Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
412/18.3T8FTR-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PRAZO DA CONTESTAÇÃO
ERRO DA SECRETÁRIA AO INDICAR PRAZO SUPERIOR
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Aproveita ao Réu o alargamento do prazo que, por erro, lhe foi indicado pelos serviços de secretaria, tanto na modalidade de aumento do período legal para a apresentação da contestação, como na vertente da prestação de informação desacertada quanto à suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais relativamente aos processos urgentes.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 412/18.3T8FTR-A.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo de Competência Genérica de Fronteira – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por “J. (…), Lda.” contra “Companhia Agrícola de (…), (…), SA”, a Autora não se conformou com o despacho que considerou tempestiva a contestação apresentada.
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A Autora pedia a condenação da Ré no (i) reconhecimento de que o contrato de arrendamento rural celebrado entre as partes tem a validade, duração e produz efeitos jurídicos no prazo de 7 (sete) anos, a contar da data da celebração (08 de Abril de 2018), sem prejuízo das renovações; (ii) no reconhecimento a inexistência de fundamento legal para o exercício do direito de denúncia do contrato de arrendamento rural; (iii) na manutenção do vínculo contratual, do contrato de arrendamento rural, pelo período de sete anos, sem prejuízo de eventuais renovações.
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Na parte com interesse, o despacho recorrido tem o seguinte conteúdo: «não pode o Tribunal deixar de considerar que se tratou da irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC, por ter sido, efetivamente, indicado prazo superior ao que a lei concedia para a prática do ato. (…)
Tem, pois, que se considerar, face à norma prevista no artigo 198.º, n.º 3, do CPC e ao apontado lapso ocorrido na citação, que a Ré dispunha do prazo de 30 dias para contestar, suspendendo-se este nas férias. (…)
Ora, no caso concreto, o erro cometido, de indicação da suspensão do prazo teria, caso não se considerasse o disposto no artigo 191.º, n.º 3, do CPC, seria prejudicial para a Ré, por determinar a rejeição da contestação, por intempestiva, com os consequentes efeitos cominatório.
Ora, atendendo a que a Réu sido citada a 28.11.2018 (data da assinatura do aviso de receção-artigos 228.º, n.º 1 e 230.º, n.º 1, do CPC), o prazo de 30 dias começou a correr no dia 28.11.2018.
Correu, então, o prazo até dia 21.12.2018, suspendendo-se em tal data e reiniciando a contagem a 04.01.2019 (primeiro dia após as férias judiciais de natal).
Assim, o último dia de prazo foi o dia 09.01.2019, sem consideração pelo previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC.
Pelo exposto, tendo a contestação sido apresentada, precisamente, no dia 09.01.2019, considera-se a mesma tempestiva».
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Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
1 – Os presentes autos têm a natureza de urgentes.
2 – A citação efectuada à Ré em 27/11/2018, de que dispunha do prazo de 30 dias para contestar a acção está correcta.
3 – Não se verifica a existência da irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC e verifica-se a inaplicabilidade do disposto no nº 6 do art. 157º do CPC.
4 Ao contrário do que consta no despacho recorrido, não se pode invocar o disposto no art. 157º, nº 6, do CPC, no que tange ao facto de a secretaria judicial não ter feito constar na citação que o prazo para contestar se suspendia nas férias do Natal e do Ano Novo, uma vez que esse artigo não pode, no caso em apreço, ser interpretado no sentido de a Ré ter ficado prejudicada com a citação, por já estar representada por 3 advogadas desde 07/12/2018, muito antes de ter terminado o prazo para contestar (02/01/2019) e muito antes de se terem iniciado as férias judiciais (22/12/2018).
5 – A Ré foi citada em 26 de Novembro de 2018 e logo em 07 de Dezembro de 2018 esta (Ré) encontrava-se já patrocinada por 3 Advogadas (Dr.ª …, Dr.ª … e Dr.ª …), uma vez que o mandato forense existia desse essa data.
6 – Com a agravante de a data de 07 de Dezembro de 2018 corresponder a data anterior às férias judiciais do Natal e do Ano Novo (que apenas se iniciaram em 22 de Dezembro de 2018), pelo que estando a Ré nessa data representada e assessorada juridicamente por 3 Advogadas, não se pode afirmar que fez fé na citação de não suspensão do prazo para contestar nas férias judiciais do Natal ou que tenha ficado prejudicada no erro da secretaria.
7 – As Senhoras Advogadas que representavam a Ré desde 07 de Dezembro de 2018, tendo ocorrido a citação desta (Ré) há somente 11 (onze) dias, e antes das férias judiciais, tinham a obrigação de saber que o presentes autos são urgentes e como tal os prazos judiciais, incluindo o prazo para contestar, não se suspendem durante as férias judicias.
8 – Quando o prazo de 30 dias que a Ré dispunha para contestar terminou, em 02 de Janeiro de 2019, já aquela estava representada por Advogadas desde 07 de Dezembro de 2018; pelo que não se pode, nem em abstracto, colocar a questão que a Ré fez fé na citação de que o prazo não se suspendia nas férias judiciais ou que tenha ficado prejudicada no erro da secretaria.
O desconhecimento da lei não pode aproveitar quem quer que seja, quanto mais, como foi o caso dos autos, quando a Ré está já representada por mandatário judicial, in casu por três Advogadas.
9 – Até porque, o carácter urgente dos presentes autos resulta da própria lei, sem necessidade de despacho ou de citação nesse sentido; o que as 3 Senhoras Advogadas deveriam saber, pois são profissionais do foro, e o mandato forense já tinha sido passado a seu favor desde 07/12/2018.
10 – A Ré, enquanto parte, não é a mesma realidade jurídica que Ré representada por mandatário judicial.
11 – A Ré, pessoa à qual é dirigida a citação, não tem que saber se o processo que contra si foi instaurado, corre termos com carácter de urgência e o que é que isso na realidade significa.
12 – Mas, a partir do momento em que constitui um mandatário judicial, a posição da Ré já é diferente, pois a partir desse momento a Ré já está numa situação de igualdade, enquanto parte, com a Autora que também já tem advogado constituído.
13 – À Ré, como parte, não cabe discernir, até porque não tem que conhecer exactamente a lei, bem como saber qual a lei aplicável a cada caso, se o prazo que lhe foi concedido para contestar é ou não o legalmente admissível.
14 – A partir do dia 07 de Dezembro de 2018, data em que a Ré constituiu como suas mandatárias 3 Senhoras Advogadas para a representarem nos presentes autos, a posição da Ré, como parte, já é diferente, pois encontra-se mandatada por 3 mandatárias judiciais, mandato forense esse ocorrido muito antes de se iniciarem as férias judiciais (22 de Dezembro de 2018) e de se colocar a questão de o prazo para contestar se suspender ou não.
15 – Assim, ao contrário do que consta na decisão recorrida, inexistiu irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC, por ter sido, efetivamente, indicado prazo superior ao que a lei concedia para a prática do acto e não se pode afirmar que a ora recorrida tenha ficado prejudicada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do art. 157º do CPC,
16 – A decisão recorrida errou ao considerar que existiu irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC, por ter sido, efetivamente, indicado prazo superior ao que a lei concedia para a prática do acto e errou ao considerar que a ora recorrida tenha ficado prejudicada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do art. 157º do CPC.
17 – Caso assim não se entenda, e sem prescindir, e somente por cautela de patrocínio, ou seja, caso se entenda que existiu a irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC, nunca, jamais tal foi levantado pela R. nos presentes autos, nem aquando da apresentação da contestação, nem através do seu requerimento de 10/01/2019, com a Referência Citius 31177437.
18 – A Ré nunca levantou, nos presentes autos, a questão de irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC, no sentido de, erradamente, constar na citação que o prazo de 30 dias para contestar se suspendia no prazo de férias judiciais do Natal e do Ano Novo.
19 – A única questão levantada, desnecessariamente, diga-se, pela Ré é que praticou o acto, contestando, em 09/01/2019, confiando no teor da carta de citação, mas somente no que ao prazo de 30 dias diz respeito e nunca relativamente à questão de o prazo de suspender nas férias judiciais; o que são duas coisas completamente diferentes.
20 – Existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no 188º do CPC, e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art. 191º do mesmo diploma legal.
21 – Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 188º do CPC, designadamente “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável” (artº 188º, nº 1, al. e), do CPC).
22 – Em termos de prazo para a arguição de nulidades processuais, a regra geral, constante dos arts. 149º, nº 1, e 199º, do CPC, apenas se aplica na falta de disposição especial, sendo que esta existe para a arguição da nulidade da falta de citação e também, em certos casos, para a arguição da nulidade da citação.
23 – A Ré nunca invocou, como já amplamente se disse, qualquer nulidade de citação, seja ela qual for (nem a falta de citação propriamente dita, prevista no 188º do CPC, nem a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no art. 191º, do mesmo diploma legal).
24 – E a nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada – arts. 189º e 198º do CPC.
25 – A arguição da nulidade de acto processual constitui, no caso, um incidente da instância.
26 – A Ré, nem na contestação, nem no seu requerimento de 10/01/2019, com a Referência Citius 31177437, invocou qualquer nulidade da citação ou a irregularidade prevista no artigo 191.º, n.º 3, do CPC.
27 – Tendo a Ré intervindo no processo, quer através da sua contestação de 09 de Janeiro de 2019, quer através do requerimento de 10 de Janeiro de 2019, com a Referência Citius 31177437, e não tendo invocado qualquer nulidade da citação, a sua eventual falta de citação deve considerar-se sanada (artigo 189º do C.P.C.).
28 – Considera-se, de qualquer modo, que a possível irregularidade formal cometida pela secretaria judicial está precludida pelo facto de a Ré a não ter invocado quando interveio no processo.
29 – A considerar-se que existiu uma nulidade secundária ou uma irregularidade, deveria a mesma ter sido arguida no prazo de dez dias, nos termos dos artigos 201º, nº 1 e 205º, nº 1, do CPCivil, prazo esse que já expirou há muito, mostrando-se a mesma sanada.
30 – Mesmo que se considere que tenha havido um erro no meio processual aplicado, o mesmo encontra-se sanado, nos termos supra enunciados, ex vi do disposto no artigo 202º do mesmo compêndio normativo.
31 – Nunca a Ré estaria dispensada de invocar o vício de nulidade da citação ou qualquer irregularidade aquando da sua primeira intervenção processual, ou seja, na contestação.
32 – Quanto ao prazo de arguição da nulidade assente-se, antes do mais, que o artº 191º do Código de Processo Civil determina que o prazo para a arguição da nulidade de citação é o que tiver sido indicado para a contestação.
33 – Pelo exposto, a considerar-se que existiu qualquer nulidade da citação ou qualquer irregularidade, devem considerar-se sanadas; o que se requer com as legais consequências.
34 – Ao decidir o contrário, a decisão em crise violou as mencionadas disposições legais.
Nestes termos e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se o despacho / sentença recorrido, com todas as consequências legais, designadamente considerar extemporânea a apresentação da contestação, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, serena e objectiva Justiça!».
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II – Do objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Da interpretação e análise das transcritas alegações de recurso apresentadas resulta que a matéria a decidir se resume à apreciação do prazo para a apresentação da contestação na acção de arrendamento rural e quais as consequências da existência de erro da secretaria na transmissão da informação.
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III – Da factualidade com interesse para a justa decisão da causa:
1 – A petição inicial deu entrada em juízo a 23 de Novembro de 2018.
2 – A Ré foi citada, através de carta registada com aviso de receção, encontrando-se o mesmo assinado a 27/11/2018.
3 – A Ré apresentou contestação no dia 09 de Janeiro de 2018.
4 – Consta do acto de citação, que este prazo é “continuo suspendendo-se, no entanto, nas férias judiais”.
5 – Notificada para se pronunciar acerca da tempestividade da apresentação da contestação, a Ré referiu que, da citação consta o prazo de 30 dias, indicando que o mesmo se suspende nas férias, tendo a mesma cumprido o prazo indicado pelo Tribunal.
6 – A Autora defende que a contestação apresentada seja rejeitada, por extemporânea, considerando que inexistiu erro na citação, ao indicar a suspensão do prazo, estando, ademais, a Ré representada por mandatário desde 07/12/2018.
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IV – Fundamentação:
A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (primeira parte do nº 1 do artigo 219º do Novo Código de Processo Civil). Com a citação, que completa o esquema da relação processual iniciado, num primeiro lance, com a proposição da acção, o réu fica constituído no ónus de contestar[1].
A citação é o acto processual mais relevante tendente a assegurar a realização dos princípios do contraditório e da transparência e que, assim, em termos abstractos, permite que sejam impulsionadas e perfectibilizadas as garantias de defesa.
Nos termos da regra geral inscrita no artigo 569º, nº 1, do Código de Processo Civil, «o réu pode contestar no prazo de 30 dias a contar da citação, começando o prazo a correr desde o termo da dilação, quando a esta houver lugar; no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão».
Esta norma tem de ser conciliada a disciplina provisionada no artigo 138º, nº 1, do CPC que que estabelece que «o prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes».
Estamos no âmbito de uma acção de arrendamento rural. De acordo com o disposto nos artigos 35º, nº 2 e 31º, nº 2, do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13/10, «os processos judiciais referentes a litígios de cessação e transmissão do contrato de arrendamento e à realização de acções de conservação, reparação e benfeitorias dos prédios rústicos arrendados têm carácter de urgência e seguem a forma de processo sumário, salvo se outra for expressamente prevista».
Da interpretação desta constelação normativa resulta inexoravelmente que, tal como propugnou a Primeira Instância, que o prazo para a apresentação da contestação era de 30 dias e que, por via do seu carácter urgente, esse período não se suspendia nas férias judiciais.
Porém, ao arrepio da letra da lei, através de ofício dos serviços de secretaria do Juízo de Competência Genérica de Fronteira, a Ré foi informada que o prazo legal de contestação se interrompia nas férias judiciais.
Na perspectiva da decisão recorrida a irregularidade cometida está provisionada no nº 3 do artigo 191º[2] do Código de Processo Civil.
Esta orientação legislativa é um desenvolvimento do chamado princípio da confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, o qual não assenta em finalidades puramente formais mas no desígnio superior do fair trial.
Ao cabo e ao resto, tem aqui integral aplicação a jurisprudência que atesta que «o fair trial e/ou due process, integra vários vectores, sendo que o principal é enformado pela confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual, não podendo os interessados sofrer quaisquer limitações, exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem, sequer, vir a ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar»[3].
Na realidade, com base na regra acima mencionada, aproveita à Ré o alargamento do prazo que, por erro, lhe foi indicado pela secretaria no acto de citação, sendo-lhe, por tal, permitido apresentar a contestação dentro do prazo declarado e em consonância com o que lhe foi transmitido no acto de citação, posto que superior ao prazo legal, porque os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes[4].
Este entendimento é sufragado ancestralmente pela jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça[5] e de outros Tribunais Superiores[6]. E o assunto foi igualmente submetido ao crivo do Tribunal Constitucional que avalizou a sua compatibilidade constitucional[7]. E encontra respaldo doutrinal nas posições assumidas por Alberto dos Reis[8], Antunes Varela[9], Miguel Teixeira de Sousa[10], Abrantes Geraldes[11] e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[12].
A concessão de um prazo superior não importa a nulidade da citação. É por isso que, se a irregularidade tiver consistido em se ter indicado um prazo superior ao concedido pela lei para a defesa, esta deve ser admitida no prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares ou se trata de erro ou lapso manifesto imediatamente perceptível.
É certo que, ao nível da aplicação directa e do ponto de vista da literalidade, a situação aqui descrita não está na esfera de protecção da norma prevista no nº 3 do artigo 191º do Código de Processo Civil.
No entanto, na busca do lugar paralelo, enquanto princípio de actuação geral, a filosofia presente naquela norma deve prevalecer, pois a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial.
Deste modo, à luz do pensamento legislativo, da teologia normativa e da própria legística impõe-se uma solução compatível com aquela está inscrita no referido normativo, dado que valorativamente a desconsideração do tempo de férias nos processos urgentes encerra um significado equivalente àquele que resulta da modalidade de aumento indevido do período legal para a apresentação da contestação.
E nem se está perante uma lacuna da lei em que se torne necessário resolver a questão segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema, porquanto a regulamentação presente no nº 7 do artigo 157º do Código de Processo Civil tem uma abrangência suficiente para solucionar a presente hipótese judicanda.
Assim, na interacção entre o princípio da confiança, a letra do nº 7 do artigo 157º e a paridade identitária com a situação análoga prevista nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil, enquanto linha orientadora de actuação, resulta que os erros e as omissões da secretaria judicial não podem prejudicar as partes, designadamente nas situações em que exista a prestação de informação desacertada quanto à suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais relativamente aos processos urgentes.
Ao invés daquilo que é referido nas conclusões de recurso é absolutamente irrelevante a circunstância da Ré estar patrocinada por advogado, porquanto o prazo de contestação é invariável quer a parte tenha constituído mandatário quer actue pessoalmente na acção, nos casos em que tal patrocínio não é obrigatório.
Não existe qualquer acto de sanação da irregularidade cometida pelos serviços de secretaria e a restante argumentação utilizada na motivação de recurso é insusceptível de promover qualquer alteração ao previamente decidido.
Deste modo, não existe motivo para julgar procedente o recurso, confirmando-se integralmente o despacho recorrido.
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V – Sumário:
Aproveita ao Réu o alargamento do prazo que, por erro, lhe foi indicado pelos serviços de secretaria, tanto na modalidade de aumento do período legal para a apresentação da contestação, como na vertente da prestação de informação desacertada quanto à suspensão da contagem dos prazos durante as férias judiciais relativamente aos processos urgentes.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/02/2019

José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho

Isabel Maria Peixoto Imaginário

Maria Domingas Alves Simões

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[1] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 274.
[2] Artigo 191.º (Nulidade da citação):
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
2 - O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
3 - Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares.
4 - A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 17/05/2016, in www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09/12/2009, in www.dgsi.pt.
[5] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/1974, 05/11/1980, 10/07/1990 e 27/09/2000, in www.dgsi.pt.
[6] A título exemplificativo esta ideia encontra agasalho nos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 03/05/2007, do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/2007 e do Tribunal Central Administrativo do Norte de 06/03/2015, publicados em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 719/04, de 21/12/2004, in www.tribunalconstitucional.pt, que firmou posição no sentido de «não julgar inconstitucional a norma … segundo a qual deve ser admitida a defesa do citado para a acção judicial dentro do prazo que lhe foi indicado no caso de irregularidade da sua citação consubstanciada em a secretaria, por erro não corrigido posteriormente … lhe assinalar prazo superior… ao que a lei concede para essa defesa».
[8] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, pág. 439.
[9] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 389.
[10] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1996, pág. 241.
[11] Temas judiciários, vol. I (1 – Citações e notificações em processo civil; 2 – Custas Judiciais e Multas Cíveis), Almedina, Coimbra, 1998, págs. 109 e 115.
[12] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 371-373.