Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1067/12.4TALLE.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
LEGITIMIDADE
SOCIEDADES COMERCIAIS
SÓCIO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: As pessoas dos sócios, mesmo que representantes legais (administradores ou gerentes) são realidades distintas das sociedades para efeitos de legitimidade para intervir na qualidade de assistente.
Decisão Texto Integral:

Proc. 1067/12.4TALLE.E1
1ª Sub-Secção

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 1067/12.4TALLE, que veio a correr termos no Tribunal de L, ECA apresentou, nos serviços do M.P. daquela comarca, queixa-crime contra AJBM pela prática de crimes de falsificação e abuso de confiança.

Instaurado inquérito, veio a ser proferido despacho de arquivamento em relação ao crime de abuso de confiança e de acusação contra o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, p.p., pelos Artsº 255 al. a) e 256 nsº1 al. d) e 3, ambos do C. Penal.

Constituindo-se assistente, veio aquele deduzir requerimento para abertura da instrução, nos termos da al. b) do nº1 do Artº 287 do CPP, peticionando a pronúncia do arguido pela prática do crime de abuso de confiança, p.p., pelo Artº 205 do C. Penal.

Aberta conclusão ao Mº Juiz a Quo, foi por este proferido despacho a rejeitar, nos termos do Artº 287 nº3 do CPP, por inadmissibilidade legal, o requerimento para instrução apresentado pelo assistente, porquanto o mesmo não tinha legitimidade para o efeito.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o assistente, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma ( transcrição ) :

I - Por despacho judicial datado de 13/02/2014, proferido na sequência de um requerimento para abertura da instrução apresentado pelo Assistente, foi o mesmo rejeitado por alegada falta de legitimidade.
II - Ora, salvo o devido respeito, o Assistente não pode conformar-se com tal decisão, uma vez que entende que não se deve perfilhar a tese tradicional restrita do conceito de legitimidade mas sim a tese doutrinal e jurisprudencial que perfilha uma visão atualista e alargada do conceito de legitimidade.
III - O referido despacho encontra fundamento para a rejeição do requerimento para abertura da instrução na alegada falta de legitimidade do Assistente, referindo o seguinte: “Ora, as pessoas dos sócios, mesmo que representantes legais (administradores ou gerentes), são realidades distintas das sociedades para efeitos de legitimidade para intervierem na qualidade de assistentes e promoverem o prosseguimento do procedimento criminal.” acrescenta ainda, “Em parte alguma do requerimento para abertura da instrução alega que o arguido se apropriou do seu próprio património, ou seja, do património do assistente Emanuel Cavaco (antes, si, da sociedade de que o requerente será sócio e gerente).”
IV - Uma parte dos fatos descritos no requerimento de abertura de instrução ofendem direta e exclusivamente os interesses patrimoniais do denunciante,
V - São, designadamente, o caso dos fatos consignados nos pontos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 25.º, 26.º, 29.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º e 40.º, entre outros, do mesmo requerimento.
VI - Sendo certo, que tais fatos integram a prática do crime de abuso de confiança.
VII - Porém, e ao contrário daquilo que sustenta o despacho recorrido, o ora recorrente também é titular do interesse que a Lei Penal quis proteger com a incriminação das condutas imputadas ao arguido.
VIII - De notar que, a jurisprudência tradicional considera que o artigo 68.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, doravante CPP, consagra um conceito restrito de ofendido, segundo o qual ofendido é o titular do interesse «direta», «imediata» ou «predominantemente» protegido pela incriminação, isto é, adota uma conceção estritamente monolítica e formal do bem jurídico.
IX - Ou seja, para esta orientação, o conceito restrito já havia sido reconhecido pelo artigo 11.º do CPP de 1929 e pelo artigo 4.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 35.007, de 13 de Outubro de 1945, constituindo a definição do artigo 68.º do CPP (idêntica, de resto, à do artigo 113.º, n.º1 do Código Penal) um legado da tradição jurídica portuguesa.
X - Ainda nesta orientação jurisprudencial, pode um tipo incriminador tutelar também um interesse ou bem jurídico pessoal, mas se este não ocupar o plano central da tutela, o seu titular não deve ser considerado ofendido e portanto não deve ser admitida a sua intervenção como assistente.
XI - Esta jurisprudência e a doutrina que a sustenta, especialmente, na figura de Cavaleiro de Ferreira e Germano Marques da Silva, defensores do conceito restrito, rejeitam por completo a possibilidade de constituição de assistente, por exemplo, nos crimes de desobediência, de falsificação de documento, de manipulação de mercado, de violação de segredo de justiça, de prevaricação e de denegação de justiça.
XII - Contudo, Augusto Silva Dias, in “A tutela do ofendido e a posição do assistente no processo penal português”, Almedina, pág. 56, assume uma posição distinta e sustenta que além do argumento literal, baseado na expressão «interesse que a lei especialmente quis proteger» da alínea a), n.º 1 do artigo 68.º, é invocado em prol da tese restritiva que ela é a que melhor observa a natureza pública do processo penal e a regra, a ela conforme, de que a titularidade da acção penal cabe ao Ministério Público (artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa), na medida em que reduz o protagonismo dos particulares como sujeitos processuais; que é a que melhor assegura a distinção entre ofendido e lesado pela prática do crime, o último dos quais pode intervir no processo apenas como parte civil; por fim, que não é incompatível com a CRP, pois esta não contém ou impõe um conceito de ofendido, concedendo ao legislador uma certa margem de conformação.
XIII - Mais, Augusto Silva Dias, na sequência de vários estudos vitimológicos, relembra a ampliação da participação processual da vítima como uma forma de melhor conseguir a pacificação social, agora também cometida ao processo penal.
XIV - Defende assim, o mesmo autor, que o conceito restrito jamais de coadunaria, assim, como a necessidade de o processo penal deixar de ser um lugar de neutralização da vítima para se tornar, sem subverter a sua natureza pública, num instrumento de descompressão dos conflitos reais.
XV - Importa ainda não esquecer, que o conceito de bem jurídico, outro dos elementos essências à compreensão do assistente, sofreu recentes alterações.
XVI - Reportamo-nos aos bens jurídicos da sociedade civil, de estrutura circular, de titularidade intersubjetiva, que permitiram a emergência da noção de interesse difuso. Daqui, v.g., o surgimento do instituto da ação popular e da solução do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 28/84.
XVII - Também que a antiga noção não justifica a solução sufragada pelo artigo 68.º, n.º 1, alínea e) do CPP de permitir a constituição enquanto tal a qualquer pessoa nos crimes aí previstos, todos a tutelarem, em primeira linha, interesses públicos.
XVII - Por fim, a noção restrita torna-se incongruente com o atual sistema processual penal.
XIX - Ora, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/02, de 26 de Fevereiro reconhece que crimes há, como os de falsificação e o de denegação de justiça, que visam indiretamente proteger também interesse particulares, isto é, cuja área de tutela abrange concomitantemente um bem jurídico materializado num portador individual, que por via da adoção de um conceito restrito ofendido e seguidamente de assistente, veria injustificadamente negada a faculdade de se constituir assistente.
XX - Este mesmo conceito restrito recebeu resposta negativa no Acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 1/2003, proferido a propósito do crime de falsificação. Aí se mencionou que o vocábulo «especialmente» não deve ser compreendido como «exclusivamente», mas sim como «particularmente», de sorte que «quando os interesses, imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares (…) a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente».
XXI - De notar ainda que, a tese restritiva não se coaduna com o surgimento de uma nova forma de titularidade dos bens jurídicos, caraterizada pela intersubjetividade e pela indivisibilidade, a que corresponde a noção de interesse difuso, nem tão pouco com o alargamento do estatuto do assistente consagrado pelo próprio ordenamento jurídico, a pessoas que não são, de todo, titulares dos interesses imediatamente protegidos pelas normas incriminadoras ou, por ultimo, com um sistema processual que consagra uma fase de instrução, não obrigatória, que visa o controlo da atuação do Ministério Público durante o inquérito, reduzindo, alias como sucede no presente caso, drasticamente as possibilidades do dito controlo.
XXII - De realçar que a conceção poliédrica do bem jurídico.
XXIII - O Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão uniformizador de jurisprudência, com o n.º10/2010, publicado em Diário da Republica, 1.ª série –n.º242-16 de Dezembro de 2010, sufraga a posição que “Esta concepção idealista, formal e «monolítica» de bem jurídico mostra-se porém incapaz de compreender a complexidade de uma grande parte das incriminações e a pluralidade de interesses que elas podem abranger no seu âmbito de proteção. Estes não podem ser «deduzidos» por uma interpretação teleológica dos tipos legais, sem referência com a realidade dos interesses concretos, corporizados nas pessoas efetivamente ofendidas pela prática do crime.”
XXIV - O mesmo acórdão conclui “Em síntese: sempre que for identificado um interesse determinado, corporizado num concreto portador, que não se confunda com o interesse (típico do lesado) no simples ressarcimento do dano sofrido, nem com o interesse geral na mera vigência das normas penais (as chamadas «expectativas comunitárias»), estaremos perante um bem jurídico protegido.”
XXV - Na posse destes considerandos, revertamos ao caso sub judice.
XXVI - Nos crimes de abuso de confiança de cuja autoria, na versão do assistente, o arguido se constituiu agente, o bem jurídico «particularmente» visado é património social.
XXVII - No despacho recorrido para se não admitir o requerimento de abertura de instrução do assistente sufragou-se o entendimento de que a pessoa lesada pela ação do arguido era a sociedade constituída pelo recorrente e por aquele, seu sócio, sendo certo que o ofendido só “indiretamente” teria sofrido prejuízo, pois que se não deve confundir o todo da pessoa coletiva e seu património, com os seus sócios.
XXVIII - Sucede, porém, que essa pode não ser a verdade que se virá a obter nos autos.
XXIX - Assim, no caso sub judice, a situação descrita tem como pano de fundo um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205 do CP, inserido nos crimes contra a propriedade. Este tipo de crime consiste na apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detém ou possui em nome alheio. É de realçar um outro elemento que também entra na conformação do bem jurídico tutelado pelo crime de abuso de confiança: a relação de confiança existente entre o agente e o proprietário da coisa ou entre o agente e a própria coisa, e que o agente viola com o crime. O abuso de confiança não protege apenas a propriedade, mas também aquela relação de confiança. Neste sentido, Figueiredo Dias chama a atenção para que "o abuso de confiança é um delito especial, concretamente na forma de delito de dever, pelo que o autor só pode ser Aquele que detém uma qualificação determinada, resultante da relação de confiança (...) e que fundamenta o especial dever de restituição". O tipo objetivo de ilícito consiste em o agente "ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade". A conduta típica no crime de abuso de confiança consiste em o agente se apropriar ilegitimamente de coisa que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade. O elemento característico do crime de abuso de confiança é, sem dúvida, a existência de um ato de entrega da coisa (objeto da ação) ao agente do crime.
XXX - Na verdade, vendo-se o requerimento de abertura de instrução apresentado, dele consta factualidade – pontos 6.º a 10.º, 15.º a 22.º, 26.º, 29, 31.º a 40.º – que situa o dano patrimonial na própria pessoa singular do assistente, ora reclamante, e, nessa consideração, já se verificam os exigíveis requisitos para a admissível intervenção como assistente e para requerer a abertura de instrução.
XXXI - Efetivamente, de acordo com a factualidade aí elencada recorrente e arguido eram sócios da sociedade S - T, LDA., cujo objeto social é transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, com peso superior a três toneladas e meia, serviços com veículos de pronto-socorro, comércio de materiais e equipamentos de construção, corte e comércio de madeiras, movimento e terraplanagens de terras, o recorrente encarregava-se da execução dos trabalhos, enquanto o arguido se ocupava da contabilidade, da gestão do dinheiro e da movimentação das contas bancárias da empresa.
XXXII - Neste seguimento, e dada a circunstância de o arguido ter em seu poder o cartão Multibanco e o livro de cheques da sociedade, efetuou várias transferências bancárias, entre elas, uma no valor de € 11.584,57 (onze mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), uma no valor de € 10.636,63 (dez mil, seiscentos e trinta e seis euros e sessenta e três cêntimos), uma de € 2.000,00 (dois mil euros), uma outra no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), outra ainda no valor de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), uma outra no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) discriminadas nos artigos 10.º,16.º, 18.º e 20.º
XXXIII - E do que decorre, necessariamente, reafirma-se, dever ele ser considerado verdadeiramente ofendido, titular do interesse que constitui o objeto “imediato” da alegada conduta do arguido.
XXXIV - Ora, se no caso sub judice se optasse pelo conceito restrito de assistente, e dado que o Ministério Público decidiu arquivar os fatos denunciados pelo queixoso, apenas o assistente teria capacidade processual para inverter aquela decisão, apresentando um requerimento de abertura da instrução.
XXXV - Mas mais, afirma a jurisprudência dominante que não seria admissível a constituição de assistente, e consequentemente a abertura de instrução, de uma pessoa que seja titular de uma participação social, restando-lhe apenas o recurso ao Direito Societário, para desta forma retirar o arguido do órgão social, obtendo ulteriormente uma deliberação social para perseguir então o prevaricador.
XXXVI - Todavia, e perante um despacho de arquivamento, com um tempo de reação de 20 dias – prazo concedido pelo artigo 287.º, n.º1 do CPP para se requerer a abertura de instrução – é manifestamente impossível fazê-lo, contribuindo para uma situação de denegação da justiça, violadora do disposto no artigo 20.º da CRP.
XXXVII - Assim, neste tipo de crime o legislador visou proteger a propriedade e a relação de confiança, e, acrescentou a qualificação, ou seja, resultante de uma relação de confiança.
XXXVIII - Assim, se o arguido e o assistente, ora recorrente, eram sócios e gerentes da mesma sociedade, havia uma especial relação de confiança.
XXXIX - Assim, e dado o bem jurídico confiança, ser o protegido pelo legislador, não se deve negar ao assistente, que foi atingido e prejudicado pelos comportamentos do arguido que preenchem cabalmente a norma incriminadora supra mencionada, a legitimidade para requerer a abertura de instrução.
XL - Mas mais, ainda que se admita que o interesse direto e especialmente protegido é da sociedade comercial, tal interesse nunca poderá catalogar-se como exclusivo, tendo em consideração o prejuízo sofrido pelo assistente.
XLI - O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 25 de Janeiro de 2006, disponível em www.dgsi.pt, tem como sumário: “Mesmo não se devendo confundir o todo duma pessoa colectiva e o seu património com os seus sócios, quando um dos sócios é arguido da prática dos crimes de abuso de confiança e burla, ao outro sócio deve ser reconhecida a legitimidade para se constituir assistente (…)”
XLII - No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 23 de Novembro de 2010, disponível em www.dgsi.pt, que defende: “Assim, como no crime de infidelidade apesar do interesse predominantemente protegido ser o da sociedade, também se protegem os interesses dos sócios. A sociedade só existe porque tem sócios que a constituíram. O socio tem direitos na sociedade e pode pretender acautelá-los e in casu a única via é pela constituição como assistente. Protegem-se bens de natureza individual que enraízam na pessoa do sócio”.
XLIII - Desta feita, e já não partindo de um conceito monolítico de bem jurídico, é possível identificar a proteção concedida pelo tipo penal em apreço e tutelar a efetividade da lei penal, conferindo ao assistente a possibilidade de requerer a abertura de instrução, porem estar cabalmente demonstrado o pressuposto processual da legitimidade.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao recurso, e, consequentemente revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que, admita o requerimento de abertura de instrução.

C – Resposta ao Recurso

Apenas o M.P. ofereceu resposta a este recurso, pugnando pela sua improcedência e concluindo da seguinte forma ( transcrição ):

1. A Instrução visa, sobretudo, a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento;
2. O assistente tem legitimidade para requerer a abertura de instrução se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação;
3. No requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente ECA, aqui recorrente, visa a pronúncia do arguido AJBM, quanto à prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível pelo artigo 2050 do Código Penal.
4. Resulta também daquele requerimento que o titular dos interesses imediata e diretamente tutelados, cuja afetação vem ali alegada, apenas poderá ser a sociedade denominada “S - T, Lda”.
5. No nosso ordenamento jurídico as pessoas coletivas (entre elas as sociedades, e, mais concretamente, as sociedades comerciais) não se confundem com as pessoas singulares, e nem tão pouco os seus sócios se confundem com elas;
6. Sendo uma sociedade uma pessoa jurídica, o património social pertence­lhe e não aos sócios ou gerentes, cabendo a estes apenas a administração e a representação da sociedade;
7. Como bem salientou o Mmo Juiz de Instrução Criminal na decisão recorrida: "Em parte alguma do requerimento para abertura da instrução o requerente alega que o arguido se apropriou do seu património, ou seja, do património do assistente Emanuel Cavaco (antes, si, da sociedade de que o requerente será sócio e gerente)."
8. Sendo, pois, de acordo com o também sublinhado pelo Mrn? Juiz de Instrução Criminal na decisão recorrida "naquela sociedade que radicava a legitimidade para, na qualidade de assistente - requerer a aberlura da instrução pela prática do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo ert. 205 do Cód. Penal, tendo por objecto a apropriação de bens e dinheiros que integrassem a esfera da propriedade de salirtir - Transportes, Lda".
9. Consequentemente, censura alguma merece a decisão recorrida que rejeitou o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente, aqui recorrente, ECA, com fundamento na falta de legitimidade para o efeito, não tendo sido violados quaisquer dispositivos processuais penais elou constitucionais
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se inteiramente a decisão instrutória recorrida.


D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que militou pela improcedência do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão ao recorrente, no sentido de dever ser aceite o seu requerimento para abertura de instrução.
B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa então atentar no despacho recorrido, que rejeitou o requerimento de abertura de instrução do assistente.
É este o seu teor ( transcrição ) :

O assistente ECA veio requerer a abertura da instrução, contra o arguido AJBM, visando a sua pronúncia quanto à prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205°, do Cód. Penal.
Sucede, porém, que, mesmo que o acervo factual narrado no requerimento para abertura da instrução fosse o bastante para poder vir a sustentar uma eventual decisão de pronúncia do arguido quanto à prática desse crime, o certo é que tal acervo factual limita-se à imputação da apropriação indevida de objectos e dinheiros que constituiriam propriedade ou património da sociedade S - T, Lda ..
Ora, as pessoas dos sócios, mesmo que representantes legais (administradores ou gerentes), são realidades distintas das sociedades para efeitos de legitimidade para intervirem na qualidade de assistentes e promoverem o prosseguimento do procedimento criminal.
Neste sentido, veja-se:
- Ac. da Relação de Lisboa de 08.05.2003, Proc. 2278/03 9(J Secção, disponível in http://ww.pgdlisboa.pt: 1- O interesse protegido nos crimes de burla e de abuso de confiança não é apenas o interesse público do Estado de garantia das relações jurídico-patrimoniais, abrangendo igualmente o património concreto do lesado particular. II- No entanto, o sócio de uma sociedade concretamente ofendida por um daqueles crimes, ainda que gerente, não tem legitimidade para se constituir assistente em seu nome pessoal e em substituição da sociedade - que é um ente jurídico autónomo -, porquanto foi o património da sociedade o directamente prejudicado; é que os direitos aos ganhos (lucros ou dividendos), bem como o direito ao bom nome, enquanto factores de valorização da quota são, certamente, respeitáveis e atendíveis, mas são apenas interesses mediatos ou indirectos dos respectivos sócios.
- Ac. da Relação de Lisboa, de 17.10.2002, Proc. 6580/02 9ª Secção, disponível in http://ww.pgdlisboa.pt: I- Em conformidade com o artigo 68.°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal podem constituir-se assistentes em processo penal, além das pessoas a quem leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos. II - Neste conceito de ofendido não cabem, por isso, o titular de interesses mediata ou indirectamente protegidos, o titular de uma ofensa indirecta ou o titular de interesses morais. Podem estes ser lesados e nessa qualidade sujeitos processuais como partes civis mas não constituir-se assistentes. III - Os sócios gerentes de uma sociedade não podem constituir-se assistentes no processo penal por crime patrimonial cometido contra a sociedade como tal. Uma vez que a lesada directamente é a sociedade e não qualquer dos seus sócios.
- Ac. da Relação de Lisboa de 19.12.2001, Proc. 10513/00 3a Secção, disponível in http://vvw.pgdlisboa.pt: I- Os sócios de sociedades comerciais não têm legitimidade para se constituírem assistentes nos processos penais em que é ofendida a sociedade; II - Por isso, a denunciante, na sua mera qualidade de accionista (e portanto sócia) da firma "Soltróia - Sociedade Imobiliária de Urbanização e Turismo de Tróia, S. A. ", não tem legitimidade para se constituir assistente num processo de inquérito em que esta é ofendida, por factos abstractamente integradores de um crime de burla qualificada.
- Ac. da Relação de Lisboa de 05.07.2001, Proc. 6765/01 9ª Secção, disponível in http://ww.pgdlisboa.pt: I- Um sócio de uma sociedade prejudicada com a prática de crimes contra o património (furto-204° CP, infidelidade-224° CP e falsificação de documentos-229° CP) de natureza pública tem legitimidade para exercer queixa-crime contra os seus agentes. II- Porém, porque não é o ofendido (sendo-o a Sociedade) nem é o titular do interesse que a tutela penal quis proteger, não tem legitimidade para requerer, apenas em seu nome, a sua constituição como assistente e a abertura de instrução.
- Ac. da Relação de Lisboa de 06.04.2000, Proc. 1519/2 9° Secção, disponível in
http://ww.pgdlisboa.pt: 1- As condutas ilícitas imputadas aos arguidos atingiram o sujeito jurídico que é uma sociedade, os seus interesses patrimoniais e não os do recorrente. II - Daí que o recorrente não tem legitimidade para se constituir como assistente e que apesar de ter sido admitido a intervir no processo nessa qualidade a decisão respectiva não formou caso julgado formal,
No caso dos autos, atento o objecto do requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente ECA, dele se retira que o titular dos interesses imediata e directamente tutelados, cuja afectação vem alegada, apenas poderá ser a sociedade S - T, Lda ..
Sendo assim, era naquela sociedade que radicava a legitimidade para, na qualidade de assistente - se tivesse requerido a sua constituição como assistente - requerer a abertura da instrução pela prática do crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205 do Cód. Penal, tendo por objecto a apropriação de bens e dinheiros que integrassem a esfera da propriedade de S - T, Lda ..
É essa sociedade a titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com tal incriminação, sendo que, como se sabe, no nosso ordenamento jurídico as pessoas colectivas (entre elas, as sociedades, e, mais concretamente, as sociedades comerciais) confundem com elas.
As pessoas colectivas são centros autónomos de imputação de direitos e deveres, possuem personalidade jurídica e personalidade judiciária.
Em parte alguma do requerimento para abertura da instrução o requerente alega que o arguido se apropriou do seu próprio património, ou seja, do património do assistente Emanuel Cavaco (antes, si, da sociedade de que o requerente será sócio e gerente).
Deste modo, há a concluir que o requerente ECA não tem legitimidade requerer a abertura da instrução nos termos em que a requereu, e promover nesses termos o prosseguimento do processo.
É certo que foi admitida a sua intervenção na qualidade de assistente, mas ela apenas pode encontrar fundamento da sua legitimidade para o efeito na estrita medida em que o objecto da acusação pública - onde se encontra a falsificação da própria assinatura de ECA - o permitir.
Pelo exposto:
a) Por falta de legitimidade para o efeito, e pela inerente inadmissibilidade da instrução, rejeito o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente ECA.
Notifique, o M. Público e os ilustres advogados.
*
Oportunamente, remeta os autos à distribuição para julgamento.

Exposta a questão em discussão, eminentemente jurídica e transcritas as peças processuais em causa, importa decidir se o requerimento de abertura de instrução deduzido pelo assistente devia, ou não, ter sido recebido pelo Mm Juiz a quo.
Como é amplamente ensinado pela Doutrina e Jurisprudência e decorre explicitamente do disposto no Artº 286 nº1 do C.P. Penal, a instrução, como fase facultativa e preliminar do processo penal, visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, comprovando-se judicialmente a decisão do M.P. no fecho do inquérito, seja de acusação ou de arquivamento.
Face à estrutura acusatória do processo penal português, estipula o nº4 do Artº 288 do CPP, que o juiz não pode investigar autonomamente o caso submetido a instrução, estando vinculado factualmente aos elementos que lhe são trazidos no requerimento de abertura de instrução de forma a poder decidir sobre a justeza ou acerto da decisão de acusação ou arquivamento.
O requerimento de abertura da instrução constitui, assim, um elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução, a qual, sendo autónoma, como se disse, se terá de conter dentro do tema factual que lhe é proposto através daquele, podendo por isso dizer-se, garantidamente, que o requerimento de abertura de instrução delimita o thema decidendum dos autos, quer em relação à actividade jurisdicional, quer quanto ao pleno exercício do contraditório por parte do arguido, cuja tutela de defesa apenas se garante se ali estiverem concretizados, de forma clara, os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime que lhe é imputado.
Nos termos do disposto no Artº 287 nº2 do CPP, o requerimento de abertura da instrução « não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 283º ».
Como refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, págs. 140/141, na instrução a requerimento do assistente, o juiz investigará os factos descritos no requerimento instrutório e se os julgar indiciados e nada mais obstar ao recebimento da acusação pronunciará o arguido por esses factos ( Artsº 308 e 309 ).
Não há lugar a uma nova acusação, o requerimento do assistente actua como acusação e, assim, se respeita formal e materialmente a acusatoriedade do processo.
O requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui uma verdadeira acusação, que é a acusação que o assistente entende que deveria ter sido deduzida pelo M.P.
No mesmo sentido aliás, de forma quase esmagadora, vão inúmeras decisões judiciais dos tribunais de segunda instância.
O requerimento do assistente terá assim de se configurar, materialmente, como uma acusação alternativa, funcionalmente semelhante à que seria formulada pelo M.P. se tivesse decidido acusar, de onde constem os factos que considera indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório.
Ora, compulsados os autos, torna-se evidente a ausência de razão da recorrente.
Com efeito, ao pretender a pronúncia do arguido pela prática de um crime de abuso de confiança, p.p., pelo Artº 205 do Código Penal, o assistente e ora recorrente, descreveu, para tanto, no seu requerimento de abertura de instrução, factos cujo titular dos interesse imediata e directamente tutelados, é, apenas e tão só, a sociedade S - T, Lda e não, ele próprio.
Diz o Artº 68 nº1 do CPP que se podem constituir assistentes no processo penal os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, sendo que tal conceito de ofendido – estrito ou imediato, se quisermos – está também plasmado no Artº 113 do mesmo diploma legal.
Como refere Germano M. da Silva, in Curso de Processo Penal, 1, 2° Edição, Verbo, 1994, pág. 235, a propósito do conceito de "ofendido", e socorrendo-se, para o efeito, de Cavaleiro Ferreira: "Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime; ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime. O objecto jurídico mediato é sempre de natureza pública; o objecto imediato é que pode ter por titular um particular."
(Curso de Processo Penal, 1, 2° Edição, Verbo, 1994, pág. 235).
Acrescentando, ainda: "
Recordemos apenas que só se considera ofendido, para os efeitos do art. 68°, n° 1, al. a), o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato do crime (...)" (obra e autor citados, págs. 302 e 303).
A jurisprudência, de forma, dir-se-á, abundante, tem também defendido que as pessoas dos sócios, mesmo que representantes legais (administradores ou gerentes), são realidades distintas das sociedades para efeitos de legitimidade para intervir na qualidade de assistente, (questão que não se confunde com a legitimidade para a formulação da queixa), como são exemplos as seguintes decisões dos Tribunais Superiores :
-- Ac. da Relação de Lisboa de 03/06/08, Proc. 3185/08 5ª Secção, disponível in http/hww;pgdlisboa.pt: I- Num processo penal por factos susceptíveis de integrar o crime de burla, será ofendido, para efeitos de constituição de assistente, o titular do património que foi directamente prejudicado pela acção delituosa. II. O recorrente é gerente de sociedade cujo património, de acordo com os factos denunciados e os que constam do requerimento de abertura de instrução, foi directamente prejudicado pela acção do arguido pois de tal património saíram carne e derivados que foram enriquecer urna outra sociedade. III. Assim, sendo uma sociedade pessoa jurídica, o património social pertence-lhe e não aos sócios ou gerentes, sendo que a estes cabe apenas a administração e a representação da sociedade pelo que, ainda que o recorrente haja invocado prejuízos materiais indirectos e prejuízos não patrimoniais, tais prejuízos, embora confiram ao recorrente o estatuto de lesado, não o credenciam para entrar no círculo dos ofendidos, tal como são delimitados pela alínea a) do n°.1 do art. 68°. do C.P.P. IV. Os prejuízos invocados pelo recorrente legitimariam apenas a dedução de pedido de indemnização cível, tendo presente o seu estatuto de lesado e o estatuído no art.74°., n°.1 do CPP.V. Pelo exposto, não merece reparo a decisão que não admitiu o recorrente a intervir nos autos como assistente e, em consequência, falece também legitimidade ao recorrente para reagir contra o despacho de arquivamento através de abertura de instrução.
- Ac. da Relação de Lisboa de 20/06/07, Proc. 4721/07, consultável in http://www.dgsi,pt: "Os sócios de uma sociedade comercial não têm legitimidade para se constituírem assistentes nos processos penais em que é ofendida a sociedade”.
-- Ac. da Relação de Lisboa de 02/05/07, Proc. 6979/06 3ª Secção, disponível in http://ww.pgd1isboa.pt : I- No crime previsto e punido no art.° 224° do Código Penal (crime de infidelidade) protege-se o património e a "confiança do tráfego jurídico" merecendo, assim, protecção o património da sociedade da qual o arguido era o gerente. II - A sociedade é pessoa jurídica distinta dos sócios e os interesses patrimoniais da sociedade são os que a lei especialmente quis proteger pela incriminação. III - Assim sendo, uma sócia da sociedade não tem legitimidade para se constituir assistente pelo crime de infidelidade”.
-- Ac. da Relação de Lisboa de 22/09/05, Proc. 7063/05 9ª Secção, disponível in http://ww.pgdlisboa.pt: I- Está em causa a prática de um crime de infidelidade p. e p. no art.° 244° do C.P., de natureza semi-pública, relativamente a uma sociedade e verifica-se a invocação de prejuízos patrimoniais, por virtude de actos praticados pelo arguido. II - O M°P° decidiu-se pelo arquivamento do inquérito considerando, para além do mais, não estar o direito de queixa validamente exercido por ter sido apresentada a queixa por uma sócia, que não pela sociedade. III - Do despacho que admitiu a queixosa a intervir como assistente e que deferiu a abertura de instrução concomitantemente requerida, interpôs recurso o arguido, recurso este que merece provimento uma vez que '... estando em causa um alegado crime de infidelidade administrativa relativamente a interesses patrimoniais da sociedade, é o património desta o bem jurídico tutelado pela incriminação e, como tal, será esta a titular do interesse imediata e directamente tutelado pela norma incriminadora.”
No caso dos autos, atento o seu objecto, constata-se, cristalinamente, que, como atrás se disse, só a sociedade S - T, Lda é que vê o seu património afectado pela conduta que o recorrente imputa ao arguido – ainda que aquele possa invocar prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais indirectos - pelo que será nela que radica a legitimidade para intervir, como ofendida, na qualidade de assistente, como titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação em causa.
O que está em causa são valores pertencentes à dita sociedade de que o arguido se terá apropriado ou utilizado para fins próprios.
Como é bem sabido, no nosso ordenamento jurídico, as pessoas colectivas (entre elas, as sociedades, e, mais concretamente, as sociedades comerciais) não se confundem com as pessoas singulares, nem tão pouco os seus sócios com elas se confundem, já que as pessoas colectivas, como centros autónomos de imputação de direitos e deveres que são, possuem personalidade jurídica e judiciária.
Se assim é, há que concluir que o património social de uma sociedade pertence a esta e não aos sócios ou gerentes, a quem cabe apenas a administração e a representação da sociedade, não se repercutindo, na esfera jurídica de cada um deles, a violação dos bens jurídicos operada na esfera da pessoa colectiva.
Ora, como bem se diz no despacho recorrido, em parte alguma do requerimento para abertura da instrução o ora recorrente alega que o arguido prejudicou ou se apropriou do património do requerente, mas somente do da sociedade de que é sócio e gerente.
Deste modo, há que concluir, como acertadamente fez o tribunal a quo, que o ora recorrente não tinha legitimidade para requerer a abertura da instrução nos termos em que o fez, na medida em que a sua intervenção como assistente apenas foi admitida para os estritos efeitos do objecto da acusação pública, ou seja, pelo crime de falsificação imputado ao arguido.
Pelo que, bem andou o Mmo Juiz de Instrução Criminal, quando com fundamento na falta de legitimidade para o efeito, e pela inerente inadmissibilidade da instrução, rejeitou o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente e aqui recorrente.
Assim sendo, o recurso não pode deixar de improceder.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Artsº 513 nº1 e 514 nº1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi integralmente revisto e elaborado pelo primeiro signatário.
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Évora, 30 de Junho de 2015
(Renato Damas Barroso)
(António Manuel Clemente Lima)