Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
394/22.7GDFAR-B-E1
Relator: MARGARIDA BACELAR
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
ART.204º DO CPP
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A al. b) do art.º 204º do C.P.P. reporta-se à existência de “Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova”, circunstâncias essas que se devem verificar em concreto, como decorre do proémio deste preceito.
Este perigo de perturbação diz respeito às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas e consiste no risco, sério e actual, de ocultação ou alteração das mesmas por parte do arguido.

Ora, atentos os elementos carreados para os autos até à data da prolação do despacho sob censura, importa referir que o perigo de perturbação do inquérito, que o despacho recorrido considerou existir na vertente de perigo para a conservação ou veracidade da prova, mostra-se indiciado.

É que, não estando a investigação finda, como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público, nas suas contra motivações de recurso –, «… existem testemunhas fulcrais cujos depoimentos são essenciais para se perceber o envolvimento dos vários arguidos na prática dos factos. A violência com que o crime foi praticado também permite reforçar a séria probabilidade de verificação do perigo, uma vez que arguido que tiveram o sangue frio para assassinar a vítima, também certamente não se coibirão de exercer pressão sobre as testemunhas, utilizando todos os meios necessários. Quem congemina um plano como o descrito e o concretiza da forma apurada, certamente não terá pejo em recorrer a todos os meios possíveis para se eximir da sua responsabilidade criminal.”

Na verdade, encontrando-se o inquérito ainda a decorrer e tendo o recorrente sido colocado a par de dados relevantes do iter investigatório, há perigo – seja pelo constrangimento de testemunhas, seja pelo descaminho de novos elementos de prova - pelo menos existia à data em que foi aplicada a medida de coacção para a conservação ou veracidade da prova.

Por sua vez, do compulsar do processo sobressai, a real existência de perigo de perturbação grave da tranquilidade pública.

«O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas deverá sustentar-se em factos dos quais seja possível inferir que a permanência do arguido em liberdade é potencialmente geradora de tal perturbação e deverá reportar-se ao previsível comportamento do arguido no futuro imediato e não ao crime por ele indiciariamente cometido, nem à reação que possa gerar-se na comunidade.

A conclusão da existência do perigo em análise não radica no tipo de crime, ou seja, não é pelo facto de se concluir pela prática de um crime de homicídio qualificado que, por si e automaticamente, se chegará à conclusão de verificação desse perigo. Todavia, o modo como o crime foi concretizado, os meios utilizados e os objetivos visados têm obviamente de servir para densificar a personalidade dos arguidos. A perversidade e a futilidade dos fins que motivaram o assassinato de FF tem de servir como manifestações exteriores da personalidade dos arguidos.

Com efeito, considerando os traços de personalidade do Recorrente que se deixaram referidos, sendo razoável admitir que outras situações idênticas às dos autos, isto é, outras situações de dívidas relacionadas com transações de estupefaciente possam ocorrer, é razoável admitir a assunção de comportamentos com idêntica violência e igualmente atentatórios do direito à vida.

Pelo que se tem por verificado o perigo em análise, ainda que por razões não completamente coincidentes com as que constam da decisão recorrida.

Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal da Relação de Évora:

Nos autos de inquérito (actos jurisdicionais) registados sob o n.º 394/22.7GDFAR-B-E1 a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo de Instrução Criminal de …- Juiz …, o arguido AA interpôs recurso do despacho judicial que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões que se transcrevem:

«1. O presente recurso tem como objeto toda a matéria do despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao recorrente.

2. O despacho recorrido aplicou ao Arguido AA a medida de coação de prisão preventiva, considerando fortemente indiciada a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto nas disposições conjugadas dos arts.º 26.º, 131.º e 132.º n.º 1 e n.º 2 als. e), h) e j) do Código Penal em conjugação com o art.º 86.º n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02, um crime de sequestro, previsto nas disposições conjugadas dos art.ºs 26.º e 158.º n.º1 do Código Penal, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.s 26.º, 143.º n.º 1, 145.º n.º 1 al. a) e n.º 2 e 132.º n.º2 als. e), h) e j) do Código Penal.

3. Não obstante os factos considerados indiciados, a aplicação da prisão preventiva só é admissível se estiverem preenchidos, em concreto, os pressupostos objetivos estabelecidos nos arts.º 193.º n.º 2, 202.º, n.º 1, e pelo menos um dos do art.º 204.º, todos do CPP.

4. Com efeito, a aplicação das medidas de coação, pautada pelo princípio constitucional de presunção de inocência, deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção possível.

5. Sustenta a MM.ª Juiz a quo que se verificam os perigos de perturbação da tranquilidade pública e perigo para a conservação ou veracidade da prova, elencados nas als. b) e c) do art.º 204.º do CPP, assim justificando a verificação dos pressupostos legais para aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

6. Resulta do despacho recorrido que, a conclusão da MM. ª Juiz a quo, quanto à verificação do perigo de perturbação da tranquilidade pública, assenta no tipo de crime cuja prática considerou indiciada - homicídio qualificado, o que é de todo ilegal.

7. A interpretação da Mm. ª juiz a quo no que aos perigos elencados no art.º 204º julgou verificados é inconstitucional, porquanto colide com o princípio da presunção de inocência do arguido constitucionalmente consagrada (artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

8. Como refere Vítor Sequinho dos Santos, Medidas de Coacção, Revista do CEJ, 1º semestre de 2008, nº 9 Especial, pág. 131, “mesmo anteriormente à Lei nº 48/2007, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devia ser entendido como reportando-se ao previsível comportamento do arguido e não ao crime por ele indiciariamente cometido e à reacção que o mesmo pudesse gerar na comunidade. A nova redacção da al. c) do art. 204º veio afastar qualquer possível dúvida sobre este aspecto, apontando claramente no sentido que já antes era correcto.” Ou seja, exige-se que “haja perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas devido a um previsível comportamento futuro do arguido.”

9. Neste sentido veja-se a decisão proferida no Processo n.º 165/18.5PGSXL-AL1 do Tribunal da Relação de Lisboa, cujo acórdão está disponível em www.dgsi.pt; Acórdão Tribunal da Relação de Évora – Processo n.º 523/21.8GHSTC-A. E1, disponível em www.dgsi.pt e Acórdão Tribunal da Relação de Évora – Processo n.º 90/20.9GFELV-A. E1, disponível em www.dgsi.pt

10. O despacho recorrido, aplicou a prisão preventiva ao arguido para a satisfação de finalidades de prevenção geral e mesmo de retribuição, finalidades essas que são completamente ilegítimas porque típicas das reações criminais e não meras exigências processuais de natureza cautelar.

11. Nessa medida, contraria a presunção de inocência do arguido constitucionalmente consagrada (artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

12. No despacho recorrido não é indicado um previsível comportamento do arguido, mas sim o crime por ele indiciariamente cometido e a reação que o mesmo poderá gerar na comunidade, pelo que não poderá julgar-se verificado o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas.

13. Porque o conceito de perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas tem um sentido prospetivo, referindo-se ao temor de uma ulterior prática pelo arguido de crimes graves contra a paz pública, consideramos que tal perigo não existe no caso concreto, pelo que, não constitui fundamento de aplicação da medida de coação de prisão preventiva, impondo-se a revogação do despacho recorrido.

14. No que se refere à existência do perigo de perturbação do decurso do inquérito, em especial para a conservação ou veracidade da prova infere-a a MM.ª Juiz de Instrução do “comportamento ilícito dos arguidos”, qualificando-os com personalidade violenta – conclusão que não assenta em qualquer elemento de prova, resultando somente do comportamento ilícito dos arguidos.

15. Esta genérica afirmação não suporta, porém, a verificação de tal periculum libertatis

Com efeito, os pericula libertatis referidos nas diversas alíneas do art.º 204º, têm de ser reais, assentes em factos concretos e não em abstratas asserções ou meros juízos de valor, como revela o despacho recorrido.

16. O perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, para a conservação ou veracidade da prova terá de suportar-se em factos que indiciem a atuação do arguido com o propósito de prejudicar a investigação.

17. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., p. 245, importa ter “muito cuidado na aplicação de medidas de coacção com fundamento no perigo para o inquérito ou a instrução do processo, pela invocação de perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, pois é necessário evitar o risco de que com tal pretexto se confunda e prejudique a legítima actividade defensiva do arguido, traduzida nomeadamente na investigação e recolha de meios de prova para a sua defesa, actividade que o arguido deve poder exercer com a maior liberdade e amplitude [...] Deve ainda considerar-se que, em geral, o perigo de perturbação da instrução do processo é maior nas fases preliminares do processo e nestas sobretudo na fase do inquérito e ainda quando são poucos os meios de prova que indiciem a responsabilidade do arguido. Será, em regra, mais difícil ao arguido perturbar a instrução do processo quando dos autos constem já os meios de prova que indiciem fortemente a sua responsabilidade, o que não significa que, em razão da natureza do crime e dos meios de prova recolhidos, essa perturbação não possa verificar-se em fases posteriores; o perigo tem, pois, de ser apreciado perante as circunstâncias concretas de cada processo”.

18. A imputação do ilícito penal ao arguido (e aos seus co - arguidos) assentou fundamentalmente, nas declarações prestadas por algumas testemunhas, interceções telefónicas e ao resultado das mesmas, localização celular dos telemóveis dos arguidos, apreensões efetuadas, e, declarações de um dos arguidos.

19. Não se vislumbra com que fundamento possa acolher-se o receio de que o arguido tente destruir a prova obtida através das escutas telefónicas e das apreensões efetuadas e das declarações do co-arguido prestadas perante Juiz, ou da localização celular dos telemóveis.

20. Ainda que não se excluísse a possibilidade de o arguido, em liberdade, vir a exercer pressões sobre as testemunhas, tal não basta, nem as naturais dificuldades de investigação do crime nem a mera possibilidade de o arguido agir no sentido de prejudicar a investigação para que, sem mais, possa afirmar-se a existência do perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução.

21.Efetivamente, ainda na mesma lição do Prof. Germano Marques da Silva, “sendo possível, na generalidade dos casos, que o arguido desenvolva uma actividade no sentido de prejudicar a investigação, não basta, porém, a mera probabilidade de que tal aconteça. É necessário sempre, como também relativamente aos demais pressupostos das medidas de coacção, que em concreto se demonstre esse perigo pela ocorrência de factos que indiciem a actuação do arguido com esse objectivo e que não seja possível com outros meios obstar a essa perturbação.

Os abundantes meios de que dispõem hoje as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal para investigar os crimes e sobretudo a sua utilização diligente e inteligente são em geral bastantes para obstar a que o arguido possa por si perturbar o decurso do processo”.

22. O despacho recorrido não aponta qualquer facto concreto que indicie ter o arguido em preparação ou em marcha ou simplesmente em projeto qualquer das condutas acima referidas, concretamente contactar as testemunhas de modo a lograr o silêncio das mesmas.

23. Conclui-se, pois, pela inexistência, em concreto, do invocado perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a conservação e veracidade da prova impondo-se a revogação do despacho recorrido.

24. Não se verificando nenhum dos perigos enunciados no despacho recorrido, que fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coação, não se mostram verificados os pressupostos para aplicação da medida de coação de prisão preventiva (cfr. art.º 204.º do CPP), pelo que deverá o despacho recorrido ser revogado, sendo o recorrente restituído à liberdade.

25. O Tribunal a quo invoca o perigo de continuação da atividade criminosa, para concluir pela insuficiência da medida de coação de permanência na habitação para acautelar tal perigo.

26. Ora, por um lado o Tribunal a quo não pondera a suficiência de tal medida em face dos perigos que julgou verificados no caso concreto, veja-se que não deixa qualquer dúvida o Tribunal a quo no despacho recorrido acerca dos perigos que julgou verificados, cuja fundamentação supra se transcreveu (perigos de perturbação da tranquilidade pública e perigo para a conservação ou veracidade da prova, elencados nas als. b) e c) do art.º 204.º do CPP);

27. Assim, à luz dos perigos que o Tribunal a quo julgou verificados, não deu cumprimento ao princípio da subsidiariedade, não ponderando a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação.

28. Por outro lado, não resulta de qualquer forma fundamentado o considerado perigo de continuação da atividade criminosa, não resulta sustentado por qualquer factualidade, o que de resto sucede quantos aos demais perigos considerados verificados pelo Tribunal a quo, pelo que à semelhança dos demais perigos convocados no despacho recorrido, não se verifica tal perigo.

29. Pelo exposto, entende o recorrente não ter a MM. ª Juiz observado os princípios e regras subjacentes à aplicação da prisão preventiva, o que torna a mesma ilegal, por violação, entre outros, dos art.º s 28.º n.º 2 e 32.º n.º 2 da CRP, 191.º n.º 1, 193.º, 202.º e 204.º todos do CPP.

30. Sem prescindir nem conceber, subsidiariamente sempre se dirá;

31. Sendo entendimento de que se mostram verificados, os pressupostos de aplicação de uma medida de coação para além do TIR, há que averiguar qual das medidas – obrigação de permanência na habitação ou prisão preventiva – se mostra idónea à salvaguarda das exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido.

32. Uma medida é adequada se com a sua aplicação se realiza ou facilita a realização do fim pretendido e não o é se o dificulta ou não tem absolutamente nenhuma eficácia para realização das exigências cautelares.

33. Não se olvida que a prisão preventiva realiza mais eficazmente o fim pretendido, não é, porém, menos certo que a obrigação de permanência na habitação realiza suficientemente – e sem alguns dos mais graves inconvenientes àquela medida apontados – o mesmo fim.

34. De resto, a obrigação de permanência na habitação é uma espécie de prisão preventiva domiciliária, pois que tem os mesmos efeitos da prisão preventiva e, mais, a fiscalização policial da execução da medida, através de vigilância eletrónica, garante a salvaguarda dos elencados perigos.

35. E a prisão preventiva não pode servir para suprir ou compensar hipotéticas falhas de “fiscalização policial” a que se encontra sujeita a obrigação de permanência na habitação, ou para poupar a incómodos as autoridades a quem compete exercer a fiscalização.

36. Assim a medida de obrigação de permanência na habitação mostra-se adequada às exigências cautelares.

37. Afinal, a obrigação de permanência na residência configura-se (e assim é entendida, segundo cremos, pela generalidade das pessoas) como uma prisão preventiva domiciliária, tão acentuado é o paralelismo entre o seu regime e o da prisão preventiva (daí que a obrigatoriedade de reexame trimestral da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, imposta pelo artº 213º, seja aplicável à obrigação de permanência na habitação), sendo os mesmos os efeitos de uma e de outra.

38. Acresce que, como se refere no despacho recorrido, a verdade é que os elementos constantes dos autos não permitem ainda e com clareza distinguir a intensidade do comportamento e participação de cada um dos arguidos nos factos ilícitos.

39. O Tribunal a quo, devia ter optado pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação, por força da subsidiariedade da prisão preventiva.

40. Como escreve Germano Marques da Silva, “não pode nunca esquecer-se o princípio constitucional da presunção de inocência que impõe que as medidas de coacção e de garantia patrimonial sejam na maior medida possível compatíveis com o estatuto processual de inocência inerente à fase em que se encontram os arguidos a quem são aplicadas e por isso que, ainda que legitimadas pelo fim, devam ser aplicadas as menos gravosas, desde que adequadas”, como é o caso vertente.

41. Com o devido respeito, o tribunal a quo não respeitou o princípio da subsidiariedade, bem como o princípio da presunção de inocência consagrado no n.º 2, do art.º 32.º da CRP, de que aquele é uma emanação.

42. De facto, resulta inequívoco que as necessidades cautelares que a prisão preventiva pretende proteger, podiam ser igualmente alcançadas através de outra medida de coação menos gravosas.

43. Assim, no presente caso, com vista a acautelar o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade pública e de conservação ou veracidade da prova, alegado no despacho recorrido, seria de aplicar ao arguido a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, prevista no art.º 201.º do CPP.

44. O douto despacho recorrido fez incorreta apreciação da Lei e violou o art.º 32.º nº 2, e o art.º 27.º e o art.º 28.º da Constituição da República Pública, e os artigos 191.º, 193.º, 201.º, 202.º e 204º do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida que decretou a prisão preventiva do recorrente, por não se verificarem os pressupostos para a sua aplicação, restituindo o arguido à liberdade;

Caso, assim não se entenda deverá a medida de coação de prisão preventiva ser substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, prevista no art.º 201.º n.º 1 e n.º 3 do CPP, assim se respeitando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!”

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.

O recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art. 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do C.P.P., cumpre agora apreciar e decidir.

***

Resulta dos autos que:

- No dia 17 de Dezembro de 2022, o arguido/recorrente AA foi submetido a primeiro interrogatório perante a Mmª Srª. Juiz a qual, findo o mesmo, proferiu despacho, determinando-lhe a medida de coacção de prisão preventiva. Como já se referiu, é do mencionado despacho que ora se recorre.

***

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO

Importa agora curar do mérito do recurso, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).

A questão essencial suscitada pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) é a seguinte:

-

- Se o despacho que aplicou ao Arguido a medida de coacção de prisão preventiva violou o disposto nos artigos 28º, nº2 e 32º, nº2 da C.R.P. e artigos 191º, nº1, 193º, 202º e 204º, todos do Cód. de Proc. Penal já porque, não se verificam os perigos invocados no despacho recorrido, já porque, a verificarem-se os mencionados perigos a medida coactiva mais adequada e proporcional seria a de permanência na habitação com vigilância electrónica.

Apreciando:

1. Nos termos do disposto no Art.º 27º da C.R.P., todos têm direito à liberdade e à segurança, exceptuando-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 desse preceito.

Do cit. Art.º 27º da Constituição da República resulta que, «em princípio (ressalvadas as excepções previstas no nº 3), as medidas de privação da liberdade, seja total, seja parcial (prisão, semidetenção, regime de prova, liberdade condicional, internamento, etc.), só podem resultar, conforme os casos, de condenação por acto punido com pena de prisão, ou de aplicação de medida de segurança (nº 2), isto é, só podem decorrer de sanção penal ou seu substituto em caso de pessoas inimputáveis» (GOMES CANOTILHO – VITAL MOREIRA, in “Constituição da República Portuguesa anotada”, 2ª Ed., I vol., 1984, p.199).

Por isso, a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei (art.º 28º, n.º 2, da CRP).

De resto, excepção feita ao termo de identidade e residência, todas as medidas de coacção (e não apenas a prisão preventiva) estão subordinadas aos princípios da adequação e da proporcionalidade (art.º 193º n.º 1, do CPP).

Finalmente, não deve ser aplicada qualquer medida de coacção quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (art.º 192º, n.º 2, do mesmo Código), «condição negativa que vale tanto para o caso em que existam ou não indícios da prática de crime» (GERMANO MARQUES DA SILVA, in “Curso…” cit., Vol. cit., p.238).

Quanto à prisão preventiva, tem – como vimos – natureza residual, só podendo ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção (cit. art.º 28º, nº 2, da CRP e art.º 193º, n.º 2, do CPP).

Daí que a mesma só possa ser aplicada quando houver fortes indícios da prática de um crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos ou de crime doloso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos ou, ainda, se se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permanecido irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão – art.º 202º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do C. P. Penal.

Encontra-se, ainda, condicionada (como aliás todas as medidas de coacção, à excepção da prestação de termo de identidade e residência) à verificação objectiva de, pelo menos, um dos requisitos especificados nas três alíneas do Art.º 204º do supra aludido Código.

Assim, a prisão preventiva só pode ser decretada se se verificarem em concreto os requisitos especiais do Art.º 202º, n.º 1, alíneas a) a f) do C. P. Penal e os gerais do Art.º 204º, alíneas a), b) ou c) do mesmo diploma legal, quando se considere inadequada ou insuficiente a aplicação de qualquer outra das restantes medidas de coacção.

Ao arguido ora recorrente foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva porque a Exma. Juiz a quo entendeu inadequadas e insuficientes as demais medidas e verificados os requisitos gerais e especiais da sua imposição.

O recorrente impugna esse despacho, pelas várias razões já elencadas nas conclusões acima transcritas.

«Ora, com interesse para o caso sub judicio, pode-se afirmar que há fortes indícios da prática de infracção quando se encontra comprovada a existência do crime e existem indícios suficientes da sua imputação ao arguido.

A expressão “fortes indícios” significa, pois, que embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é, pelo menos, necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição (cfr. Acórdão n.º 12179/01-5, de 15-01-2002, da 5ª Secção deste Tribunal)». (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Proc.nº118/10.1JBLSB-D.L1) ».

Nestes termos, resulta, desde logo, que, em momento não concretamente apurado do período compreendido entre o dia 26 de Novembro de 2022 e o dia 1 de Dezembro de 2022, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, formularam o propósito de tirar a vida a FF, porquanto este havia retirado e feito seus objectos que pertenciam a CC e também a AA, agindo sem o conhecimento e autorização destes e também porquanto o referido FF não pagou à CC o produto estupefaciente que havia adquirido a este pelo valor de €10. Assim, no dia 2 de Dezembro de 2022, em momento anterior às 20h00, na concretização de plano previamente gizado entre todos os arguidos, os arguidos CC e DD contactaram telefonicamente com a vítima FF, tendo combinado que este se deslocaria à habitação daqueles, sita na …, local de …, em área do município de …. Pelas 21h22, no interior da habitação descrita em 2.º, os arguidos identificados em 1.º agarraram na vítima FF e utilizando objecto ainda não identificado, mas semelhante as umas abraçadeiras de plástico ou nylon, prenderam os pulsos da vítima com os braços atrás das costas. Ao agarrarem no FF e ao prenderem os pulsos do mesmo e ao forçarem a colocação dos braços atrás das costas, os arguidos provocaram dores e lesões no corpo do referido FF, nomeadamente um hematoma na zona do pulso direito. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido EE empunhava um objecto com as características de uma pistola de pequenas dimensões, o arguido AA tinha na sua posse um objecto com as características de uma espingarda caçadeira e o arguido BB tinha também nas suas mãos uma espingarda caçadeira. Em seguida, os arguidos colocaram a vítima FF dentro de um veículo automóvel e levaram a mesma até perto de um caminho de terra batida próximo do …, na …, em …. Chegados a esse local, a hora não determinada, os arguidos agarraram no FF e retiraram-no do interior do veículo, levando-o para um local ali perto sito nas coordenadas … N – …W, colocando-o de joelhos e ainda amarrado com os braços atrás das costas, ficando todos os arguidos junto ao mesmo. Nessas circunstâncias de tempo e local, os arguidos tinham na sua posse dois objectos com as características de arma de fogo e aptas a disparar munições. Assim, utilizando tal arma, um dos arguidos apontou a arma para a zona do pescoço de FF e disparou uma munição atingindo-o nesse local. Em seguida, um dos outros arguidos que empunhava a outra arma apontou-a para a zona occipital direita da cabeça de FF e disparou uma munição com a dita arma, atingindo o FF nessa zona. Devido a tal conduta, FF ficou com as seguintes lesões: a. No pulso direito – uma marca compatível (hematoma) com eventual constrição dessa zona, nomeadamente vestígios de pressão ligeira (possivelmente por cima da roupa); b. Na zona da cabeça eram visíveis dois ferimentos: um orifício na zona occipital direita, de bordos irregulares, estrelado, com dimensões de 6,5cm x 5cms, aparentando tratar-se do orifício de entrada de projéctil disparado por arma de fogo; outro orifício na zona temporal esquerda, que pelas suas características de bordos irregulares e contundentes, de dimensões 5x3,5cm, contribui para que se conclua tratar-se do orifício de saída do aludido projéctil; fratura do crânio; c. No pescoço - desde a zona central até à zona lateral direita, existia um ferimento grave, de recorte irregular e profundo, de 14cms de comprimento, sendo que relativamente a este ferimento verificou-se ainda o seguinte: a. Fractura do hioide com infiltração dos tecidos; b. Lesão no pescoço compatível com uma trajectória da esquerda para a direita e ligeiramente de baixo para cima, lesão essa que afectou a traqueia, produzindo extensa hemorragia. FF morreu na sequência das lesões causadas pelos disparos efectuados pelos arguidos. Ao agir da forma descrita em 3.º e 4.º, os arguidos quiseram molestar o corpo e a saúde do FF. Os arguidos agiram da forma descrita, bem sabendo que dessa forma impediam o FF de se movimentar, contra a sua vontade, obrigando-o a acompanhá-los sem o seu consentimento. Não ignoravam os arguidos que ao agiram dessa forma, em comunhão de esforços e intentos, o privavam, contra a vontade e por período de tempo injustificável, do seu direito ambulatório. Os arguidos ao actuar da forma descrita, disparando munições na direcção do corpo de FF, quiseram provocar-lhe a morte, bem sabendo que atento os instrumentos empregues tal resultado era provável, o que quiseram, manifestando assim desrespeito e desprezo pela vida humana e sofrimento alheios. Os arguidos agiram movidos pelo desejo de vingança decorrente do facto de o falecido lhes ter anteriormente retirado objectos. Mais sabiam os arguidos que, em todas as situações supra descritas, se encontravam em maior número relativamente ao falecido e que o facto de actuarem em conjunto diminuía consideravelmente a capacidade de defesa daquele. Os arguidos agiram com uma total insensibilidade e indiferença pela vida da vítima, tendo decido matá-la em dia anterior ao dia 1 de Dezembro de 2022 e pensado na forma de o fazer, ao preparar as armas. Os arguidos mantiveram essa intenção ao longo de todo esse tempo até ao momento do disparo. Exceptuando o arguido AA, nenhum dos outros arguidos tinha licença de uso e porte de arma que lhes permitisse ter as armas em causa. Os arguidos EE e BB sabiam que para ter na sua posse, utilizar e trazer consigo uma arma, e respectivas munições, com as características das acima referidas, que bem conhecia, necessitavam de ser titulares de licenças de uso e porte de arma passadas pelo organismo competente e não obstante agiram da forma descrita, detendo e utilizando as referidas armas. Os arguidos agiram sempre, em comunhão de esforços e intentos, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

*

Perante tal factualidade, só se torna possível concluir existirem fortes indícios de que o arguido/recorrente terá praticado um crime de homicídio qualificado, previsto nas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 131.º e 132.º, n.º1 e 2, als. e), h) e j) do Código Penal em conjugação com o art.º 86.º, n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02; um crime de sequestro, previsto nas disposições conjugadas dos artigos 26.º e 158.º, n.º1 do Código Penal, em conjugação com o art.º 86.º, n.º 3 da Lei 5/2006 de 23.02 e um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 26.º, 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, al. a) e n.º2 e 132.º, n.º2, als. e), h) e j) do Código Penal.

No entanto, para ser ordenada a prisão preventiva exige-se, como já se salientou, a verificação, em concreto, de algum dos requisitos gerais estabelecidos no Art.º 204º do C. P. Penal, sendo certo que a prevenção dos aí apontados perigos tem de estar conexionada com os crimes indiciados.

A Mm. ª Juiz de Instrução Criminal fundamentou a aplicação da sobredita medida de coacção com base na existência dos seguintes perigos: perigo para a conservação ou veracidade da prova – cf. art. 204.º, al. b), do CPP e perigo de perturbação da tranquilidade pública - cf. art. 204.º, al. c), do citado diploma legal.

No caso, perante os factos fortemente indiciados entendemos que sobressaem dos autos elementos concretos, que permitem afirmar a existência dos enunciados perigos.

A al. b) do art.º 204º do C.P.P. reporta-se à existência de “Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova”, circunstâncias essas que se devem verificar em concreto, como decorre do proémio deste preceito.

Este perigo de perturbação diz respeito às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas e consiste no risco, sério e actual, de ocultação ou alteração das mesmas por parte do arguido.

Ora, atentos os elementos carreados para os autos até à data da prolação do despacho sob censura, importa referir que o perigo de perturbação do inquérito, que o despacho recorrido considerou existir na vertente de perigo para a conservação ou veracidade da prova, mostra-se indiciado.

É que, não estando a investigação finda, como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público, nas suas contra motivações de recurso –, «… existem testemunhas fulcrais cujos depoimentos são essenciais para se perceber o envolvimento dos vários arguidos na prática dos factos. A violência com que o crime foi praticado também permite reforçar a séria probabilidade de verificação do perigo, uma vez que arguido que tiveram o sangue frio para assassinar a vítima, também certamente não se coibirão de exercer pressão sobre as testemunhas, utilizando todos os meios necessários. Quem congemina um plano como o descrito e o concretiza da forma apurada, certamente não terá pejo em recorrer a todos os meios possíveis para se eximir da sua responsabilidade criminal.”

Na verdade, encontrando-se o inquérito ainda a decorrer e tendo o recorrente sido colocado a par de dados relevantes do iter investigatório, há perigo – seja pelo constrangimento de testemunhas, seja pelo descaminho de novos elementos de prova - pelo menos existia à data em que foi aplicada a medida de coacção para a conservação ou veracidade da prova.

Por sua vez, do compulsar do processo sobressai, a real existência de perigo de perturbação grave da tranquilidade pública.

«O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas deverá sustentar-se em factos dos quais seja possível inferir que a permanência do arguido em liberdade é potencialmente geradora de tal perturbação e deverá reportar-se ao previsível comportamento do arguido no futuro imediato e não ao crime por ele indiciariamente cometido, nem à reação que possa gerar-se na comunidade.

A especial relevância dada pela comunicação social ao crime imputado ao arguido, em consequência da frequência com que o mesmo tem vindo a verificar-se na sociedade portuguesa, ou as reações emotivas que o mesmo provoca na comunidade local, não são fatores sérios de perturbação da ordem e da tranquilidade pública e muito menos poderão servir como fundamento para coartar a liberdade de uma pessoa que se presume inocente».(Ac. Relação de Évora de 23-11-2021, in www.dgsi.pt:)

Ora, como pertinentemente observa o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, «Não desconhece o ora signatário os doutos acórdãos mobilizados pelo Recorrente AA, nem ignora o artigo elaborado por Vítor Sérgio Sequinho dos Santos mobilizado pelo Recorrente. Todavia, quanto aos Acórdãos mobilizados, os mesmos não retratam qualquer situação da vida semelhante àquela que temos perante nós neste processo, pelo que apenas comungamos dos mesmos princípios mobilizados por esses Venerandos Desembargadores, mas não podemos trasladar as conclusões que os mesmos adoptaram para esses casos para o nosso pedaço de vida (ou mais propriamente de morte).

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Com efeito, a conclusão da existência do perigo em análise não radica no tipo de crime, ou seja, não é pelo facto de se concluir pela prática de um crime de homicídio qualificado que, por si e automaticamente, se chegará à conclusão de verificação desse perigo. Todavia, o modo como o crime foi concretizado, os meios utilizados e os objetivos visados têm obviamente de servir para densificar a personalidade dos arguidos. A perversidade e a futilidade dos fins que motivaram o assassinato de FF tem de servir como manifestações exteriores da personalidade dos arguidos. Ali, naquelas circunstâncias de tempo e lugar descritas, os arguidos revelaram a sua falta de pudor em seguir as mais basilares regras de vivência em sociedade e demonstraram um sangue frio impressionante e uma actuação metódica na concretização da morte do falecido FF. Daí que não possamos concordar com o recorrente AA na parte em que refere que não existe «temor de uma ulterior prática pelo arguido de crimes graves contra a paz pública».

Com efeito, considerando os traços de personalidade do Recorrente que se deixaram referidos, sendo razoável admitir que outras situações idênticas às dos autos, isto é, outras situações de dívidas relacionadas com transações de estupefaciente possam ocorrer, é razoável admitir a assunção de comportamentos com idêntica violência e igualmente atentatórios do direito à vida.

Pelo que temos por verificado o perigo em análise, ainda que por razões não completamente coincidentes com as que constam da decisão recorrida.

Sugere o Recorrente a aplicação (alternativa à prisão preventiva) da obrigação de permanência em habitação com vigilância electrónica.

Liminarmente diremos que essa medida se mostra, no caso concreto, desadequada e insuficiente, para acautelar os perigos referidos.

Na verdade, tendo em conta a personalidade do arguido e os factos concretos indiciados, é para nós patente a possibilidade do mesmo, não obstante sujeito à obrigação de permanência em habitação com vigilância electrónica, continuar a adoptar condutas violentas.

Nestes termos, tendo em conta o modo de cometimento dos crimes indiciados e a real existência dos apontados perigos, que importa afastar, é forçoso concluir que se evidencia imprópria, no caso sub judice, a aplicação de outra medida de coacção que não a prisão preventiva, falecendo, por isso, toda a argumentação do recorrente em sentido contrário.

Respeitou, pois, a decisão recorrida os princípios da necessidade, da adequação, da proporcionalidade, da subsidiariedade e da precaridade, não tendo sido violados os preceitos indicados, ou quaisquer outros, de natureza processual penal e/ou constitucional.

Eis por que o presente recurso irá improceder.

DECISÃO

Mantém-se o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente fixando-se em 4UC´s a taxa de justiça devida.

Évora, 18 /04/ 2023