícito
Os recorrentes negam o cometimento do ilícito contraordenacional pela sociedade empregadora.
Sobre esta temática, o tribunal de 1.ª instância considerou o seguinte:
«De acordo com o preceituado no art. 29.º do Código do Trabalho o assédio inclui as situações em que existe intenção de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou criar-lhe um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador; bem como, os casos em que o efeito da conduta foi o de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade ou criar-lhe um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. Ou seja, para que se verifique uma situação de assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.
No entanto, circunscrevendo-se a esfera de proteção da norma a comportamentos que intensa e inequivocamente infrinjam os valores protegidos, será difícil configurar a existência de (verdadeiras) situações de assédio moral que - no plano da vontade do agente – não imponham concluir que ele, pelo menos, representou as consequências imediatas da sua conduta e se conformou com elas.
Por último, importa salientar que o legislador não reclama a reiteração e sistematização que a doutrina e jurisprudência vêm exigindo nesta matéria. Não a reclama, mas também não a afasta, sendo que, na maior parte dos casos, o julgador terá de apreciar várias condutas que, na sua globalidade, traduzem a intenção ou o efeito a que a norma se reporta.
Assim, pequenos ataques cirúrgicos que de forma isolada não apontariam no sentido de uma compressão relevante dos direitos do assediado, analisados na globalidade, podem demonstrar, precisamente, casos clássicos de mobbing.
À semelhança do que acontecia no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 24 de agosto, o Código do Trabalho vigente classifica o assédio moral no trabalho como contraordenação muito grave, pela qual responde o empregador ainda que não tenha sido o perpetrador (art. 29.º n.º 4, do Código do Trabalho).
A prática de um ilícito contraordenacional pressupõe a verificação dos respetivos elementos objetivos e subjetivos os quais, face ao manancial fáctico enunciado supra não restam dúvidas de que se mostram preenchidos. Senão vejamos!
GG foi admitido ao serviço da arguida em 17/05/2000, como quadro superior de grau 13 para exercer funções de diretor na Unidade Produtiva de Solventes, vindo a ser nomeado adjunto do Diretor Geral da arguida, Engenheiro …, em 2002, assumindo, por inerência, o cargo de administrador Delegado da HH, S..A., funções que manteve até Julho de 2012.
Estando GG ausente da empresa por baixa médica, que se prolongou por um ano, a arguida procedeu a uma reestruturação que passou pela fusão, em 01/07/1013 da HH, S.A. e pela integração da unidade de Solventes e Solventes na unidade de Produtos Clássicos, em meados de Julho de 2013, ficando … responsável pela nova unidade de Produtos Químicos e Serviços.
Na sequência da reestruturação o posto de trabalho de GG foi extinto e as suas funções de ficaram esvaziadas, facto que apenas foi levado ao conhecimento do visado no dia em que regressou ao serviço, altura em que o Diretor Geral da arguida, …, mandatado pela Administração do Grupo…, lhe propôs a cessação do contrato de trabalho por acordo.
Não tendo GG aceitado o acordo, em 29/04/2014, o Diretor Geral da arguida ordenou-lhe, verbalmente e por escrito, que entregasse a viatura de marca Audi A6 avant, com a matrícula … e recebesse a viatura Ford Focus S Wagon, com a matrícula …; trocasse os cartões de abastecimento “GALP Frota” e “Repsol Solred”; entregasse o cartão de crédito da empresa e passasse a tomar as refeições na cantina.
Na mesma data, o Diretor Geral da arguida emitiu a ordem de serviço n.º 1/2014 destinada apenas a GG solicitando que procurasse fabricantes e fornecedores internacionais para o produto “Talco Tipo A”, usando somente os meios de consulta das bases de dados e estabelecendo contactos via telefone ou correio eletrónico, tarefa que não ocupava a 100%.
Assim, ficou provado que, depois de regressar da baixa médica, Carlos Ricardo vendo-se sem posto de trabalho e sem funções atribuídas, apesar de não ter sido dispensado do serviço, e sujeito à ordem de entrega de bens intimamente relacionados com o estatuto que tinha na empresa, se sentiu humilhado, constrangido e atingido na sua dignidade, bem como pressionado a aceitar o acordo de cessação do seu contrato de trabalho.
Mais, provou-se que, apesar de, desde de Julho de 2013, saber que não tinha posto de trabalho, nem funções para atribuir a GG, e que este não aceitava revogar o contrato de trabalho que mantinha desde 2000, a arguida só em 25/06/2014 lhe comunicou ao trabalhador.
Apesar de não se ter provado que a arguida tivesse agido com essa intenção, ficou demonstrado que a mesma não podia ignorar que, face à categoria e posição que GG ocupava na estrutura da empresa, o esvaziamento funcional e a ordem de serviço n.º 1/2014 eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilha-lo, constrange-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato, com o que efetivamente se conformou.
Defendeu a arguida que optou por aguardar pelo regresso do trabalhador e, apenas nessa altura, o informar das consequências reestruturação, abordando-o no sentido de celebrar um acordo de revogação do contrato de trabalho mediante o pagamento dos créditos a que teria direito na eventualidade de um processo de despedimento coletivo e emissão da documentação para acesso ao subsídio de desemprego.
No entanto, e mesmo que se aceite tal justificação, não se pode ignorar que, sabendo que a tarefa que lhe atribuíra não o ocupava a 100%, a arguida não só não dispensou o trabalhador de comparecer na empresa, como lhe ordenou que trocasse a viatura que utilizava profissional e pessoalmente por outra de gama inferior, e mais anos de matrícula, do que a que se mostrava atribuída ao técnico comercial …, trocasse os cartões de abastecimento, entregasse o cartão de crédito da empresa e passasse a tomar as refeições na cantina.
Estando tais prestações associadas ao estatuto que GG tinha na empresa, a arguida não podia ignorar que a sua conduta era apta a perturbar ou constranger o trabalhador, afetando a sua dignidade pessoal e profissional. O que aliás reconheceu no acordo que firmou em Tribunal, no âmbito do qual o mesmo recebeu €80.000 de danos não patrimoniais.
Já assim não seria se, perante a recusa do trabalhador em aceitar o acordo de revogação do contrato de trabalho, a arguida o tivesse dispensado do serviço sem perda das regalias que manteve, mesmo durante o ano de ausência por doença.
Sendo estes os factos, o Tribunal considera que se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos da contraordenação muito grave p. e p. pelo art. 29.º, n.º 4, do Código do Trabalho.»
Não poderemos deixar de aderir e concordar com tal juízo decisório.
Expliquemos porquê!
O assédio moral não é um conceito de natureza jurídica, mas sociológica.

Também designado por “moobing” ou “violência psicológica”, o pioneiro do seu estudo científico foi o psicólogo alemão Heinz Leymann, na década de oitenta, que decidiu utilizar a palavra “moobing” com o significado de “relacionamento hostil e imoral praticado diretamente de forma sistemática por um ou mais indivíduos contra outro indivíduo que acaba por se encontrar numa posição indefesa”, (cfr. The Definition of Mobbing at Workplaces, “The Mobbing Encyclopaedia”, http://www.leymann.se/English/frame.html.; “Assédio moral/moobing”, artigo escrito por Messias Carvalho, Revista do TOC, Agosto 2006, disponível em www.otoc.pt e Dissertação de Mestrado de Diana Filipa Lopes Esteves, in http://repositorio.ucp.pt).

O assédio moral, não obstante não seja uma realidade exclusiva do mundo do trabalho, tem sido vastamente estudado, na perspetiva do direito do trabalho.

Este interesse e a importância sobre o fenómeno justificam-se pela tomada de consciência das repercussões sociais, empresariais e individuais que o assédio moral importa: absentismo dos trabalhadores originado por baixas por doença com a consequente diminuição de produtividade da empresa, medicação comparticipada pelo Estado, mau ambiente familiar gerador de tensões e perturbações em outros indivíduos, são alguns dos exemplos das possíveis consequências do assédio moral.

Daí que a crescente importância desta realidade tenha acabado por originar a necessidade de se legislar sobre a mesma.

O artigo 29.º do Código do Trabalho que corresponde ao artigo 24.º do Código do Trabalho de 2003, que na altura foi pioneiro no ordenamento laboral português, proíbe o assédio.

Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador – n.º 1 do artigo 29.ª à data dos factos, que corresponde ao n.º 2 da alteração ao artigo introduzida pela Lei n.º 73/2017, de 16/8/2017.

A prática de assédio constitui uma contraordenação muito grave – n.º 4 do artigo 29.º à data dos factos, que corresponde ao n.º 5 da alteração ao artigo introduzida pela Lei n.º 73/2017, de 16/8/2017.

Sobre a definição de assédio moral, que é o que releva para os presentes autos, pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 07/03/2015, P. 236/11.9TTCTB, disponível em www.dgsi. pt,:

«O assédio moral pode concretizar-se numa de duas formas, a saber: o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer fator discriminatório que não o sexo (discriminatory harassement); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum fator discriminatório, mas pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar o trabalhador da empresa (mobbing).»

Feitas algumas considerações gerais introdutórias sobre o assédio moral, apreciemos a concreta situação dos autos.

Do acervo factual provado infere-se que o trabalhador GG, era um trabalhador com um estatuto hierárquico importante na empresa. Em 2002, foi nomeado Adjunto do Diretor Geral da arguida e desde julho de 2012, assumia, por inerência, o cargo de administrador Delegado da HH, S.A..

O trabalhador em causa esteve de baixa médica um ano e quatro dias, sem que a arguida tivesse assumido qualquer alteração das condições contratuais que estavam em execução, não obstante a reestruturação empresarial ocorrida em julho de 2013, que levou à extinção do posto de trabalho ocupado pelo trabalhador.

Quando o mesmo regressa ao serviço, após a prolongada baixa médica, em março de 2014, é informado da extinção do seu posto de trabalho e, mandatado pela Administração do Grupo …, o Diretor Geral da arguida propôs-lhe uma amigável cessação do contrato de trabalho, que o mesmo não aceitou.

E a partir deste momento o que acontece?

Em 29/04/2014, o Diretor Geral, emite a Ordem de serviço n.º 1/2014, exclusivamente destinada a GG, por via da qual ordena a GG que:

· Entregue a viatura de marca Audi A6 Avant , com matrícula mais recente e receba uma viatura Ford Focus S Wagon com matrícula mais antiga;

· Entregue o cartão de crédito da empresa;

· Troque os cartões de abastecimento “Galp Frota” e “Repsol Solred”;

· Passe a tomar as suas refeições na cantina;

· Procure fabricantes e fornecedores internacionais para o produto “Talco Tipo A”, usando somente os meios de consulta das bases de dados e estabelecendo contactos via telefone ou correio eletrónico, ou seja, exclui qualquer saída da empresa para o exercício das funções determinadas.

As funções ordenadas não ocupavam o trabalhador a 100%., tendo sido as únicas funções que lhe foram atribuídas. O trabalhador não foi dispensado de comparecer ao serviço até agosto de 2014.

O acesso ao sistema informático S4 foi-lhe retirado a partir de março de 2014.

Ora, do circunstancialismo factual verificado após a recusa do trabalhador em cessar o contrato de trabalho, depreende-se que foi assumida pela arguida uma conduta especificamente direcionada ao trabalhador, de diminuição e limitação funcional e de retirada ou desvalorização de instrumentos de trabalho concedidos.

Em função da atuação da arguida, o trabalhador sentiu-se humilhado, constrangido e atingido na sua dignidade, sentindo-se pressionado para aceitar o acordo de cessação do contrato de trabalho.

E, independentemente do seu sentir individual, qualquer homem médio colocado nas concretas circunstâncias em que o trabalhador foi colocado, partilharia o mesmo estado de espirito.

De facto, o conteúdo da ordem de serviço e o esvaziamento das funções do trabalhador, nas concretas circunstâncias do caso, revela, face às regras do bom senso e da experiência, uma intenção de humilhar, desestabilizar e constranger o trabalhador. Com a atuação assumida pela arguida estava materialmente iniciado um processo de desgaste psicológico do trabalhador.

Estava praticado o assédio moral não discriminatório.

Não é a fundamentação para a reestruturação da empresa que está aqui em causa. O que está em causa é a conduta assumida pela arguida, depois do regresso do trabalhador após a baixa médica prolongada, que face à recusa por este na celebração do acordo de cessação do contato de trabalho, não foi a de instaurar um processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, mas a de colocar o trabalhador, que tinha uma categoria elevada na empresa, em condições de trabalho humilhantes e mesmo vexatórias.

Mostra-se, pois, preenchido o elemento objetivo da infração contraordenacional imputada.

Resultou igualmente provado que a arguida não podia ignorar que, face à categoria e posição que GG ocupava na estrutura da empresa, o esvaziamento funcional e a ordem de serviço n.º 1/2014 eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilhá-lo, constrange-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato.

Este facto leva-nos a concluir no mesmo sentido em que concluiu o tribunal de 1.ª instância, considerando que o ilícito foi praticado a título de dolo eventual.

Com interesse, pode ler-se no sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 4/3/2009, P. 1184/08.5TBCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt:

«I. - O dolo, pode ser definido, de uma forma sintética, como o conhecimento e vontade de praticar o facto e reveste qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º, do C. Penal, ex vi, art. 32º, do RGCOC, a saber: dolo direto [o agente representa o facto que preenche o tipo e atua com intenção de o realizar], dolo necessário[o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência necessária da sua conduta] e dolo eventual [o agente representa a realização de um facto que preenche o tipo como consequência possível da sua conduta e atua conformando-se com aquela realização].
II. - A negligência consiste sempre num atuar do agente sem que proceda com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, está obrigado e de que é capaz. A negligência consiste portanto, na omissão pelo agente, de um dever de cuidado (art. 15º, do C. Penal).»
Ora, na concreta situação dos autos, não existe uma mera omissão de um dever de cuidado (negligência).
Do acervo factual provado infere-se que não podendo a arguida ignorar que a concreta ordem de serviço proferida e o esvaziamento funcional em causa, numa posição elevada como a que detinha o trabalhador GG, eram suscetíveis de afetar a sua dignidade, humilha-lo, constrange-lo e pressioná-lo a aceitar o acordo de rescisão do contrato [representação do possibilidade de realização do tipo de ilícito], a arguida conformou-se com esse resultado ao assumir as condutas que assumiu.
Em suma, a verificação do elemento subjetivo do ilícito, sob a forma de dolo eventual, ficou demonstrada nos autos.
Destarte, a decisão recorrida procedeu a uma correta subsunção dos factos ao direito, pelo que nenhuma censura nos merece a mesma.
Em consequência, mostra-se prejudicado a visada reapreciação da medida da coima aplicada que se baseava no invocado cometimento da infração a título negligente.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente

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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Évora, 6 de dezembro de 2017
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
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[1] Cfr. João Soares Ribeiro, in “Contraordenações Laborais – Regime Jurídico”, 2011, 3.ª edição, págs. 36 e 44