Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6882/12.6TBSTB-A.E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: DÍVIDA AO ESTADO
EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O conhecimento oficioso da prescrição de uma dívida por contribuições de Segurança Social não é reservado aos processos de execução fiscal; como tal, é eficaz, também, em sede do apenso de reclamação de créditos (processo comum); a “unidade do sistema jurídico” assim o exige.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação nº 6882/12.6 TBSTB-A.E1




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório


Por apenso à ação executiva para pagamento de quantia certa, em que é exequente o Banco (…), S.A. e executado, entre outros, (…), veio o Instituto da Segurança Social, I.P. - Centro Distrital de Leiria deduzir reclamação relativa a contribuições devidas pelo referido executado, ao abrigo do Regime dos Trabalhadores Independentes, referentes aos períodos compreendidos entre abril de 2003 a dezembro de 2004, maio e junho de 2008 e abril de 2010 a junho de 2011, no montante de € 3.182,58, acrescida de juros vencidos e vincendos – aqueles no valor de € 1.148,74, com referência a abril de 2013 – crédito que foi reconhecido e graduado em primeiro lugar, com exceção das quantias respeitantes a abril de 2003 a dezembro de 2004, por se encontrarem prescritos os valores antes mencionados.


Inconformada com a sentença, recorreu o reclamante, culminando as suas alegações, com as seguintes “conclusões”:

- As presentes alegações referem-se ao recurso interposto da sentença que não reconheceu os créditos reclamados, referentes ao período contributivo de abril de 2003 a dezembro de 2004, provenientes de contribuições e juros de mora devidos pelo executado/reclamado, por entender que os mesmos se encontram prescritos;

- Discorda o recorrente da decisão proferida, por entender que também tais créditos devem ser reconhecidos a par dos demais créditos reclamados e já devidamente reconhecidos e graduados;

- Conforme dispõe o artigo 303º. do Código Civil, “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita…”;

- Tal normativo é aplicável aos créditos da Segurança Social;

- A prescrição constitui exceção perentória, a qual tem se ser invocada, de acordo com o estabelecido nos artigos 571º. e 572º. do Código de Processo Civil;

- Não tendo o executado invocado tal exceção, não podia o tribunal conhecer da mesma;

- As exceções perentórias não são suscetíveis de ser apuradas num simples juízo de análise do título executivo conforme artigos 579º. e 726º, nº 2, b) do Código de Processo Civil;

- O Tribunal a quo não tem, no caso em apreço, competência em razão da matéria para conhecer oficiosamente da prescrição das dívidas, designadamente do crédito reclamado correspondente às contribuições dos meses de abril de 2003 a dezembro de 2004;

- O Tribunal a quo limitou-se a aplicar o prazo prescricional, não tendo sido dada a possibilidade ao reclamante de exercer o contraditório, a fim de se levar em consideração eventuais causas de suspensão ou interrupção do prazo prescricional;

- Ademais, os créditos reclamados não foram objeto de qualquer impugnação, conforme refere a própria sentença recorrida, pelo que se verifica uma situação de revelia operante, não se vislumbrando qualquer das situações previstas no artigo 568º. do Código de Processo Civil;;

- Assim, não existindo fundamento para que o Tribunal a quo indefira liminarmente o requerimento de reclamação de créditos, nos termos do disposto no artigo 726º. do Código de Processo Civil, devem os créditos reclamados ser reconhecidos e, consequentemente, graduados, considerando o montante total reclamado pelo ora recorrente, em conformidade com o nº 4 do artigo 791º. do Código de Processo Civil;

- Nestes termos, e por todo o supra exposto, é de concluir que, não tendo sido impugnados os créditos reclamados pela Segurança Social e não sendo a exceção da prescrição de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal a quo deixar de reconhecer o montante total dos créditos reclamados;

- Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a sentença recorrida a Lei, em particular o nº 4 do artigo 791º. e artigo 579º. do Código de Processo Civil, bem como o artigo 303º. do Código Civil;

- Devendo, em consequência, considerar-se a sentença nula nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º. do Código de Processo Civil;

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, quanto ao não reconhecimento e consequente não graduação, do crédito reclamado, referente ao período contributivo de abril de 2003 a dezembro de 2004, devendo o mesmo ser verificado, reconhecido e graduado no mesmo lugar dos demais créditos reclamados pelo ora recorrente.


Inexistem contra-alegações.


Face às conclusões das respetivas alegações, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se o Tribunal recorrido podia ou não, face à não impugnação do crédito reclamado, considerar prescritas as contribuições referentes ao período contributivo de abril de 2003 a dezembro de 2004.


Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


A - Os factos


A.a - Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos:


- Corre termos sob o nº 6882/12.6 TBSTB, ação executiva, intentada pelo Banco (…), S.A. contra (…), (…) e (…), tendo sido realizada penhora, registada em 4 de março de 2013, do prédio misto, sito na freguesia de (…), concelho da (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da (…) sob o nº (…), e inscrito na matriz predial sob os artigos matriciais (…) e (…);


- O executado é contribuinte do Centro Distrital de (…), onde se encontra inscrito como trabalhador independente;


- O executado é devedor da quantia de € 3.182,58, a título de contribuições ao ISSS, como trabalhador independente, referentes aos meses de abril de 2003 a dezembro de 2004 e junho de 2008, abril de 2010 a junho de 2001, a que acrescem juros de mora no montante de € 1.148,74, contados até abril de 2013.


A. b - A reclamação deduzida pelo Instituto da Segurança Social, I.P. não foi impugnada, quer pelo exequente, quer pelos executados.


B - O direito


- O juiz deve conhecer “(…) de todas questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”; por isso, o conhecimento de exceção cujo conhecimento lhe estava vedado constitui nulidade[1];


“A regra é o tribunal da relação substituir-se ao tribunal de 1ª instância, quando tenha ocorrido algumas das nulidades do art. 668-1, alíneas b) a e)” [2];


- Ao contrário da dívida comum - em que a prescrição, para ser eficaz, carece de ser invocada por aquele a quem aproveita - “uma dívida à Segurança Social (…) está sujeita a uma prescrição oficiosa, isto é, eficaz independentemente da sua invocação” [3];


- O tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias, cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado[4].


C- Aplicação do direito


Dúvidas inexistem que as contribuições à Segurança Social devidas pelo executado/reclamado (…), referentes ao período contributivo de abril de 2003 a dezembro de 2004, se encontram prescritas.


Pacífica é também a circunstância de a prescrição não ter sido invocada.


Encontrando-se uma devida à Segurança Social sujeita a prescrição oficiosa, “a unidade do sistema jurídico” exige que a mesma seja eficaz, tanto no processo tributário, como no processo comum. Na verdade, não faz sentido que encontrando-se a administração tributária impedida obter a cobrança das contribuições em causa, através do processo tributário, o possa fazer em sede de processo comum, como é o caso dos autos.


Equivale isto a dizer que “o conhecimento oficioso da prescrição de uma dívida por contribuições de segurança social não é reservado aos processos de execução fiscal”.


Assim sendo, cabia ao Tribunal recorrido conhecer da prescrição, razão pela qual não ocorreu a nulidade invocada.


Decisão


Pelo exposto, decidem os juízes desta Relação, julgando improcedente o recurso, manter a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.

Évora, 26 de Março de 2015

Sílvio José Teixeira de Sousa

Rui Manuel Machado e Moura

Maria da Conceição Ferreira

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[1] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 704, e artigos 660º., nº 2 e 668º., nº1, d) do Código de Processo Civil.

[2] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, tomo I, 2ª edição, pág. 131, e artigo 665º., nº 1 do Código de Processo Civil (antigo artigo 715º., nº 1).

[3] Artigo 175º., nº 1 do Código de Processo e do Procedimento Tributário e acórdão da Relação do Porto, de 3 de dezembro de 2013 (processo nº 6007/08.2 TBMAI-A.P1), in www.dgsi.pt..

[4] Artigo 496º. do Código de Processo Civil (redação anterior a setembro de 2013).