Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1536/17.0T8BJA.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
ESBULHO VIOLENTO
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: É violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador, designadamente quando os meios utilizados se traduzem no corte do fornecimento de electricidade destinado a evitar a laboração da unidade empresarial e a colocação de segurança privada com a intenção de inviabilizar a entrada da requerida e dos seus funcionários no estabelecimento comercial estão abrangidas no conceito de violência para os efeitos legais.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1536/17.0T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Cível de Beja – J2
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
Na presente providência cautelar de restituição provisória de posse proposta por “(…) – Comércio de Carnes e Frescos, Lda.” contra “(…) Carnes, SA”, a requerente veio interpor recurso da decisão final.
*
A requerente pedia que, de imediato, lhe fosse devolvida a posse do estabelecimento dos autos.
Para tanto, em síntese, alega que tinha a posse da loja cuja exploração lhe foi transmitida legal e pacificamente e que está impedida de aceder ao local.
*
Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pela requerente, sem audição da parte contrária.
*
O Tribunal «a quo» julgou improcedente a providência cautelar.
*

*
Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
1 – Parece-nos inequívoco que a requerente tinha a posse da loja dos autos. E posse pacifica. Nela entrava e saia a qualquer hora do dia ou da noite, sem qualquer oposição.
2 – Liquidou valores de renda que lhe foram pedidos pela senhoria.
3 – Estava vedado à requerida recorrer aos meios privados, e pela força, para fazer cessar a posse da requerente. Verificada está, no caso, a violência e o esbulho.
4 – Não podemos concordar que o Tribunal acolha e valide estes comportamentos.
5 – Com a agravante que acarretou um enorme prejuízo para a requerente e para um significativo número de trabalhadores.
Termos em que, e por errónea interpretação do estatuído no artigo 377º do CPC, se deve revogar a douta sentença, decidindo-se pela procedência da requerida providência».
*
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de erro na aplicação do direito aos factos.
*
III – Factos apurados em sede de julgamento:
3.1 – Factos indiciariamente provados:
Encontram-se indiciariamente provados os seguintes factos com relevância para a decisão da presente providência:
1 – A requerida “(…) Carnes, SA”, celebrou com a sociedade comercial “Talhos (…) e (…), Lda.”, nipa (…), a 1 de Dezembro de 2011, um contrato denominado “concessão de exploração” pelo qual lhe cedeu a exploração de um estabelecimento comercial de Talho, sito nas instalações da requerida, instalado no edifício onde se encontra o (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São João Batista, em Beja, sob o artigo (…).
2 – Prevê-se na cláusula quarta do aludido contrato que a sociedade comercial “Talhos (…) e (…), Lda.”, no uso da concessão, utilizar-se-á de todos os móveis, utensílios e objectos que se encontram no referido estabelecimento que sejam propriedade da requerida.
3 – Ficou a “Talhos (…) e (…), Lda.” obrigada ao pagamento de uma contraprestação mensal, que inicialmente era de oito mil quinhentos e trinta seis euros e sessenta e sete cêntimos, e desde Fevereiro do corrente ano no montante de cinco mil trezentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e um cêntimos.
4 – Esta sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” desde 2016 que atravessava grave problemas económicos e financeiros, tendo perdido o crédito na praça, em especial junto dos fornecedores de carne.
5 – Por acordo escrito, datado de 13/07/2017, denominado “Contrato de Cedência de Posição Contratual”, a sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” e a requerente acordaram que aquela cedia a esta a posição contratual que a primeira detinha no contrato celebrado com a requerida.
6 – À frente da designação de “A primeira outorgante” mostra-se aposta assinatura “(…)” e por cima da mesma o carimbo da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” – A Gerência.
7 – À frente da designação “A segunda outorgante” mostra-se aposta assinatura “(…)” e por cima da mesma o carimbo da requerente – A Gerência.
8 – Prevê-se na cláusula primeira deste acordo que a sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” detém o direito de exploração de um estabelecimento comercial destinado a talho, peixaria, frutas e legumes instalado em Beja, na Estrada Nacional (…), Km (…), fazendo parte do prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º (…), pertencente à “(…), Carnes, SA”, que por contrato de 2011 lhe concedeu tal direito.
9 – Consta da cláusula segunda do acordo referido em 5 que a requerente fará a gestão e exploração comercial desse espaço com todos os direitos e obrigações que detinha a cedente.
10 – Consta da cláusula quarta do acordo referido em 5 que a liquidação dos salários e demais encargos respeitantes com o pessoal são da responsabilidade da requerente.
11 – Consta da cláusula quinta do acordo referido em 5 que a requerente deverá pagar à requerida a renda e demais encargos relacionados com a exploração da loja.
12 – Prevê a cláusula 6º do acordo referido em 5 que a cedente obriga-se a dar conhecimento e a obter o respectivo consentimento da Senhoria (…) para inteira validade do contrato. Contudo, se não colher esse acordo, compromete-se a proceder ao contrato de trespasse da loja a que este contrato respeita, que será pelo preço do saldo devedor da cedente, que a sua conta corrente registar à data em que ocorrer esse contrato.
13 – Em Julho de 2017 já na loja se comercializava não só carne mas também peixe congelado, frutas e legumes, cafetaria, takeaway e restauração.
14 – A requerente iniciou a comercialização de produtos no talho em 10 de Agosto de 2017.
15 – Os funcionários ao serviço do talho tinham as chaves de acesso ao local, livremente e a qualquer hora do dia ou da noite, sem oposição de quem quer que fosse.
16 – Em Julho do corrente ano a requerida informou a requerente que se encontravam rendas e despesas da loja em atraso, por liquidar.
17 – A administração da (…) falou com um dos responsáveis da requerente, (…), e acertaram os montantes a liquidar.
18 – Em 14 de Julho de 2017 a requerente fez uma transferência bancária para a requerida do montante que esta considerava em falta, no valor de € 9.725,74 (nove mil, setecentos e vinte e cinco euros e setenta e quatro cêntimos).
19 – Tal montante destinou-se ao pagamento das facturas nº (…), (…) e (…) emitidas pela requerida em 06/07/2017, com vencimento em 14/07/2017, em nome da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” relativas, respectivamente, a energia – período de 03/06 a 06/07, no valor de € 2.845,42; contrato de concessão de exploração (…), no valor de € 6.586,17 e recolha de resíduos sólidos – Junho de 2017, no valor de € 294,15.
20 – Em Agosto, a requerida comunicou haver valores por liquidar.
21 – Contudo, como a requerente havia assumido a loja, com activos e passivos que lhe haviam sido transmitidos pela “Talhos (…) e (…), Lda.”, informou a requerida que também esta estava devedora de uma significativa quantia, mais de onze mil euros.
22 – Agosto é um mês tradicionalmente de férias, levando à ausência de parte dos funcionários e administradores durante alguns dias.
23 – Requerente e requerida entregaram o assunto aos respectivos advogados, no pressuposto de que considerados créditos e débitos da requerida, o seu saldo, a existir, não era significativo e em Setembro tudo seria arrumado.
24 – A mandatária da requerente informou o seu responsável, (…), que estava bem encaminhado o assunto e poderia ir de férias descansado.
25 – Em Setembro é informado que as negociações se tinham gorado totalmente.
26 – Mais vem a saber pelos trabalhadores do talho que a administração da (…), em particular pelo administrador (…), há muito vinha dizendo que não os queria lá no talho e mais mês, menos mês, era para fechar.
27 – No dia 25 de Setembro de 2017, a requerida desligou a energia eléctrica que abastecia o talho impedindo que este pudesse trabalhar. 28 – Nesse mesmo dia, horas após o corte de energia, um responsável da requerente, (…), vai junto do administrador da (…), (…), e pede-lhe para restabelecer a energia.
29 – Prontificou-se a pagar o que estivesse em falta, porém o mesmo administrador recusou-se a receber qualquer quantia alegando que não podia receber quantias da requerente mas apenas da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.
30 – A requerida informou os trabalhadores da requerente de que se insistissem em trabalhar fechava a porta do talho e o portão de acesso ao mesmo.
31 – Os mandatários das partes não lograram chegar a acordo.
32 – Em consequência do corte de energia eléctrica, uma grande quantidade de produtos que estavam nas arcas, particularmente carne, acabou derramada nos subprodutos da (…), para destruição.
33 – A administração da requerida comunicou à requerente que a utilização de fonte de energia alternativa seria impedida com a mudança das fechaduras de acesso à loja.
34 – A requerente expectava atingir € 100.000,00 de facturação no mês de Agosto.
35 – A requerente e os funcionários do talho, havendo entre elas duas grávidas, vivem angustiados pois nem a requerente tem hoje estabelecimento onde os colocar, nem a maioria deles tem hipótese de trabalho, pelo menos a curto prazo.
36 – Uma loja fechada afasta clientela e mais dificulta à requerente o recebimento de crédito que tem nos clientes.
37 – Mesmo após o fecho da loja, a requerente e todos os trabalhadores compareceram no local. Nem eles nem os clientes podiam entrar por decisão da requerida.
38 – E souberam desta que a loja não era para abrir.
39 – A requerida colocou no local seguranças privados que apenas permitiam a retirada de pertences pessoais.
40 – A requerente é uma sociedade por quotas que tem como objecto social, entre o mais, o comércio de carnes.
41 – Pela AP. …/2017.05.16 foi inscrita na Conservatória de Registo Comercial de Setúbal a constituição da requerente, tendo como sócios (…) e “(…), Unipessoal, Lda.”, com quotas respectivamente de € 200.000,00 e € 100.000,00.
42 – (…) foi gerente da requerente até 11/07/2017, data em que foi inscrita sua cessação de funções como tal pela AP. …/2017.07.11.
43 – Pela AP. …/20170711 foi designado como gerente da requerente (…), nora de (…).
44 – Pela Menção Dep. …/2017-09-05, foi anotada a cessão de quota da requerida por (…) a (…).
45 – A requerida é uma sociedade anónima, com sede na Estrada Nacional, (…), KM (…), Distrito: Beja, Concelho: Beja Freguesia: Beja (Santiago Maior e São João Baptista), 7800-346 Beja, tendo como objecto social actividade de abate de gado, industrialização e comercialização, afins ou complementares do indicado objecto social.
46 – Pela AP. …/20100813 foi inscrita na Conservatória de Registo Comercial de Beja a designação de (…) como presidente do Conselho de Administração da requerida.
47 – Pela AP. …/20141209 foi averbada a cessação de funções de (…) como presidente do Conselho de Administração da requerida.
48 – Pela AP. …/20150901 foi inscrita a nomeação de administrador provisório à requerida em processo especial de revitalização.
49 – Pela AP. …/20151201 foi inscrita a homologação de plano de recuperação em processo especial de revitalização da requerida.
50 – Pela AP. …/20170331 foi inscrita a designação de (…) como vogal do Conselho de Administração da Requerida.
51 – “Talhos (…) e (…), Lda.” é uma sociedade por quotas, com sede na Rua (…), nº 82-F, 1900 348 Lisboa, tendo com objecto social a compra e venda de carnes frescas, transformadas e congeladas, para revenda por grosso e a retalho e ainda salgadas e fumadas; comércio a retalho de peixe, crustáceos e moluscos, em estabelecimentos especializados; comércio a retalho de frutas e produtos hortícolas, em estabelecimentos especializados; outro comércio a retalho de produtos alimentares, em estabelecimentos especializados.
52 – Pela Ap. …/20010920 foi inscrita na Conservatória de Registo Comercial da Amadora a nomeação de (…) e (…) como gerentes da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.
53 – Pela AP. …/20070801 foi averbada a cessação de funções como gerentes de (…) e (…), tendo como causa renúncia.
54 – Pela AP. …/20150724 foi inscrita a designação de (…) como gerente da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.".
55 – Pela AP. …/20170412 foi averbada a cessação de funções como gerente de (…), tendo como causa renúncia.
56 – Pela AP. …/20160825 foi inscrita a nomeação de administrador judicial provisório no âmbito de processo especial de revitalização.
57 – Pela Ap. …/20170111 foi averbada a cessação de funções de administrador judicial provisório.
58 – Pela AP. …/20170111 foi inscrita a decisão de homologação de plano de recuperação em PER.
59 – Pela AP. …/20170412 foi inscrita a designação de (…) como gerente da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.
60 – Pela AP. …/20170808 foi averbada a cessação de funções como gerente de (…), tendo como causa destituição.
61 – Pela AP. …/20170808 foi inscrita a designação de (…) como gerente da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.
62 – Pela AP. …/20170927 foi inscrita a sentença de declaração de insolvência da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.
63 – Pela Menção Dep. …/2017-04-12, consta na certidão permanente da sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” a transmissão das quotas a (…), por (…) e (…), a qual se mostra cancelada pela Menção De …/2017-08-08.
*
3.2 – Factos indiciariamente não provados:
64 – Em Julho de 2017, a requerente assumiu a gestão do estabelecimento: contratava fornecimentos; comprava e vendia no local produtos seus; exercia poder funcional e disciplinar sobre os funcionários a quem liquidava os salários.
65 – Em consequência do corte de energia eléctrica, treze trabalhadores da requerente perderam os seus postos de trabalho.
66 – A requerida é proprietária das paredes e alguns equipamentos onde funcionava o estabelecimento explorado pela “Talhos (…) e (…) Lda.”, que abriu e desenvolveu a loja, com pessoal seu.
67 – A requerida não explorava no local qualquer estabelecimento.
68 – A requerida nunca vendeu ou comprou no espaço; nunca lá teve qualquer funcionário seu.
69 – A requerida deu o seu consentimento ao contrato celebrado entre a requerente e a sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.”.
*
IV – Fundamentação:
4.1 – Erro na apreciação do direito aplicável:
As medidas cautelares visam prevenir um dano muito concreto. Aquele que é causado pelo decurso do tempo. O correr do tempo que é necessário para a conclusão de um processo judicial. Tal dano consiste na inutilidade prática, total ou parcial, da sentença final favorável e, consequentemente, na inefectividade do direito do requerente[1].
Na situação colocada à apreciação do Tribunal de recurso, estamos perante uma restituição provisória de posse, que, usualmente, corresponde a um acto preparatório da acção de restituição de posse, embora também o possa ser de uma acção de reivindicação, porque também esta visa obter a restituição da coisa[2] [3].
Quem beneficia de uma situação de posse pode pedir a respectiva tutela judicial seja através da apresentação em juízo de acções de prevenção, de manutenção e de restituição da posse e, bem assim, no caso de esbulho violento, por via de uma providência cautelar de restituição provisória da posse, de harmonia com o disposto nos artigos 1276º a 1279º do Código Civil.
Na lição de Mota Pinto as razões dessa tutela assentam em critérios de utilidade social como são a defesa da paz pública, a dificuldade de prova do direito definitivo e o valor económico da posse[4]. E esta tutela assume natureza provisória conforme decorre da letra do nº1 do artigo 1278º do Código Civil, “no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”.
*
Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil).
No direito português a posse reporta-se ao exercício de um direito real (em regra, de gozo). Assim, aqueles que usam ou gozam a coisa ao abrigo de um direito creditício, obrigacional, são meros detentores, pois possuem a coisa em nome de outrem, o titular do direito real (alínea c) do artigo 1253º do Código Civil), a quem terão de restituir a coisa uma vez terminado o prazo ou a causa legal da detenção. São, pois, possuidores precários[5].
No entanto, por motivos de equidade, de segurança jurídica e de salvaguarda de interesses pessoais e económicos, o legislador concede episodicamente a defesa possessória em casos em que não existe posse, mas mera detenção. E, por isso, a tutela possessória é ainda especialmente concedida a titulares de direitos pessoais de gozo derivados do contrato de locação (artigo 1037º, nº 2[6]), de comodato (artigo 1133º[7]) e de depósito (artigo 1188º, nº 2[8]).
O artigo 1276º do Código Civil provisiona as situações de defesa da posse, prevendo que se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
Numa dimensão substantiva, no seu artigo 1279º, o Código Civil prevê que o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.
No desenvolvimento adjectivo desta norma, no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência, conforme se extrai do disposto no artigo 377º[9] do Código de Processo Civil.
De forma unânime a doutrina[10] [11] [12] [13] e a jurisprudência afirmam que a procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
É pressuposto do decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse a prova de que o requerente da providência é titular da posse sobre o bem cuja restituição é ordenada. E sempre que alguém foi provado do exercício da retenção ou da fruição do objecto possuído ou da possibilidade de o continuar a exercer existe um cenário de esbulho.
*
Na interpretação do compêndio normativo aplicável à situação sub judice, ao aplicar a disciplina do artigo 378º[14] do Código de Processo Civil, o Tribunal «a quo» negou a existência de um quadro de posse.
Funda essa sua posição na circunstância da matéria de facto indiciariamente assente evidenciar que «a requerida cedeu à sociedade Talhos (…) e (…), Lda. a exploração de um estabelecimento comercial de talho – veja-se cláusula primeira e segunda do contrato celebrado entre a requerida e aquela sociedade e cláusula primeira do contrato celebrado entre a requerente e a mesma sociedade».
A sentença recorrida adianta ainda que «atenta a matéria de facto indiciariamente provada em 1 a 12 e a matéria não provada em 66, 67 e 68, dúvidas não restam da celebração entre a requerida e a sociedade Talhos (…) e (…), Lda. de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento». E prossegue dizendo que «a ausência de prova do consentimento da requerida na cessão da posição contratual de Talhos (…) e (…), Lda. à requerente, impede que se conclua pela sua validade. Sem esse consentimento, o negócio não adquire plena eficácia e consequentemente não legitima a posse que a requerente invoca.
Não se concluindo pela posse legítima do estabelecimento comercial, não pode proceder o procedimento cautelar, mostrando-se prejudicada a apreciação dos demais requisitos».
*
O estabelecimento comercial, como um bem mercantil, engloba o complexo de bens e de direitos que o comerciante afecta à exploração da sua empresa, que tem uma utilidade, uma funcionalidade e um valor próprios, distintos de cada um dos seus componentes e que o direito trata unitariamente.
É francamente maioritária a tese de que o estabelecimento comercial é susceptível de ser objecto de posse, sendo-lhe, pois, aplicáveis as respectivas acções defensivas perante actos de turbação ou de esbulho[15] [16] [17] [18] [19] [20] [21] [22].
Na presente situação verifica-se que está assente que, por acordo escrito, datado de 13/07/2017, denominado “Contrato de Cedência de Posição Contratual”, a sociedade “Talhos (…) e (…), Lda.” e a requerente acordaram que aquela cedia a esta a posição contratual que a primeira detinha no contrato celebrado com a requerida (ponto 5 dos factos provados). E foi ainda apurado que a agora requerente fará a gestão e exploração comercial desse espaço com todos os direitos e obrigações que detinha a cedente (ponto 9 dos factos provados). E com base nesse acordo a sociedade Autora iniciou a comercialização de produtos de talho naquele espaço em 10 de Agosto de 2017 (ponto 14 dos factos provados) e até 25 de Setembro de 2017 a relação comercial em causa funcionou com aparente normalidade, data em que a requerida desligou a luz eléctrica que abastecia o talho (ponto 27 dos factos provados) e nessa sequência proibiu o acesso da requerente ao referido estabelecimento.
O contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, através do qual o titular do estabelecimento cede a outrem, a título oneroso, a fruição temporária dele, juntamente com a cedência da fruição do imóvel em que está instalado, é um contrato inominado, a regular pelas estipulações nele vertidas pelas partes e, subsidiariamente, pelas disposições dos contratos típicos mais afins e, depois, pelas regras gerais das obrigações e dos contratos.
Com a cessão da posição contratual, o cessionário fica investido na posição que anteriormente era detida pelo cedente. Nas palavras de Antunes Varela a cessão de exploração distingue-se «não pela cedência da fruição do imóvel, nem a do gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade mais ou menos complexa. Na transmissão efectuada pelo cedente vai, portanto, incluído todo o somatório de elementos materiais e imateriais que integram a empresa desde os móveis e imóveis até à clientela, as patentes e segredos de fabrico, alvarás, etc.»[23].
O traço essencial que distingue o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial do contrato de arrendamento comercial reside no diferente objecto visado por cada um dos contratos, «naquele transmite-se globalmente a exploração de um estabelecimento comercial; neste apenas se proporciona o gozo de uma coisa imóvel»[24] [25] [26] [27].
Parece-nos medianamente claro que as cláusulas contratuais reportadas na matéria de facto assente impelem o intérprete a qualificar o negócio em debate como cessão de exploração de estabelecimento comercial. E, como já acima dissemos, o cessionário fica a ser titular de um direito locatício, que lhe confere legitimidade para o exercício dos meios de defesa da posse[28] [29] [30] [31] [32]. Porém, sem conceder, mesmo que assim não fosse, por via da tese proposta por Baptista Machado[33], a requerente é beneficiária da tutela possessória, pelo menos por recurso à analogia com as disposições tutelares dos possuidores em nome alheio, na medida em que, apesar de não existir norma expressa, na busca de lugar paralelo, deve ser admitida a tutela possessória para defesa dos direitos do cessionário, face à identidade dos valores axiológicos presentes nas disposições tutelares dos possuidores em nome alheio[34] [35].
A negociabilidade autónoma do estabelecimento não é passível de polémica, pelo menos na dimensão impressa nos artigos 1109º[36], a respeito da locação de estabelecimento e 1112º[37], a respeito do trespasse de estabelecimento comercial ou industrial.
Todavia, aqui apesar de não se estar perante um cenário de trespasse ou de mero arrendamento comercial, condensados os factos é de concluir que o cessionário já tinha entrado no gozo efectivo e tinha a disponibilidade sobre o estabelecimento comercial.
Para que tal modificação subjectiva do contrato se consuma é necessário o consentimento do outro contraente, o qual pode exprimir-se tácita ou expressamente, sendo certo que o silêncio do cedido perante a comunicação da cessão não vale como consentimento, a não ser que no caso concreto a lei, uso ou convenção lhe atribua o valor de declaração negocial[38].
É incontroverso que para que exista um contrato de cessão de posição contratual é necessário a concorrência de três vontades negociais: vontade do cedente e do cessionário em celebrar a cessão e o consentimento, expresso ou tácito, do cedido, antes ou depois da cessão[39].
O consentimento na cessão da posição contratual, como aquiescência à modificação subjectiva do contrato, pode exprimir-se tácita ou expressamente, face ao preceituado no artigo 217º[40] do Código Civil.
Na verdade, como resulta da interligação entre os factos 16 a 19, no momento do ingresso na exploração do estabelecimento de talho, a requerida reconheceu a presença da “(…) Comércio de Carnes e Frescos, Lda.” ao receber quantias em atraso relativamente a despesas de energia e recolha de resíduos sólidos e da renda referente à concessão da exploração e assim ficou vinculada à alteração subjectiva do contrato. Estamos assim perante um consentimento tácito relevante, ainda que a requerida não tivesse dado o seu consentimento expresso ao contrato celebrado entre a requerente e a sociedade “Talhos (…) e (…). Lda.” (ponto 69 dos factos não provados).
Assim, à luz dos factos carreados pela requerente para o âmbito da providência cautelar, visão essa muitas vezes parcelar e que não reflecte a realidade sinalagmática e todos os trâmites da dinâmica contratual ocorrida, ao já ter entrado no gozo do bem cedido por força do consentimento tácito, existe uma situação de posse ou, pelo menos, uma situação de detenção que goza de igual tutela possessória que lhe permite recorrer às situações defensivas da posse.
E, na leitura das entrelinhas, a questão crucial para o desentendimento terá ocorrido porque, aquando da comunicação que existiriam valores por liquidar (ponto 20 dos factos provados), a requerida terá comunicado que era igualmente credora de uma quantia sobre a “(…) Carnes, SA” (ponto 21 dos factos provados) e não no domínio da falta de posse sobre o estabelecimento.
É de alertar que, deixando de ser titular daquela posição contratual, o cessionário que continua a ocupar o espaço onde está instalado o estabelecimento comercial, ao incumprir qualquer solicitação legítima de restituir provinda da contraparte, deixa de ter qualquer “posse” ou direito que possa defender através dos meios possessórios e, designadamente, através de um procedimento cautelar de restituição de posse.
Neste contexto, é estranho que as partes (rectius, a requerida) não tivessem procedido à resolução contratual estribada no eventual incumprimento das obrigações contratadas com o cedente, mas a factualidade apurada não reflecte esse lado reverso do princípio da liberdade negocial que é o da liberdade de extinção contratual, cujos efeitos substantivos se retiram do disposto nos artigos 405º[41] e 406º[42], do Código Civil.
Como decorre da regra estabelecida no artigo 432º, nº 1[43], do Código Civil é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. Nos termos desta disposição é facultada às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de atribuir a ambas, ou a uma delas, o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto. E verificado o facto previsto como fundamento da resolução, como se pode ler num aresto do Tribunal da Relação de Lisboa[44], a parte adimplente pode, por um simples acto de vontade (mediante declaração, escrita ou oral, à outra parte, sem necessidade de intervenção do Juiz, e sem ter de recorrer ao artigo 808º, nº 1[45], do Código Civil) produzir a resolução que inelutavelmente se impõe à contraparte. E esta resolução opera, assim, imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder da parte inadimplente, ou é dela conhecida (artigo 224º, n.º 1[46], do Código Civil).
Deste modo, na vertente em que, por força do contrato de cessão da posição contratual, cuja eficácia e validade se mantém incólume à luz da descrição fáctica apurada, o cessionário passou a explorar o talho aqui em discussão e, daqui decorre que, ao entrar no gozo desse bem, se verifica assim um quadro de exercício correspondente ao exercício de um direito real que se traduz na posse sobre o estabelecimento comercial. Ou, na pior das hipóteses, existiria uma detenção que, por analogia, goza dos meios de tutela possessória, onde se inclui a restituição provisória de posse.
Deste modo, ao invés da conclusão tirada pelo julgador «a quo», o Tribunal «ad quem» entende que existe uma situação de posse e de esbulho injustificado, restando assim apurar se essa privação é de natureza violenta.
*
O conceito de violência a que aludem os artigos 1279º do Código Civil e 377º do Código de Processo Civil encontra-se plasmado no artigo 1261º, nº 1[47], do Código Civil, que define como violenta a posse adquirida através de coacção física ou de coacção moral nos termos do artigo 255º[48] do mesmo Código.
Inspirados na lição de Manuel Rodrigues[49], Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sublinham que «é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador»[50] [51]. Esta posição é perfilhada por Alberto dos Reis[52], Pires de Lima e Antunes Varela[53] e Teixeira de Sousa[54]. Em sentido contrário, posiciona-se Dias Marques que entende que a violência só pode ser exercida sobre as pessoas[55]. Numa zona intermédia surgem os contributos de Orlando de Carvalho[56] que admite que a instrumentalidade da violência contra as coisas possa ser hábil a constranger psicologicamente o possuidor.
Estamos com Abrantes Geraldes quando este assevera que a qualificação da posse como violenta pode ter na sua génese «tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do declaratário (leia-se, do possuidor), como a que é feita através do ataque aos seus bens»[57].
Na visão dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça, a acepção mais lata do conceito de esbulho é aquela que melhor se adequa à defesa da posse, posto que, nessa perspectiva, a violência não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia[58].
Neste espectro lógico-jurídico pode concluir-se que há esbulho violento sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra sua vontade, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício.
A jurisprudência estabilizada dos Tribunais Superiores entende que quando o esbulhador, para ter acesso à coisa, procede à mudança/substituição e à alteração das fechaduras que o impediam de àquela livremente aceder, obstando e tornando doravante impossível a continuação da posse pelo requerente/esbulhado, está-se perante um caso de esbulho violento[59]. E o corte do fornecimento de electricidade destinado a evitar a laboração da unidade empresarial e a colocação de segurança privada com a intenção de inviabilizar a entrada da requerida e dos seus funcionários no estabelecimento comercial enquadram-se igualmente na facti species legal.
E, por isso, é ordenada a restituição da posse, sem embargo dos ulteriores termos do processo, após a notificação da decisão à sociedade requerida, caso haja lugar a contraditório subsequente ao decretamento da providência[60].
*
V – Sumário:
1. O estabelecimento comercial é susceptível de ser objecto de posse, sendo-lhe, pois, aplicáveis as respectivas acções defensivas perante actos de turbação ou de esbulho.
2. O cessionário fica a ser titular de um direito locatício, que lhe confere legitimidade para o exercício dos meios de defesa da posse.
3. É violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador, designadamente quando os meios utilizados se traduzem no corte do fornecimento de electricidade destinado a evitar a laboração da unidade empresarial e a colocação de segurança privada com a intenção de inviabilizar a entrada da requerida e dos seus funcionários no estabelecimento comercial estão abrangidas no conceito de violência para os efeitos legais.
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, ordenado a restituição da posse do estabelecimento dos autos.
Sem tributação, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 07/12/2017
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário
__________________________________________________
[1] A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, Universidade Católica Editora, Lisboa 2003, pág. 32.
[2] Lebre de Freitas e Isabel Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2017, pág. 98.
[3] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex. pág. 238.
[4] Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais, Almedina, Coimbra 1976, págs. 192-195.
[5] Moitinho de Almeida, Restituição de posse e ocupações de imóveis, 5ª edição, Coimbra Editora, págs. 59 e seguintes.
[6] Artigo 1037º (Actos que impedem ou diminuem o gozo da coisa):
1. Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação de assegurar esse gozo contra actos de terceiro.
2. O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
[7] Artigo 1133º (Actos que impedem ou diminuem o uso da coisa):
1. O comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.
2. Se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
[8] Artigo 1188º (Turbação da detenção ou esbulho da coisa):
1. Se o depositário for privado da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, mas deve dar conhecimento imediato da privação ao depositante.
2. Independentemente da obrigação imposta no número anterior, o depositário que for privado da detenção da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o depositante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276º e seguintes.
[9] Artigo 377º (Em que casos tem lugar a restituição provisória de posse):
No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
[10] Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, Coimbra Editora, Coimbra 1986.
[11] Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória, Athena Editora, Porto 1980, vol. I.
[12] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, Almedina.
[13] Marco Gonçalves, Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Coimbra 2016.
[14] Artigo 378º (Termos em que a restituição é ordenada):
Se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador.
[15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/2012, in www.dgsi.pt.
[16] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, Almedina, Coimbra 2001, 2ª ed., págs.32 e 33
[17] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição (revista e ampliada), Coimbra Editora, Coimbra 2011, pág. 704.
[18] Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 119º, pág. 243.
[19] Orlando de Carvalho, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 122º, pág. 107.
[20] Ferrer Correia, Reivindicação do estabelecimento comercial como unidade jurídica, inserida na obra Estudos Jurídicos, págs. 255 e seguintes.
[21] Barbosa de Magalhães, Do estabelecimento comercial, Ática, Lisboa 1051, págs. 158-159.
[22] Oliveira Ascensão, Direito Comercial, AAFDL, Lisboa 1986/1987, págs. 504-505.
[23] Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 100º, pág. 270.
[24] Santos Júnior, Sobre o Trespasse e a Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial, in As Operações Comerciais, Almedina, Coimbra 1988, pág. 440.
[25] No mesmo sentido pode ser consultado Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª edição (remodelada), Almedina, Coimbra 1991, págs. 61-68.
[26] Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 123º, pág. 247.
[27] Na jurisprudência sobre a caracterização da cessão de exploração e da distinção relativamente a figura como o arrendamento comercial e o trespasse podem ser lidos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/94 in CJSTJ, Ano II- 2º-32 e de 19/04/2012, do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/04/2012 e do Tribunal da Relação do porto de 20/05/2013, estes disponíveis em www.dgsi.pt.
[28] Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 112º, pág. 195.
[29] Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª edição, Almedina, Coimbra 1991, pág. 72.
[30] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra 2011, pág. 704.
[31] Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, 7ª edição, Almedina, pág. 662.
[32] Henrique Mesquita, Obrigações e ónus reais, Almedina, pág. 149.
[33] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, pág. 327.
[34] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV (procedimentos cautelares especificados), Almedina, Coimbra 2001, págs. 34 e 38.
[35] Maria Palma Ramalho, Revista da Ordem dos Advogados, ano 51º, pág. 695.
[36] Artigo 1109º (Locação de estabelecimento)
1 - A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações.
2 - A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.
[37] Artigo 1112º (Transmissão da posição do arrendatário):
1 - É permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio:
a) No caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial;
b) A pessoa que no prédio arrendado continue a exercer a mesma profissão liberal, ou a sociedade profissional de objecto equivalente.
2 - Não há trespasse:
a) Quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;
b) Quando a transmissão vise o exercício, no prédio, de outro ramo de comércio ou indústria ou, de um modo geral, a sua afectação a outro destino.
3 - A transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio.
4 - O senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou dação em cumprimento, salvo convenção em contrário.
5 - Quando, após a transmissão, seja dado outro destino ao prédio, ou o transmissário não continue o exercício da mesma profissão liberal, o senhorio pode resolver o contrato.
[38] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/03/2012, in www.dgsi.pt.
[39] Neste sentido podem ser consultados, entre muitos outros os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2003 e de 05/04/2004, do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/03/2012 e do Tribunal da Relação de Évora de 13/03/2008, in www.dgsi.pt.
[40] Artigo 217º (Declaração expressa e declaração tácita):
1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.
2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.
[41] Artigo 405º (Liberdade contratual)
1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.
[42] Artigo 406º (Eficácia dos contratos):
1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.
[43] Artigo 432º (Casos em que é admitida):
1. É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
2. A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato.
[44] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/07/2013, in www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: «a resolução do contrato pode ter lugar mediante declaração, escrita ou oral, à outra parte, sem necessidade de intervenção do Juiz, e sem ter de recorrer ao art. 808º, n.º 1, do CC.
A resolução do contrato opera, imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder da parte inadimplente, ou é dela conhecida (art. 224º, n.º 1, do CC).
Eventual intervenção judicial, que venha a ocorrer posteriormente, apenas terá a natureza de sentença de simples apreciação, pela qual o Juiz verifica os pressupostos e declara a existência de uma resolução, nos termos da lei».
[45] Artigo 808º (Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento):
1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.
[46] Artigo 224º (Eficácia da declaração negocial):
1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.
[47] Artigo 1261º (Posse pacífica):
1. Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.
2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255.º
[48] Artigo 255º (Coacção moral):
1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.
3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.
[49] Na perspectiva deste autor, na avaliação dos pressupostos necessários à procedência de uma restituição provisória da posse, ainda no domínio do Código de Seabra, na análise do artigo 494º, este comentador admitia que a violência tanto pode ser contra as pessoas como contra as coisas. Nas suas palavras “ há-de exercer-se sobre as pessoas que defendam a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras”, podendo ainda consistir no emprego da força física, como em ameaças (A Posse, Almedina, Coimbra 1981, A Posse, pág. 363).
[50] Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2017, pág. 94.
[51] No mesmo sentido, no plano jurisprudencial podem ser consultados os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 12/06/1997, in BMJ 468º-499 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/11/2011, in www.dgsi.pt.
[52] Código de Processo Civil anotado, vol. I, Coimbra Editora, pág. 670.
[53] Código Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, em anotação aos artigos 1261º e 1279º.
[54] Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 238.
[55] Prescrição aquisitiva, vol. I, Lisboa 1960, pág. 277.
[56] Orlando de Carvalho, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 122º, advoga que «a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor». E, conclui assim que «a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos, de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado». (pág. 293).
[57] Obra citada, pág. 48.
[58] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2016, de 27/01/2001 e de 03/05/2000, in www.dgsi.pt. [59] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/05/2015, in www.dgsi.pt.
[60] Vide a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2017, pág. 100.