Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
109927/15.8YIPRT.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS
CLÁUSULA CONTRATUAL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A cláusula que confere à empresa prestadora do serviço conexo de comunicações electrónicas, em caso de incumprimento do período de fidelização, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efectuar a contrapartida desse preço, excede, objectivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:
1. A colocação de equipamentos electrónicos em viaturas, permitindo a sua localização e acompanhamento da actividade por meio de GPS, com ligação à rede móvel de Internet, é um serviço conexo de comunicações electrónicas, para os fins do art. 3.º da Lei das Comunicações Electrónicas.
2. A pessoa colectiva que contrata com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público o fornecimento de tais serviços, beneficia da proibição de condições contratuais desproporcionadas ou excessivamente onerosas e desincentivadoras da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.
3. O DL 56/2010, de 1 de Junho também abrange a proibição da cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato durante o período de fidelização, em valor superior aos indexantes ali fixados.
4. A cláusula que confere à empresa prestadora do serviço conexo de comunicações electrónicas, em caso de incumprimento do período de fidelização – no caso em apreço, 60 meses – o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efectuar a contrapartida desse preço, excede, objectivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato.
5. Tal cláusula confere à prestadora uma situação patrimonial mais favorável que aquela que ocorreria se o contrato tivesse perdurado até ao fim, e ultrapassa o âmbito de uma prestação indemnizatória, assumindo-se como cláusula de fidelização, atribuidora de uma indemnização por interesse contratual positivo, com carácter mais amplo e abrangente do que a resultante das regras gerais aplicáveis em sede de resolução do contrato.
6. É pois, proibida quer pelo art. 48.º, n.º 5, da LCE – na redacção da Lei 51/2011 – quer pelo art. 19.º, al. c), da LCCG, e como tal nula.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Beja, (…) – Serviços de Comunicações e (…), S.A. apresentou requerimento de injunção contra (…) – Pão Alentejano, Lda., pedindo o pagamento da factura n.º (…), vencida a 29.06.2015, no valor de € 18.705,84, relativa a indemnização por incumprimento da cláusula contratual de 60 meses de fidelização ao serviço de gestão de frota, com geolocalização de 21 viaturas, constante de contrato celebrado entre as partes.
Foi igualmente pedido o pagamento de outras facturas, relativas a consumos efectuados, mas nessa parte ocorreu redução do pedido, face ao pagamento das mesmas, ocorrido ainda antes da propositura da causa.
Após oposição da Ré, sustentando a nulidade da aludida cláusula contratual de indemnização por incumprimento, foi a A. convidada a aperfeiçoar o seu articulado, esclarecendo que ficaram por cumprir 51 meses dos 60 contratados, o que mereceu nova resposta da Ré, continuando a sustentar a mesma linha de defesa e ainda que os equipamentos foram alugados e não adquiridos pela Ré, não tendo ocorrido o seu fornecimento de forma gratuita ou a preço inferior ao praticado no mercado.

Em saneador-sentença foi o pedido da A. – na parte ainda subsistente, relativa à indemnização por incumprimento – julgado improcedente, pelo que esta se apresenta a recorrer, concluindo:
1. A Sentença recorrida deve ser revogada pois nela se fez, salvo o devido respeito, errada aplicação das normas jurídicas pois a Sentença proferida viola o disposto no DL nº 56/2010, de 01 de Junho e art. 48º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro (na redacção da Lei nº 51/2011, de 13 de Setembro, aplicável ao caso sub judice, face à data dos factos).
2. O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, a fls. do processo, a qual considera nula a cláusula penal que fundamenta o pedido da Recorrente, mais considerando que não tendo resultado provado que tenham ocorrido preços especiais pela entrega dos equipamentos telefónicos pela Recorrente à Recorrida, já que os mesmos o foram em regime de aluguer, não se verifica o preenchimento do disposto nos arts. 2º, nº 2 e nº 3, do DL nº 56/2010, não sendo devido o valor peticionado nos autos, julgando assim, improcedente a presente acção, absolvendo o Recorrido do pedido.
3. Manifestamente, verificou-se erro na apreciação da prova produzida e carreada para os autos e na aplicação do direito ao caso concreto, verificando-se omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal deveria conhecer e apreciar.
4. A Decisão de que se recorre concluiu que “Se não tiver sido vendido, ou de outra forma fornecido, qualquer equipamento pelo operador da rede pública de comunicações electrónicas ao utente das comunicações electrónicas, aquelas normas do corpo do artigo 2.º, nº 2 e do artigo 2.º, n.º 3, impedem que o operador cobre o que quer que seja pela resolução do contrato, resolução essa operada pelo utente durante o período de fidelização.”,
5. Referindo mais adiante o Tribunal a quo que “(…) não resultou provado que tenham ocorrido quaisquer preços especiais pela entrega dos equipamentos telefónicos pela Autora à Ré, sendo que o que está contratualmente estabelecido é que o foram em regime de aluguer, o que necessariamente pressupõe uma contrapartida monetária.”.
6. Ora, no entendimento da Recorrente, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o facto de o fornecimento do equipamento ter ocorrido em regime de aluguer impede a cobrança de qualquer valor pela resolução do contrato.
7. É o próprio Tribunal a quo na D. Sentença proferida que refere, a fls. 13, “Se não tiver sido vendido, ou de outra forma fornecido, qualquer equipamento (…)”, pelo que é imperativo enquadrar o conceito de “aluguer” do equipamento, ocorrido nos presentes autos, no conceito mais lato de “outra forma fornecido”!
8. Mais erra o Tribunal a quo ao identificar o equipamento em causa nos autos como “equipamento telefónico”, sendo que não se trata de qualquer equipamento telefónico mas sim, ecrãs de bordo colocados em viaturas da Recorrida que permitem a localização e acompanhamento da actividade dessas viaturas por meio de GPS, os quais necessitam de ligação à internet através de cartões atribuídos.
9. Erra também a decisão do Tribunal a quo ao considerar não ter ocorrido preços especiais pela entrega dos aí designados “equipamentos telefónicos” pela Recorrente à Recorrida, uma vez que o foram em regime de aluguer, já que também este necessariamente pressupõe uma contrapartida monetária.
10. Ora, o facto de os equipamentos terem sido fornecidos pela Recorrente à Recorrida, mediante escolha desta, em regime de aluguer, tal não obsta à aplicação de preços especiais por esse mesmo aluguer.
11. De facto, no caso concreto, foram aplicados à Recorrida preços especiais na mensalidade acordada já que o valor da mensalidade aceite pela Recorrida e ajustada à situação em concreto teve em consideração, designadamente, a inexistência de investimento inicial pela Recorrida na aquisição dos equipamentos, a quantidade e a qualidade dos equipamentos, o período de duração do contrato, o número de horas de formação a prestar à Recorrida, a actualização do software e do firmware a efectuar pela Recorrente, o suporte a prestar à Recorrida, a garantia do equipamento e a instalação por parte da Recorrente dos equipamentos nos veículos da Recorrida.
12. Erra, ainda, a Decisão ao considerar aplicável ao caso dos autos o disposto no DL nº 56/2010, de 01 de Junho, considerando que não tendo havido venda ou fornecimento de equipamento pela Recorrente à Recorrida, não se concretiza o disposto no artigo 2, nº 2 e nº 3, daquele Diploma legal.
13. Ora, o DL nº 56/2010, de 01 de Junho veio estabelecer limites à cobrança de quantias pela prestação do serviço de desbloqueamento de equipamentos destinados a serviços de comunicações electrónicas, bem como pela rescisão do contrato durante o período de fidelização (sublinhado e negrito nossos)
14. Mais estabelecendo no seu art. 2º, nº 1, a proibição de cobrança de qualquer contrapartida pela prestação do serviço de desbloqueamento destes equipamentos findo o período de fidelização e estabelecendo no seu nº 2, que durante o período de fidelização, pela resolução do contrato, a cobrança pelo desbloqueamento dos equipamentos não pode ultrapassar os limites definidos nas suas alíneas, prevendo-se ainda, nos termos do art. 4º deste Diploma, um período máximo de fidelização de 24 meses.
15. Conclui-se, assim, que o DL nº 56/2010, de 01 de Junho não é aplicável ao caso dos autos por não se verificar um dos seus pressupostos, ou seja, a existência nesta situação, de desbloqueamento de equipamentos (neste mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/08/2017, proferido no âmbito do Pº nº 29207/15.4YIPRT.L1-6, publicado in www.dgsi.pt).
16. Não se aplicando, também, o disposto no art. 4º deste DL nº 56/2010, de 01 de Junho, o qual limita o período de fidelização ao período de 24 meses.
17. Aliás, o conceito de “desbloqueamento” de equipamentos consta do disposto no art. 2º, nº 5, da Lei nº 56/2010, entendendo-se como tal o serviço prestado pelo operador ou prestador de serviços que consiste na descarga de um software que permite o acesso do equipamento a outros operadores ou prestadores de serviços, o que manifestamente não é a situação dos autos já que,
18. Tratando-se no caso em apreço de adesão à solução de gestão de frotas, o equipamento fornecido foi o hardware, software e firmware necessários ao funcionamento do serviço de gestão de frotas, vulgarmente designados de aparelhos de GPS (ecrãs de bordo) a colocar nas viaturas, em nada se relacionando com desbloqueamento de equipamentos.
19. Deste modo, nada obsta a que sejam convencionadas cláusulas destinadas a indemnizar a operadora no caso de cessação do contrato antes do termo acordado.
20. Ora, uma vez que a situação não integra o âmbito de aplicação do DL nº 56/2010, de 01 de Junho, tais cláusulas contratuais estão reguladas na legislação geral sobre comunicações electrónicas, contida na Lei nº 5/2004, de 10/02 (estabelece o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos), mais precisamente no seu artigo 48º, sob a epígrafe de “contratos”, na redacção da Lei nº 51/2011, de 13 de Setembro, aplicável ao caso em apreço.
21. O artigo 48º, nº 2, da Lei nº 5/2004, na redacção da Lei nº 51/2011, de 13 de Setembro, exige que conste no contrato de prestação de serviços electrónicos a informação relativa à duração dos contratos, permitindo-se a fixação de limites mínimos de duração, justificados por benefícios concedidos ao assinante, como os promocionais, com a fixação da eventual sanção decorrente da cessação antecipada do contrato pelo assinante, como consequência da recuperação dos custos resultantes desses benefícios que lhe foram concedidos.
22. Assim, conforme se lê no Acórdão do TRLisboa, de 06/08/2017, proferido no âmbito do Pº nº 29207/15.4YIPRT.L1-6, acima referido, “diferentemente do que sucede na redacção actual do artigo 48º, introduzida pela Lei 15/2016, que, no seu nº 12, proíbe que a sanção pela cessação antecipada do contrato corresponda automaticamente à soma do valor das prestações vincendas à data da cessação, na redacção aplicável à data dos factos tal proibição não existia, exigindo-se apenas a fixação de eventual sanção, considerada uma consequência dos encargos decorrentes de benefícios atribuídos ao assinante.” (sublinhado nosso).
23. Ora, na sequência do “acordo de adesão ao serviço – solução de gestão de frotas” celebrado entre Recorrente e Recorrida e em causa nos autos, o período de fidelização acordado entre as partes foi de 60 meses, de acordo com o Formulário de Adesão.
24. Mais, nos termos do ponto IX das respectivas condições gerais, com a epígrafe “Fidelização”, “Caso o Cliente não cumpra o período de fidelização ao Serviço, obriga-se a indemnizar a tmn no valor correspondente à totalidade das mensalidades devidas pela prestação do Serviço e pelo aluguer do Equipamento, incluindo Serviços Opcionais, desde a data em que se registou a situação de incumprimento até ao termo do período de fidelização contratual em curso.”.
25. Ora, pela cessação antecipada do contrato, a Recorrida obrigou-se ao pagamento da totalidade das mensalidades devidas pela prestação do serviço e pelo aluguer, sanção esta fixada com base no seguintes benefícios atribuídos pela Recorrente à Recorrida:
a) No âmbito da prestação de serviços de gestão de frotas, a Recorrente forneceu à Recorrida o Equipamento necessário, em regime de aluguer (cláusula III do acordo de adesão, nº 3.1 e 3.2, fls. 2 e ponto 3, fls. 1 do acordo de adesão);
b) O Equipamento (ecrãs de bordo) consiste no hardware, software e o firmware necessários ao pleno e adequado funcionamento do Serviço disponibilizado pela Recorrente à Recorrida e instalado nas Viaturas da Recorrida (Anexo I, al. d) do acordo de adesão);
c) A Recorrente efectuou a instalação dos equipamentos nas viaturas da Recorrida (cláusula IV, nº 4.1, fls. 2 do acordo de adesão);
d) A Recorrente concedeu à Recorrida uma garantia de 12 meses ao equipamento fornecido (cláusula VI, nº 6.1, fls. 2 do acordo de adesão);
e) A Recorrente prestou à Recorrida, a título gratuito, formação adequada à correcta utilização do Serviço e do Equipamento (cláusula VII, nº 7.1, fls. 3 do acordo de adesão);
f) Durante a vigência do acordo de adesão, a Recorrida assegurou a assistência técnica ao Servidor, Equipamento e Software de suporte à prestação do serviço, no território nacional (cláusula X, nº 10.1, fls. 3 do acordo de adesão);
g) A Recorrente procedeu à instalação gratuita dos equipamentos (Anexo IV do acordo de adesão).
h) A Recorrente concedeu à Recorrida uma garantia de 12 meses ao equipamento fornecido (cláusula VI, nº 6.1, fls. 2 do acordo de adesão);
i) A Recorrente prestou à Recorrida, a título gratuito, formação adequada à correcta utilização do Serviço e do Equipamento (cláusula VII, nº 7.1, fls. 3 do acordo de adesão);
j) Durante a vigência do acordo de adesão, a Recorrente assegurou a assistência técnica ao Servidor, Equipamento e Software de suporte à prestação do serviço, no território nacional (cláusula X, nº 10.1, fls. 3 do acordo de adesão);
k) Instalação gratuita dos equipamentos (Anexo IV do acordo de adesão).
26. A todos estes benefícios acresce ainda que a Recorrida, tendo obtido os equipamentos em regime de aluguer, após a cessação do Acordo, não procedeu à sua devolução à Recorrente nem à aquisição do mesmo pelo seu valor residual, em total desobediência ao estipulado na cláusula XIV, nº 14.2, fls. 4 do acordo de adesão, sob a epígrafe “Vigência”.
27. De todo o exposto resultou a previsão no “acordo de adesão ao serviço – solução de gestão de frotas”, em causa nos autos, de um período de fidelização de 60 meses, cujo incumprimento implicava para a Recorrida uma obrigação de indemnizar a Recorrente correspondente à totalidade das mensalidades devidas pela prestação do Serviço e pelo aluguer do Equipamento.
28. Nos termos do disposto no art. 48º, nº 5, da Lei nº 5/2004, na redacção da Lei nº 51/2011, de 13 de Setembro, aplicável ao caso dos autos, “sem prejuízo da existência de períodos contratuais mínimos, nos termos do número anterior, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestação de serviço por parte do assinante”.
29. Ora, no caso dos autos, face aos benefícios acima descritos atribuídos pela Recorrente à Recorrida decorrentes do acordo de adesão celebrado e bem assim, dada a inexistência de devolução pela Recorrida à Recorrente dos equipamentos fornecidos em regime de aluguer nem aquisição dos mesmos pelo seu valor residual, a fixação contratual do montante de indemnização por incumprimento não se mostra desproporcionada.
30. Sendo assim a indemnização por incumprimento contratual peticionada ajustada aos danos a ressarcir, não sendo excessiva.
31. O Tribunal a quo ao considerar nula a cláusula penal que fundamenta o pedido da Autora violou o disposto no artigo 48º, nº 2, da Lei nº 5/20014, na redacção da Lei nº 51/2011, de 13 de Setembro, aplicável ao caso em apreço.
32. Pelo que deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e o presente recurso julgado procedente.

Na resposta sustenta-se a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

O elenco fáctico foi assim estabelecido na decisão recorrida:
1. A Autora tem por objecto social a prestação de serviços de comunicações electrónicas (fixas e/ou móveis), a concepção, construção, gestão e exploração de redes, infra-estruturas e soluções de comunicações electrónicas, assim como outras actividades complementares, subsidiarias ou acessórias das acima referidas.
2. No âmbito da sua actividade, a Autora e a Ré celebraram em 19/06/2014 um contrato de prestação de serviço de telecomunicações na modalidade de gestão de frotas, na sequência do que foi atribuída a conta nº (…).
3. No âmbito do contrato em apreço foram atribuídos à Ré vinte e um cartões a que correspondem vinte e um aparelhos de localização de veículos, com um período de fidelização acordado de 60 meses (entre 06/08/2014 e 05/08/2019) e uma mensalidade por cartão no valor de € 16,77 acrescido de IVA.
4. Estes cartões foram objecto de instalação nos veículos propriedade da Ré, encontrando-se em boas condições de funcionamento.
5. Os equipamentos foram entregues pela Autora à Ré na modalidade de aluguer.
6. Por motivo de falta de pagamento, tais cartões foram desactivados em 12/05/2015, encontrando-se por cumprir cinquenta e um meses de fidelização.
7. No seguimento foram enviadas à Ré, mensalmente, as facturas correspondentes à mensalidade e comunicações o que, pelo facto de não terem sido atempadamente liquidadas, originou a emissão da correspondente factura de indemnização por incumprimento contratual enviada à Ré para pagamento.
8. Encontrando-se assim em dívida o montante de € 18.705,84 correspondente à factura nº (…), emitida em 03/06/2015 e data limite de pagamento a 29/06/2015.

Por relevante para a decisão do litígio e estar demonstrado por documento aceite pacificamente pelas partes – art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – transcreve-se a cláusula IX do contrato celebrado entre as partes, sob a epígrafe “Fidelização”:
«9.1. Relativamente a cada viatura, o cliente compromete-se a cumprir o período de fidelização ao serviço indicado no formulário de adesão.
9.2. A contagem do período de fidelização ao serviço inicia-se na data de activação do cartão.
9.3. Caso o cliente não cumpra o período de fidelização ao serviço, obriga-se a indemnizar o (…) no valor correspondente à totalidade das mensalidades devidas pela prestação do serviço e pelo aluguer do equipamento, incluindo serviços opcionais, desde a data em que se registou a situação de incumprimento até ao termo do período de fidelização contratual em curso.
9.4. Na situação a que se refere a condição 9.3. e caso o equipamento tenha sido contratado em regime de aluguer, o cliente deverá disponibilizar a viatura, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da data em que se registou a situação de incumprimento, em local indicado pelo (…), para desinstalação do equipamento.
9.5. Caso o equipamento desinstalado conforme condição 9.4. apresente danos não imputáveis ao (…), será facturado ao cliente o valor residual relativo ao equipamento danificado.
9.6. Se o cliente não apresentar a viatura para desinstalação do equipamento, no prazo máximo previsto na condição 9.4., o mesmo será facturado pelo (…), pelo seu valor residual.»

Aplicando o Direito.
Da validade de cláusula aposta num contrato de prestação de serviços conexos de comunicações electrónicas, impondo uma sanção penal pelo incumprimento de um período de fidelização de 60 meses, equivalente à totalidade das prestações devidas até ao termo do contrato
Como reconhece a Recorrente na conclusão 8.ª das suas alegações, o serviço contratado envolvia a colocação de equipamentos electrónicos nas viaturas da Ré, permitindo a sua localização e acompanhamento da actividade por meio de GPS, estando tais equipamentos ligados à Internet através de cartões atribuídos (desse modo, permitindo o registo e acompanhamento em tempo real da localização e actividade das viaturas).
Ora, o art. 3.º da Lei das Comunicações Electrónicas (LCE) – Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro – na redacção em vigor ao tempo dos factos – a resultante da Lei 51/2011, de 13 de Setembro – qualificava os conceitos de “rede de comunicações electrónicas”, “serviço de comunicações electrónicas” e “serviços conexos”, nos seguintes termos:
cc) «Rede de comunicações electrónicas» os sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e os demais recursos, nomeadamente elementos de rede que não se encontrem activos, que permitem o envio de sinais por cabo, meios radioeléctricos, meios ópticos, ou por outros meios electromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a Internet) e móveis, os sistemas de cabos de electricidade, na medida em que sejam utilizados para a transmissão de sinais, as redes de radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida;
ee) «Serviço de comunicações electrónicas» o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, sem prejuízo da exclusão referida nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º;
ff) «Serviços conexos» os serviços associados a uma rede de comunicações electrónicas e ou a um serviço de comunicações electrónicas que permitem e ou servem de suporte à oferta de serviços através dessa rede e ou serviço, ou têm potencial para fazê-lo, e incluem nomeadamente os sistemas de conversão de números ou os sistemas que oferecem uma funcionalidade equivalente, os sistemas de acesso condicional e os guias electrónicos de programas, bem como outros serviços como o serviço de identidade, localização e presença.
Deste modo, envolvendo o serviço contratado uma ligação à rede móvel de Internet, através de cartões atribuídos, deve a actividade contratada ser classificada como serviço conexo de comunicações electrónicas, para os fins do art. 3.º, al. ff), da LCE, na redacção então em vigor, e como tal sujeito ao respectivo regime jurídico.
O art. 48.º da LCE, na redacção da Lei 51/2011, dispunha nos seus n.ºs 2, 3, 4 e 5, o seguinte:
2 - A informação relativa à duração dos contratos deve incluir indicação da existência de períodos contratuais mínimos associados, designadamente, à oferta de condições promocionais, à subsidiação do custo de equipamentos terminais ou ao pagamento de encargos decorrentes da portabilidade de números e outros identificadores, bem como indicar eventuais encargos decorrentes da cessação antecipada do contrato por iniciativa do assinante, nomeadamente em consequência da recuperação de custos associados à subsidiação de equipamentos terminais.
3 - Os contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas celebrados com consumidores não podem estabelecer um período de duração inicial superior a 24 meses.
4 - As empresas que prestam serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público devem oferecer a todos os utilizadores a possibilidade de celebrarem contratos pelo prazo de 12 meses.
5 - Sem prejuízo da existência de períodos contratuais mínimos, nos termos do número anterior, as empresas não devem estabelecer condições contratuais desproporcionadas ou procedimentos de resolução dos contratos excessivamente onerosos e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.
Sendo a Ré uma pessoa colectiva que contratou com um prestador de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público o fornecimento desses serviços, deve ser considerada como “assinante”, para os fins do art. 3.º, al. e), da LCE, e como tal beneficiária dos direitos especificados no aludido art. 48.º – art. 39.º, n.º 3, al. g), da LCE – nomeadamente o consignado no respectivo n.º 5, relativo à proibição de condições contratuais desproporcionadas ou excessivamente onerosas e desincentivadoras da mudança de prestador de serviço por parte do assinante.
Importa, ainda, notar que no domínio dos serviços de comunicações electrónicas, o DL 56/2010, de 1 de Junho, proíbe ao operador de serviços de comunicações electrónicas cobrar ao utente uma indemnização de valor superior ao preço corrente dos equipamentos fornecidos, deduzido do valor já pago pelo cliente, minorado pelo decurso do tempo – 100% da diferença até seis meses, 80% por mais de seis meses ou 50% por mais de um ano (art. 2.º, n.º 2) – não podendo ser exigida a cobrança de qualquer indemnização se não tiver ocorrido a oferta de equipamentos, ou qualquer desconto, abatimento ou subsidiação dos mesmos.[1]
Acresce ainda que o DL 56/2010 não se restringe apenas à cobrança de quantias pelo desbloqueamento de equipamentos, abrangendo igualmente a proibição da cobrança de contrapartidas pela resolução do contrato durante o período de fidelização, em valor superior aos indexantes mencionados no respectivo art. 2.º, n.º 2, como é bem patente através do respectivo preâmbulo, onde se afirma o objectivo de estabelecer “um limite ao valor cobrado pela resolução do contrato e pelo desbloqueamento, durante (o) período de fidelização”, e vem expresso no respectivo art. 1.º, que impõe limites indemnizatórios, quer pela prestação do serviço de desbloqueamento, quer pela rescisão do contrato durante o período de fidelização, “garantindo os direitos dos utentes nas comunicações electrónicas e promovendo uma maior concorrência neste sector.”[2]
Ainda para melhor enquadramento do conceito de “condições contratuais desproporcionadas ou excessivamente onerosas e desincentivadores da mudança de prestador de serviço por parte do assinante”, importa chamar à colação o art. 19.º, al. c), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), aprovada pelo DL 446/85, de 25 de Outubro, proibindo, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais que “consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.”
Notando que o acto em apreciação nos autos é um contrato de adesão, na medida em que foi celebrado com base num formulário contratual previamente elaborado pela Recorrente, que a assinante se limitou a subscrever ou aceitar – art. 1.º, n.ºs 1 e 2, da LCCG – ainda recentemente tivemos a oportunidade de escrever – em Acórdão desta Relação de 06.12.2018 (Proc. 3132/17.2T8STB.E1), publicado na DGSI, a propósito de cláusulas idênticas inseridas em contratos de manutenção de ascensores – que a cláusula que confere à empresa prestadora do serviço, em caso de denúncia sem justa causa pelo utilizador, o direito a receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas até ao termo do prazo estipulado, sem ter de efectuar a contrapartida desse preço, excede, objectivamente, o montante dos prejuízos decorrentes da antecipação do prazo de cessação do contrato.
Na verdade, uma cláusula como a que está em apreciação nos autos – a constante do ponto 9.3 das condições contratuais gerais – confere à Recorrente uma situação patrimonial mais favorável que aquela que ocorreria se o contrato tivesse perdurado até ao fim, e ultrapassa o âmbito de uma prestação indemnizatória, assumindo-se como cláusula de fidelização, atribuidora de uma indemnização por interesse contratual positivo, com carácter mais amplo e abrangente do que a resultante das regras gerais aplicáveis em sede de resolução do contrato.
Logo, a mencionada cláusula mostra-se desproporcionada e excessivamente onerosa, porquanto permite à Recorrente receber antecipadamente e na íntegra o valor das prestações contratuais devidas por um período de 60 meses, sem ter de efectuar a contrapartida desse preço e incorrer nos respectivos custos, pelo que afronta não apenas o disposto no art. 48.º, n.º 5, da LCE – na redacção da Lei 51/2011 – como viola o art. 19.º, al. c), da LCCG, sendo como tal proibida e nula.
Apenas em sede de recurso, a Recorrente se apresentou a alegar que havia oferecido condições contratuais mais vantajosas à Ré e que incorreu em diversos custos pelo fornecimento e instalação dos equipamentos – pontos 11 e 25 das suas conclusões. No entanto, esta matéria não foi alegada em qualquer dos articulados que ofereceu perante a primeira instância, pelo que se trata de matéria nova, não sujeita a apreciação por este tribunal de recurso.
Na verdade, os recursos visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu – os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meios para obter decisões novas, pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.[3]
Como correctamente se observou na decisão recorrida, não resultou provado – nem tal foi sequer alegado – que tenha sido estabelecido um preço especial pelo serviço acordado, apontando-se ainda que os equipamentos foram entregues em regime de aluguer, dispondo a Recorrente do direito, contratualmente estabelecido, de obter a desinstalação de tais equipamentos, de facturar os danos que os mesmos tenham sofrido, e ainda obter o seu valor residual em caso de não entrega – pontos 9.4, 9.5 e 9.6 das condições contratuais gerais.
Porém, nada disto é que está em discussão nos autos. A causa de pedir não respeita ao valor de aluguer dos equipamentos (aluguer que findou com a resolução do contrato, dispondo então a Recorrente do direito de desinstalação), ou sequer à violação da obrigação contratual de desinstalação dos mesmos, e/ou a danos neles causados.
Respeita, tão só, à cláusula contratual inserida no ponto 9.3, atribuindo à Recorrente uma indemnização no valor correspondente à totalidade das mensalidades devidas até ao termo do período de fidelização contratual de 60 meses, e como vimos, tal cláusula é desproporcionada e excessivamente onerosa – em especial quando não estão alegados quaisquer danos – e como tal afrontadora do art 48.º, n.º 5, da LCE, na redacção da Lei 51/2011, e do art. 19.º, al. c), da LCCG, sendo como tal proibida e nula.
Correctamente se decidiu, pois, pela improcedência do pedido – na parte ainda subsistente, após a desistência parcial ocorrida – pelo que a apelação será desatendida.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela A..
Évora, 20 de Dezembro de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] Neste sentido, se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 26.06.2014 (Proc. 28496/12.0YIPRT.P1) e de 28.04.2015 (Proc. 95926/13.0YIPRT.P1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
[2] Igualmente neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 26.06.2014, supra citado. Em sentido oposto, embora com fundamentação que não se acompanha, se pronunciou o Acórdão da Relação de Lisboa de 8.06.2017 (Proc. 29207-15.4YIPRT.L1-6) também em www.dgsi.pt.
[3] A propósito, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.05.2016 (Proc. 1571/05.0TJPRT-C.P1.S1), publicado em www.dgsi.pt.