Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
883/05.8TBSLV.E2
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
MATÉRIA DE FACTO
CASO JULGADO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LOTEAMENTO URBANO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
AQUISIÇÃO DERIVADA
REGISTO PREDIAL
TERCEIROS DE BOA-FÉ
ACESSÃO IMOBILIÁRIA
NORMA IMPERATIVA
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Invocando a Recorrente os erros de facto e de direito em que, a seu ver, o tribunal a quo incorreu quanto ao cerne do litígio, e não havendo fundamento para anulação, a observância da regra prevista no artigo 665.º do CPC, a respeito da substituição ao tribunal recorrido, sempre acabaria por determinar a inutilidade da apreciação sobre a verificação das arguidas nulidades, cumprindo antes aquilatar do acerto da decisão recorrida, nas impugnadas vertentes de facto e de direito.
II - Tanto a sentença proferida em 2010 como o acórdão subsequente que apenas anulou parcialmente a mesma, produzem efeitos processuais, aquela na parte não anulada da matéria de facto considerada provada e não provada, e este quanto aos segmentos impugnados daquela que foram objecto de decisão e que não foram alterados na sequência da decretada anulação parcial do julgamento, porquanto os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo, conforme actualmente deflui do n.º 5 do artigo 635.º do CPC, e ao tempo estabelecia o n.º 4 do artigo 684.º da codificação processual civil vigente, a respeito da delimitação objectiva do recurso.
III - A anulação parcial do julgamento não pode servir para a parte que oportunamente não recorreu ou não incluiu no âmbito do recurso interposto determinado objecto, suprir qualquer erro ou omissão, não lhe sendo lícito «aproveitar» o ensejo decorrente daquela anulação e da alteração parcial da matéria de facto para recorrer na parte não impugnada primitivamente ou para «ampliar» o objecto da materialidade que não impugnou oportunamente e que não sofreu qualquer alteração, por ter precludido o direito que tinha de o fazer.
IV - O facto de a sociedade que procedeu ao loteamento e foi a primitiva proprietária de ambos os lotes em questão não se ter oposto à edificação do muro e demais construções do Lote 15 que comprovadamente se encontram em terreno pertencente ao Lote 14, não tem qualquer relevância para a qualificação como abusiva da pretensão deduzida pelos AA., desde logo porque a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo, conforme expressamente estatui o artigo 1313.º, isto apenas sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião.
V - Demonstrado que à data da aquisição de cada um dos lotes, cada uma das partes tinha apenas o loteamento como título de divisão entre si, e tendo o respectivo direito de propriedade sido adquirido por AA. e R., por contratos de compra e venda celebrados com o seu anterior titular, registando-o a seu favor, ambas beneficiam da presunção decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial, de que aquele direito lhes pertence, como se mostra definido pelos documentos autênticos - escritura de compra e venda e alvará de loteamento - que definem as áreas dos prédios, e concretamente do ora reivindicado.
VI - A aquisição potestativa originária da propriedade, por via do instituto da acessão, não pode implicar violação de normas imperativas, reguladoras da edificação e do ordenamento do território, pelo que, não tendo a Ré alegado e consequentemente não podendo demonstrar que a alteração dos lotes que preconiza é lícita face às normas imperativas que regem a execução do loteamento, que claramente desrespeitou, só por esta razão já não poderia considerar-se verificada a aquisição por acessão do direito de propriedade sobre uma parcela de prédio alheio, envolvendo aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos no alvará de loteamento.
VII - Ainda que a Ré e os anteriores proprietários estivessem de boa fé, também não se verificaria o necessário pressuposto da aquisição relativo a que as obras realizadas no prédio alheio, tenham trazido à totalidade deste um valor maior do que aquele que este tinha antes delas, pagando então o valor que o prédio tinha antes da sua realização. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I - RELATÓRIO
1. M… e Ma… intentaram a presente acção declarativa de condenação contra A… e E… pedindo a desocupação de parte do prédio de sua propriedade, identificado por Lote 14, bem como a demolição das obras nele implantadas, a demarcação desse prédio com o dos réus, correspondente ao Lote 15, assim como o pagamento de quantia ilíquida a título de indemnização por danos não patrimoniais e a fixação de sanção compulsória, no montante diário de 25,00€.
Em fundamento da sua pretensão, invocaram, em síntese, que os réus, donos do prédio vizinho, ocuparam uma área de 148,5 m2 do seu prédio, ajardinando e edificando uma casa de bomba e arrecadação, bem como um muro delimitando os prédios, estando mal colocados os marcos respectivos, com o que ficou o prédio dos autores a carecer de área suficiente para ali edificarem a sua habitação, e, assim, de organizarem a sua vida, o que os tem agastado e enervado.

2. Regularmente citados, os RR contestaram alegando não terem ocupado qualquer área do prédio dos AA., e aduzindo que quando compraram o prédio já a casa e o muro estavam construídos, tendo esta construção sido efectuada sem qualquer oposição do dono do loteamento.
Formularam também pedido reconvencional, impetrando que seja declarada sua qualquer parcela do prédio dos autores por si ocupada, fixando-se o valor do terreno em 3.084,60 €, já que na faixa que os AA. alegam ser sua estão instalados os ramais de água e esgotos, uma arrecadação, jardim, o sistema de rega e o muro delimitador dos lotes.
Mais deduziram incidente de intervenção acessória requerendo a intervenção dos anteriores proprietários e construtores da casa que adquiriram, J…e R… e requereram a intervenção principal dos proprietários dos lotes 13 e 16.

3. Os Autores replicaram.

4. Foi deferida a intervenção acessória de J… e R…, circunscrita "ao apuramento das causas da ocupação, por parte dos réus, da parcela de terreno reivindicado pelos autores", e indeferida a intervenção dos proprietários dos lotes 13 e 16.

5. Citados, os intervenientes contestaram dizendo, em suma, que nunca ocuparam qualquer parte do prédio dos autores, mas para o caso de assim se demonstrar ter ocorrido, requereram a intervenção da sociedade comercial Q…, LIMITADA, que lhes vendeu o lote e indicou os marcos.

6. Admitida a intervenção e regularmente citada, a chamada nada disse.

7. Foi proferido o despacho saneador, seleccionados os factos assentes e fixada a base instrutória, que foram objecto de reclamação, desatendida.

8. Tendo ocorrido o divórcio dos Réus e a subsequente partilha dos bens, a ré E… adquiriu a totalidade do direito de propriedade sobre o prédio identificado por Lote 15, e foi habilitada no lugar do réu A….

9. No decurso da audiência de julgamento a Ré deduziu articulado superveniente, que não foi admitido, tendo oportunamente apresentado recurso de agravo.

10. Em 23.11.2010 foi proferida sentença, julgando improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção, nos seguintes termos:
"I - Fixa-se a linha de demarcação entre os lotes 14 e 15 como a paralela à formada pelo muro existente, movida para nascente até libertar 115,7m2 no lote 14;
II - Condena-se a ré a demolir o muro existente, bem como todas as construções que fiquem a poente da nova linha de demarcação;
III - Fixa-se em 25 euros diários a sanção pelo não cumprimento da ordem de demolição;
IV - Absolvem-se os autores do pedido reconvencional e a ré do demais peticionado."

11. Inconformada também com esta decisão, a Ré apelou, impetrando a fixação de efeito suspensivo ao recurso[3] e a revogação da sentença, "declarando-se adquirida por acessão industrial imobiliária a faixa de terreno ocupada a mais pela construção da moradia do lote 15 ou se for caso disso do lote 14, mediante o pagamento do seu valor, que se fixará e que houve abuso de direito por parte dos A.A.”
Os autores responderam a ambos os recursos.

12. Por aresto proferido nos autos em 01.03.2012, acordaram os Ilustres Desembargadores que então compunham a conferência[4]:
«1. Em negar provimento ao recurso de agravo;
2. Em condenar a recorrente nas custas do agravo;
3. Em conceder provimento parcial à apelação;
4. Em aditar à matéria de facto assente o seguinte facto: “os marcos sempre estiveram onde hoje estão";
5. Em anular o julgamento quanto à resposta dada ao quesito 3° da base instrutória, que deverá ser de novo respondido em função da resposta dos Srs. peritos ao novo quesito que formulamos no n° 7 deste dispositivo;
6. Em aditar à base instrutória, o seguinte quesito a que o tribunal deverá responder, com eventual e prévia produção de prova se as partes assim o desejarem: "9-A - Aquando da aquisição do lote pelo B…, foi o Sr. Q… quem lho indicou bem como os seus limites?";
7. Em formular um novo quesito como objecto da perícia, para ser respondido pelos Srs. peritos já nomeados ou outros a nomear e depois de efectuarem, no local, as necessárias medições: "Qual a área actual do lote 15?";
8. Em revogar a sentença recorrida;
9. Em condenar nas custas da apelação a parte que, a final, for vencida».

13. Observado em primeira instância o cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, em 07.06.2019 foi novamente proferida sentença, julgando improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção, nos seguintes termos:
"I - Fixa-se a linha de demarcação entre os lotes 14 e 15 como a paralela à formada pelo muro existente, movida para nascente até libertar 98,7m2 no lote 14;
II - Condena-se a ré a demolir o muro existente, bem como todas as construções que fiquem a poente da nova linha de demarcação;
III - Fixa-se em 25 euros diários a sanção pelo não cumprimento da ordem de demolição;
IV - Absolvem-se os autores do pedido reconvencional e a ré do demais peticionado."

14. Novamente inconformada, a Ré apelou, finalizando a sua minuta recursória com prolixas conclusões[5] que por não cumprirem o figurino sintético que o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, impõe aos recorrentes, não se reproduzem, reconduzindo-as à pretensão formulada, coincidente com a transcrita em 11. e sintetizando-as nas questões objecto do recurso adiante mencionadas, curando do teor das mesmas no momento da sua apreciação.
Terminam referindo que «a douta decisão recorrida viola, alem do disposto no Art. 615º n.º 1 alínea b), c) d) do CPC, os Art. 334º e sgs, Art. 829º A, Art.1340º e segs, o Art. 1360º, todos do CC, os Art. 60º e 73º do RGEU e os Art.26º e 65 nº1 - violação da intimidade privada – da Constituição da República Portuguesa».

15. Os Autores apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso, e recorreram subordinadamente, terminando a sua minuta recursória com as seguintes conclusões:
«1- O presente recurso subordinado vem interposto da sentença datada de 07/06/2019, na parte em que a mesma absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos AA. na p.i. sob as alíneas a), b), primeira parte da alínea c) e alínea e) do pedido e fixou as custas a suportar pelos AA. em 1/3.
2- Constando da matéria de facto dada como provada que: − Os autores, por compra à sociedade Q…, Lda., efetuada em 16.12.2003, são donos de um lote de terreno para construção urbana, denominado lote 14, no Cerro de São Miguel, Silves (alíneas A , B e C da especificação);
− A ré é dona do lote de terreno que confronta do poente com o dos autores e que é denominado de lote 15, no qual se encontra construído um edifício, composto de cave, rés-do-chão e 1° andar; e que
− O muro que separa os lotes 14 e 15 está implantado no terreno do lote 14, retirando 98,70m2, deste, posto que o lote 15 mede atualmente 690m2.”
os pedidos formulados pelos AA. na p.i. sob as alíneas a), b) e primeira parte da alínea c) deviam ter sido julgados procedentes.
3- Também devia ter sido julgado procedente o pedido formulado pelos AA. na p.i. sob a alínea e), ou seja, a condenação da Ré a pagar aos AA. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença, pela detenção abusiva que fazem de parte do prédio identificado em 1 da p.i..
4- O artigo 1305º, do Código Civil, confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa, pelo que, estando os AA. impedidos de fruir o prédio assiste-lhes o direito de formular o correspondente pedido de indemnização como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
5- É entendimento pacífico que o ressarcimento não está dependente da prova, em concreto, de prejuízo efetivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso, o que ocorreu.
6- É esta privação do uso que constitui um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do artigo 483º, do Código Civil, estando na inteira disponibilidade da Ré o pôr termo à ocupação que faz de parte do prédio dos AA..
7- Ao não ter decido pela atribuição da indemnização, a sentença recorrida violou o disposto no artigo
1305 do Código Civil».

16. A ré respondeu, pugnando pela improcedência do recurso subordinado.

17. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[6], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistas as conclusões das alegações de recurso, principal e subordinado, apresentadas pelos Recorrentes, as questões colocadas, pela sua ordem lógica de apreciação, reconduzem-se às de saber se: i) a sentença recorrida enferma de alguma das invocadas nulidades; ii) a matéria de facto fixada deve ser modificada, concretamente com o aditamento dos factos referidos na conclusão 17.ª, e a alteração da resposta dada aos factos vertidos nos parágrafos 2.º a 4.º da sentença, e aos quesitos 8.º, 9.º-A, e 12.º; iii) deve ser reconhecido à Ré o direito à aquisição do prédio dos AA. ou da parte que ocupa, com base na acessão imobiliária; iv) em caso negativo, se existe abuso de direito por parte dos AA. e violação de preceitos urbanísticos e constitucionais; v) a Ré devia ter sido condenada nos pedidos formulados pelos AA. sob as alíneas a), b) e primeira parte da alínea c) da petição inicial.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Os factos considerados provados, na sentença recorrida e os já tidos por assentes no despacho saneador, são os seguintes[7]:
«1. Os autores, por compra à sociedade Q…, Lda, efectuada em 16.12.2003, são donos de um lote de terreno para construção urbana, denominado lote 14, no Cerro de São Miguel, Silves, com a área de 620,50m2 (alíneas A, B, e C da especificação);
2. A ré é dona do lote de terreno que confronta do poente com o dos autores e que é denominado de lote 15, no qual se encontra construído um edifício, composto de cave, rés-do-chão e 1º andar (alíneas D a H da especificação, com a rectificação efectuada em acta da audiência e teor da escritura de partilha por divórcio junta aos autos);
3. A poente do prédio da ré encontra-se um muro de vedação, uma zona ajardinada e uma construção em alvenaria – casa de bomba e arrecadação (alínea I da especificação);
4. A poente do prédio da ré encontra-se ainda a ligação da moradia ali construída ao sistema de esgotos e a instalação de rega do jardim (alínea L da especificação);
5. O muro que separa os lotes 14 e 15 está implantado no terreno do lote 14, retirando 98,7 m2 deste (resposta ao quesito 3º); (matéria provada no âmbito da nova audiência de julgamento)
6. Tal, juntamente com a falta de outros cerca de 49,8 m2[8], tem impedido os autores de construírem a sua habitação, tal como a haviam projectado (resposta ao quesito 6º);
7. O que os tem enervado e agastado e impedido de organizar a sua vida (resposta ao quesito 8º);
8. A sociedade Q…, dentro dos 3 meses que se sucederam à implantação do muro, obras de jardinagem, construção da casa de bomba e arrecadação, ligação da moradia ali construída ao sistema de esgotos e a instalação de rega do jardim não se opôs a tanto (resposta ao quesito 9º);
9. Tais obras foram efectuadas por J… em data não posterior a 2000 (resposta ao quesito 10º);
10. À vista de toda a gente (resposta ao quesito 11º);
11. Com o que terá gasto cerca de 11.000 euros (resposta ao quesito 13º);
12. O terreno que integrava o lote 14, à data das obras, tinha o valor de 30 euros por metro quadrado (resposta aos quesitos 14º e 15º).”
“Prova-se ainda que:
13. Integrado num muro que assinala a estrema norte do prédio da ré encontra-se um marco, que dista cerca de 4,90 metros da nascente do muro de vedação e encontra-se a 2,73 metros a poente do ponto assinalado como A na planta de fls. 30 (alínea J da especificação e resposta ao quesito 4º);
14. Encostado ao vértice do muro que assinala a estrema sul do prédio da ré encontra-se outro marco que se encontra a 1,89 metros a poente do ponto assinalado como B na planta de fls. 30 (alínea K da especificação e resposta ao quesito 5º).
15. Os marcos sempre estiveram onde hoje estão. (matéria aditada pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora).»
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Para além destes factos provados, cumpre ainda ter presente que:
A) não se provaram os demais factos oportunamente alegados e levados aos quesitos 7.º, 9.º-A, e 12.º, nos quais se perguntava:
«7.º - Levando a que, por a moradia ser construída mais tarde, tenha um custo superior?
9.º-A - Aquando da aquisição do lote pelo Barradas, foi o Sr. Quintas quem lho indicou bem como os seus limites?
12.º - Pensando construir em terreno seu?»;
B) os quesitos 10.º e 13.º a 15º, foram objecto de resposta restritiva, importando salientar que perguntando-se naquele se as obras foram efectuadas pelos RR e por Joaquim Barradas, ficou demonstrado apenas a sua realização por este, e quanto aos valores inicialmente alegados, ficou provado apenas o que consta nos factos ora numerados sob 11 e 12.
C) para além dos referidos factos provados, no despacho saneador haviam já sido consideradas como factos assentes, as inscrições decorrentes das certidões da Conservatória do Registo Predial juntas aos autos, relativas aos prédios em causa, com o seguinte teor:
«b. Sob o número …, na Conservatória do Registo Predial de Silves, descreve-se o prédio referido em a. [Lote 14], mencionando-se, sob o averbamento 01, ser um "terreno para construção urbana - 620,50 m2 - área de implantação: 155,12 m2 - área de construção: 232,68 m2" -cfr. Doc.3 dos autos.
c. Mais se inscreveu, em 31 de Dezembro de 2003, sob a cota G-1, a "AQUISIÇÃO a favor de M… , c.c. Ma… […] por compra a Q…, Limitada" - cfr. Doc. 1 dos autos.
d. Sob o número 03021/900917, na Conservatória do Registo Predial de Silves, descreve-se o prédio sito no Cerro de São Miguel, Lote 15, mencionando-se, sob o averbamento 01, ser um "terreno para construção urbana - 591,30 m2 - área de implantação: 147,82 m2 - área de construção: 221,73 m2" -cfr. Doe. 4 dos autos.
e. Em 29 de Agosto de 2000, averbou-se sob o n.º 02 que ''foi construído um edifício, composto por cave, rés-do-chão e 1º andar […] 134,47 m2 - logradouro - 456,83 m2" -cfr.Doc. 4 dos autos.
f. Mais se inscreveu, em 29 de Outubro de 1998, sob a cota G-1, a "AQUISIÇÃO a favor de R…, c. c. J… [ ...] por compra a Q…, Limitada" - cfr. Doc. 4 dos autos.
g. Igualmente se consignou, em 15 de Setembro de 2000, sob a cota G-2, a "AQUISIÇÃO a favor de A…, c. c. E… [ ...] por compra" - cfr. Doc. 4 dos autos».
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Ao abrigo do disposto nos artigos 663.º, n.º 2 e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, em face da certidão da Conservatória do Registo Predial de Silves, que faz fls. 11 a 14, importa ainda considerar a seguinte factualidade:
- A área de cada um dos lotes tal como acima indicada, decorreu da alteração ao alvará de loteamento n.º 2/83, aprovada por deliberação camarária de 97/12/09, e foi registada pela Ap/980709, do qual consta que “a superfície coberta para as moradias unifamiliares não deve exceder 25% da área do lote”.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Das invocadas nulidades
Pretende a Apelante que a sentença recorrida é nula, porque viola o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, pelos fundamentos indicados na sua conclusão 13.ª, que tentaremos enquadrar em cada uma das indicadas alíneas já que a recorrente se limitou a invocar sem ter tido qualquer preocupação de ordenação quanto ao enquadramento da alegação dos invocados vícios da sentença em cada uma das alíneas daquele preceito legal.
Diz a Recorrente que «[o] Tribunal não fez uma análise crítica dos factos, não indicou quais os fundamentos para a decisão da matéria de facto e de direito; limita-se a debitar a matéria de facto que, no seu entender se provou, sem tecer qualquer fundamentação (diz apenas que quanto ao quesito 3º de fundou na perícia realizada em último lugar) e, quanto à matéria de facto que considera que não se provou limita-se a dizer que não houve qualquer produção de prova porque, em seu entender, a prova que se produziu por declarações, está inquinada pelo envolvimento pessoal de quem foi inquirido, sem explicar em que termos, em que medida, tecendo comentários e, presunções sem fundamentar a sua decisão, nos termos que legalmente se impõe», e que «condena a recorrente na sanção pecuniária proposta considerando-a razoável, sem fundamentar».
Vejamos.
Em face do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Este preceito correlaciona-se com o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, que rege sobre a elaboração da sentença, impondo que nesta sejam declarados os factos que se julgam provados e os que se julgam não provados.
Conforme é sabido, a previsão desta nulidade encontra-se em harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do artigo 154.º, n.º 1, do CPC, de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
Acresce que, atento o fundamento da norma, concordamos com o entendimento que defende ocorrer também esta nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[9].
Na verdade, é entendimento pacífico que a exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo o julgador indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto, e de convencer os destinatários sobre a sua correcção.
Efectivamente, se não se exige ao julgador que na motivação da decisão sobre a matéria de facto escalpelize todo e qualquer detalhe que levou à formação da sua convicção, ou sequer que o faça ponto a ponto, o certo é que tal motivação efectuada com a apreciação crítica e a especificação dos fundamentos, com o sentido que o artigo 607.º, n.º 4, do CPC encerra, impõe que se compreenda com clareza o porquê da sua decisão num ou noutro sentido, face às provas concretamente produzidas, apreciadas em face das regras da ciência, da lógica e de experiência de vida, que são os critérios subjacentes ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no n.º 5, da referida disposição legal.
Em suma, a fundamentação consiste na expressão do conjunto das razões quer de facto quer de direito ou jurídicas, em que assenta a decisão; ou seja, na indicação dos motivos pelos quais se decide de determinada forma, com vista a permitir aos destinatários sindicar a motivação do julgador[10].
Como é pacífico, este vício ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso, quando o mesmo for admissível, mas não a respectiva nulidade[11].
Ora, na situação em presença é evidente que esta exigência legal foi satisfatoriamente cumprida, tanto assim que claramente permitiu à Apelante o contraditório, nomeadamente impugnando a matéria de facto considerada provada e não provada.
Uma nota final se impõe, a respeito da fundamentação da matéria de facto considerada não provada e não provada, na sentença sob recurso, para relembrar que a sentença recorrida não foi a primeira decisão proferida nestes autos, tendo esta sido prolatada na vigência da anterior redacção da codificação processual civil, e de acordo com o figurino vigente, o mesmo é dizer, com a prévia decisão pelo Senhor Juiz de Círculo da matéria de facto provada e não provada, então fundamentada nos termos do despacho de 06.07.2010, que faz fls. 637 a 641 dos autos, e que não havia que reproduzir na fundamentação de facto da sentença ora recorrida, na parte em que se mantinha intocada, apenas se impondo que o julgador fundamentasse, como fez, a resposta ao quesito 3.º, que havia sido anulada, e ao 9.º-A, aditado por este Tribunal da Relação, no aresto de 01.03.2012.
De facto, o acerto ou desacerto da respectiva decisão quer na vertente de facto quer na de direito, é questão diversa da colocada pela Recorrente, já que não se situa no âmbito dos vícios geradores de nulidade, tendo antes assento no domínio do eventual erro de julgamento, a conhecer no momento próprio, já que igualmente invocado pela Recorrente.
Improcede, pois, a arguida nulidade por falta de fundamentação, cumprindo oportunamente aquilatar se a decisão de facto impugnada deve ou não ser modificada e se a decisão jurídica enferma de erro de julgamento.
Mais diz a Recorrente que existe «contradição/ambiguidade, entre a parca fundamentação tecida e, a decisão, o que a torna, a final, ininteligível, o que aqui se invoca nos termos e para os devidos efeitos legais», já que na sentença recorrida primeiro se diz que a ré «se ofereceu para pagar o preço do terreno, para efeitos de aquisição (pág. 5 parágrafo 4º da sentença), para mais à frente dizer que não o fez pág 6 parágrafo 1 da sentença - para logo a seguir afirmar que o fez pág. 6 parágrafo 6 da sentença; é decidido e, bem que a recorrente não praticou qualquer facto ilícito, sendo certo que também não se apurou qualquer facto ilícito quanto a esta matéria por parte do casal Barradas (vide parágrafo 8º, 9, 10º, devendo considerar-se provado o quesito 12 e 9º A, como se defende neste recurso), para em seguida se defender que não se provou a sua boa fé e, com base nisso determinar absolver os AA do pedido reconvencional». Ademais, a seu ver não é verdade a afirmação efectuada na sentença recorrida, de «que nada na matéria de facto apurada nos confirma a boa fé para efeitos do Art. 1340º - 1343º do CC, o que não corresponde à verdade: a boa fé tanto do casal Barradas como dos RR e, agora apenas da recorrente está demonstrada à saciedade».
Decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta causa de nulidade da sentença, é facilmente compreensível se atentarmos que os fundamentos de facto e de direito que subjazem à decisão, estão intrinsecamente ligados, impondo-se que a decisão proferida seja o corolário lógico dos respectivos fundamentos.
Assim, se as premissas em que assentou a fundamentação estiverem em contradição com o silogismo judiciário que das mesmas devia decorrer, existe a referida contradição, fulminando a decisão com a nulidade pelo invocado fundamento.
Ora, no caso em apreço, basta uma leitura minimamente atenta da sentença recorrida para se concluir que não existe a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão já que, conforme o Senhor Juiz expendeu na respectiva motivação, mostram-se devida e logicamente fundamentadas tanto as razões de facto como as de direito, sendo o dispositivo da sentença na parte respeitante à aquisição por acessão, a decorrência lógica da interpretação dos factos levada a cabo pelo julgado que considerou não ter havido uma efectiva oferta de compra e não estar demonstrada a necessária boa fé.
A recorrente discorda desse entendimento. Porém, essa discordância não configura nulidade, enquadrando-se antes no eventual erro de julgamento, já que aquilo que a mesma pretende salientar é que a decisão tomada pelo julgador está errada, essencialmente porque, no entender da Recorrente, a boa fé para efeitos de aquisição deve considerar-se provada. Ora, pelas razões já expostas, não é com a arguição da indicada nulidade que a Recorrente pode justificar a sua discordância quanto ao que foi decidido[12], uma vez que o modo processual adequado para o efeito é a impugnação da matéria de facto, o que fez, como desde logo decorre do parêntesis acima transcrito, já que o quesito 12.º da matéria de facto, mereceu oportunamente do julgador a resposta de «não provado».
Assim sendo, no caso vertente, o raciocínio vertido na sentença recorrida quanto à fundamentação de facto e de direito, conduz de forma lógica à decisão proferida nos autos, donde concluímos que a mesma não enferma da invocada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, cabendo antes e oportunamente apreciar se se verifica o invocado erro de julgamento.
Finalmente, aduz a Apelante que «o Mm Juiz a quo fez tábua rasa de todos esses factos provados (…), - não se pronuncia sobre os pedidos formulados pela recorrente; - A linha divisória fixada pelo Tribunal a quo não obedece a qualquer critério legal e/ou equitativo, na medida em que implica que a moradia da recorrente deixa de ter a ligação à rede de esgotos, deixa de ter a ligação à rede de água e, deixa de cumprir os critérios legais de afastamento ao prédio vizinho, ou seja: deixa de ser utilizada para os fins a que se destina e, passa a estar em situação ilegal. - sem prescindir do referido supra, a sentença é nula também porque condena em sanção compulsória pelo não cumprimento da ordem de demolição, sem fixar prazo para a demolição».
Apreciando.
Decorre da invocada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[13].
É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o anteriormente preceituado no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, e agora vertido no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação pelo juiz do dever estabelecido no referido artigo[14].
Conforme tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tais questões - a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções»[15].
Conforme lembra o Conselheiro FERREIRA DE ALMEIDA[16] «[i]ntegra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão de abordagem de uma qualquer questão temática central integra o vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
Ora, no caso em presença, a primeira instância julgou improcedente o pedido reconvencional, donde não vislumbramos de que pedido formulado não conheceu a decisão recorrida. Se a Recorrente se reporta às questões colocadas na reconvenção, elas ficaram naturalmente prejudicadas pela decisão referente à não verificação dos pressupostos para aquisição da faixa do prédio em litígio, por acessão.
Porém, pese embora a arguição das indicadas nulidades da sentença recorrida, o certo é que quanto à invocada contradição e ininteligibilidade logo a Apelante avança referindo que o douto tribunal a quo errou ao afirmar que o prédio dos RR. tem 296m2.
Ademais, o conhecimento desta nulidade redundaria na prática, numa inutilidade, atento o que dispõe o artigo 665.º do CPC, isto porque aquilo que a Apelante efectivamente coloca em causa é o acerto da decisão recorrida, sendo que, a regra constante no indicado preceito impõe que o tribunal de recurso conheça do objecto da apelação, salvo, designadamente, se houver motivo para a anulação da decisão recorrida.
De facto quando, como sucede na situação vertente, «a nulidade não é o único objecto do recurso mas apenas mais um dos fundamentos através dos quais se ataca o mérito da decisão recorrida e se reclama a sua alteração, o tribunal de recurso, ainda que conheça da nulidade, deve substituir-se ao tribunal recorrido sanando a nulidade e conhecendo dos demais fundamentos do recurso»[17]. «Sucede mesmo que o tribunal de recurso pode não necessitar sequer de conhecer da nulidade da decisão recorrida e não deve conhecer desse vício se puder logo confirmar ou revogar a decisão recorrida com outro fundamento» e, acrescentamos, se por outra razão, tal conhecimento acabar por redundar na prática de um acto inútil e, por tal, de prática proibida pelo artigo 130.º do CPC.
Seria no caso o que se passaria com a vertente da impugnação relativa à matéria de facto relevante alegadamente não vazada na decisão recorrida mas decorrente da prova documental junta aos autos, mormente das certidões da Conservatória do Registo Predial, a qual, de harmonia com o previsto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, que remete designadamente para o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, sempre se imporia que este Tribunal tomasse em consideração quanto aos factos que só podem ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, por acordo ou confissão.
Acresce que, como se sublinhou no referido Acórdão da Relação de Coimbra, «nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso. (…) Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada».
Aplicando o que vem de referir-se ao caso concreto em apreço, verificando-se a invocação pela Recorrente dos erros de facto e de direito em que, a seu ver, o tribunal a quo incorreu quanto ao cerne do litígio, e não havendo fundamento para anulação, a observância da regra prevista no artigo 665.º do CPC, a respeito da substituição ao tribunal recorrido, sempre acabaria por determinar a inutilidade da apreciação sobre a verificação das arguidas nulidades, cumprindo antes aquilatar do acerto da decisão recorrida, nas impugnadas vertentes de facto e de direito.
*****
III.2.2. Da impugnação da matéria de facto
Pretende a Recorrente a ampliação da matéria de facto considerada na decisão, com o aditamento dos pontos 22 da contestação e 44, 56, 58, 61 da Reconvenção, pois, a seu ver, assim o impõem os meios de prova que enunciou na conclusão 14.ª.
Assim, no entender da Apelante vertido na conclusão 17.ª, «Devem ser considerados provados e, aditados à matéria provada, os factos com interesse para a decisão da causa, e que são os seguintes[18]:
1 - a casa dos RR não podia ter sido construída onde o foi, nem manter-se, se não tivesse sido observada a distância até ao prédio vizinho constante do projecto e não teria possibilidade de obter licença de ocupação nem de ser usado, nem vendido sem a ligação ao sistema de esgotos e sem serem cumpridos os afastamentos legais – 5 m;
2 - os AA contactaram os RR em 2005 dizendo que tinham comprado o terreno em Dezembro de 2003 e que quem lhes fez o desenho da casa lhes disse que a casa desenhada não cabia no terreno, ao que responderam que tinham adquirido a casa murada tal como está, há já bastantes anos e que ignoravam qualquer ocupação do que não lhes pertencia, pois não usavam mais do que lhes fora vendido;
3 - os AA reconheceram em reunião com os RR, que o terreno deles estava ocupado em parte pelo do vizinho lote 13 e que não o demandavam porque o seu proprietário vive no estrangeiro, segundo disseram ao Sr. Quintas e este disse aos RR;
4 - os RR sabem que o muro do lote 13 foi construído para lá do muro que o delimita do lote 14;
5 - o Sr. Q…, dono da Urbanização da Q…. Lda, sabia desde há muito, e sobretudo quando vendeu o lote 14, que este tinha, de facto, área inferior à referida no loteamento e escritura;
6 - as obras efectuadas no lote 15, tinham na altura da construção um valor superior ao custo da área alegadamente em falta no lote adquirido pelos AA».
Porém, não lhe assiste qualquer razão.
Na realidade, a Recorrente parece olvidar que tanto a sentença proferida em 2010 como o acórdão subsequente que apenas anulou parcialmente a mesma, produzem efeitos processuais, aquela na parte não anulada da matéria de facto considerada provada e não provada, e este quanto aos segmentos impugnados daquela que foram objecto de decisão e que não foram alterados na sequência da decretada anulação parcial do julgamento, porquanto os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo, conforme actualmente deflui do n.º 5 do artigo 635.º do CPC, e ao tempo estabelecia o n.º 4 do artigo 684.º da codificação processual civil vigente, a respeito da delimitação objectiva do recurso.
Ora, basta cotejar o teor da pretensão ora formulada com aquela que foi oportunamente aduzida na apelação da primitiva sentença, para concluir que toda esta materialidade, mesmo quando não se trata de meras asserções ou conclusões, ainda que com uma ou outra nuance decorrente da sua repetição nos articulados, ou foi já objecto de decisão no aresto proferido em 01.03.2012, ou é absolutamente irrelevante.
Na realidade, sob a alínea k) das suas primeiras alegações, dizia então a Ré o mesmo (em substância), quando pretendia ver provado que «(face ao doutamente alegado em 22. da réplica, deverá ainda considerar-se provado o alegado em 44 da contestação -) "Aliás, era evidente que o lote 14 era mais pequeno que os limítrofes, sendo manifesta a sua exiguidade, até pelo facto de estes estarem murados;"l) É manifesta a actual exiguidade do prédio dos Autores "; (artº 22 da réplica, na parte factual que os R.R. aceitam); m) as obras referidas em 53 da contestação são indispensáveis para o prédio dos RR., valorizam o lote; a casa dos RR. é inutilizável sem a respectiva ligação aos esgotos, são factos que os AA. não podem ignorar, até porque os lotes são confinantes neste sentido, Ac. RC in BMJ, 442°-268, e Ac. RP, BMJ, 307°-305.
n) A casa dos RR. não podia ter sido construída como e onde o foi, nem manter-se se não tivesse sido observada a distância até ao prédio vizinho constante do projecto.
o) O prédio dos RR. não teria possibilidade de obter licença de ocupação nem de ser usado, nem vendido, sem a ligação da moradia ao sistema de esgotos e sem serem cumpridos os afastamentos legais e legalmente aceites - 4,75 metros; (v. quanto a ambos estes nºs o doc 11 e a resposta dos peritos junta em 29/01/2009 a fls. 2 e 3). – artº 26 da contestação;
A respeito desta pretensão, afirmou-se naquele aresto:
«Estamos, inquestionavelmente, perante matéria conclusiva.
Para além disso, e que era o bastante para não ser atendido o pretendido, não descortinamos, com toda a consideração por opinião contrária, a relevância que esta matéria tem para a decisão. Mesmo que o lote dos AA, na sua configuração aquando da sua aquisição por si, fosse manifestamente mais pequeno que os limítrofes e que fosse manifesta a sua exiguidade para permitir a construção de uma casa, não impediria que os AA o comprassem mesmo que com a predisposição de empreender os meios legais necessários a obterem dos ocupantes dos lotes limítrofes a parte que ilicitamente ocuparam.
Ou seja, o alegado não impede o exercício do direito pelos AA. nem legitima a eventual ocupação pela Ré de parte da propriedade dos AA.
Vai, assim, desatendida a pretendida inclusão».
Assim, por ter sido já objecto da decisão anterior, não se atende ao requerido aditamento do n.º 1, pretensão correspondente à anteriormente veiculada nas alíneas n) e o). Por iguais razões, soçobra a pretensão veiculada na conclusão 28. na qual a Apelante diz também pretender «que os factos que alegou na contestação sob os números 37, 38, 40, 41, 42, e de cuja omissão na base instrutória reclamou, sem sucesso, têm interesse e são indispensáveis para a boa decisão da causa e para o apuramento da boa ou má fé das partes e, devem ser considerados provados, o que se requer». Trata-se de pretensão que já havia formulado e que o aresto de 01.03.2012, fundadamente, desatendeu.
Prosseguindo.
O pretendido aditamento ora identificado sob o número 2, respeita ao teor de alegadas conversas entre AA. e R., visando demonstrar a sua boa fé.
A este respeito, o único elemento factual que instrumentalmente pode relevar na compreensão do litígio, é a parte respeitante ao facto que daquela alegação se extrai, de a casa que ora pertence em exclusivo à Ré ter sido adquirida ao casal Barradas já delimitada pelo muro, tal qual como este se encontra.
Ora, tal facto extrai-se da conjugação dos factos elencados sob os n.ºs 2 e 9, com a data da aquisição do prédio pela Ré e seu então marido, que consta da Certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos autos, nos termos expressos no saneador e ora vertidos supra, e a resposta restritiva ao quesito 10.º, onde se perguntava se as obras (incluindo o muro) haviam sido levadas a cabo pelos RR. e por Joaquim Barradas, tendo-se considerado provado que o foram apenas por este.
Nada mais existe, pois, que seja relevante e cumpra aditar a este respeito.
Relativamente aos números 3 a 5, trata-se de matéria cujo aditamento a Ré já havia impetrado, e que, como não pode deixar de saber, foi objecto de decisão no anterior aresto, nos seguintes termos:
"B - Entende ainda a R que os factos que alegou na contestação sob os nºs a
seguir indicados, e de cuja omissão na base instrutória reclamou, sem sucesso, têm
interesse e são indispensáveis para a boa decisão da causa e para o apuramento da boa ou
má fé das partes:

"37. os A.A. reconheceram, em reunião com os RR, que o terreno deles estava ocupado em parte pelo do vizinho lote 13;
38. e que não o demandavam porque o seu proprietário vive no estrangeiro (?!) segundo disseram ao Sr. Q… e este disse aos RR;
40. o muro do lote 13 foi construído para lá do marco que o delimita do lote 14;
41. o Sr. Quintas, dono da urbanização da Q… Lda, sabia desde há muito, e sobretudo quando vendeu o lote 14, que este tinha, de facto, área inferior à referida no loteamento e na escritura;
42. até porque antes de ter vendido o lote 14, já havia dito a terceiros que não tinha mais lotes para vender;"
Como se depreende do que vimos dizendo, esta factualidade não tem qualquer relevância para a decisão.
Não está em causa nesta acção saber se o muro do lote 13 foi implantado no terreno pertencente ao lote 14. Os proprietários do lote 13 não só não são parte no processo, como a sua actuação é irrelevante para a decisão, nomeadamente, a de saber se o lote da Ré ocupa parte do terreno pertencente ao lote 14 dos AA, ocupação que existirá se a área do seu lote for e na medida em que o for, superior à que consta da escritura e do registo.
Também o invocado conhecimento do Sr. Q… é irrelevante, já que não foi demandado pelos AA. nem está em causa a anulação do contrato que os AA celebraram com ele.
Vai, pois, indeferida também esta pretensão, correctamente desatendida na reclamação que formularam».
Finalmente, quanto ao n.º 6, acima referido, é uma evidência que tal terá de ser extraído de outros factos provados e, por si, não é passível de enunciação. Mas, isso a Recorrente já devia saber, já que igual pretensão foi por si formulada e objecto do anterior aresto, ali sob a alínea s), onde se pretendia o aditamento seguinte: «as obras em causa, tinham na altura da construção um valor superior ao custo dos 148,5 m2 alegadamente em falta no lote adquirido pelos A. A., mesmo em 2003», tendo sido desatendida a pretendida inclusão, precisamente por se tratar «de matéria conclusiva».
Improcede, pois, sem necessidade de ulteriores considerações, a pretensão de aditamento da matéria de facto, nos termos em que foi formulada pela Recorrente.
Considera ainda a Recorrente que «o Tribunal a quo julgou incorrectamente os seguintes concretos pontos» que indica da matéria de facto, mormente os constantes dos parágrafos 2.º a 4.º. Sendo relevante a matéria que constava proposta pela Recorrente como redacção para o ora n.º 2 da matéria de facto provada, o certo é que, pese embora não vertida expressamente na factualidade elencada na sentença, a mesma estava já estava processualmente adquirida, por documento, nada mais impondo alterar em face do aditamento ora efectuado do elenco factual decorrente das certidões da Conservatória do Registo Predial.
No concernente à pretendida modificação à factualidade vertida nos números 3 e 4, pelo aditamento das “construções” levadas a cabo pela Ré, recorda-se uma vez mais a Apelante que tal matéria já foi oportunamente decidida no aresto de 01.03.2012, nos seguintes termos:
«q) as obras efectuadas na faixa do terreno que os A.A. alegam pertencer-lhe são as seguintes – art. 53 da contestação, comprovado pelo relatório dos peritos, por unanimidade:
1) ligação da moradia dos R.R. ao sistema de esgotos e
2) o muro, edificados antes de 2000 (dado que a licença de ocupação na 209/00 foi emitida em 23/08/2000); ambos efectuados pelo vendedor Barradas
3) a arrecadação, com um depósito de água com motor para abastecimento de água à moradia,
4) a instalação de rega e
5) o jardim, em 2001/2002, já efectuados pelos RR.
Esta factualidade foi, em devido tempo, parcialmente levada à matéria assente nas alíneas i. e l.
A existência do depósito da água com motor, é absolutamente irrelevante para a decisão do pedido reconvencional, pois que tratando-se de um equipamento amovível e não de obra ou edificação, não pode ser contabilizado para efeitos de acessão, que é o que está aqui em causa.
A data da construção do muro consta já dos quesitos 9 e 10. Como não vem pedida a alteração da respectiva decisão, é irrelevante saber se esta se coadunou ou não com o relatório dos peritos.
A data da construção do jardim é irrelevante para a decisão. Poderia interessar para efeitos da boa fé. Todavia, como os RR alegam que foram eles a implantá-lo e estando o mesmo dentro do muro anteriormente edificado, a data torna-se irrelevante já que o que importa é a data da construção do muro delimitador e esta, segundo alegam, foi anterior».
Tendo sido objecto da decisão proferida no anterior aresto, mantém-se intocada a matéria de facto tal como vertida nos pontos 3 e 4 da matéria de facto provada.
Pretende ainda a Apelante a respeito do «parágrafo 8º da Matéria de Facto», que «tal matéria devia ser considerada não provada na medida em que nenhuma prova, documental se produziu que permita dar tal matéria como prova, sendo que a prova testemunhal se cinge a meras respostas das testemunhas amigas do Recorridos, supra transcritas, e que aqui se dão por reproduzidas, induzidas pela pergunta formulada e, sem qualquer razão de ciência e, sem qualquer concretização, não merecendo qualquer credibilidade».
A referência ao parágrafo 8.º decorre de um evidente lapso, já que a matéria provada potencialmente desfavorável à Recorrente e, por isso, única passível de por si ser impugnada, é a correspondente ao quesito 8.º que consta vertida no número 7 da decisão de facto.
Acontece que estamos novamente perante matéria de facto que já havia sido considerada assente na primitiva sentença não tendo sido objecto de qualquer alteração na sentença ora recorrida, e não foi oportunamente impugnada pela Apelante na apelação interposta, de cujo objecto constava precisamente a reapreciação da matéria de facto, como temos vindo a relembrar. Ora, a anulação parcial do julgamento não pode servir para a parte que oportunamente não incluiu no âmbito do recurso interposto tal objecto, suprir qualquer erro ou omissão quanto a esta matéria de facto que pretende agora impugnar, não lhe sendo lícito «aproveitar» o ensejo decorrente da alteração parcial da matéria de facto para «ampliar» o objecto da materialidade que não impugnou oportunamente e que não sofreu qualquer alteração, por ter precludido o direito que tinha de o fazer.
Mantém-se, pois, intocada a matéria de facto constante do número 7 dos factos provados.
Diz ainda a Apelante que «a matéria de facto constante do quesito 12 da Base Instrutória não foi dado como provado e, impunha-se que fosse dado como provado que: as obras referidas no quesito 10 da Base instrutória foram efetuada por Joaquim Barradas em data não posterior a 2000, à vista de toda a gente, o que efectivamente se provou e, bem e, ainda que o fez “Pensando construir em terreno seu.”, o que requer– quesito 12 da Base Instrutória-, atentos os concretos meios de prova supra e que aqui se dão por reproduzidos, existentes nos presentes autos e, constantes de gravação nele realizada, impunham que o quesito 12 da Base Instrutória fosse dado como provado, o que se requer».
A respeito da pretendida modificação da resposta de não provada dada ao quesito 12.º, onde se perguntava se o J… quando efectuou as obras, pensava que estava a construir em terreno seu, sublinharemos que a Recorrente persiste neste recurso em fazer tábua rasa da decisão anteriormente proferida por este Tribunal, o que não se compreende já que se encontra patrocinada por Ilustre Advogado.
Ora, quanto à impugnação deste quesito consta naquele acórdão, o seguinte:
«4 - Alteração da resposta dada ao quesito 12°.
Foi pelo aqui relator proferido a fIs. 787 e 788 o seguinte despacho: "Visa a recorrente na apelação, para além do mais, a alteração da decisão da
matéria de facto no que tange aos quesitos
e 12°. (…)
É nas alegações que o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena
de rejeição, quais
os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou
gravação nele realizada, que impunham decisão sobre
os pontos da matéria de facto
impugnados diversa da recorrida, indicando ainda, sendo caso disso,
os depoimentos em
que se funda, por referência ao assinalado na acta.

Como se referiu no transcrito despacho, a recorrente não cumpriu esse
ónus e nem o fez quando ouvido nos termos e para os efeitos referidos no
despacho, sendo embora certo que, ainda que o fizesse, não ficaria sanada a
apontada omissão, já que é nas alegações que o referido ónus tem que ser
observado, não prevendo o Código de Processo Civil a possibilidade da sanação
por convite do relator.

Pelo referido, rejeita-se o recurso nesta parte».
Desta sorte, e como é bom de ver, tendo sido rejeitado o recurso oportunamente interposto na parte referente à reapreciação da matéria respeitante ao quesito 12.º da base instrutória, e tratando-se de matéria de facto não provada que não foi objecto de qualquer alteração na sentença recorrida, aplica-se a esta pretensão mutatis mutandis o que dissemos quanto à pretensão de modificação da matéria de facto provada no número 7 da decisão recorrida, para não provada. De facto, tendo a Apelante impugnado na devida oportunidade tal facto, o certo é que o fez sem ter cumprido os ónus que a legislação processual civil então vigente lhe impunha, incumprimento que motivou a rejeição da apreciação do objecto do recurso nessa parte, não podendo agora a mesma sofrer qualquer alteração, nem a parte suprir o que então não cumpriu, isto porque precludiu o direito que a Apelante tinha de efectuar tal impugnação.
Finalmente, pretende a Apelante a modificação da resposta dada pelo tribunal a quo ao quesito 9.º-A, aditado pelo anterior aresto deste Tribunal, no qual se questionava se Aquando da aquisição do lote pelo B…, foi o Sr. Q… quem lho indicou bem como os seus limites?, dissentindo do entendimento do julgador de que “não houve produção de prova apta a dar outra resposta ao quesito 9º A, que a de não provado, porquanto produzida em audiência por declarações, atendendo ao evidente envolvimento pessoal de quem foi inquirido, não permite em consciência, outra solução.”, e pretendendo que o mesmo seja considerado provado.
Considera a Apelante que O Tribunal a quo devia ter dado como provado que aquando da aquisição do lote 15 pela R. ao vendedor B…, este garantiu-lhe que foi o Sr. Q… quem lhe indicou os seus limites, que são os definidos pelos marcos existentes no local e, que sempre estiveram onde hoje estão.
A matéria relativa ao facto de o vendedor Barradas ter garantido aos então RR, que quando adquiriu o lote foi o próprio Sr. Q… (gerente da sociedade urbanizadora) a indicar-lho e os seus limites, ou seja os marcos que o definem, nunca pensando ele estar a ocupar terreno alheio, tanto que os integrou no seu muro de vedação – art. 31º e 39º da Contestação – está provada, face aos concretos meios de prova supra indicados e transcritos e que aqui se dão por reproduzidos, existentes nos presentes autos e, constantes de gravação nele realizada, impunham que tal matéria de facto fosse considerada provada, o que se requer.
- Provado está pois, sem margem para qualquer duvida, que foi o próprio Sr. Q… a indicar ao B…, aquando da aquisição, o lote bem como os seus limites- quesito 9ºA
- Mal andou o Tribunal a quo ao considerar tal matéria não provada e, mais grave ao considerar que não houve produção de prova apta a dar outra resposta ao quesito 9ºA, “… porquanto a produzida em audiência por declarações, atendendo ao evidente envolvimento pessoal de quem foi inquirido, não permite, em consciência outra solução.”
A impugnação deste ponto da matéria de facto pela Ré, ora Recorrente, deve considerar-se efectuada com suficiente observância dos ónus a respectivo cargo previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, cumprindo consequentemente verificar se existem ou não razões para modificar tal matéria de facto, avançando-se desde já, que a proceder a modificação da resposta, nunca seria nos termos por si pretendidos, já que o seu aditamento e a sua relevância para o objecto do litígio a respeito da boa fé, não são aqueles por si indicados, mas sim os antes explanados no aresto de 01.03.2012: o que está em causa é a boa fé ao tempo da construção do muro e essa, está provado, foi efectuada pelo anterior proprietário. Ademais, conforme referiu A… no seu depoimento, comprou assim ao Sr. B… “mas não sabe como é que ele comprou”. Aliás, nem se compreende por que bulas, tendo a Ré e o então marido comprado a casa construída e murada iria o vendedor garantir-lhes que foi o Sr. Q… quem lhe indicou os seus limites…
Adiante.
Como é sabido, nesta apreciação, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[19].
Ademais, relativamente à reapreciação do julgamento de facto pela Relação cumpre ainda ter presente que a mesma se destina primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento que - atento o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto -, se evidenciem a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por isso se exige ao Recorrente que motive as alegações de recurso, dizendo as razões que determinam, em seu entender, diverso juízo probatório, para que a Relação possa aquilatar se os meios de prova por aquele indicados impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados.
Ora, na situação em presença, a parte relevante do quesito formulado é a concernente à indicação pelo vendedor dos marcos que definem os limites do lote e que, está provado, se encontram onde sempre estiveram.
Auditados[20] os depoimentos prestados pelo casal Barradas, ambos disseram que foi o Sr. Q… quem lhes indicou quais eram os marcos que delimitavam o lote, referindo-se à existência de 3 marcos, na parte de trás do mesmo e de dois marcos à frente. Instados para explicar como é que a construção extravasou o marco implantado no muro, para poente, ambos afirmaram que se limitaram a seguir os marcos como o Sr. Q… lhes indicou, e que nunca mediram o terreno. A chamada R…, dizendo que foi ela quem primeiro falou com o Sr. Q… que lhe disse ter dois lotes disponíveis para vender, mas este Lote 15 seria o melhor para construir uma cave, como ela havia referido, tendo eles adquirido este lote e o levantamento do mesmo foi efectuado pelo Sr. B…. Disse ainda a D. R…, que só quando este problema aconteceu é que foi à Câmara e soube que houve uma alteração ao loteamento e que antes os lotes eram maiores, inculcando a ideia de que pode ter sido por aí o lapso na identificação dos marcos existentes no local. Por seu turno, o vendedor, a testemunha Sr. Q… , entretanto falecido, logo no início do seu depoimento aquando da primeira audiência, perguntado sobre se sabia a razão para ali estar respondeu “julgo que seja o comprador do lote n.º 15 que utilizou cento e tal metros a mais do lote 14”, e perguntado se se recordava da venda, da indicação dos marcos, disse que vendeu todos os lotes (mais adiante esclareceu que foram 84) e só ali é que faltou terreno. Disse também que quem mostrou os lotes (este e outro) aos compradores foi ele, mas que não era costume ir indicar os marcos porque os lotes estavam todos demarcados. Esclareceu ainda que indicava os lotes e as pessoas quando iam fazer as casas orientavam-se pelos marcos que lá estavam, pelas áreas que estavam na escritura e pelo loteamento.
Isto mesmo foi notado pelo julgador na fundamentação da resposta ao quesito 12.º, com este conexo, a fls. 640, quando afirma que «Embora J… tenha asseverado em audiência que qualquer eventual invasão do lote 14 se deveria à indicação das estremas por quem lhe vendeu o lote 15, menos certo não é que essa pessoa, J…, também ele inquirido em audiência, assegurou que não havia indicado aqueles limites e que os lotes estavam devidamente marcados, querendo assim pôr-se à margem de qualquer tipo de erro que tivesse conduzido à “invasão”, na expressão que utilizou.
Nestas circunstâncias e atendendo ao facto de sabermos que efectivamente ocorreu aquela ocupação, impõe a resposta que foi dada ao quesito 12.º»
Assim sendo, como se nos afigura que é, atenta a discrepância nos depoimentos das únicas pessoas que se encontravam presentes neste momento inicial do negócio, logo a dúvida sobre o concreto facto em causa no quesito 9.º-A, favorecendo a Ré/reconvinte haveria de resolver-se contra si, de harmonia com o disposto no artigo 414.º do CPC.
Ademais, dir-se-á que nem o depoimento da testemunha Sr. B… topógrafo, trouxe algum esclarecimento para possibilitar diferente resposta ao quesito, já que do mesmo apenas resulta que fez o levantamento pelos marcos indicados pelo Sr. B…. Ora, há uma evidência que não podemos escamotear e que claramente desfavorece a tese da Ré quanto à boa fé dos chamados. É que, ainda que tivesse havido indicação inicial dos marcos devidos pelo Sr. Q… e tivesse ocorrido um erro nessa indicação, considerando que estão em causa cerca de 100 m2 a mais, relativamente à área adquirida não é crível que tal diferença não tivesse sido detectada aquando da construção do muro. Basta atentar onde se situa o muro em litígio delimitando a casa pertencente à Ré, no confronto com os demais do loteamento, sendo evidente a olho nú o seu claro desfasamento e entrada no lote pertencente aos AA., aliás evidenciado tanto pelas fotografias juntas aos autos, inclusive a inserida nas alegações de recurso, nas quais a implantação do muro do prédio da R. aparece com uma visível desproporção na comparação com os demais, como ainda pela comparação entre a configuração do lote tal como consta na planta do loteamento (fls. 365), e a da sua implantação actual tal como revelada em fls. 599 e fls. 997.
Improcede, pois, sem necessidade de mais delongas, esta pretensão da Apelante a respeito da alteração da resposta ao facto 9.º-A, aditado por esta Relação, já que a prova produzida não impõe decisão diversa da recorrida, uma vez que, sendo inócuo o segmento do quesito respeitante à indicação do lote, sem que concretamente se tenha provado que o fez também quanto aos seus limites, não se justifica efectuar tal precisão.
Pelo exposto, não havendo também qualquer justificação para a modificação oficiosa da matéria de facto, nos termos prevenidos no artigo 662.º do CPC – para além da correcção acima efectuada e já inserida no local próprio –, devem os factos provados e não provados manter-se tal como foram considerados em primeira instância, ademais porque não se vislumbra qualquer violação de apreciação de meios de prova.
*****
III.2.3. Da reivindicação vs. acessão
Pretende a Apelante que o presente recurso seja julgado procedente, declarando-se adquirida por acessão industrial imobiliária a faixa de terreno ocupada a mais pela construção da moradia do lote 15 ou se for caso disso do lote 14, mediante o pagamento do seu valor, que se fixará.
Mas, é uma evidência que, em face dos factos provados e não provados, atento o preceituado nos artigos 1305.º, 1311.º, 1316.º e 1317.º, alínea a), todos do Código Civil[21], a presente acção de reivindicação, não pode deixar de proceder, na parte em que se provou a indevida ocupação do lote de terreno para construção adquirido pelo AA., por construções efectuadas no prédio contíguo, ora pertencente à Ré.
Na verdade, ao contrário do que Apelante parece entender em alguns pontos das suas alegações, o facto de a sociedade que procedeu ao loteamento e foi a primitiva proprietária de ambos os lotes em questão não se ter oposto à edificação do muro e demais construções que comprovadamente se encontram em terreno pertencente ao Lote 14, não tem qualquer relevância para a qualificação como abusiva da pretensão deduzida pelos AA., desde logo porque a acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo, conforme expressamente estatui o artigo 1313.º, isto apenas sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião.
Ocorre que, na situação em presença, nenhuma das partes pode invocar a seu favor a aquisição dos invocados direitos de propriedade, por usucapião, posto que estamos perante loteamento de prédio rústico, autorizado nestes termos em 09/12/97 e registado em 09/07/98, pelo que, à data da aquisição de cada um dos lotes, cada uma das partes tinha apenas o loteamento como título de divisão entre si, devendo ter havido no terreno a transposição desses mesmos limites tais como resultam da planta de loteamento aprovada pelo respectivo alvará camarário. Efectivamente, apenas tal direito de propriedade foi adquirido por AA. e R., por contratos de compra e venda celebrados com o seu anterior titular, registando-o a seu favor, e, por consequência, beneficiando da presunção decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial, de que aquele direito lhes pertence, como se mostra definido pelos documentos autênticos - escritura de compra e venda e alvará de loteamento - que definem as áreas dos prédios, e concretamente do ora reivindicado.
Assim, os Apelados gozam de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre o imóvel adquirido, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, podendo exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence – cfr. artigos 1305.º e 1311.º, n.º 1, do CC – sem que tal constitua comportamento abusivo e, por isso, enquadrável no artigo 334.º do CC.
Ora, de harmonia com o disposto no artigo 1311.º, n.º 2, do CC, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, “[o] que vale por dizer que, enquanto sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do réu, este tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição”[22].
Na espécie, que o prédio ora pertencente à Ré extravasou os limites do título de aquisição ocupando o prédio pertencente aos Autores, não sofre quaisquer dúvidas, em face da materialidade provada.
De facto, não colocando nenhuma das partes em causa que a outra é proprietária do lote que adquiriu, nem as áreas que cada uma delas adquiriu derivadamente, e nem sequer a Apelante impugnando agora em sede de recurso, a área do prédio dos AA. que é por si ocupada, de 98,7m2, pretende, no entanto, obstar à peticionada restituição da coisa ao proprietário, por considerar que se verificam os pressupostos da aquisição da parcela de terreno ocupada, por acessão.
Porém, não lhe assiste qualquer razão.
Efectivamente, conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 03.12.2009[23], para cujos fundamentos, na parte aplicável, mais desenvolvidamente se remete, «Intentada acção de reivindicação de um prédio rústico, provando-se nela , por via da presunção não ilidida do art. 7º do CRP, o direito de propriedade do reivindicante e constando do processo documentos autênticos - escritura de compra e venda e alvará de loteamento – que definem a área do prédio reivindicado, a entrega da totalidade do prédio ao reivindicante só pode ser obstada com base em qualquer relação obrigacional ou real que legitime a recusa de restituição do imóvel por parte do demandado.
Oposta à pretensão do reivindicante contra-direito, fundado em invocada acessão industrial imobiliária, o pedido reconvencional deduzido só pode proceder se, para além do preenchimento dos requisitos especificamente previstos no CC, a aquisição potestativa originária da propriedade, potenciada pelo instituto da acessão, não implicar violação de normas imperativas, reguladoras da edificação e do ordenamento do território, as quais, visando proteger interesses de ordem pública, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente, também os Tribunais.
Não pode considerar-se verificada a aquisição por acessão do direito de propriedade sobre uma parcela de prédio alheio, envolvendo aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova, a produzir pelos réus por se tratar de elemento constitutivo do direito de que se arrogam, de que a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento».
Revertendo ao caso concreto, e tendo presente que a aquisição potestativa originária da propriedade, por via do instituto da acessão, não pode implicar violação de normas imperativas, reguladoras da edificação e do ordenamento do território, não tendo a Ré alegado e consequentemente não podendo demonstrar que a alteração dos lotes que preconiza é lícita face às normas imperativas que regem a execução do loteamento, que claramente desrespeitou, só por esta razão já não poderia considerar-se verificada a aquisição por acessão do direito de propriedade sobre uma parcela de prédio alheio, «envolvendo aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova, a produzir pelos réus por se tratar de elemento constitutivo do direito de que se arrogam, de que a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento».
Mas, se assim não fosse, a mesma pretensão igualmente soçobraria por via do não preenchimento dos pressupostos especificamente previstos na codificação civil, para a aquisição do direito de propriedade por esta via.
Na realidade, a aquisição por acessão, nos termos dos artigos 1317.º, alínea d), 1325.º e 1326.º do CC, dá-se quando com a coisa que é propriedade de alguém, se une e incorpora outra coisa que não lhe pertencia, designando-se industrial quando, como no caso, essa incorporação decorre de facto do homem.
Mas, mesmo se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, pressuposto da aquisição é que as obras tenham trazido à totalidade do prédio onde foram edificadas um valor maior do que aquele que este tinha antes delas, pagando então o valor que o prédio tinha antes da sua realização. Ora, no caso, este pressuposto não se verificaria em qualquer circunstância já que, a indevida edificação do muro no prédio pertencente aos Autores, independentemente do seu valor e das construções dentro daquele perímetro erigidas, não trazem ao prédio dos Autores qualquer mais-valia, antes impediram a pretendida edificação no mesmo. Note-se que o que a lei exige é que «o valor que as obras, sementeiras, ou plantações tenha trazido à totalidade do prédio [seja] maior do que o valor que este tinha antes», não dependendo a aquisição da mera diferença entre o custo das obras realizadas e o valor do prédio onde as mesmas foram implantadas, como a Apelante parece considerar.
Como assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões das suas alegações de recurso a respeito da possibilidade de aquisição da parte do prédio dos AA. por acessão, por violação de regras legais imperativas, não sendo o caso em presença equiparável a qualquer situação de expropriação.
Concluindo, esclarece-se que não há que conhecer dos “demais pedidos formulados” por ficarem prejudicados pela solução do pedido principal, sendo óbvio que não se verifica qualquer abuso do direito, pelos fundamentos já referidos no aresto anterior de que, mesmo tendo os AA. adquirido o seu lote com os muros já construídos tal não constituiria obstáculo à procedência da sua pretensão, tutelada como se encontra, pelo título de aquisição. Também as questões colocadas pela Apelante referentes à ligação dos esgotos e ao cumprimento das distâncias legais para a existência de privacidade entre as moradias não obstam à procedência da acção, mas antes determinam que não baste a demolição do muro e construções que ocupam parte do prédio dos Autores, mas ainda que esta execute as obras necessárias, pelo menos, ao saneamento básico que se imporá acautelar, bem como à protecção da sua privacidade.. Finalmente, e pese embora se compreenda que a Ré adquiriu o imóvel que lhe pertence, como se encontra quanto aos seus limites, não podem, porém, ser os Autores os prejudicados (ainda mais, dir-se-á), com a situação decorrente da ocupação do seu prédio, donde se esclarece que, como a Apelante deveria saber, a sanção pecuniária compulsória será devida por cada dia que passe depois do trânsito em julgado da decisão, sem que esteja concretizada a decretada demolição.
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III.2.4. Do Recurso subordinado
Conforme decorre do relatório supra, desta feita também os Autores apresentaram recurso subordinado da sentença proferida em 07.06.2019, insurgindo-se contra a parte da mesma em que o tribunal absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos AA. na petição inicial, sob as alíneas a), b), primeira parte da alínea c) e alínea e), e fixou as custas a suportar pelos AA. em 1/3, defendendo que, em face da matéria de facto provada que indicou, tais pedidos deveriam ter sido julgados procedentes, mormente o pedido de condenação da Ré a pagar-lhes a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença, pela detenção abusiva que faz de parte do seu prédio.
Para o efeito aduzem que o artigo 1305.º, do Código Civil, confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa, pelo que, estando os AA. impedidos de fruir o prédio assiste-lhes o direito de formular o correspondente pedido de indemnização como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso, o que ocorreu, estando na inteira disponibilidade da Ré o pôr termo à ocupação que faz de parte do prédio dos AA., pelo que, ao não ter decido pela atribuição da indemnização, a sentença recorrida violou o disposto no indicado preceito.
Vejamos.
Conforme consta do ponto 15. do Relatório, o presente recurso foi apresentado na sequência da sentença proferida em primeira instância após a anulação parcial do julgamento que foi decretada no aresto proferido por este Tribunal em 01.03.2012, no qual foi concedido provimento parcial à apelação, para o que ora importa, anulando-se o julgamento quanto à resposta dada ao quesito 3° da base instrutória, e aditando-se à base instrutória, o quesito n.º 9-A.
Assim, pese embora a sentença recorrida tenha nessa sequência sido revogada, tal não significa que da prolação da mesma não decorram quaisquer efeitos processuais, porquanto a anulação do julgamento foi parcial, pelo que, na parte não impugnada por qualquer das partes, a decisão proferida na primeira sentença transitou em julgado e adquiriu força de caso julgado material, porquanto recaiu sobre a relação material controvertida existente entre os AA. e a R. e passou a ser obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos dos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC.
Ora, no caso em apreço, como consta exarado no ponto 10. do Relatório, a sentença, julgando improcedente a reconvenção e parcialmente procedente a acção, para o que ora releva, absolveu a ré do “demais peticionado”, conforme cristalinamente se extrai do seu ponto IV, com o seguinte teor: - Absolvem-se os autores do pedido reconvencional e a ré do demais peticionado."
Relembrando o que consta dos pontos I a III daquela decisão de 23.11.2010, temos que, na parcial procedência da acção, foi fixada a linha de demarcação entre os lotes 14 e 15 nos termos ali referidos, condenada a ré na peticionada demolição das construções nos termos indicados em I e II, e no ponto III foi fixada em 25€ diários a sanção pecuniária compulsória devida pelo não cumprimento da ordem de demolição.
Deste modo, cotejando o teor da condenação com o pedido formulado e o transcrito segmento decisório, conclui-se que naquela sentença a primeira instância absolveu a ré dos demais pedidos de indemnização formulados pelos Autores, ou seja, dos agora indicados na deduzida Apelação subordinada, concretamente dos formulados sob as alíneas a), b), e) e primeira parte da alínea c).
Acontece que, como igualmente se extrai do ponto 11. do Relatório, oportunamente, apenas a Ré apelou, tendo-se os autores limitado a responder ao recurso, sem que então tivessem interposto recurso, sequer subordinado, deste segmento decisório da sentença que lhes havia sido desfavorável, por ter absolvido a Ré dos demais pedidos por si formulados.
Ora, dispunha à data da primeira sentença o artigo 682.º, n.º 1, do CPC (correspondente ao que agora estatui o artigo 633.º, n.º 1, do CPC), que “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado”, estabelecendo agora o artigo 635.º, n.º 5, do mesmo diploma legal (como já antes previa o n.º 4 do artigo 684.º do CPC) que “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”.
Assim sendo, e nos termos previstos ainda nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, não tendo tal parte da decisão sido impugnada pelos Autores, transitou em julgado, e adquiriu força de caso julgado material, porquanto recaiu sobre a relação material controvertida existente entre aqueles e a R., passando a ser obrigatória dentro do processo e fora dele.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, o caso julgado formado pela sentença proferida em 23.11.2010, quanto à absolvição da Ré dos indicados pedidos, que os Autores – na sequência da sentença proferida em 07.06.2019 mercê da anulação parcial do julgamento, e que manteve incólume tal segmento decisório –, pretendiam sindicar, obsta ao conhecimento da sua pretensão recursiva, o que se declara.
Pelo exposto, improcedem ou mostram-se deslocadas as conclusões da apelação e o caso julgado decorrente da anterior decisão obsta ao conhecimento do recurso subordinado, sendo consequentemente de confirmar a sentença recorrida.
Vencidos, a Apelante, suporta as custas da Apelação e os Apelados do recurso subordinado, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, e não conhecer do objecto do recurso subordinado, confirmando a sentença recorrida.
Custas da Apelação pela Ré/reconvinte e do recurso subordinado, pelos AA.
Évora, 10 de Setembro de 2020
Albertina Pedroso [24]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
______________________________________________
[1] Juízo de Competência Genérica de Silves - Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Na sequência de reclamação da Apelante, foi proferido o acórdão que faz fls. 814 a 816, fixando à apelação o efeito devolutivo.
[4] Todos foram entretanto nomeados Juízes Conselheiros.
[5] Consigna-se que a conclusão 1.ª, respeitante ao efeito a atribuir ao recurso, foi decidida por despacho liminar da ora Relatora, no qual foi atribuído ao recurso efeito devolutivo, de harmonia com o aresto proferido nos presentes autos, a que se alude na nota de rodapé n.º 3, constituindo as conclusões 2.ª e 3.ª, um resumo do decidido, e a 10.ª transcrição da matéria de facto provada. Para além destas, constata-se que a Apelante, transcreve nas conclusões os meios de prova, tece considerações, no mínimo deselegantes e claramente arredadas do dever de recíproca correcção que o artigo 9.º do CPC lhe impõe, (por ex. na conclusão 8.ª), em suma, muitas conclusões mais não reflectem do que a sua indignação, em muito dificultando a compreensão das concretas questões de que dissente e nada acrescentando à compreensão da sua pretensão.
[6] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Código de Processo Civil na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida posterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º deste diploma.
[7] Para facilitar a respectiva identificação, procedemos à sua numeração e colocamos a itálico os aditamentos dos já assentes no saneador, relevantes para a compreensão e decisão da causa.
[8] De harmonia com o preceituado nos artigos 662.º, n.ºs 1, e 2, alínea a), em face da alteração à resposta dada ao quesito 3.º, e tratando-se de mero cálculo aritmético, impõe-se a correcção da resposta ao quesito 6.º em conformidade, passando onde neste se lia 33 m2 quando a resposta ao quesito 3.º era de 115,7m2, a ler-se agora 49,8m2, uma vez que a área física actual do Lote 15 se encontra reduzida a 472m2.
[9] Cfr. Ac. deste mesmo TRC de 17-04-2012, proferido no proc.º n.º 1483/09.9TBTMR.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. neste sentido, ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 688.
[11] Cfr. autores e obra citada, pág. 669; ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, e abundante jurisprudência proferida nesse sentido pelos tribunais superiores, citando-se a título meramente exemplificativo o Ac. STJ de 14-02-2013, proferido no processo n.º 806/07.0TBTND.C1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cfr., ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, pág. 139.
[13] Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por JOSÉ ALBERTO DOS REIS que a propósito do correspondente normativo afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido. Cfr. ainda, no mesmo sentido, JORGE AUGUSTO PAIS DO AMARAL, in Direito Processual Civil, 7.ª edição, Almedina 2008, pág. 391.
[15] Cfr. Ac. STJ de 22-10-2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção.
[16] In Direito Processual Civil, vol. II, Almedina 2015, pág. 371.
[17] Cfr. Ac. TRP de 19.05.2016, proferido no processo n.º 9551/15.1T8VNG-A.P1, citando o Ac. TRC de 20.12.2011, nesse mesmo sentido, estando ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[18] Procedemos à sua numeração para mais facilmente nos reportarmos ao elencado.
[19] Cfr. neste sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[20] Na medida da percepção possível dos mesmos.
[21] Doravante abreviadamente designado CC.
[22] Cfr. Acórdão STJ de 07.03.2017, proferido no processo n.º 3585/14.0TBMAI.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Proferido no processo n.º 1102/03.7TBILH.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos três desembargadores desta conferência.