Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
126/12.8TBSLV.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: TERRAÇOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A indicação genérica ou, na terminologia da lei, não concretizada, dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, dos meios de prova ou das gravações que suportam a divergência ou, enfim, da decisão que sobre os mesmos deva incidir, não cumprem as condições de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto e determinam a rejeição da impugnação.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 126/12.8TBSLV.E1

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório:
(…), casado, residente na Casa (…), (…), Silves, instaurou contra (…) – Cozinhas do (…), Lda., com sede na Rua (…), nº 2, r/c, Silves, ação declarativa com processo sumário.

Alegou, em resumo, que é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pela letra M, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua (…), nº 2, na freguesia e concelho de Silves, descrito na Conservatória Registo Predial sob o número (…) e inscrito na matriz sob o n.º (…) e que a Ré é proprietária da fração contígua, ambas servidas por terraços, afetos em exclusivo às referidas frações, que se encontram separados por um muro divisório.

A Ré procedeu à abertura, no muro divisório, de uma janela com vista exclusiva para o terraço da fração do A e colocou aparelhos de ar condicionado na parede exterior, cujo acesso só é possível, através de invasão do terraço da fração do A e converteu o seu terraço num escritório.

A abertura da janela configura uma obra ilegal, permite o acesso de estranhos ao terraço da fração do A e impede a respetiva moradora de usar terraço, passando esta a viver com receio e preocupação e ataques de pânico que originaram a necessidade de ajuda médica.

Com vista à resolução do litígio o A. despendeu as quantias de € 381,60 em deslocações, € 105,64 em cartas registadas e fotocópias, € 5481,36 em honorários a advogado e € 189,00 em custas de tribunal e quantifica em € 9.842,40 a indemnização devida a título de danos não patrimoniais.

Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 15.323,76, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais acrescida de juros e do pagamento da “quantia que vier a apurar-se, ainda, com os presentes autos”.

Contestou a Ré defendendo, em síntese, que o A. não tem legitimidade para reclamar danos de terceiros como reclama, argumentando que adquiriu a fração tal como se encontra e que não alterou nem construiu nada, impugnando a existência dos danos alegados pelo A. e sustentando que este, ao juntar aos autos fotografias de interiores de instalações suas, põe em causa a segurança das instalações da Ré e dos seus funcionários e viola o segredo profissional da Ré, causando-lhe danos.

Concluiu pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu a condenação do A. no pagamento da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização.

O A. respondeu à matéria da reconvenção por forma a defender a sua improcedência e requereu a intervenção de (…) e de (…) para, na qualidade de comproprietárias da fração “M” intervirem na causa ao lado do A.

Admitida a intervenção e citadas as chamadas fizeram seus os articulados apresentados pelo A.

2. Foi proferido despacho que não admitiu o pedido reconvencional, afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:

“(…) julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada e em consequência, decido absolver a Ré (…) – Cozinhas do (…), Limitada dos pedidos que, contra a mesma, foram deduzidos, nestes autos, pelos Autores (…), (…) e (…)”.


3. Os AA recorrem da sentença e formulam as seguintes conclusões:
“1 - Os recorrentes instauraram ação de responsabilidade civil para serem ressarcidos pelos danos que a conduta censurável da recorrida lhes provocou;

2 - O Tribunal “a quo” andou a discutir nos autos a altura de um muro e a ilegalidade da obra, quando a entidade administrativa competente já tinha decidido pela ilegalidade da obra;

3 - A prova gravada não é possível ser totalmente transcrita de forma percetível e audível, apesar dos esforços envidados, uma vez que existem trechos da gravação que são completamente imperceptíveis...;

4 - Por exemplo: Na inquirição do Arq. (…), existem partes do áudio de gravação que não se conseguem ouvir as respostas dadas pela testemunha, mais concretamente, do minuto 0:02 ao 0:06; 0:21 a 0:53; 1:02 a 1:16;

5 – Na inquirição do Arq. (…) nem o nome dado pela testemunha é percetível;

6 - O que leva a que a sentença proferida/recorrida seja declarada nula, e que seja determinado o regresso dos autos ao Tribunal recorrido, para novo julgamento, devidamente gravado, com prolação de nova sentença;

7 - Se este Douto Tribunal não o entender, então, que tenha em conta a existência de contradições entre a prova testemunhal realizada em audiência de discussão e julgamento e as ilações que o Tribunal “a quo” retirou em sede de sentença;

8 - A sentença aqui recorrida foi insensível ao sofrimento que os recorrentes suportaram com todo o litígio;

9 - A sentença não teve em atenção nem entendeu o tipo de comportamento levado a cabo pela recorrida ao longo de vários anos;

10 - Ficou provado pelos documentos juntos aos autos pela Câmara Municipal de Silves que o comportamento da recorrida se mostrou ilegal e ilícito, digno de juízos de censura;

11 - A recorrida foi instada pela entidade administrativa para agir dentro da legalidade e nunca o fez;

12 - A recorrida agiu com abuso de direito, violando de forma grave e reiterada os direitos dos recorrentes, o que os levou a sofrerem perdas patrimoniais para pugnarem pela defesa dos seus interesses;

13 - Ambas as frações são servidas por terraços, com uso exclusivo das mesmas, e encontram-se separadas por um muro divisório, sendo que os dois terraços cobrem a garagem do prédio;

14 - Os recorrentes, tal como a recorrida, adquiriram a fração ainda em construção;

15 - O projeto aprovado pela Câmara Municipal de Silves nunca foi alterado;

16 - Resulta do projeto que os terraços das frações M e B, seriam separados por um muro divisório;

17 - O projeto não contemplava a altura do muro, logo teria de ser aplicada a mesma altura dos restantes muros divisórios do prédio que seria de 1,80 a contar da cota mais elevada, ou seja, da fração M;

18 - A recorrida ainda em fase de construção e com a conivência do construtor decidiu construir um muro divisório com apenas 90 cm de altura a contar da cota mais elevada (fração M), tendo sido colocado sobre o muro uma janela em alumínio;

19 - Desta forma encerrou a abertura do terraço da fração B, para o exterior, em desconformidade com o projeto aprovado;

20 - Se a obra fosse edificada em total respeito pelo projeto aprovado nunca existiria servidão de vistas entre os dois terraços;

21 - Com a alteração levada a cabo pela recorrida ficou prejudicada a servidão de vistas, mesmo porque, foi colocada uma janela (art. 1360º C.C.);

22 - O objetivo da recorrida ao encerrar o terraço coberto localizado na parte tardoz da fração B foi converter esse espaço num compartimento fechado;

23 – Nessa divisória funcionava o escritório da recorrida onde a testemunha (…) alega ter lá trabalhado com mais uma colega e onde atendiam os clientes, cfr. resulta do seu depoimento que se encontra gravado (15/09/2016), sendo que também a testemunha (…) no seu depoimento prestado a 15/09/2016, declara que aquela divisória funcionava como um escritório e daí lhe ter sido pedido pela recorrida que fosse colocada uma janela para entrar mais luz;

24 - Sem o consentimento da assembleia de condóminos/administração do condomínio e dos recorrentes a recorrida decidiu instalar dois aparelhos de ar condicionado no muro do prédio;

25 - Para fazer a instalação, manutenção e retirar os aparelhos tinha obrigatoriamente que aceder ao terraço dos recorrentes, o que fazia sem qualquer pedido de autorização ou consentimento dos mesmos;

26 - A recorrida sobrepondo-se aos recorrentes autorizou os homens que instalaram os aparelhos de ar condicionado e que faziam a manutenção a pularem o muro para o terraço da fração M através da janela por forma a acederem aos aparelhos;

27 - Verificou-se que não era humanamente possível os homens conseguirem carregar aparelhos com cerca de 60 kg fazendo equilíbrio em cima de um muro divisório, e com uma janela em cima;

28 - Isto levou os recorrentes a interpelaram a recorrida para reporem a obra conforme o projeto aprovado pela Câmara Municipal;

29 - De acordo com o projeto aprovado teria de ser removida a janela e levantado o muro divisório até à altura de 1,80 a contar da cota mais elevada (fração M), cfr. o já esclarecido;

30 - Os recorrentes sempre privilegiaram o diálogo, tentando solucionar a questão pela via extrajudicial, o que não se mostrou possível devido à atitude intransigente da recorrida;

31 - Goradas todas as tentativas os recorrentes socorreram-se da Câmara Municipal de Silves através de participação feita a 26 de Novembro de 2009;

32 - A entidade administrativa realizou várias inspeções à fração B, tendo-se deparado com diversas alterações executadas em desconformidade com as licenças emitidas;

33 - Perante a inércia da recorrida os recorrentes colocaram uma rede de vedação em frente da janela de forma a evitar que estranhos invadissem o terraço da fração M;

34 - Em meados de 2011 a recorrida subiu o muro divisório até à altura de 1,80m e encerrou parcialmente o vão com alvenaria, para logo de seguida fechar o vão com um contraplacado de madeira;

35 - A 22 de Dezembro de 2016, os fiscais da Câmara Municipal de Silves em inspeção à fração B verificaram, mais uma vez, que a recorrida não tinha dado total cumprimento ao ordenado pela Câmara Municipal de Silves;

36 - A prova do comportamento censurável da recorrida e da sua culpa está patente no desrespeito pelas próprias decisões da entidade administrativa;

37 - A recorrida sempre pautou o seu comportamento pela indiferença e desrespeito pelas normas legais em vigor, e pelo total desprezo às ordens emanadas pela entidade administrativa – Câmara Municipal de Silves;

38 - Entendeu o Tribunal “a quo” que a questão a decidir se prende com “a) a Ré ser condenada a eliminar a janela que pretensamente construiu num muro divisório existente entre o seu terraço e o terraço dos autores”; “b) E se os autores têm direito a qualquer montante indemnizatório, por se verificarem, quanto à Ré, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.”;

39 - Os recorrentes não entendem a questão suscitada pelo Tribunal “a quo” em a), porque nada disso é peticionado, antes pelo contrário, na petição inicial é dito que a janela já tinha sido eliminada;

40 - Nos factos que o Tribunal “a quo” deu como provados, verificam-se várias contradições;

41 - A sentença recorrida considera provado que os terraços das frações B e M são de utilização exclusiva dessas frações, sendo que o terraço da fração M cobre a garagem do prédio, o que é falso porque ambos os terraços cobrem a garagem;

42 - A própria sentença recorrida em sede de motivação da matéria de facto diz que o espaço intervencionado pela Ré de acordo com o projeto aprovado pela Câmara Municipal de Silves, tem natureza de terraço ou logradouro, sendo que se tratam de terraços que se acham localizados por cima da garagem;

43 - Considerou o Tribunal “a quo” que “o terraço da fração B, de acordo com o projeto aprovado, consubstancia um espaço semiaberto, que deita diretamente para o terraço da fração M, sendo dotado de um guarda ou parapeito, com 90 cm de altura, a qual separa ambos os terraços.”;

44 - O Tribunal “a quo” não percebeu qual a altura que o muro divisório devia ter;

45 - No projeto aprovado não consta que o muro teria 90 cm de altura, logo a altura tinha de obedecer aos normativos legais, que consagram 1,80m;

46 - O Tribunal “a quo” considerou provado que a fração B foi fechada com a colocação em cima do muro de uma janela de alumínio, a qual posteriormente teria sido protegida com uma vedação em rede;

47 - Quem colocou a rede foram os recorrentes para que o terraço da fração M não continuasse a ser utilizado pela fração B sempre que era necessário aceder aos aparelhos de ar condicionado ou ir buscar algo que tivesse caído para o terraço da fração M;

48 - O Tribunal “a quo” considerou provado que “a 7 de Junho e 2011 foi retirada a janela e a vedação, tendo o vão, ou seja, a abertura própria do terraço, sido parcialmente encerrada em alvenaria e deixada uma pequena fresta.”;

49 - Mas essa chamada fresta foi fechada, com um aglomerado de madeira;

50 - O Tribunal “a quo” entendeu que a 21 de Novembro de 2008 a Assembleia de Condóminos tinha autorizado o fecho das marquises na traseira do prédio tendo como condicionante a cor castanha;

51 - O Tribunal “a quo” não podia ter aceite e dado como provado um documento que não obedece aos requisitos legais exigíveis em regime de propriedade horizontal para ter força probatória;

52 - O Tribunal “a quo” não podia ter aceite e dado como provado a declaração datada de 22 de Janeiro de 2010, onde alguns dos condóminos declaram ter aceite “(...) a inovação na fração A, tal como indicadora traseira que confina com o pátio ou logradouro da fração M, autorizando que a divisão entre ambas fosse complementada em alumínio, do muro e da altura existente, até na altura de 1,80 a partir da cota mais alta, ou seja, da fração M”;

53 - Mais uma vez, esta declaração não obedece a nenhum dos requisitos legais exigidos para que tenha força legal junto dos condóminos, nem sequer foi elaborada e aprovada em sede de Assembleia de Condóminos, logo não tem qualquer valor probatório para a decisão dos presentes autos, identificando erradamente a fração da ré em causa nos autos;

54 - O Tribunal “a quo”, no ponto 12, desvalorizou por completo a forma como a recorrida acedia ao terraço dos recorrentes, tendo validado e aceite que a recorrida acedesse a este sempre que o entendesse já que o dito terraço trata-se de uma parte comum, apesar de afeto ao uso exclusivo da fração onde se integra;

55 - Já o terraço da fração B propriedade da recorrida foi sempre por esta considerado como sendo um espaço “vedado ao público, privado e reservado”;

56 - A sentença recorrida nos factos não provados demonstra inconsistências e erros;

57 - Para o Tribunal “a quo” não ficou provada a existência “de um muro em alvenaria entre as frações e que a Ré tenha decidido transformar o muro numa janela de vidro, com abertura exclusiva para a fração M.”;

58 - A verdade é que ficou provado a existência do muro, vide o que a recorrida alega no art. 5º da sua contestação:“(...) pois a ré adquiriu a fração autónoma no estado em que se encontrava, isto é, muro a meia altura ou seja 0,90cm e depois janela até cima.”;

59 - No mesmo sentido, vai o ponto 1º dos factos considerados provados na sentença: “o terraço da fração B, de acordo com o projeto aprovado, consubstancia um espaço semiaberto, que deita diretamente para o terraço da fração M, sendo dotado de uma guarda ou parapeito, com 90 cm de altura, a qual separa ambos os terraços.”;

60 - Por aqui o Tribunal “a quo” não consegue dar como não provada a existência do muro divisório;

61 - Não se entende como a sentença recorrida diz não ter ficado provado a transformação do muro numa janela de vidro;

62 - Depois no ponto 6 dos factos provados: “(...) o terraço afeto à fração B foi fechado, a pedido da Ré, mediante a colocação, sobre o muro que o ladeava, de uma janela em alumínio com vidro fosco ...”;

63 - Na motivação da matéria de facto, no ponto c), lê-se que “(...) o projeto aprovado pelo Município de Silves, natureza de terraço e ou logradouro, o qual se encontra separado do terraço dos Autores por um parapeito e ou guarda com 90 cm de altura e que tem de facto vista para o terraço dos autores ...”;

64 - A recorrida no art. 15º da sua contestação, declara “(...) pois havia um muro divisório, naturalmente, que posteriormente foi encerrado com alumínio e janelas”;

65 - Ainda nos factos que o Tribunal “a quo” considerou não provados, os recorrentes não se conformam com a tese defendida na sentença quanto a não ter ficado provado que “(...) a Autora, (…), não tenha ficado privada de usufruir do seu terraço, por estar paredes meias com o escritório da loja onde entravam e saiam clientes” ;

66 - A altura do muro divisório (90 cm) e o facto da janela aí colocada dar directamente para o terraço dos recorrentes, mostra por que motivo os recorrentes, em particular a Autora, (…), se sentiam constrangidos em usufruir do terraço;

67 - Independentemente da janela ser em vidro fosco a realidade é que essa janela podia ser aberta sempre que os funcionários da recorrida assim o entendessem;

68 - Sempre que a janela era aberta expunha os recorrentes caso estes estivessem no terraço;

69 - A recorrida utilizava o terraço da fração M sem consentimento dos recorrentes sempre que fosse necessário aceder aos aparelhos de ar condicionado;

70 - Se o Tribunal “a quo” tivesse em atenção a prova documental que foi junta aos autos verificava que a obra realizada pela recorrida é ilegal, e que nunca foi reposta a legalidade;

71 - Através dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal o Tribunal “a quo” não consegue concluir que o muro tenha sido aprovado no projeto com 90 cm de altura, até porque o projeto a que as testemunhas se referiram na audiência de discussão e julgamento era um projeto de alterações apresentado pela recorrida e que nunca foi aprovado pela Câmara Municipal, cfr. se alcança da análise dos autos e das gravações;

72 - O Tribunal “a quo” ao referir que a sua convicção advém da prova testemunhal e documental, não teve em atenção as testemunhas: (…); (…) e (…) e (…), que foram confrontados durante o seu depoimento com um projeto facultado nos autos pela recorrida e que não era o projeto aprovado, mas sim, do projeto de alterações proposto pela recorrida e que foi indeferido pela Câmara Municipal de Silves;

73 - Os autos tratam de um caso de responsabilidade civil pela culpa, prevista no art. 483º, nº 1, do Código Civil;

74 - Onde a responsabilização do agente pressupõe um juízo moral da sua conduta, que o leve a pressupor um juízo de censura ao seu comportamento;

75 - Art. 483º do Código Civil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” – sic;

76 - In casu, estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade);

77 - As alterações levadas a cabo pela recorrida ao projeto de arquitetura aprovado violaram direitos dos recorrentes;

78 - Provou-se que a altura do muro divisório, por não estar prevista no projeto aprovado, teria de ser de 1,80 para não violar o direito de servidão de vistas (art. 1360º C.C.);

79 - A recorrida sabia que não podia colocar um muro de 90 cm com uma janela em cima, mas não deixou de o fazer;

80 - A recorrida invadiu e usou o terraço dos recorrentes sempre que quis sem consentimento destes, agindo livre e conscientemente.- Facto voluntário do agente;

81 - O comportamento da recorrida é ilícito e moralmente censurável;

82 - Demonstra a recorrida um total desrespeito pelo direito dos recorrentes enquanto condóminos;

83 - Demonstra a recorrida uma total inércia e desrespeito pelas decisões tomadas Câmara Municipal de Silves para repor a legalidade da obra em cumprimento do projeto aprovado. - Facto ilícito praticado pelo agente;

84 - Sabendo a recorrida que os factos por si praticados eram ilegais, logo suscetíveis de causar danos, a mesma conformou-se com a ilicitude da sua conduta e aceitou as consequências - Nexo de imputação subjetiva do facto ao agente;

85 - O comportamento da recorrida causou danos patrimoniais, porque tiveram de custear todas as despesas inerentes à defesa dos seus interesses, e danos morais - Dano;

86 - Em termos de causalidade adequada, a recorrida sabia que a sua conduta (ignorar os apelos dos recorrentes e decisões tomadas pela Câmara Municipal), iria produzir sofrimento aos recorrentes e causar-lhes prejuízos patrimoniais - Nexo de causalidade entre os factos e o dano;

87 - De acordo com o RJUE o procedimento de legalização não existe, logo a recorrida não podia ter a pretensão de ver aprovadas as obras de alteração que esta fez ao projeto;

88 - A recorrida deveria ter reposto imediatamente a legalidade, que se traduzia em remover a janela e subir o muro até 1,80 de altura, o que não fez;

89 - Art. 334º do Código Civil: “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”, não se suscitam dúvidas que a recorrida durante anos agiu claramente com abuso de direito;

90 - Em conclusão para haver abuso de direito, na conceção objetiva, “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, basta que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente” – Ac. STJ, 26.06.2007;

91 - A decisão recorrida que decidiu absolver a Ré dos pedidos, devia ter considerado toda a prova documental junta aos autos e ponderado os depoimentos na parte que coincidiram com a prova documental, e com as declarações da Ré na sua contestação;

92 - Sendo que a decisão recorrida devia ter decidido no sentido de considerar provado que o comportamento da Ré no decurso deste caso foi ilícito, moralmente censurável, tendo o seu comportamento consubstanciado um abuso de direito, fazendo-a incorrer na responsabilidade de indemnizar por estarem verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vs. Exas., requer-se que seja julgado procedente por provado o presente recurso e, consequentemente, seja (a) declarada nula a sentença proferida por a prova gravada ser impercetível e insuscetível de ser totalmente transcrita, devendo ser ordenada a remessa dos autos ao tribunal recorrido para novo julgamento, devidamente gravado, com prolação de nova sentença; e se assim não for entendido seja (b) revogada a sentença recorrida no sentido de ser condenada a recorrida a pagar aos recorrentes o valor peticionado a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais por se verificar estarem preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual previstos no art. 483º C.C.”

A Ré respondeu defendendo a confirmação da sentença recorrida, anotando previamente que as conclusões “não cumprem de todo, os requisitos formais para ser admitido como recurso, pelo que se pede a sua imediata rejeição por falta de forma e cumprimento dos requisitos formais (…)”.

Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II Objeto do recurso.
As alegações de recurso devem ser concluídas com a síntese dos fundamentos pelas quais o recorrente pede a alteração ou anulação da decisão e versando o recurso sobre matéria de direito, com a indicação das normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ou, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada e na falta destas especificações ou quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada (artº 639º, nºs 1, 2 e 3, do CPC).
Vistas as conclusões do recurso, à luz desta disciplina, delas não se poderá dizer que a respeitam e muito menos que constituem um exemplo de boa técnica jurídica; são prolixas e centram-se maioritariamente na enunciação dos contornos do litígio, tal como os AA o percecionam, dificultando a identificação das concretas razões de divergência com o decidido, pela anotada confusão entre a causa de pedir na ação e a “causa de pedir” no recurso.
Ainda assim e não obstante a prolixidade das conclusões, a Ré identificou as questões que o recurso suscita e tomou quanto a elas posição, ou seja, exerceu de forma plena o direito do contraditório, circunstância que acrescida da inutilidade prática a que o despacho de aperfeiçoamento das conclusões, em regra, conduz (as conclusões aperfeiçoadas nem sempre representam um ganho de síntese compreensiva dos fundamentos do recurso), justifica que se conheça do recurso independentemente do aperfeiçoamento das conclusões.

O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da motivação do recurso, enquanto constituam corolário lógico-jurídico da fundamentação expressa na alegação, sem prejuízo das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio e do conhecimento de alguma das questões suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil (CPC) – anotando-se, ainda, que o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – artº 5º, nº 3, do CPC.
Assim e considerando as conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões colocadas (i) nulidade da sentença por deficiências das gravações, (ii) divergências com a decisão de facto, (iii) se se verificam os requisitos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos.

Importa, ainda assim, iniciar pela apreciação do requerimento dos AA destinado a juntar aos autos documentos ou, no seu dizer, a juntar o “projeto que faz prova do alegado” (fls. 559 dos autos), o qual mereceu a oposição da Ré na essencial e acertada consideração que em sede de recurso “a junção de documentos” só é admitida nas “excecionais circunstâncias previstas na lei”.
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artº 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância” (artº 651º, nº 1, do CPC).
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” (artº 425º, do CPC).
A junção da prova documental deve ocorrer, por regra, na 1ª instância, excecionando-se a esta regra duas situações, em caso de recurso:
- os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão da causa;
- os documentos cuja junção se haja tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, com exclusão dos documentos destinados à prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova e dos documentos cuja junção tenha por pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.[1]
Os AA não configuram nenhuma destas excecionais situações e requerem a junção dos documentos – projetos de construção – para fazerem prova do alegado; ora, esta prova – do alegado – carece de ser feita na 1ª instância e não no tribunal de recurso que, no nosso sistema, não tem por função apreciar de novo a ação ou julgá-la uma segunda vez, mas reponderar a decisão já proferida em 1ª instância.

Em decorrência do exposto, não se admite a junção aos autos dos docs. 560 a 562 dos autos, os quais deverão ser desentranhados dos autos e entregues ao apresentantes.


III Fundamentação.
1 - Nulidade da sentença por deficiência das gravações.
Pretendem os AA a declaração de nulidade da sentença e a remessa dos autos “para novo julgamento, devidamente gravado, com prolação de nova sentença” porque existem trechos na gravação impercetíveis.

“A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (artº 155º, nº 4, do CPC).

A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravado (artº 155º, nº 1, do CPC) e a falta ou deficiência da gravação comporta a omissão desta formalidade, mas não declarando a lei que tal omissão produz nulidade, tal irregularidade apenas alcançará o patamar de nulidade nos casos em que influa na decisão da causa (artº 195º, nº 1, do CPC).

Como potencial nulidade, a falta ou deficiência da gravação, deverá ser objeto de reclamação no tribunal de 1ª instância e só poderá ser validamente arguida no recurso, nos casos em que o prazo para a sua arguição – dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – findar depois do processo ser expedido em recurso (199º, nº3, do CPC) situação que, no caso, não se verifica uma vez a gravação foi disponibilizada aos AA em 29/9/2017 (cfr. fls. 478) e o processo foi expedido em recurso em 12/3/2018 (cfr. fls. 12/3/2018).

A expedição dos autos em recurso ocorreu em data posterior ao termo do prazo de dez dias para os AA suscitarem a nulidade da falta ou deficiência da gravação e, como tal, é extemporânea a arguição desta nulidade no recurso.

O recurso improcede quanto a esta questão.

2. Factos.

2.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos provados:

1) O prédio urbano sito no gaveto das Ruas Dr. (…) e Rua (…) é constituído por três blocos, compostos por 27 frações autónomas.

2) A fração autónoma, designada pela letra M, correspondente ao rés-do chão esquerdo, do Bloco 2, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no Gaveto da Rua Dr. (…) e Rua (…), freguesia e concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), e inscrito na matriz sob o artigo (…), destinada a habitação, encontra-se registada a favor de (…), de (…) e esposa, (…) e (…).

3) A fração autónoma designada pela letra B, correspondente, ao rés-do chão esquerdo, do Bloco 1, do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no Gaveto da Rua Dr. (…) e Rua (…), freguesia e concelho de Silves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob o n.º (…), e inscrito na matriz sob o artigo (…), destinada a comércio, encontra-se registada a favor de (…) – Cozinhas do (…), Limitada.

4) As frações B e M têm direito, cada uma, à utilização exclusiva de dois terraços, tendo o terraço afeto à fração B a área de 12, 70 m2 e o terraço afeto à fração M a área de 73, 40 m2, sendo que este último cobre a garagem do prédio.

5) O terraço da fração B, de acordo com o projeto aprovado, consubstancia um espaço semi-aberto, que deita diretamente para o terraço da fração M, sendo dotado de uma guarda ou parapeito, com 90 cm de altura, a qual separa ambos os terraços.

6) Em data não concretamente apurada, mas ainda na fase de construção, o terraço afeto à fração B foi fechado, a pedido da Ré, mediante a colocação, sobre o murro que o ladeava, de uma janela em alumínio, com vidro fosco, que foi, em data não apurada, protegida com uma vedação em rede.

7) Em data anterior a 07.06.2011 foi retirada a janela e a vedação, tendo o vão, ou seja a abertura própria do terraço, sido parcialmente encerrada em alvenaria e deixada uma pequena fresta.

8) No terraço afeto à fração B a Ré instalou um escritório, no qual trabalhavam duas pessoas.

9) Em 08.02.2010 a Ré tentou diligenciar pela legalização da obra mencionada em 5), pedido de legalização que foi indeferido.

10) Em assembleia geral de condóminos que teve lugar no dia 21 de Novembro de 2008, pelas 21 horas, foi decidido pelos presentes (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), autorizar o fecho das marquises na traseira do prédio tendo como condicionante a cor ser castanho.

11) Por documento epigrafado de «Declaração», datado de 22 de Janeiro de 2010, foi aprovada pelos condomínios das frações A, B, C, D, F, H, K, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y e AA a inovação na fração A, na traseira que confina com o pátio ou logradouro da fração M, autorizando que a divisão entre ambas fosse complementada em alumínio, do muro e a altura existente, até uma altura de 1,80, a partir da quota mais alta ou seja a partir da fração M (...).

12) A fração da B foi, até data não concretamente apurada, mas anterior a 01.07.2011 (data em que já tinham sido removidos da sua localização inicial), servida por dois aparelhos de ar condicionado que foram instalados, na parte exterior do edifício denominado Bloco 2, nas imediações do terraço da fração B, implicando o acesso aos mesmos a transposição, a partir do terraço da Ré, de um dos muros do terraço da fração M.

13) O Autor pagou à sua Ilustre Mandatária, na sequência de serviços jurídicos prestados no âmbito do presente processo, o montante de € 765,00 (setecentos e sessenta e cinco euros), acrescidos de IVA, à taxa de 23%.

Factos não provados

Não ficaram por provar quaisquer factos que não se compaginem com a factualidade apurada, nomeadamente não se provou que:

1) Que existisse um muro divisório em alvenaria entre as frações e que a Ré tenha decidido transformar o muro numa janela de vidro, com abertura exclusiva para a fração M.

2) Que a Autora (…) tenha ficado privada de usufruir do seu terraço, por estar a paredes meias com o escritório da loja onde entravam e saiam clientes.

3) Que a sogra do Autor se tenha deparado com estranhos que acediam pela janela da fração B ao seu terraço, quer para fazer a manutenção do ar condicionado, quer recolher documentos que voavam.

4) Que a Autora (…) em face do relato em 3) e da circunstância de ter sido aposto sinal de alarme na janela, tenha passado a sofrer de ataques de pânico, tendo necessidade de ajuda médica.

5) Que a renitência da Ré em resolver amigavelmente a situação tenha causado exaustão psicológica ao Autor, na esposa (…) e em (…).

6) Que o Autor (…), entre 30 de Julho e 2009 e Setembro de 2011, se tenha deslocado 53 (cinquenta e três) vezes à Câmara Municipal, percorrendo 20 Km por deslocação,

7) Que o Autor (…) tenha despendido € 105,64 (cento e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos) em cartas registadas e fotocópias.

8) Que o Autor (…) tenha pago à sua Ilustre Mandatária a título de honorários o montante de € 5.481,00.

2.2. Divergências sobre a decisão de facto.
Com fundamento nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…) (cclª 72ª), os AA divergem da decisão de facto na parte em que a sentença recorrida considera (i) “provado que os terraços das frações B e M são de utilização exclusiva dessas frações, sendo que o terraço da fração M cobre a garagem do prédio, o que é falso porque ambos os terraços cobrem a garagem (41ª), (ii) provado que “o terraço da fração B, de acordo com o projeto aprovado, consubstancia um espaço semiaberto, que deita diretamente para o terraço da fração M, sendo dotado de um guarda ou parapeito, com 90 cm de altura, a qual separa ambos os terraços” (43ª), (iii)provado que a fração B foi fechada com a colocação em cima do muro de uma janela de alumínio, a qual posteriormente teria sido protegida com uma vedação em rede (46ª), (iv) “provado que a 7 de Junho e 2011 foi retirada a janela e a vedação, tendo o vão, ou seja, a abertura própria do terraço, sido parcialmente encerrada em alvenaria e deixada uma pequena fresta” (48ª) e na parte em que (v) “no ponto 12, desvalorizou por completo a forma como a recorrida acedia ao terraço dos recorrentes, tendo validado e aceite que a recorrida acedesse a este sempre que o entendesse já que o dito terraço trata-se de uma parte comum, apesar de afeto ao uso exclusivo da fração onde se integra (54ª), (vi)não ficou provada a existência “de um muro em alvenaria entre as frações e que a Ré tenha decidido transformar o muro numa janela de vidro, com abertura exclusiva para a fração M.” (57ª), (vii) “ponto 6 dos factos provados: (...) o terraço afeto à fração B foi fechado, a pedido da Ré, mediante a colocação, sobre o muro que o ladeava, de uma janela em alumínio com vidro fosco ...”; (viii) “quanto a não ter ficado provado que (...) a Autora, (…), não tenha ficado privada de usufruir do seu terraço, por estar paredes meias com o escritório da loja onde entravam e saiam clientes”.

A impugnação da matéria de facto está sujeita aos ónus mencionados no artº 640º, do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
(…) ”
Ao impugnante incumbe indicar os concretos pontos de facto, os concretos meios probatórios que suportam a divergência, as exatas passagens da gravação, fundando-se o recurso em provas gravadas e a concreta decisão a proferir.
A indicação genérica ou, na terminologia da lei, não concretizada, dos pontos de factos considerados incorretamente julgados, dos meios de prova ou das gravações que suportam a divergência ou, enfim, da decisão que sobre os mesmos deva incidir, não cumprem as condições de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto e determinam a rejeição da impugnação.
Relativamente aos factos supra enunciados sob as alíneas (i) a (vii) os AA, para além de não indicarem as passagem das gravações em que fundamentam a impugnação, não indicam a decisão que sobre os mesmos deverá ser proferida e relativamente ao facto supra referido na alínea (viii), os AA não indicam as passagens da gravação em que fundamentam a impugnação.
Assim e ao abrigo do disposto no artº 640º, nº 1, al. c) e nº 2, al. a), rejeita-se a impugnação da matéria de facto.

3. Se a Ré deve ser condenada a indemnizar o A.
A ação tem por fundamento a responsabilidade civil por fatos ilícitos; os AA pretendem ser indemnizados por prejuízos decorrentes da invasão do terraço da sua fração pela Ré e por vários indivíduos estranhos, em várias ocasiões (artº 48º da p.i), consequente à atuação da Ré que transformou numa janela em vidro, o muro divisório em alvenaria que separa o terraço da fração dos AA do terraço da fração da Ré (artº 8º a 10º da p.i) e à colocação pela Ré de aparelhos de ar condicionado na parede exterior à propriedade dos AA (artº 11º da p.i.).
A obrigação de indemnizar, com fundamento em factos ilícitos exige, para além da verificação doutros pressupostos, a violação ilícita do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios (artº 483º, nº 1, do Cód. Civil).
A pretensão dos AA tem como pressuposto a violação do direito do direito de propriedade; consistindo este no gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa (artº 1305º, do CC), a transformação do muro divisório em janela obstaria a que os AA usufruíssem de modo pleno o terraço da sua fração e a Ré invadindo-o e tendo vistas sobre ele impediria a sua exclusiva fruição pelos AA.
Os AA não provaram estes factos (pontos 1 a 3 dos factos não provados), ou seja, não demonstram uma qualquer atuação ilícita da Ré violadora do seu direto de propriedade.

Mas para além de não provarem este pressuposto da responsabilidade civil que visam assacar à Ré, também não provam a existência de quaisquer prejuízos e sem prejuízos não existe obrigação de indemnizar; dos prejuízos que alegram os AA apenas lograram demonstrar que pagaram “à sua Ilustre Mandatária, na sequência de serviços jurídicos prestados no âmbito do presente processo, o montante de € 765,00 (setecentos e sessenta e cinco euros), acrescidos de IVA, à taxa de 23%.”

Este prejuízo, como se anotou na decisão recorrida, não decorre de qualquer atuação da Ré, ou seja, não tem causa no facto ilícito causa de pedir na ação, mas no contrato de mandato que os AA celebraram com a sua Ilustre Advogada e sem prejuízo da compensação pela parte vencida à parte vencedora de honorários do mandatário judicial (artº 26º, nº 3, al. c) do Regulamento das Custas Processuais) não é indemnizável pela parte contrária.

“Só se pode levantar tal questão – e é bom que se saliente isso logo à partida – se o trabalho do Sr. ou dos Sr.s Advogados nas ações que se referem não conduziu ao malogro das causas.

Se foi gasto dinheiro com causídicos e se veio a constatar que, feito o seu trabalho, o cliente que lhe pagou perdeu, é manifesto que não coloca sequer a questão de a parte contrária poder pagar os honorários.

(…)

De qualquer modo, o regime de pagamento das despesas com honorários a advogado que move e/ou acompanha uma ação judicial tem um regime específico bem afastado do geral da responsabilidade civil no que à parte contrária respeita.

(…)

Já em 28.3.1930 este tribunal lavrou o seguinte Assento (transcrito na Coleção Oficial dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal de Justiça, Vol. XXVIII, 74):
“Na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras, salvo estipulação expressa em contrário.”

Posteriormente, manteve-se sempre em vigor, com ligeiríssimas alterações, o artigo 454.º do Código do Processo Civil, no qual se consigna que os mandatários judiciais (além do mais) podem requerer que o seu crédito por honorários, despesas e adiantamentos seja, total ou parcialmente, satisfeito pelas custas que o seu constituinte tem direito a receber da parte vencida. Está aqui não só um privilégio – perfeitamente compreensível, aliás – como a ideia de que o mandatário judicial não tem crédito sobre a contraparte e, corolariamente, que esta não fica vinculada, mesmo que perca, ao pagamento àquele. O crédito dele tem como sujeito passivo o seu próprio constituinte, de acordo com o que resulta da relação de mandato oneroso que criaram e só através do direito deste aquele alcança o que o preceito lhe confere.

E, no que respeita ao ressarcimento do mandante pela contraparte relativamente aos honorários despendidos, temos os casos contados em que a própria lei contempla especificamente e por razões bem determinadoras, que uma das partes possa ser responsabilizada pelos honorários do advogado da outra. São os casos de litigância de má-fé (artigo 457.º, n.ºs 1 a) e 3) e de demanda quando a obrigação ainda não era exigível (artigo 662.º, n.º 3, sempre do Código de Processo Civil).
Não vemos, pois, razão para não seguirmos a orientação que vem sendo assumida por este tribunal, plasmada, nomeadamente, nos Acórdãos de 15.6.1993 (BMJ 428, 530) e de 3.12.1998, Revista n.º 1136/98, 1.ª Secção.”
[2]

A Ré não se mostra obrigada a indemnizar os AA pelo pagamento de honorários que fizeram à sua Ilustre Mandatária.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

4. Custas

Vencidos no recurso, incumbe aos AA o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV. Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, em:
a) não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelos AA em sede de recurso (fls. 560 a 562 dos autos) ordenando-se o seu desentranhamento e entrega aos apresentantes;
b) julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 12/7/2018
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho

__________________________________________________
[1] Acs. STJ de 27/6/2000, CJ, tomo II, pág 131, de 18/2/2003, CJSTJ, tomo I, pág. 103 e de 3/3/1989, BMJ 385º, pág. 545.
[2] Ac. do STJ de 15-03-2007, in www.dgsi.pt.