Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
95/17.8JASTB.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Estando em causa a prática de crimes de abuso sexual de crianças, o conhecimento detalhado do comportamento do Arguido é essencial para determinar a natureza dos atos praticados [se de natureza sexual e de relevo], o seu enquadramento legal [na previsão do nº 1 ou do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal] e o seu número [perante o consagrado no artigo 30.º do Código Penal].

II – A descrição genérica do comportamento do Arguido, conforme consta dos factos provados, não permitindo o contraditório, impossibilita qualquer defesa.

Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, neste tipo de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal caracterizado por repetição de atos.

III – Não fora a convicção de que o Tribunal de 1.ª Instância pode concretizar o comportamento do Arguido, e considerar-se-iam como não escritos, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa – garantias de defesa em processo penal –, os factos que se relatam, sem concretização, entre a matéria de facto provada.

E porque assim é, ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Sumário elaborado pela Relatora

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora


I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 95/17.8JASTB do Juízo Central Criminal de Setúbal [Juiz 2] da Comarca de Setúbal, mediante acusação pública, foi pronunciado
(...),
pela prática de vinte e seis crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, após comunicação de alteração não substancial de factos e de alteração da qualificação jurídica constante da decisão instrutória de pronúncia, por acórdão proferido e depositado em 5 de junho de 2020, foi, entre o mais, decidido:
a) absolver o arguido (...) do cometimento de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal – tendo por ofendidas as menores (…);
b) condenar o Arguido (...) pelo cometimento, em autoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 (cedendo a qualificativa prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal) – tendo por vítimas as menores (…) – na pena, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
c) proceder ao cúmulo das penas parcelares indicadas em b), condenando-se o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva;
d) condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com indivíduos menores de idade, que se fixa pelo período de 10 (dez) anos – artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
e) condenar o Arguido no pagamento das custas e encargos penais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s, aqui considerando a circunstância de ter sido requerida a abertura da instrução – cfr. artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 524.º do Código de Processo Penal, e artigos 8.º, n.º 5 e 16.º do Regulamento das Custas Processuais.

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1 - O recorrente foi condenado pela prática de 20 (vinte) crimes, de abuso sexual de crianças, p.p. pelos artigos 171º n.º 1 do C.P., porquanto, terão sido vitimas de tal ato as suas alunas (…) - Cfr. acórdão, nomeadamente factos provados de 3 a 11;
2 – Dá-se como assente o ponto 1, 2, 3, 12 a 28 in principie, 29 a 32, 34 a 36, 38, 40 a 43 da matéria dada como provada e constante do acórdão ora recorrido. – Cfr. pág. 10, 11, 13 a 17 do acórdão ora recorrido.
3 – Impugna-se os pontos 4 a 11, 28 in fine, 33, 37 e 39 da Matéria de Facto dada como provada, por se entender que estes foram incorretamente julgados, atenta a prova produzida. – Cfr. fls. 11 a 13, 15 a 17 do acórdão ora recorrido.
4 – Entende o ora R. existir erro de julgamento por ter sido incorretamente julgada prova produzida e que conduziu a que se desse como assente os pontos 4 a 11, 28 in fine, 33, 37 e 39 da Matéria de Facto dada como Provada. – Cfr. pág. 11 a 13, 15 a 17 do acórdão ora recorrido.
5 - O tribunal A Quo valorou as declarações do arguido que se encontravam fora do objeto do processo, não o podendo fazer. – Cfr. pág. 62 e 63 do acórdão ora recorrido.
5.1 – O arguido remeteu-se ao silêncio, durante a audiência de discussão e julgamento, podendo o tribunal reproduzir o depoimento por este prestado em sede de 1º interrogatório como o fez. – Cfr. ata com refª 8483079 de 19/10/2017 e 89748140 de 28/01/2020.
5.2 – Porém, não podia o Tribunal A Quo utilizar as declarações deste, na parte que diziam respeito a filmagens encontradas na sua residência, aquando da busca domiciliária, realizada em momento anterior ao seu interrogatório de 19/10/2017.
5.3 – Uma vez que, a detenção de tais filmagens, á data poderia, eventualmente, corresponder á prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal – Cfr. fls. 191 a 222 dos autos.
5.4 – Porém, aquando da dedução da douta Acusação Pública, foi igualmente proferido despacho de arquivamento quanto ao referido crime, nos seguintes termos:
…” Do crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal – cfr. Fls. 191 a 222.
(…) O ilícito eventualmente em causa, reveste como é consabido, natureza semipública, o que equivale por dizer que, em primeira mão, depende de queixa do ofendido o desencadear do procedimento criminal respetivo, nos termos do disposto nos artigos 199.º, n.º 3 e 198.º do Código Penal, em conjugação com o artigo 113.º, n.º 1 do mesmo diploma legal e com o disposto nos artigos 48.º e 49.º, nº 1 do Código de Processo Penal.
A ser assim, tal equivale por dizer, que caso essa queixa não exista, carece o Ministério Público de legitimidade para desencadear o procedimento criminal respetivo.
In casu, como acima referimos, não existe nos autos queixa validamente apresentada.
Em face do exposto, decidindo, determino o arquivamento dos presentes autos, nesta parte, nos termos e ao abrigo o disposto no artigo 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por ser legalmente inadmissível o procedimento”. – Cfr. fls… dos autos.
5.5 - Consta do Acórdão ora recorrido, em sede de motivação, no domínio declaracional, o seguinte:
…”A adoção de alteração comportamental foi igualmente reconhecida pelo arguido quando confrontado com a descoberta, no interior da sua habitação (aquando da busca concretizada nestes autos) de filmagens contemplando a exibição de corpos femininos de jovens, e planos aproximados de zonas especificas (rabo…), com roupagem diminuta, em contexto de frequência de piscinal ou praia, que se apressou a dizer nada terem a ver com as jovens do colégio, reportando-se a período temporalmente anterior (em alguns anos), registos face aos quais afirmou “não se orgulhar de ter” (utilizando ainda, neste enquadramento, ter-se imposto prometer que não o voltaria a fazer), acrescentando ter apenas visto uma ou duas vezes, e tendo-se esquecido de apagar”…. – Pág. 22 e 23 do acórdão ora recorrido.
5.6 – E em sede de análise crítica da prova:
… (…) Não se deixar ´de considerar, em plano de aferição enquadratória dos factos, e bem assim para a definição dos traços comportamentais do arguido, a deteção, no interior da habitação do arguido, e sob a disponibilidade deste, aquando da concretização da busca domiciliária de que se revelou ser destinatário, de material videográfico de teor e conteúdo comprometedor, no qual o arguido fez recolher registo de imagem, a mais das vezes em plano de aproximação de objetiva, dos corpos de várias jovens do sexo feminino de pouca idade (nenhuma das quais aqui ofendidas), em contexto de roupagem diminuta (em praia ou piscina), sendo ali em especial visadas partes corporais mais sexualizadas (os seios, rabos).
E confrontado com tais registo, em plano de 1º interrogatório judicial, o arguido apressando-se ab initio a afastar as visadas de tais filmagens como correspondendo a qualquer aluna do Colégio de (…) (designadamente com correspondência a qualquer uma das jovens identificadas nestes autos) – o que naturalmente se concede – não deixa de denotar no que á posse de tais registos e verbalização de um conflito interior, alternando entre a afirmação de que “não se orgulhar de os ter” com a afirmação, pouco crível, de que os teria apenas visto por uma ou duas vezes, esquecendo-se após de os apagar(…).
Ora, tal postura evidencia do arguido uma clara noção do correto do incorreto, do comportamento inocente ou sexualizado, consciência que cremos ter sempre alimentado a sua atuação no plano dos presentes autos, afastando a inocência e candidez com a qual procurou “mitigar” o comportamento aqui em referencia, e à qual não se pode, naturalmente, conceder crédito…”. Cfr. pág. 62 e 63 do acórdão ora recorrido.
5.7 - Não podia o tribunal A Quo, valer-se das declarações do arguido, ora R., nesta parte, por estarem as mesmas fora do objeto do processo, delimitado com a douta Acusação Publica e posterior despacho de pronúncia que manteve, na íntegra, a Acusação proferida. – Cfr. arts.ºs 141º, 283º, nº 1 do art.º 345, al. c) do nº 1 do art.º 374º e nº 1 do art..º 379º todos do CPP.
5.8 – O que conduziria a que, não pudesse ter sido realizado o enquadramento dos factos dados como assentes e definição dos traços comportamentais do arguido, da forma como o foram.
5.9 - Do que decorre terem sido violados os art.ºs 141º, 283º, nº 1 do art.º 345, al. c) do nº 1 do art.º 374º e nº 1 do art.º 379º todos do CPP.
6 – Foi valorada a crítica (juízos de valor) de culpabilidade, e sobre a vida sexual do arguido, constantes do relatório social, que as técnicas de reinserção social realizaram indevidamente, e que, de acordo com a Lei, somente ali podiam fazer constar as condições económicas e sociais deste, quanto aos crimes em apreço, com inerente violação do princípio da presunção de inocência. – Cfr. fls. 1226, 1227, 1259 a 1261 dos autos, pág. 18, 63 e 64 do acórdão ora recorrido e nº 1 do art.º 32 da CRP.
6.1 – Assim, consta do Acórdão, aquando da análise critica da prova, o seguinte: …”quer a postura declaracional assumida pelo arguido, quer o relato da sua atuação dada pela ulterior prova (a analisar melhor infra), vistas á luz do próprio relatório social quanto a si elaborado, fazem transparecer do arguido um postura a espaços “infantilizada”, de identificação no plano do sexo oposto com raparigas de pouca idade, o que se evidencia não só dos comportamentos assumidos em contexto de sala (aos quais cremos ser inegável uma dinâmica sexualizada) mas igualmente da aferição do comportamento assumido em contexto de recreio ou especo lúdico, o qual, não obstante, nos termos das noções infra a explanar, não se interpretar em contexto inequivocamente sexualizado, não deixam de evidenciar uma clara “predileção” do arguido em relação a jovens do sexo feminino” (bolt, sublinhado e itálico nosso). – Cfr. pág. 63 do Acórdão ora recorrido.
6.2 – Caso o tribunal A quo tivesse expurgado tal matéria, por legalmente inadmissível, constante do relatório social, não teria sido criado um juízo negativo quanto à personalidade do arguido nessa parte, logo não teria sido dado como assente os pontos 4 a 11, 37 e 39 da matéria dada como provada.
7 – Foi efetuada uma errada interpretação das regras de experiência comum, aquando da análise da prova produzida, existindo um raciocínio ilógico, pelo que, foi violado o princípio da livre apreciação da prova, Cfr. art.º 127º do C.P.P.
8 – Quer os depoimentos para memória futura, quer muito do que foi declarado em audiência de discussão e julgamento, já se encontrava embebido de influencias externas e repleto de contradições, o que não foi tido em conta pelo Tribunal A Quo, e que, uma análise mais rigorosa e objetiva da prova produzida, por parte deste, teria conduzido á absolvição do arguido.
9 - Como já era habitual lidar com crianças, o ora R. tinha um tratamento especial com as mesmas, não fugindo à regra com as suas alunas e alunos do Colégio (...). – Vide depoimento de (…) (gravação em cd, ficheiro 20200513143011_3595002_2871779, de 00:02:32.6 a 00:05:03.8.) e (…) (gravação em cd, ficheiro 20200513144146_3595002_2871779, de 00:04:12.5 a 00:11:28.9).
10 - Resulta claro do depoimento de (…) e (…):
(…) – (…) ele cantava, tocava música (…) e muitas vezes convidei-o para fazer festas na minha família, às minhas filhas. Tenho 4 filhas e ele fez várias festas comigo …durante alguns tempos (…) Ah, elas tinham 2 anos, uma tinha 6, outra se…foi, foi, é assim, não foi só uma vez, foi algumas vezes, por isso não, não, pronto foi… umas, uma vez tinham 2, outras tinham 4 (…) ele era muito…muito amigo, está sempre a brincar com elas. Porque eu sei que ele, que ele fazia também ah, atividades … como é que hei-de dizer…atividades… de festas não é? (…) fazia festas de a, de animação (…) ele é interativo (…). Tocava as músicas com elas, fazia, faziam jogos também, fazia as brincadeiras. (…) ele agarrava na, agarrava nas minhas filhas como eu agarrava nas minhas filhas. (…) – Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513143011_3595002_2871779, de 00:02:32.6 a 00:05:03.8 e ata com ref. Citius nº90303033.
(…) - Lembro-me duma empresa do (...) que se chamava (…), que era de animação (…) que fazia animações de festas de aniversários (…) o (...) toca viola. Eu lembro-me de fazer, de assistir a aniversários não só de sobrinhas minhas, como até da minha própria filha num parque de campismo onde o (...) pintava a cara das crianças, fazia pinturas faciais, aquelas coisas com balões que eles fazem, próprias de animadores, dos animadores de infância. (…) E chegou a fazer festas onde eu participei, quer de sobrinhas minhas, quer da minha própria filha (…) O (...) sempre foi muito brincalhão (…) sempre conheci o (...) a rir (…) como alguém muito alegre, muito sorridente, que animava os outros, não só as crianças, mas também os próprios adultos. Ou seja, é uma pessoa de fácil trato, de fácil, é fácil de gostar dele e de, e de, e ele é empático. Ele é muito empático e realmente é uma pessoa muito carinhosa, muito meiga. (…) A minha filha (…) Foi o aniversário de 7 anos, lá no parque de campismo (…) e as minhas sobrinhas deve ter sido mais ou menos aí aniversários de 7, 8 anos, 6 anos (…) o (...) era carinhoso, era carinhoso para as crianças, mas nunca vi maldade nenhuma no (...) (…) O (...) tem, tinha um convívio próximo com as crianças. E as próprias crianças é que vão ter com ele, para o pintarem, para, para, para, para pintar as crianças, para isto, para aquilo, vão ter muitas vezes com ele a requisitar que ele dê tanta atenção a, a elas como, como dá, como estava a dar às outras, a quem estava a pintar (…) convidei o (...) porque ele, como se mascarava de palhaço e eu precisava duma personagem de palhaço, o (...) foi fazer de palhaço e havia crianças nessa peça connosco e sempre vi um trato perfeitamente normal entre o (...) e essas crianças. Nunca vi nada de, de, de fora do normal (…) pessoas mais velhas conhecem o (...) como sendo uma pessoa amigável para as crianças e como sendo uma pessoa amigável para toda a gente, sociável, normal. - (…) – Cfr. Gravação em cd, ficheiro 20200513144146_3595002_2871779, de 00:04:12.5 a 00:11:28.9 e ata com ref. Citius 90303033.
11 - Destes depoimentos resulta que o arguido, há muitos anos que tinha uma interação muito grande com crianças, o que determina que fosse normal que o ora R., quer em ambiente de recreio, quer em ambiente de aulas, interagisse com as menores.
11.1 - O próprio tribunal A Quo, assim concluiu quanto aos comportamentos (brincadeiras) que este tinha no recreio/espaço lúdico, entendendo que não podia fazer uma interpretação anómala, apta a ser vista em plano dotado de relevância criminal. – Cfr. pág. 70 e 71 do Acórdão.
11.2 – No entanto, o depoimento das referidas testemunhas, (…), embora prestados de forma credível, não foram tidos em conta pelo Tribunal A Quo, quanto à interação que o ora R. tinha com todos os menores em geral.
12 - Somente com uma leitura muito atenta e cuidada do Acórdão, se consegue perceber que os atos sexuais, referidos pelo tribunal, eram realizados pelo ora R. quando se deslocava ás secretárias das menores, para tirar dúvidas, ou, quando vigiava esses trabalhos, e, igualmente quando estas se deslocavam á sua secretária, para entregar os trabalhos ou os exames - Cfr. págs. 24 a 41 do acórdão.
13 - Tudo teve seu inicio, quando a turma do 4º ano, como este brincava com raparigas e rapazes no recreio, mais novos, os alunos/as começaram a cochichar entre si que o professor de inglês, ou seja, o ora recorrente, era estranho e pedófilo, apelidando-o com alcunha de PPP (professor (...) pedófilo). – Cfr. pág. 56 a 58 do acórdão ora recorrido (depoimento de (…) do 4ºA, (…) do 4ºB, (…) do 4ºB, (…) do 4ºB, (…) do 4ºB, (…) do 4ºB).
14 - Quanto ao ser estranho veja-se o depoimento de (…) (4ºB), ouvida em audiência de discussão:
– (…) - Só, que por exemplo, eu tinha, eu sei que o professor era um bocado estranho, entre aspas, porque por exemplo, os outros professores todos, havia o refeitório e os professores nos intervalos todos iam sempre lá para dentro beber café, ou falar entre eles, e o professor ficava cá fora na outra ponta …
Juiz Presidente - Sim.
(…) - … do refeitório sentado num banco com as raparigas do segundo ano e do terceiro …
Juiz Presidente - Portanto, ficava afastado da, da zona dos professores, não é …
(…) - Sim … - Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200128161040_3595002_2871779, minuto 00:04:41.5 a 00:05:12.1 e ata com ref. Citius 89748140.
14.1 – Assim, o ora R. era estranho porquanto ficava afastado da zona dos professores no refeitório.
15 - Quanto à alcunha de PPP, veja-se o depoimento de (…) (4ºB), ouvida em audiência de discussão:
Juiz Presidente - Olha, tu ouviste alguma vez lá, recordas-te de ter ouvido lá na escola, a expressão pedófilo, por referência ao Professor de Inglês?
(…) - Sim.
Juiz Presidente - Sim. E ouviste isso em quê? Em que contexto? Conversa com colegas? Conversa com a Direção?
(…) - Conversa com colegas.
Juiz Presidente - Conversa com colegas. E recordas-te se o Professor ainda lá estava nessa altura a dar aulas?
(…) - Sim.
(…) Juiz Presidente - Olha, essas conversas em que se falava essa expressão, foram na altura mais ou menos em que ele foi expulso ou se já vinham de trás? Se já vinham dantes?
(…) - Um bocadinho antes.
Juiz Presidente - Um bocadinho antes … Um bocadinho, tenta lá concretizar. Uns dias? Uns meses?
(…) - Um mês, mais ou menos.
Juiz Presidente - Cerca de um mês antes.
(…) Juiz Presidente - E essas conversas qual é que era a razão de ser? Tinha a ver com quê …
(…) - … impercetível … falar em grupo …
Juiz Presidente - Sim.
(…) - … impercetível … no recreio e isso.
(…) Juiz Presidente - Mas quê? Havia colegas que diziam, que falavam o que é que ele fazia, é isso?
(…) - Sim.
(…) Juiz Presidente - E o que é que diziam, recordas-te ainda?
(…) - A alcunha, eu lembro-me que era PPP …
Juiz Presidente - Sim. E esse PPP era de quê?
(…) - O Professor era Pedófilo.
(…) Juiz Presidente - Olha, porque é que … quais é que eram as conversas que levavam a essa conclusão? O que é que era … impercetível … que ele fazia?
(…) - Não me lembro. – Cfr. gravação em cd de 00:04:56.2 a 00:06:01.6 e de 00:05:42.1 a 00:07:02.0 e ata com ref. Citius 90290976.
15.1 – Ou seja, ao ora R. foi aposta a alcunha de PPP, o que a menor recorda, porém não sabe o porquê.
16 – O arguido era estranho, porque …” a forma de se vestir era estranha”.
16.1 – Veja-se o depoimento de (...), aluna do 4ºB, ouvida em audiência de discussão e julgamento:
(…) Juiz Presidente - Olha, e em relação a esta forma estranha de, de vestir, recordas-te do que é querias dizer com isto?
(...) - Ele usava assim uma camisa ... impercetível ... manga comprida ... impercetível ... e com um t-shirt por baixo e com … impercetível … com a camisa um bocado aberta.
Juiz Presidente - Sim. … E tinha a camisa um bocado aberta. Ok.
Advogada - Não, eu não percebi. ele usava uma camisa?
Juiz Presidente - Usava sempre uma camisa de manga curta ou manga comprida, mas sempre com uma t-shirt por baixo, mas um bocado aberta. É isso?
(...) - Sim.
Advogada – (…) E de inverno? Já agora. Portanto falou-nos de uma camisa de manga curta e, mas por baixo tinha uma camisola. E de inverno?
Juiz Presidente - Qual é que era a diferença entre o Verão e o Inverno?
(...) - No inverno usava sempre um polo …
Juiz Presidente - Um polo.
(...) - … com, com uma camisola por baixo.
Juiz Presidente - Por baixo. Sim. Pronto, então era só a parte da camisa por cima é que era diferente, é isso?
(...) - Sim. – Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200511150602_3595002_2871779, de 0:01:07.8 a 0:01:36.5 e 0:01:52.6 a 0.02:21.5 e ata com ref. Citius 90290976.
16.2 – Ou seja, o ora R. tinha uma forma estranha de vestir porque usava t-shirt por baixo da camisa ou dos polos que usava. – Idem.
17 – O ora R. era estranho porque se coçava nas aulas, conforme depoimento de (...). – Cfr. pág. 648; 649, 656, 657, 667, 668 da pasta 3 das transcrições.
17.1 – A menor (...), aluna do 4º B, ouvida para memória futura, disse que o ora R. tinha comportamentos estranhos, coçava-se no meio das aulas, que se coçava no corpo todo, de forma não frequente, que parecia ser porco. Disse ainda que para além de ela achar estranho, as suas amigas (…) também achavam estranho. Disse ainda que este se coçava na zona do pénis e do rabo e que era por isso que se sentia incomodada. – Cfr. pág.. 648; 649, 656, 657, 667, 668 da pasta 3 das transcrições e ata com ref. Citius 85665610.
17.2. - E ainda o depoimento da menor (…), aluna do 4º B, ouvida em audiência de discussão e julgamento, a qual diz que o ora R. mexia nas partes intimas dele, junto da pilinha, onde se coçava, por fora das calças, ajeitava o cinto, por vezes levantava a camisola um bocado e que se coçava nas mãos. – Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200130110003_3595002_2871779, especialmente 00:03:32.8, 00:04:11.2, 00:06:28.3, 00:07:49.1, 00:08:07.0, 00:09:54.6, 00:10:07.1 e 00:12:42.1 a 00:12:45.5 e ata com ref. Citius 89767705.
17.3 – Salientando-se que deste depoimento resulta que o ora R. se coçava junto da pilinha, por fora das calças, no entanto não era visível qualquer volume do pénis.
Juiz - Estava só a dar a matéria, pronto. Olha, para além disso, apercebeste de mais … já agora, nessas situações, desculpa a pergunta que eu te vou fazer, mas apercebias-te se ele tinha volume nas calças? Se não tinha?
(…) - Não.
– Idem e concretamente 00:07:14.8 a 00:07:26.6 e ata com ref. Citius 89767705.
17.4 – Por outro lado, resultou do depoimento das testemunhas (...) e (...) que o ora R., desde criança que padecia de equizema, o que provocava o aparecimento de manchas na pele e comichão. – Cfr. página 60 do Acórdão.
17.4.1 - Veja-se o depoimento de (...):
- (...) - Sim. Não é bem alergia. Ele sofre dum equizema.
Advogada - Então pode-me explicar o que é que é isso, que eu não sei. Sei que é uma doença de pele.
(...) - Um equizema é uma erupção, quando está calor, o (...) tem uma erupção. Eu não sou médica, portanto, tenho que me basear naquilo que posso dizer que presenciei, pronto. Fica com manchas e tem comichão, como qualquer pessoa que tem um equizema.
Advogada - Portanto, começa a transpirar, certo e começa ...
(...) - Sim, sim, sim.
Advogada - ... impercetível ... certo?
(...) - Certo.
Advogada - Presenciou isso várias vezes, mais no Verão, certo? Ou seja ...
(...) - Sim, no Verão.
Advogada - Mais no Verão do que noutras ...
(...) - Exatamente.
Advogada - Mas observava que no Verão isso acontecia. Manifestava-se ...
(...) - Sim, sim, no Verão acontecia.
Advogada - ... manifestava-se aonde, no corpo, só nas mãos, nos braços?
(...) - Não, pronto, às vezes no peito, outra vez na cara, outra vez nos braços, conforme, pronto, onde ele tinha a sensação de comichão, pronto.
- Cfr gravação em cd, ficheiro 20200513150119_3595002_2771779, de 00:04:02.2 a 00:04:42.7, 00:04:50.0 a 00:04:58.4 e ata com ref. Citius 903033.
17.2.2 – Veja-se também o depoimento de (…):
(...) - Eu acho que ele tinha um problema de alergia, qualquer de pele.
Advogada - Acha ou tem a certeza? Viu alguma coisa, não viu?
(...) - Eu via que a minha cunhada tinha essa preocupação quando ele era mais pequeno, com as alergias dele, sim. Lembro-me disso.
(...)
Não, a irmã. A irmã era asma e ele tinha problemas de alergias cutâneas sim.
Advogada - Ah, pronto.
(...) - Lembro-me disso.
Advogada - E em adulto ele continuava a ter esses problemas? Sabe ou não?
(...) - Eu penso que a minha cunhada uma vez fez referência a uma consulta de dermatologia com ele.
Advogada - Pronto.
(...) - Que ele ia a uma consulta de dermatologia.
– Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513151256_3595002_2871779, de 00:08:50.8 a 00:08:59:1 e 00:09:15:0 a 00:09:38.2 e ata com ref. Citius 903033.
18 - Resulta ainda do depoimento da (…) que depois do ora R. já ter sido expulso do colégio, houve conversas entre esta e outras alunas, sobre o comportamento daquele e de que houve alunas que inventaram coisas de cariz sexual:
Juiz Presidente - E entre vocês às vezes nas turmas, entre os miúdos ou no recreio vocês falaram alguma coisa quando ele deixou de ir?
(...) Falámos.
Juiz Presidente - Porque é que ele não estava ...
(...) - Falámos.
Juiz Presidente - ... na escola?
(...) - Falámos uma única vez, mas, mas não foi ... foi umas amigas que estavam a inventar assim umas coisas. E eu não me recordo muito bem ...
- Cfr. gravação em cd, ficheiro Ficheiro áudio 20200130102239_3595002_2871779, concretamente 00:07:11.4 a 00:07:22.1 e ata com ref. Citius 89767705.
19 - Da análise da prova referida em 13 a 17, das conclusões, resulta claramente que o comportamento do ora R. não era estranho, uma vez que este era livre de escolher o local onde se sentava no refeitório, de sair do refeitório e brincar com os seus alunos, de a sua roupa ser perfeitamente normal, de padecer de equizema o que lhe provocava comichão em varias zonas do corpo e que algumas menores inventaram que o recorrente teve para com elas atos de cariz sexual.
20 – O que, caso tivesse sido tido em conta pelo tribunal A Quo, aquando da análise crítica da prova, não teria conduzido a que se dê como provado que na sequência da aplicação da OPHVE, …”este vivencia o aparecimento de alguns problemas do foro dermatológico”, e que conste da fundamentação, que o ora R. tem um problema do foro cutâneo – equizema -, motivador da formação de manchas e necessidade de coçar o corpo, sobretudo em contexto de clima mais quente. – Cfr. ponto 28 in fine da matéria dada como provada e pág. 60 do Acórdão.
21 – Para além de que, o tribunal A quo “oculta” que as menores cochicharam entre si sobre o comportamento do recorrente, entendendo que este era estranho por razões absurdas e infantis, chegando a inventar atos de natureza sexual deste para com elas, que este já padecia de equizema desde tenra idade o que explicava a razão de ser de este se coçar durante as aulas, por forma a concluir que os seus atos fossem interpretados como atos libidinosos, e por consequência que se desse como provado os pontos 4 a 11.
22 - De acordo com as regras de experiência comum, dos citados depoimentos, resulta claramente que as menores, atendendo à sua idade e inexperiência, por via das conversas estabelecidas entre si, começaram a entender como anormal o que era normal.
23 - O tribunal A Quo deveria ter tido em conta tal realidade, porém não o fez e caso tivesse tido esse cuidado, certamente também teria analisado de uma forma mais critica, quer os depoimentos para memória futura, quer os prestados em audiência de discussão e julgamento.
24 - Os depoimentos prestados pelas “vitimas” para memoria futura já se encontravam influenciados, quer pelas conversas mantidas entre si, quer porque já haviam falado com seus pais e professores e que, atenta a data do primeiro interrogatório do ora R. (19/10/2017), já tinham conhecimento de notícias divulgadas pelos órgãos de comunicação social (jornais, tv, internet). - Cfr. ata com a ref: 84830179.
25 - Não é credível, de acordo com as regras de experiência comum e atenta a idade das menores, que as mesmas utilizem as expressões “pedófilo”, “partes íntimas”, “mexer nos meninos em sítios privados”.
26 - Somente se consegue explicar tais expressões das menores, por influências de conversas com seus pais, professores e entre elas, designadamente:
26.1 - Das travadas entre as menores e com a professora:
- (…), aluna do 2ºA, refere que o que sabe sobre a (…) e (…), na verdade nada viu, tendo sido as próprias que lhe contaram. - Cfr. pág. 955-956 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86701500 e pág. 25 do Acórdão;
- (…), aluna do 2ºB, referiu que contou á avó depois do professor ter ido embora e falou com as colegas. – Cfr. pág. 869 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86692787;
- (…), aluna do 2º B, referiu que quando a professora perguntou viu que a (…) e a (…) puseram o dedo no ar, mas não viu fazer. – Cfr. pág. 898 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86701500.
- (…), aluna do 2ºB, refere que contou o que se passava á (…). – Cfr. pág. 940 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86701500;
- (…), aluna do 3ºA, refere que aquando da saída do ora R., todos estavam a dizer que ele tinha ido de férias e que algumas pessoas diziam que tinha sido expulso e que dias depois foi falar com a irmã (…) – Cfr. pág. 18 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834;
Depois refere que ela e amigas começaram a falar depois de o 3ºB/4ºB ter dito que o ora R. tinha sido expulso pelos mesmos motivos que elas (alunas) falavam. – Cfr. pág. 29 e 30 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834;
Diz que o ora R. fingia ver os trabalhos quando se aproximava por trás e posteriormente diz que ele corrigia os trabalhos. –Cfr. pág. 22 e 28 da pasta 1 das transcrições.
Diz ainda que a professora lhe disse que o ora R. era pedófilo. – Cfr. pág. 44 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834.
- (…), aluna do 3ºA, refere que falou com a (…) e com a (…), antes e depois do ora R. ter saído do colégio, tendo-lhes contado o que este lhe fazia. – Cfr. pág. 82 e 83 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834.
- (…), aluna do 3ºB, refere que elas (alunas) falavam entre si no pátio, sobre o ora R. ser estranho (381-382), e que entretanto tinham falado muito sobre o assunto (388) e que diziam que era pedófilo. – Fls. 392 das transcrições e ata com ref. Citius 85665610.
- (…), aluna do 4ºB, em julgamento disse:
Juiz Presidente - “(…) Então como é que tu depois soubeste que o professor tinha deixado de dar aulas?”
(…) - Contaram-me, nesse dia”
Juiz Presidente - antes disso falava-se lá na Escola?”
(…) - “Falava-se (…) Falava-se de algumas coisas que ele fazia nas aulas (…) Sim, no recreio normalmente” – Cfr. gravação em cd ficheiro 20200128154928_3595002_2871779, concretamente em 00:10:11.3 a 00:10:52.0 e ata com ref. Citius 89748140;
- (…), aluna do 4ºB, refere que algumas amigas diziam que o ora R. era pedófilo e que só começou a dar relevância quando começou a ouvir tais comentários. págs. 54 e 55 do acórdão:
- (…), aluna do 4º B refere que lhe disseram no recreio que o ora R. tinha saído da escola porque era pedófilo e uma mãe tinha feito queixa. – Cfr. cd de gravação, Ficheiro 20200511140511_3595002_2871779, concretamente de 05:41.0 a 00:05.56.9 e 00:06:33.6 e ata com ref. Citius 90290976.
26.1 - Das travadas entre as menores e seus pais:
- (…), aluna do 2ºA, refere ter relatado aos pais. – Cfr. pág. 26 do Acórdão.
- (…), aluna do 2ºA, refere ter sido elucidada por sua mãe sobre a razão da saída do ora R. do colégio, já depois de este ter saído. – Cfr. pág. 49 do Acórdão.
- (…), aluna do 2º B, referiu que contou aos pais e á Professora depois de saber, depois de os pais terem recebido email e de ter dado na televisão e que antes achava que era afeto. – Cfr. pág. 893 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86701500.
- (…), aluna do 2º B, quando a meritíssima JIC a questionou sobre se sabia do que ia falar, esta respondeu que o seu pai lhe tinha dito, mas que já não se lembrava muito bem. Inicialmente diz que tinha contado aos seus pais depois do ora R. sair da escola, de seguida diz que contou antes esclarecendo que o seu pai era polícia e porque este já sabia muitas coisas porque as irmãs contaram, depois diz que contou depois do ora R. ter saído. - Cfr. pág. 902, 911, 912, 913 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86701500.
- (…), aluna do 2º B, referiu que contou á mãe, antes do ora R. ter ido embora do colégio. – Cfr. pág. 938 da pasta 4 das transcrições e ata com ref. Citius 86701500..
- (…), aluna do 3ºA, referiu que contou á mãe o que se passava, aquando de ter ouvido que o ora R. tinha sido expulso do colégio, e que não era normal o que este fazia porque a mãe lhe disse que não era normal. – Cfr. pág. 102 e 103 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834.
- (…), aluna do 3ºA, refere que aquando da saída do ora R., contou o que se passava a sua mãe, quando esta foi buscar a sua irmã mais nova ao colégio (...), conjuntamente com a (…) – Cfr. pág.. 29 e 30 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834.
Que a Irmã (…) expulsou o ora R. e que contou o que se tinha passado ás mães, tendo enviado mensagem. – Cfr. pág. 30 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834 .
- (…), aluna do 3ºB, refere que contou á mãe e ao pai quando aconteceu pela 2ª vez. – Cfr. pág. 382, 426 e 427 da pasta 2 das transcrições e ata com ref. Citius 85665610 .
- A (…),, aluna do 4ºB, afirma que chegou a falar com a mãe antes de ter acontecido alguma coisa (minuto 15:48) e que a mãe da sua amiga (…), aluna do 4ºB, telefonou á sua mãe para falar sobre a saída do ora R. Cfr. pág.656 da pasta 3 das transcrições e ata com ref. Citius 85665610.
- (…), mãe da (…), aluna do 3ºA, esclareceu que a filha lhe contou que o ora R. lhe dizia, frequentemente, que era muito linda, que no dia 13/06/2017 lhe disse que o ora R. lhe fazia cócegas na barriga, introduzindo a mãe na gola da camisola e que a sentava ao colo quando lhe tirava dúvidas. – Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200128115802_3595002_2871779, concretamente em 00:02:52.2 e ata com ref. Citius 89748140;
Que no dia 14/06/2017 falou com a professora da sua filha, sendo encaminhada à Diretora (…), tendo relatado o que a sua filha lhe tinha dito, a qual lhe pediu para não falar com ninguém. - Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200128115802_3595002_2871779, concretamente em 00:04:29.7 a 00:04:54.9 e ata com ref. Citius 89748140;
- (…), mãe da (…), aluna do 3ºA, refere que inicialmente a sua filha gostava do arguido e que somente no dia em que a sua filha a abordou, conjuntamente com mais três colegas, é que lhe contou que o professor de inglês lhes andava a tocar, tendo a conversa continuado em casa. – Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200128115802_3595002_2871779, concretamente em 00:03:44.1 a 00:04:31.0 e 00:05:05.5 e ata com ref. Citius 89748140;
27 - Tais depoimentos, deveriam ter sido analisados mais criteriosamente, e caso o tivesse sido, de acordo com as regras de experiencia comum, é perfeitamente normal que um professor quando se desloca á secretária dos seus alunos, para vigiar/corrigir trabalhos, o faça por trás e não pela frente destes, que fazem carinhos aos seus alunos, especialmente aos mais pequeninos, quando estão tristes, nervosos, ansiosos e até, chorosos.
27.1 - Os gestos praticados pelo ora R., nomeadamente, quando este as levantava para as colocar ao colo, sentando-as num perna, somente podiam ser interpretados como normais, uma vez que, para se levantar uma criança, em regra, agarra-se pela zona dos sovacos, ou até pela zona da cintura, com a mão aberta, tocando desta forma na zona do peito e costas, tal como, quando se faz cocegas numa criança, toca-se com a mão na zona do peito, ou na barriga e outras vezes de modo diferente, iniciando-se as cocegas no peito até á barriga e vice-versa.
27.2 – Quer numa situação quer noutra, o movimento é dinâmico e a reação das crianças é mexerem-se, pelo que, devido a tal interação, a roupa das crianças solta-se, podendo subir, e a mão toca, inadvertidamente, na pele da criança.
27.3 – Atendendo a tal dinâmica de contacto com as crianças, não se pode estranhar que as menores digam que, quando o ora R. fazia cocegas, umas vezes fazia por cima outras por baixo da roupa.
28 – Mais uma vez, de acordo com as regras de experiencia comum, não é anormal que quando um adulto coloca a sua mão na zona do peito de uma criança, para lhe fazer cocegas, toque também na zona das “maminhas”, já que a mão ocupa toda a zona do peito, ou que quando um professor se desloca ás secretárias dos alunos mais pequenos (ensino básico), se debruce sobre estes para poder ver melhor os exercícios e lhes faça festas/massagens no intuito de os acalmar ou até para o choro.
29 – Tais comportamentos poderão ser entendidos como impróprios, contudo, não podem, dado o contexto de influência externa nos citados depoimentos, na nossa ótica, serem considerados como atos sexuais e muito menos de relevo!
30 - Tendo o tribunal A Quo concluído que o ora R. quando brincava com os menores no recreio, tinha um comportamento infantilizado, não se compreende que os comportamentos, ainda que impróprios, na sala de aulas, não tenham também sido, assim considerados. – Cfr. pág. 71 do acórdão.
31 – Para além de que, existem contradições entre os mencionados depoimentos e os de outras menores que não são vítimas, nomeadamente:
(…) - 2-B - [ (..) no que concerne a atuação apenas relata que, no contexto da correção dos exames, o arguido colocava alguns alunos sentados ao colo (por cima da perna) entre os quais a declarante, apondo uma das mãos nas costas enquanto explicava a correção, chegando ainda a dar um abraço e dizendo-lhe que era boa aluna de inglês, o que a declarante referiu gostar, reputando tais gestos como carinhos - Cfr. pág. 27 e 28 do acórdão.
(…) - 3-A - no contexto de sala de aulas, nada ter de anómalo percecionado, relatando ser o procedimento de esclarecimento de dúvidas objetivado no levantamento, pelos alunos que pretendiam esclarecer, de dedo no ar, após deslocando-se o arguido ás carteiras dos alunos, aproximando-se pelo ângulo traseiro. - Cfr. pág. 53 do acórdão.
(…) - 4-A - nada de relevante destacar no plano do contexto de sala de aula - Cfr. pág.55 do acórdão.
(…) - 4-B - ter memória mais concretizada de uma situação em que, a propósito do lecionar das peças de roupa em língua inglesa, ter o arguido pedido a uma aluna (a …, que se colocasse na parte frontal da sala, colocando-a para o efeito em cima da cadeira, para o que a pegou com ambas as mãos na zona nas axilas, admitindo nesse contexto ter tocado com as mãos na zona do peito da menor - Cfr. págs. 57 e 58 do acórdão.
32 – Existe igualmente contradição de depoimentos quanto ao tratamento do R. para com os meninos, uma vez que uns dizem que era desigual, outros afirmam que não.
32.1 – Vejam-se os seguintes depoimentos:
- (…), aluna do 3ºA, referiu que o ora R. ralhava com os meninos porque estes se portavam mal, faziam parvoíces como fazer pontaria ao caixote do lixo com papéis.
Que não gostava do ora R. porque ele ralhava e gritava, que também ia ao lugar dos meninos corrigir os trabalhos e que viu este mexer nos meninos nos mesmos sítios que a si. – Cfr. pág. 70, 99 e 100, 104, 105, 113 e 114 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834;
- (…) (aluna do 4ªB) - Juiz Presidente - Olha, relativamente ao tratamento dos alunos entre raparigas e rapazes, sentias que havia ali alguma diferença na tua turma, ou não?
(…) - Não, não.
Juiz Presidente - Tratava por igual?
(…) - Sim. – Cfr. gravação em cd ficheiro 20200511140511_3595002_2871779, concretamente de 00:06:46.9 a 11:06:58.6 e ata com ref. Citius 90290976;
- (…) (aluna do 4ºB) - Juiz Presidente - Olha, lembras-te se na tua turma, se os rapazes eram assim mais malcomportados do que as raparigas?
(...) - Eram.
Juiz Presidente - Tu achas que isso era castigo por ele não esclarecer as dúvidas, tinha a ver com isso? Ou …
(...) - Não …
Juiz Presidente - Não?
(...) - … porque ele até, acho que os metia na rua.
Juiz Presidente - Metia os alunos que se portavam mal na rua, é isso?
(...) - Hum, hum, sim.
– Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200511110443_3595002_2871779 de 00:09:22.5 a 00:09:44.1. e ata com ref. Citius 90290976;
- (…), aluna do 3ºA diz que o ora R. também brincava com os meninos, que gritava com rapazes e raparigas e que também era carinhoso com os meninos. – Cfr. pág. 32, 33, 34, 51 da pasta 1 das transcrições e ata com ref. Citius 85037834;
- (…), aluna do 2º A, diz que o ora R. não tinha paciência com os meninos, que não gritava mas sim ralhava. – Cfr. pág. 839 da pasta das transcrições e ata com ref. Citius 86692787;
- (…), aluna do 2ºA:
Juiz Presidente - Olha, havia assim alguns alunos que fossem mais malcomportados … na tua aula, na tua sala?
(…) - Sim.
Juiz Presidente - E eram mais – Não sei, Doutora, posso perguntar?
Advogada - Era isso.
Juiz Presidente - E eram rapazes, raparigas? Eram os dois?
(…) - Normalmente eram só rapazes, só … também havia algumas raparigas.
- Cfr, gravação em cd, ficheiro áudio 20200511153658_3595002_2871779, mais concretamente em 00:10:31.8 a 00:10:47.4. e ata com ref. Citius 90290976;
- (…), aluno do 3ºA, afirma não ter logrado aperceber-se de existência de tratamento privilegiado de alguns alunos face aos demais. – Cfr. pág. 53 do Acórdão.
33 - O já citado raciocínio ilógico coligado com a contradição de depoimentos, quanto ao comportamento do ora R, em relação aos meninos e meninas, conduziu a que o tribunal A Quo optasse por dar maior credibilidade a uma versão do que a outra, não a fundamentando, o que, por tal motivo, viola o dever de fundamentação e consequentemente, no nosso entendimento, o principio in dubio pro reu. – Cfr. nº5 do art.º 97º do CPP, art.º 32.º, n.º 2, 1.ª parte, nº1 do art.º 205º da CRP
34 - O Acórdão ora recorrido, padece ainda de outro vicio, porquanto, no que concerne ao facto dado como provado em 39, em que se afirma …”ausência de estabilidade nos relacionamentos amoroso/sexuais”…, tal facto, dada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, é inverídico. – Cfr. ponto 39 da matéria dada como provada.
34.1 – Chegando a constar da respetiva fundamentação que:
…”A referida ausência de afetividade ou maturidade relacional ou conjugal, em contesto dito de normalidade, é salientada no relatório social do arguido, o qual não salienta qualquer relacionamento afetivo mais duradouro ou consistente, ou mesmo em plano de namoro, o que também os depoimentos de (…) corroboram (apenas salientando ou concretizando um namoro de alguns meses), o que cremos evidenciar quanto ao mesmo um modelo de desapego afetivo, após contrabalançado pela idealização de desejo ou atração em contexto manifestamente anómalo…” (bolt, sublinhado e itálico nosso). – Cfr. pág. 64 do Acórdão ora recorrido.
34.2 - Extraído do depoimento das testemunhas (…), que …”em plano de conjugabilidade ou namoro, afirmou conhecer-lhe um relacionamento mais duradouro…”. – Cfr. pág.59 e 60 do acórdão.
34. 3 - Tal facto dado como provado, é inverídico, já que resulta do depoimento de (…), que o ora R. teve diversas relações amorosas, sendo que as mais sérias não tiveram continuidade devido ao facto de este, como professor, ser anualmente, colocado em locais diferentes e distantes bem como ao facto de economicamente não poder suportar duas residências. - Cfr. facto provado 39 e gravação em cd, ficheiro 20200513143011_3595002_2871779, concretamente em 00:06:17.7 a 00:06:32:8. e ata com ref. Citius 90303033;
34.4 – Veja-se os referidos depoimentos:
(…) - …”Não, não, não, não. A gente fazia o normal da nossa idade. A gente íamos aos bailes, íamos às discotecas, dávamos a volta. Ele, ele tinha a, as namoradas dele, eu tinha as minhas. - (bolt, sublinhado e itálico nosso) Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513143011_3595002_2871779, concretamente em 00:06:17.7 a 00:06:32:8 e ata com ref. Citius 90303033;
(…) Não. Ele tem a profissão dele que é professor e eu sei que ele muitas vezes é … destacado de, de umas escolas para as outras e, e pronto e ele andou sempre nesta, nesta, desde que eu o conheço anda sempre nesta vida…de ir para a escola para aqui, escola para ali (…) Ele deslocava-se todos os anos. Deslocava-se todos… quase todos os anos, mandaram-lhe para um sítio, depois ia para outro, depois ia 2 anos para outro lado depois pronto, era, era, a vida dele … ele quando era, quando era nesses períodos era quando ele ficava mais… estava mais tempo sem o ver porque, porque a gente via-se com alguma frequência…- (bolt, sublinhado e itálico nosso). Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513143011_3595002_2871779, concretamente em 00:07:12.6 a 00:07:51:5 e 00:08:25.2 a 00:08:44.7, ficheiro 20200513144146_3595002_2871779, concretamente em 00:04:12.5 a 00:07:06.3, 00:12:10.9 a 00:12:32.9 e ata com ref. Citius 90303033;
(…) Ah, sei que já foi colocado … em Viseu, acho que houve uma altura … ah, não tenho, não me recordo bem se esteve lá um ano e… meio ou dois anos, ou se foi um ano ou se foi dois anos, e…e teve, e até foi numa altura que ele tinha namorada e perdeu a namorada pronto, foi por causa disso. Mas pronto, são aquelas coisas…- (bolt, sublinhado e itálico nosso). Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513143011_3595002_2871779, concretamente em 00:08:25.2 a 00:08:44.7 e ata com ref. Citius 90303033;
(…) - …”E eu sei que ele depois foi para professor de inglês, foi para professor primário, primeiro, se não me engano, foi para professor primário, depois foi para professor de inglês e sei que ele, das escolas que ele, que ele trabalhou, conheço uma em Viseu. Ele falou-me, na altura, duma em Viseu. Conheço uma no Barreiro, se não me engano, acho que era no Barreiro. E sei que ele andou por mais escolas porque ele andava sempre a queixar-se que nunca estava no mesmo sítio, que nunca o mantinham no mesmo sítio. Isso eu recordo-me dessa, dessa situação dele se andar sempre a queixar que nunca o deixavam, digamos assim, no mesmo sítio. - (bolt, sublinhado e itálico nosso). Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513144146_3595002_2871779, concretamente em 00:04:12.5 a 00:07:06.3 e ata com ref. Citius 90303033;
(…) Como, como, olhe, como era, como era a mim e como era doutros rapazes. Obviamente vamos, vamos sair à noite e vamos à discoteca ou vamos, ou vamos passear, existe sempre uma, uma, uma tendência de que, de que vamos para brincar, para festejar, para, pelo menos naquela idade. Agora já, agora já somos pessoas se calhar um bocado mais sossegadas. - (bolt, sublinhado e itálico nosso) Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513144146_3595002_2871779, concretamente em 00:12:10.9 a 00:12:32.9 e ata com ref. Citius 90303033;
(…) Eu cheguei a, eu cheguei a passar uma, eu cheguei a passar uma passagem de ano com o (...) em que o (...) começou a namorar com uma pessoa nessa passagem de ano e ficou até, até quase ao Verão, até ser, até ser chamado para uma escola, para a escola de Viseu e foi quando eles se separaram porque o (...) não, não podia dar prosseguimento àquela relação, se não me engano, porque, pronto, ia, ia para longe. Ele, ele obviamente terão tido outras razões, não sei se foi só essa, mas uma delas era porque ele ia para longe, ia, ia lecionar para Viseu. E depois eu sei que ele lá também teve uma namorada. Lembro-me que ela era loira porque ele chegou-me a mostrar uma fotografia ou chegou-me a falar do, do, dessa miúda, nem me lembro, acho que era (…). Olhe, não tenho a certeza do nome. Esta, a primeira, do ano novo, eu conheço, é a (...). Porque chegámos a relacionarmo-nos como amigos. Agora a segunda, que ele conheceu em Viseu, a moça com quem ele namorou depois de estar com a (...) não me lembro do nome. Depois conheci-lhe outras namoradas em miúdo, mas coisas passageiras. Com a (...) foi a relação que eu lhe vi mais séria e que, e que ele, pela primeira vez, acho que pensou que poderia dar mesmo uma relação para, para a vida, ... impercetível ... porque sentia o (...) nessa altura apaixonado. E pronto, olhe, acho que não deu certo precisamente por causa das questões profissionais e por tudo isso na altura. - (bolt, sublinhado e itálico nosso). Cfr. gravação em cd, ficheiro 20200513144146_3595002_2871779, concretamente em 00:12:44.4 a 00:14:06.2 e ata com ref. Citius 90303033;
35 - Facilmente se verifica que tais testemunhas tiveram conhecimento direto da existência de diversas situações de namoro, quer na adolescência quer na fase adulta do ora R., que este não conseguia manter relacionamentos amoroso devido ao facto de estar sempre a mudar de cidade em consequência da sua colocação como professor e que tal situação o deixava insatisfeito e apreensivo quanto ao futuro, uma vez que era obrigado a permanecer em casa de seus pais e não conseguia manter relacionamentos longos – Cfr. depoimentos de (…) supra identificados.
36 – Tais depoimentos, caso fossem devidamente analisados, teriam como consequência que o facto dado como provado em 39, fosse dado como não provado. - – Cfr. fls. 1226 e 1227, 1259 a 1261 dos autos, pág. 59, 60, 63 e 64 do acórdão ora recorrido e depoimentos supra identificados.
37 - Por todas as razões explanadas, entende o ora R. que deveria ter sido absolvido.
38 - Discorda o recorrente da referida qualificação como adiante resumirá, dado que, não se pode olvidar, que no mencionado artigo 171º já se encontra balizado o seguinte:
39 - Que o bem jurídico tutelado por aquele ilícito (art.º 171.º) é essencialmente a proteção dos menores relativamente a práticas sexuais com eles levadas a cabo. - Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, págs. 541 e 543;
40 - Pune-se o agente pelo aproveitamento que é feito dos menores para atos sexuais ou comportamentos a tal direcionados, abusando da sua inexperiência e imaturidade, inerentes a estas idades, o que os impede, em princípio, de avaliarem tais condutas e as suas consequências, quer estas possuam ou não capacidade para entender o ato sexual que nela, com ela ou perante ela se pratica ou se leva a praticar. - Idem;
41 - Que os crimes de natureza sexual, quer os atos sejam qualificados como sendo atos graves, gravíssimos, ou menos graves, visam a satisfação sexual do abusador;
42 - Que pretende-se proteger a autodeterminação sexual não em face das “condutas que representem a extorsão de contactos sexuais por forma coativa ou análoga, mas face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coação, possam prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade - Idem;
43 - Apesar de tal norma já conter a tais elementos. Porém, o conceito de ato sexual de relevo embora esteja determinado n.º 2 do artigo 171º, já assim não acontece, quanto ao nº 1 e ao nº 3 al. a), já que o conceito é indeterminado.
44 - Daí a importância de aferir o caso concreto praticado pelo “predador” em relação ao menor para se determinar se o ato objetivamente é de relevo ou não, terá que se atender ao contexto em que o mesmo é praticado, aquilatar também a sua intensidade, a fim de verificar a sua perigosidade e capacidade de concretização de intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da autodeterminação sexual;
45 - Tal conceito, por ser indeterminado deixa uma clara abertura para a interpretação que o Senhor Juiz ou os Senhores Juízes que compõem o Tribunal Coletivo possam dar de acordo com as regras de experiência classificar tais atos como de relevo ou não.
46 - Ora, teremos que então verificar, quais foram em concreto os atos praticados pelo arguido e em que contexto o foram:
Vejamos em concretamente o que é dito pelas “vitimas” do 2º ano:
46.1 – (…) - 2-A [(...) - Declarações efetuadas na sessão da tarde do dia 06.09.2018 -[ por ocasião da entrega dos exames, felicitando a declarante pelas boas notas, abraçando-a, descrevendo tal gesto como feito com as duas mãos, mas implicando a colocação de uma das mãos por debaixo do vestuário, através da zona do pescoço, até á zona da barriga e ás vezes ao peito, mexendo] - Cfr. pág. 24 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 86692787;
46.2 – (…) -2-A Declarações efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, [A propósito da correção dos exercícios, colocava-se em posição lateral face á declarante, que se mostrava sentada, posicionando-se de cócoras, colocando a mão na zona da barriga, por baixo da camisola, mexendo a mão naquela zona do corpo (...)] - Cfr. págs. 24 e 25 e ata com a ref. citius nº 86692787;
46.3 – (…) - 2-A - Declarações efetuadas na sessão da tarde do dia 09.09.2018 [No contexto da correção dos exercícios, refere que o arguido por vezes se deslocava á sua secretária, apondo-se por detrás da declarante e debruçado sobre o seu corpo, colocando em tais ocasiões uma ou as duas, pelo interior da camisola, na zona do peito, porém, não chegando a tocar nos mamilos, o que sucedeu poucas vezes. Referiu que tais gestos não a deixavam confortável, nem os encarando como carinho similar àqueles que os pais fazem ou que os outros professores evidenciavam. Refere não ter vislumbrado, por motu próprio, tal comportamento dirigido a outras raparigas (...)] – Cfr. pág.25 do acórdão e ata com a ref. citius nº 86701500
46.4 – (…) - 2-A Declarações efetuadas na sessão do dia 19.09.2018, [(...) por 4 ou 5 ocasiões, e em contexto de esclarecimento de dúvidas, e colocando-se atrás da cadeira da declarante, feito festinhas, no tronco da menor, colocando para o efeito a mão debaixo da camisola, chegando neste enquadramento a tocar na zona dos mamilos, o que declarou não ter gostado (vindo a relatar aos pais] (....)] - Cfr. pág. 26 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 86773763;
46.5 – (…) -2-B - Declarações efetuadas na sessão da tarde do dia 06.09.2018 [As aulas eram normais, iguais ás outras, o que não sucedia quando o arguido pegava nas meninas com os braços, colocando algumas delas ao colo, isto aquando da exibição dos trabalhos, junto da secretária do professor (...)
Neste contexto, e referindo apenas ter sido colocada ao colo por uma ocasião, refere ter o arguido noutra situação em que não a pegou nesses termos, mas, em que mostrava o trabalho junto da secretária do professor, teria este colocado as suas mãos por debaixo dos braços, chegando-lhe a tocar na zona do peito e da barriga, fazendo festinha, gesto ao qual se refere não se ter sentido bem8...)] – Cfr. págs. 26 e 27 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 86692787;
46.6 – (…) -2-B - Declarações efetuadas no dia 07.09.2018 [(...) mexia nas “coisas privadas” das meninas, nas quais tocava com a mão aberta na parte do peito e da barriga, mas não tocando nas maminhas, isto em contexto em que se aproximava das carteiras das alunas, agachando-se ao lado das mesmas (...)] – Cfr. pág. 27 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 86701500;
E do 3.º ano:
46.7 – (…) - 3-A Declarações efetuadas no dia 22.11.2017 [(...) referiu que o mesmo lhe tocava nos corpos, sentando-a (...... ) ao colo, e fazendo-lhe cócegas ou massagens na barriga e zona do peito (“nas maminhas”) , por dentro ou por fora da blusa, sendo no primeiro caso com a colocação da mão por debaixo do vestuário da parte superior do corpo, por ocasiões em que eram corrigidos exercícios ou tiradas dúvidas, comportamento esse que refere não ter gostado, sentindo-se desconfortável e com algum medo.
Refere também colocar-se frequentemente atrás dela ou de outras alunas, fingindo que corrigia os exercícios, porém, aproveitando também tais ocasiões para colocar a mão debaixo da camisola (...)] – Cfr. pág. 28 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85037834;
46.8 – (…) - 3-A- Declarações efetuadas no dia 22.11.2017 [Igualmente corroborou, no que a si respeita, e por contexto no esclarecimento de dúvidas, a ação do arguido, colocá-la ao colo, (pegando-a para o efeito), enquanto, lhe falava baixinho ao ouvido, e fazendo-lhe cócegas na barriga, porém no seu caso, sempre por cima da camisola, o que a declarante não gostava (embora nunca o tivesse verbalizado)] - Cfr. pág. 29 do acórdão e ata com a ref. citius nº 85037834;
46.09 – (…) - 3-A- Declarações efetuadas no dia 24.11.2017. [(...) descreveu a ação do arguido a colocar sentada ao seu colo em ocasiões de correção de exercícios, quando ia junto á secretária daquele, isto é, enquanto a chamava de querida e fazendo cócegas na barriga, por dentro da camisola, e na perna, ainda relatando esta última ação aquando da correção dos testes junto á secretária dos alunos. (...)] – Cfr. pág. 30 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85054541;
46.10 – (…) - 3-A - Declarações efetuadas no dia 24.11.2017 [Naquele 1.º período menciona tudo ter corrido normalmente, alterando-se o comportamento no decurso do 2.º período, passando o arguido a colocar-lhe a mão pelo pescoço fazendo cócegas e massagens, designadamente na barriga, colocando a mão por dentro ou por fora da camisola, o que refere acontecer quando ia á secretária do professor, ocasião em que a colocava ao colo, ou quando vinha á própria secretária, aquando da correção dos trabalhos ou esclarecimento de dúvidas, neste caso na zona das costas, (...)] – Cfr. págs. 30 e 31 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85054541;
46.11 – (…) - 3-A - Declarações efetuadas no dia 24.11.2017 [(...) em contexto de sala, por ocasião do meio do ano (após a interrupção do carnaval), teria o mesmo começado a mexer-lhe na zona do peito, por dentro e por fora da camisola, fazendo cócegas ou festas, (...) por três ocasiões.(...)] – Cfr. pág. 31 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85054541;
46.12 – (…) - 3-B - Declarações efetuadas no dia 27.11.2017 [(...) refere ter ocorrido quando era solicitado o esclarecimento de dúvidas, o que vinha a suceder nas carteiras das alunas, posicionando-se o arguido por detrás das mesmas, colocando os braços por cima das mesmas e, após, opondo a mão na barriga na zona do peito, fazendo um “carinho”, o que, quanto a si refere ter sido apenas por cima do vestuário.
(...) Refere não ter num primeiro momento, dado grande importância a tais atuações, o que veio a fazer após questionada quanto a uma tal atuação pela mãe, após conversação com as mães de outras alunas (...)] - Cfr. págs. 32 e 33 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85068571;
46.13 – (…) - 3-B - Declarações efetuadas no dia 27.11.2017 [(...) Refere que o arguido, posicionando-se por detrás do seu lugar, lhe introduzia a mão, umas vezes pelo interior, outras pelo exterior da camisola, (em número que não se mostrou capaz de concretizar, tocando-lhe na zona das maminhas, fazendo festinhas, face ao que declarou estarem a mexer em “sítios privados”
(...) No que ser colocada ao colo do arguido, referiu ter isso apenas ocorrido uma ocasião, por ocasião do Carnaval, em que a declarante se aprontava a escolher uma música para ser reproduzida, sendo puxada pelo arguido, porém nesse seguimento sem qualquer ação física ou verbal complementar) – Cfr. págs. 33 e 34 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85068571;
46.14 – (…) - 3-B - Declarações efetuadas no dia 27.11.2017 [(...) o arguido se colocava atrás de si, debruçando o seu corpo por cima do seu, fazendo-lhe massagens nos ombros, barriga e peito (na zona das maminhas) bem com na perna, o que fazia por cima da roupa.
(...) Nunca ter gostado dos mesmos, todavia apenas avaliando a sua incorreção quanto tal lhe veio a ser definido pela progenitora.] – Cfr. págs. 34 e 35 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85068571;
46.15 – (…) - 3-B - Declarações efetuadas na sessão da manhã no dia 07.03.2018 (...) Refere que no início corriam “bem”, mas que a partir de determinado momento o professor, quando ela estava a fazer os trabalhos, ia dos detrás de si, sendo que em tais ocasiões lhe colocava a mão por baixo da blusa, tocando-lhe na zona do meio do peito, mas não chegando a tocar nos mamilos…”.
(...) Refere nunca se ter sentado ao colo do professor, ou visto assim suceder quanto a outras colegas. (...)] – Cfr. págs. 35 e 36 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85665610;
46.16 – (…) - 3-B - Declarações efetuadas na sessão da manhã no dia 07.03.2018 [Igualmente referiu que o mesmo colocava as mãos “onde não devia” (...) quanto a ela própria, sendo neste último caso por uma ocasião, com a colocação da mão por debaixo da camisola, tocando-lhe de mão aberta na zona abaixo do peito, admitindo porem sem maior certeza, poder tocado nos mamilos, (...)]. Cfr. págs. 36 e 37 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85665610;
46.17 – (…) - 3-B- Declarações efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, [(...) relatou a ocorrência de duas situações, a si respeitantes, (....) ter o arguido, posicionando-se por detrás da menor de pé, colocado a mão o interior da camisola que vestia, pela zona da gola, passando com a mão na zona do peito, porém crendo não ter tocado na zona dos mamilos mas “no meio”(...)]. – Cfr. págs. 37 e 38 do acórdão e ata com a ref. citius nº 85665610;
46.18 – (…) -3-B - Declarações efetuadas na sessão da manhã no dia 07.03.2018 [ (...) se colocava por detrás de si, junto á cadeira onde se sentava, colocando uma das mãos pelo interior da t-shirt, pela zona da gola, impulsionando a mão aberta até á zona da barriga e fazendo “ondinhas/festinhas”, tocando também na zona das maminhas.
(...) Descreve ainda que a ação do arguido a pegar ao colo, fazendo-lhe cócegas na barriga por cima da roupa em ocasião em que a declarante se encontrava a arrumar material de sala.] – Cfr. págs. 37 e 38 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85665610;
Do 4º ano:
46.19 – (…) - 4-A- Declarações efetuadas na sessão da tarde no dia 07.03.2018,[(...) concretizando, por ocasião dos exercícios,(...) a colocação por detrás das cadeiras das alunas, debruçando-se sobre o corpo das alunas sentadas, esticando os braços, e após colocando aos mãos nos ombros e barriga, fazendo massagens por cima da roupa, envolvendo a zona da barriga, o que apenas cessavam quando elas o afastavam, impulsionado a cadeira para trás (por se sentir desconfortável (...).] – Cfr. págs. 38 e 39 do acórdão, e ata com a ref. citius n.º 85665610;
46.20 - (...) - 4-B -Declarações efetuadas na sessão da tarde no dia 07.03.2018, [(...) No que a si diz respeito, refere apenas ter sucedido, sendo, todavia, os toques por cima do vestuário, o que em todo o caso, a deixava incomodada. (...) – Cfr. págs. 40 e 41 do acórdão e ata com a ref. citius nº 85665610;
47 - Ou seja, dos factos dados como assentes resulta que:
Que o apelante, ao ministrar a disciplina de Inglês, no interior da sala de aulas, em datas não concretamente apuradas por diversas vezes e em momentos diferentes, aproximou-se das menores identificadas em 1 e colocou a sua mão sobre a roupa que trajavam, ou no interior da mesma, efetuando movimentos de fricção, nas zonas dos peitos, mamas, barriga, tocando-as e acariciando-as - Vide 3 a 11 da matéria dada como assente.
48 - Porém, das declarações das “vitimas” consignadas na fundamentação resulta que:
48.1 - Tais atos eram realizados pelo professor quando se deslocava ás suas secretárias, para tirar dúvidas, ou, quando aquele vigiava os trabalhos, e, igualmente quando estas se deslocavam á sua secretária, para lhe entregar os trabalhos ou os exames;
49 - Todavia, apesar de tais depoimentos contextualizarem os atos praticados, ainda assim, foram classificados de relevo;
50 - Contudo, de acordo com regras não pode o recorrente concordar com tal tese, porquanto:
51 - O tribunal não ignorava, que o arguido foi sujeito a primeiro interrogatório no dia 19/10/2017 - Cfr. ata com a ref: 84830179;
52 - Que igualmente foi sujeito á medida de coação de obrigação de permanência sob vigilância eletrónica desde 04/03/2019 - Cfr. facto provado em 27;
53 - Tal como, que a matéria aqui em discussão, quer aquando do 1.º interrogatório, quer já depois da sua detenção foi objeto de divulgação noticiosa, nos jornais e televisão - Idem ata e facto provado em 27 e págs. 72 do acórdão;
54 - Pelo que, aquelas declarações para memória futura tiveram a influência, quer das conversas travadas entre elas, quer das suas mães, quer nas notícias divulgadas, conforme se pode constatar destes depoimentos e só a título de exemplo:
54.1 – (…) -3-B - Declarações efetuadas no dia 27.11.2017 [(...) refere ter ocorrido quando era solicitado o esclarecimento de dúvidas, o que vinha a suceder nas carteiras das alunas, posicionando-se o arguido por detrás das mesmas, colocando os braços por cima das mesmas e, após, opondo a mão na barriga na zona do peito, fazendo um “carinho”, o que, quanto a si refere ter sido apenas por cima do vestuário.
(...) Refere não ter num primeiro momento, dado grande importância a tais atuações, o que veio a fazer após questionada quanto a uma tal atuação pela mãe, após conversação com as mães de outras alunas (...)] págs. 32 e 33 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85068571;
54.2 – (…) - 3-B - Declarações efetuadas no dia 27.11.2017 [(...) o arguido se colocava atrás de si, debruçando o seu corpo por cima do seu, fazendo-lhe massagens nos ombros, barriga e peito (na zona das maminhas) bem com na perna, o que fazia por cima da roupa., e,
54.3 – (…) - 3-B - Declarações efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018 (...) Refere que no início corriam “bem”, mas que a partir de determinado momento o professor, quando ela estava a fazer os trabalhos, ia por detrás de si, sendo que em tais ocasiões lhe colocava a mão por baixo da blusa, tocando-lhe na zona do meio do peito, mas não chegando a tocar nos mamilos (...)
Refere nunca se ter sentado ao colo do professor, ou visto assim suceder quanto a outras colegas. (...)] – Cfr. págs. 35 e 36 do acórdão e ata com a ref. citius nº 85665610;
(...) Nunca ter gostado dos mesmos, todavia apenas avaliando a sua incorreção quanto tal lhe veio a ser definido pela progenitora.] – Cfr. págs. 34 e 35 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85068571;
55 - No que concerne ao colo diz ainda esta última;
55.1 – (…) - 3-B - Refere nunca se ter sentado ao colo do professor, ou visto assim suceder quanto a outras colegas. (...)] – Cfr. págs. 35 e 36 do acórdão e ata com a ref. citius n.º 85665610.
56 - O que dizem outros alunos, que não são vítimas:
56.1 – (…) - 2-B - [(..) no que concerne a atuação apenas relata que, no contexto da correção dos exames, o arguido colocava alguns alunos sentados ao colo (por cima da perna) entre os quais a declarante, apondo uma das mãos nas costas enquanto explicava a correção, chegando ainda a dar um abraço e dizendo-lhe que era boa aluna de inglês, o que a declarante referiu gostar, reputando tais gestos como carinhos - Cfr. pág. 27 e 28 do acórdão;
56.2 – (…) - 3-A - no contexto de sala de aulas, nada ter de anómalo percecionado, relatando ser o procedimento de esclarecimento de dúvidas objetivado no levantamento, pelos alunos que pretendiam esclarecer, de dedo no ar, após deslocando-se o arguido ás carteiras dos alunos, aproximando-se pelo ângulo traseiro.
Afirma ainda não ter logrado aperceber-se de existência de tratamento privilegiado de alguns alunos face aos demais - Cfr. 53 do acórdão;
56.3 – (…) - 4-A - nada de relevante destacar no plano do contexto de sala de aula - Cfr. pág.55;
56.4 – (…) - 4-B - ter memória mais concretizada de uma situação em que, a propósito do lecionar das peças de roupa em língua inglesa, ter o arguido pedido a uma aluna (a …, que se colocasse na parte frontal da sala, colocando-a para o efeito em cima da cadeira, para o que a pegou com ambas as mãos na zona nas axilas, admitindo nesse contexto ter tocado com as mãos na zona do peito da menor – Cfr. págs. 57 e 58;
57 - Se acrescermos tais realidades, como acima já referido, ao facto do Tribunal “A Quo” reconhecer que o comportamento do arguido era infantilizado, quando brincava com as suas alunas no recreio, á roda, saltar á corda, cambalhotas com os ferros, empurrar os baloiços, jogo dos pistoleiros - Cfr. págs. 71 do acórdão;
58 - Então, salvo o devido respeito e melhor opinião, não se compreende, mesmo atendendo ás regras de experiência comum, o raciocínio lógico que determinou tal qualificação.
59 - Com acima já referido, atendendo que a norma do art.º 171º do C.P. protege os menores até aos 14 anos de idade, relativamente aos quais tais práticas sexuais com elas levadas a cabo podem prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade, dado que, tais atos são praticados abusando da sua inexperiência e imaturidade, inerentes a estas idades, o que as impede, em princípio, de avaliarem tais condutas e as suas consequências, e que quem os pratica visa a sua satisfação sexual - Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, págs. 541 e 543;
60 - Então, dado que o conceito é indeterminado, revelante é aferir as condições pessoais e particulares dessa interação.
61 - Resultando dos depoimentos como vimos, os gestos efetuados na sala de aulas, que ocorreram por diversas vezes e em momentos diferentes, davam-se quando estas se dirigiam á secretária deste e ele as levantava e colocava-as ao colo, ou, quando o mesmo se dirigia ás suas secretárias, corrigindo ou vigiando os trabalhos, debruçando-se sobre elas. E, quer numa situação quer noutra fazia-lhe festas, massagens, carinhos, cócegas, sendo que, para o efeito, umas vezes, colocava a sua mão, na zona do peito, ou a barriga, por cima da roupa, outras por debaixo delas. - Vide matéria dada como assente de 3 a 11 e págs. declarações para memória futura de (…) - 3-A pág. 28 do acórdão, (…) - 3-A pág. 29 do acórdão; (…) - 3-A pág. 30 do acórdão, (…) - 3-A págs. 30 e 31 do acórdão, (…) - 3-A pág. 31 do acórdão, (…) - 3-B págs. 32 e 33 do acórdão, (…) - 3-B págs. 33 e 34 do acórdão, (…) - 3-B págs. 34 e 35 do acórdão, (…) - 3-B págs. 35 e 36 do acórdão, (…) - 3-B págs. 36 e 37 do acórdão, (…) - 3-B págs. 37 e 38 do acórdão, (…) -3-B págs. 37 e 38 do acórdão, (…) - 4-A págs. 38 e 39 do acórdão, e de (...) - 4-B – págs. 40 e 41 do acórdão;
62 - Daqui resulta que a interação do recorrente com as vitimas que este na sala de aulas, por diversas vezes e em momentos diferentes, tinha gestos que se traduziam em meras cócegas, ou, por outras vezes, a festas, ou, as meras massagens, sendo que para o efeito, colocava a sua mão aberta, no peito ou na barriga destas, umas vezes por baixo da roupa, outras por cima do peito ou na barriga, podem ser somente classificados como atos de cariz sexual. - Idem e (…) - 3-B – págs. 35 e 36 do acórdão, (…) - 2-B - Cfr. pág. 27 e 28 do acórdão, Tiago Fernandes - 3-A - Cfr. pág. 53 do acórdão, (…) - 4-A - Cfr. pág. 55 do acórdão e (…) - 4-B Cfr. págs. 57 e 58 do acórdão;
63 - E, ainda concretamente:
Porém, tais gestos porque desacompanhados de seguida por quaisquer outros atos, como seja, um beijo, ou, mesmo uma caricia na coxa, ou na vagina, entendemos não revestir por si só, ato sexual de relevo. Daí que, salvo o devido respeito e melhor opinião concebemos não ter a relevância necessária ao preenchimento do tipo p.p. no art.º 171º nº1, tão somente, a p.p. no n.º 3 al. a) da citada norma - Idem acórdãos citados entre eles o Ac. STJ de 17.3.04, proc. nº 439/04-3;
64 - “Comete o crime de importunação sexual de menor aquele que, sob o pretexto de dar uma volta de motorizada leva a menor, de 12 anos de idade, para um local descampado, longe da povoação e dos seus amigos, onde efetua uma paragem e dirige-se à mesma, dizendo-lhe para se voltar para ele, e após ficar voltada, frente a frente, tenta abraçá-la e beijá-la na boca, à sua revelia, o que só não conseguiu por a menor ter saído da moto naquele instante” - Cfr. Ac. da Relação de Évora proferido em 06.06.2017, no processo 77/14.1 GESTC.E1;
65 - Pugna assim o recorrente, que o Tribunal “ A quo” ao interpretar e subsumir que os gestos por si realizados, na sala de aulas, por diversas vezes e em momentos diferentes quando estas se dirigiam á sua secretária, ou aquele á secretária daquelas, que se traduziram em festas, massagens, carinhos, cócegas, sendo que, para o efeito aquele colocava a sua mão a zona do peito, ou da barriga, umas vezes por cima, outras por debaixo da roupa, não podem ser interpretados como sendo atos sexuais de relevo e por tal motivo não podia o recorrente ter sido condenado pelo norma prevista no artigo 171º nº1 CP, violando desta forma o principio da tipicidade consignado no art.º 1º do aludido diploma, e no art.º 29, nº1 da CRP.
66 - Uma vez que, pelas razões expostas, de acordo com as regras de experiência comum ao aquilatar-se tais gestos, verifica-se quanto a sua intensidade esta é diminuta, e embora os mesmos possam revelar uma certa perigosidade estes não têm a capacidade de concretização de intuitos e desígnios sexuais visivelmente graves atentatórios da autodeterminação sexual. Tal como, porque também tais gestos se mostram desacompanhado de seguida por quaisquer outros atos, como seja, um beijo, ou, mesmo uma caricia na coxa, ou na vagina, entendemos não revestir por si só, ato sexual de relevo.
67 - Daí que, salvo o devido respeito e melhor opinião concebemos não ter a relevância necessária ao preenchimento do tipo p.p. no nº1 do art.º 171º, tão somente, a p.p. na alínea a) do o nº3 da citada norma - Idem todos os acórdãos citados neste recurso e entre eles o Ac. STJ de 17.3.04, proc. nº 439/04-3, Acórdão da Relação de Évora proferido em 06.06.2017, no processo 77/14.1 GESTC.E1 e Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, págs. 541 e 543;
68 - A referida interpretação originou a violação da lei substantiva, onde se inclui a escolha inadequada e errónea da norma constante do nº1 do art.º 171º, determinando a inexata qualificação jurídica.

Assim se considerando devem Vossas Excelências alterar a qualificação jurídica realizada pelo Tribunal “A Quo”.»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1 - O arguido (...) foi condenado como autor material e em concurso real, pela prática de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão para cada um deles.
Em cúmulo jurídico, foi condenado numa pena única de 8 (oito) anos de pena de prisão.
2 - Mais foi condenado na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com indivíduos menores de idade, pelo período de 10 (dez) anos (art.º 69º -B do CP).
3 - Inconformado com o teor do acórdão, dele vem recorrer, invocando que o tribunal "a quo" julgou os pontos 4 a 11, 28, in fine, 33, 37 e 39 da matéria de facto dada como provada, pelo que deveria ter sido absolvido dos 20 crimes de abuso sexual; Não podiam ter sido valoradas as declarações do arguido, em sede de inquérito, por se encontrarem fora do objeto do processo; Valorou a crítica de culpabilidade e sobre a vida sexual do arguido, que os técnicos de reinserção social referiram no relatório social, com inerente violação da presunção de inocência; Houve errada subsunção jurídica, quando o condena pelo norma prevista no n.º 1 do art.º 171.º, quando devia tê-lo punido pelo n.º 3 da alínea a) da citado norma; Foram violados os arts.º 141.º 283.º, n.º 1 do art.º 345.º , al.. c) do n.º 1 do art.º 374.º e n.º 1 do art.º 379.º todos do CPP, bem como o art.º 32.º da CRP.
4 - O presente recurso é composto por um total de 75 páginas, sendo que as conclusões se iniciam na pág. 48.
Todavia, para além disso, o recorrente utiliza o artifício da subnumeração, elencando, por exemplo o n.º 5, 5.1 a 5.9 ou 46, 46.1 até 46.20, ou seja, as conclusões são iguais ou superiores ao corpo da motivação.
5 - A repetição integral da motivação do recurso, nas conclusões, equivale à falta destas, constituindo motivo de rejeição do recurso – art.º 414.º, n.º 2 do CPP, se após convite para reformulação dos mesmos, se mantiver a situação descrita.
6 - Percorrido o acórdão em causa, não se vislumbra do seu teor que haja uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ou que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, aos olhos do cidadão comum.
Aliás, o acórdão recorrido apresenta uma fundamentação completa, lógica e congruente.
7 - Efetivamente, o teor do acórdão criticado permite inferir, à luz do acima exposto, que os Senhores Juízes ficaram convencidos da realidade dos factos que arrolaram como assentes e indicaram o percurso ou o raciocínio lógico que os conduziram a essa convicção, de modo bastante para que o Tribunal de recurso possa aferir da sua adequação, possibilidade que se estende, inevitavelmente, a qualquer destinatário direto e aos demais cidadãos: os Senhores Juízes esclareceram, à exaustão, as razões do seu convencimento para dar como provados os factos elencados.
8 - Como supra se refere, quanto ao invocado erro de julgamento e pese embora os argumentos (e elementos de prova) apresentados pelo arguido, ainda assim, não se deteta qualquer patente irrazoabilidade na convicção probatória expressa pelos julgadores com imediação): Os Senhores Juízes fizeram um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efetuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeram em detrimento de outros.
9 - Os Senhores Juízes não ficaram em estado de dúvida: fica-se a conhecer, cristalinamente, o processo de formação da sua convicção, através do enunciado sobre o exame crítico da prova, com a justificação das razões pelas quais foram valorados e tidos em consideração os depoimentos das testemunhas indicadas, em conjugação com os demais meios de prova produzidos, referentes a todos os segmentos da decisão, como se deixou explícito, em detrimento da defesa apresentada pelo arguido/recorrente.
10 - Quanto às declarações do arguido: Não esteve o recorrente impedido de esclarecer o tribunal ou infirmar as declarações que havia prestado em sede de interrogatório judicial, optando pelo silêncio.
11 - E se este é, efetivamente, um direito que lhe assiste, consagrado pela lei e pela CRP, também não ignorava, porque tal lhe foi dado nota, que as declarações prestadas em sede de inquérito poderiam ser aproveitadas em sede de julgamento.
12 - O Coletivo bem sabia que o crime de gravação e fotografias ilícitas foi arquivado pelo Ministério Público, sendo que o juízo efetuado não foi para dar como provados os factos respeitantes a tal ilícito mas antes para frisar a personalidade e comportamento do arguido.
13 - Já quanto ao relatório social, a sua função é auxiliar o tribunal no conhecimento de personalidade do arguido, incluindo a sua condição familiar e socioprofissional, bem como possibilitar a correta determinação da sanção a ser aplicada, isto é, permitir o adequado julgamento de direito (Ac. STJ 18/12/91).
14 - Deste modo, entendemos que nenhum reparo merece o acórdão recorrido, o qual analisou corretamente toda a prova carreada para os autos, em conjugação com as regras da experiência comum, parecendo-nos justas e adequadas quer a qualificação jurídica, quer as medidas das penas parcelares e única.
15 - Não se mostram violadas quaisquer normas legais.

Pelo que o recurso deverá ser declarado totalmente improcedente.
Porém, como sempre, Vªs Exªs farão a habitual e costumada Justiça!»
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da redução da pena imposta e da improcedência do recurso, em tudo o mais.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, não houve resposta.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões (i) da incorreta valoração da prova produzida em julgamento relativamente aos factos considerados como provados nos pontos 4 a 11, 28 in fine, 33, 37 e 39 e (ii) da errada subsunção dos factos ao direito.
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No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
Factos retirados da acusação pública:
«1) O arguido (...) nascido a (…), foi contratado pelo Instituto (…), proprietário e entidade titular da Escola Primária de (…), através do contrato de prestação de serviços celebrados com a sociedade (…), para lecionar a disciplina de Inglês, no ano letivo de 2016/2017, na referida Escola Primária, sita, na Avenida (…).
2) No âmbito das suas funções, o arguido (...), professor do 1.º Ciclo da disciplina de Inglês, lecionava as respetivas aulas e acompanhava escolarmente as crianças que frequentavam a Escola descrita em 1), concretamente às que se encontravam nas turmas do 2.º ano A, 2.º ano B, 3.º ano A, 3.º ano B, 4.º ano A e 4º ano B.
3) Nesse contexto, o arguido (...), durante o ano letivo de 2016/2017, passou a manter contacto, de forma quotidiana, com as crianças, suas alunas, todas menores de 14 (catorze) anos de idade, o que sucedeu, em concreto, com: - (…), nascida a 11 de Setembro de 2007 (3º - A); - (…), nascida a 8 de Fevereiro de 2008 (3º - A); - (…), nascida a 26 de Novembro de 2008 (3º- A); - (…), nascida a 8 de Maio de 2008 (3º - A); - (…), nascida a 20 de Outubro de 2008 (3º - A); - (…), nascida a 1 de Março de 2008 (3º -A); - (…), nascida a 4 de Julho de 2008 (3º -B); - (…), nascida a 31 de Agosto de 2008 (3º - B); - (…), nascida a 7 de Julho de 2008 (3º - B); - (…), nascida a 2 de Outubro de 2008 (3º - B); - (…), nascida a 20 de Janeiro de 2008 (3º - B); - (…), nascida a 14 de Novembro de 2008 (3º - B); - (…), nascida a 6 de Novembro de 2008 (3º - B); - (…), nascida a 11 de Setembro de 2009 ( 3º - B); - (…), nascida a 30 de Setembro de 2007 (4º - A); - (…), nascida a 14 de Junho de 2005 (4º - A); - (…), nascida a 21 de Maio de 2007 (4º - B); - (…), nascida a 15 de Janeiro de 2009 (2º - A); - (…), nascida a 12 de Novembro de 2008 (2º - A); - (…), nascida a 15 de Janeiro de 2009 ( 2º - A); - (…), nascida a 11 de Dezembro de 2009 (2º - A); - (…), nascida a 5 de Junho de 2009 (2º - B); - (…), nascida a 29 de Novembro de 2009 (2º - B); - (…), nascida a 12 de Novembro de 2009 (2º - B); - (...), nascida a 12 de Maio de 2009 (2º - B); - (…) nascida a 17 de Agosto de 2007 (4º - A).
4) Desde data não concretamente apurada, mas certamente durante o ano letivo de 2016/2017, o arguido (...), prevalecendo-se da proximidade de que gozava, das crianças identificadas em 3), por força do exercício das suas funções e, bem assim, da confiança que estabeleceu com as mesmas, conseguiu manter contactos de natureza sexual com parte daquelas, apesar de estar ciente das suas idades.
5) Assim, o arguido (...), enquanto se encontrava a ministrar a disciplina de inglês, no interior da sala de aulas, em datas não concretamente apuradas, por diversas vezes e em momentos diferentes, aproximou-se das menores (…) e colocou a sua mão, umas vezes sobre a roupa que trajavam, outras no interior da mesma, efetuando movimentos de fricção, nas zonas dos peitos, mamas e barriga, tocando-as e acariciando-as naquelas zonas corporais.
6) Ao agir da forma descrita em 5), o arguido (...) não ignorava, nem podia ignorar, a idade das crianças ali identificadas, as quais eram suas alunas, sabendo que eram menores de 14 (catorze) anos.
7) Bem sabia e não podia ignorar o arguido (...) que, ao atuar desta forma, tocando e acariciando as crianças identificadas em 5), punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade daquelas, na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
8) Para atingir o seu objetivo, o arguido (...) não se coibiu de se fazer prevalecer da confiança em si depositada pelas crianças identificadas em 5), por força das funções que exercia, que lhe garantiam, proximidade constante e diária com aquelas.
9) O arguido (...) não ignorava nem podia ignorar que, por força das funções que exercia, ministrando aulas de Inglês, organizando e assegurando as mesmas, emergia aos olhos das crianças identificadas em 5), suas alunas, numa posição de dominância, circunstância de que se valeu para concretizar os seus intentos.
10) Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu satisfazer os seus instintos libidinosos, atuando por gestos, na pessoa das menores indicadas em 5), contra a sua vontade, constrangendo-as a um contacto físico de natureza sexual que as mesmas não queriam, aproveitando-se da sua ingenuidade e do facto de serem suas alunas, sabendo que eram menores de 14 (catorze) anos.
11) O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tais condutas lhe estavam vedadas e eram proibidas e punidas por lei.
Contexto vivencial do arguido:
12) O processo de desenvolvimento de (...) , hoje com 47 anos, tem decorrido no agregado de origem, residente na maioria do tempo no concelho de Almada.
13) Deste núcleo, atualmente composto pelo próprio e progenitores, fazia parte a irmã germana do arguido que, entretanto, se autonomizou.
14) Os progenitores do arguido são pelo mesmo vistos como figuras apoiantes e detentoras de um estilo educativo e relacional ajustado.
15) O trajeto escolar de (...) decorreu globalmente de forma ajustada, tendo, todavia, revelado dificuldades no domínio de algumas matérias curriculares, o que retardou, por dois/três anos, a conclusão do ensino secundário e o posterior ingresso no ensino superior.
16) O arguido obteve o grau de bacharel através da frequência de um curso ministrado pela Escola Superior de (…), cuja conclusão lhe concedeu as habilitações necessárias à monodocência de turmas do 1.º ciclo de escolaridade, sendo nesta área que iniciou o seu percurso profissional, lecionando em várias escolas da zona metropolitana de Lisboa.
17) Pelo menos os primeiros tempos de exercício profissional potenciaram, junto do arguido, ansiedade pessoal, dada a necessidade de aprender a dominar e conjugar todas as tarefas letivas e não letivas e, também, as condições desfavoráveis em que decorre, frequentemente, a carreira docente (tais como dificuldades de estabelecimento de vínculo contratual e de progressão profissional, elevada mobilidade laboral e reduzido nível salarial).
18) Complementarmente à docência, o arguido fez algumas tarefas avulsas na área musical (por exemplo, tocando em bares), ou relacionadas com a dinamização de festas de aniversário, o que lhe proporcionava satisfação pessoal e reforçava os seus recursos económicos.
19) Nos tempos livres, privilegiava, para além daquela área, a desportiva, praticando diversas modalidades, sobretudo ao ar livre.
20) Paralelamente, (...) efetuou um curso avançado de inglês e fez formação em didática do seu ensino, tendo deixado de lecionar turmas em regime de monodocência e passado a ministrar aulas daquela língua a alunos do 1.º ciclo de escolaridade, em estabelecimentos de ensino públicos e/ou privados.
21) Das narrativas do arguido depreende-se que as suas aprendizagens sobre matérias de cariz sexual decorreram da informação transmitida pelo sistema de ensino e órgãos de comunicação social, da vivência das próprias experiências sexuais com as namoradas, a partir da adolescência, e da visualização de algum material com conteúdo pornográfico.
22) De acordo com o próprio, a sua trajetória sexual tem privilegiado o contexto das relações de namoro por, alegadamente, preferir situações de conjugação entre a “atração física e a emocional” (sic), não obstante tenha referido episódios pontuais de envolvimento sexual fortuito.
23) O arguido não detalhou ou quantificou quantas relações de namoro manteve.
24) No período a que se reporta a acusação proferida neste processo – ano letivo de 2016/2017, (...) vivia, como atualmente, com os progenitores, na habitação dos mesmos situada na (…), e lecionava aulas de inglês a turmas do 1.º ciclo de escolaridade no Colégio de (…).
25) No contexto e sequência da sua constituição como arguido nestes autos, (...) ficou proibido de exercer a atividade docente e, após uma experiência “fugaz” (sic) de execução de tarefas laborais num café pertencente a um elemento da sua rede social, manteve-se laboralmente inativo.
26) Nesta fase, ocupou-se com atividades familiares e desportivas.
27) Sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação sob vigilância eletrónica (OPHVE) desde 4/03/2019, (...) encontra-se em confinamento habitacional total, efetuando apenas ausências pontuais da residência para realizar diligências de saúde.
28) O arguido vem-se tornando mais sedentário, tendo aumentado o seu peso corporal, aumentando ainda o nível de colesterol no sangue e da sua ansiedade pessoal, vivenciando o aparecimento de alguns problemas do foro dermatológico.
29) O arguido refere ocupar o seu tempo com atividades de leitura e escrita, com a realização de passatempos lógicos e a visualização de filmes, documentários e programas desportivos, entre outros, e com a prática de alguns exercícios físicos.
30) Tendo comparecido em algumas sessões/consultas de psicologia e psiquiatria, antes e durante o decurso da medida de OPHVE, (...) contextualiza estas diligências como um meio de produção de elementos para a sua defesa processual em contraposição com uma estratégia de redução da sua ansiedade e de promoção do autoconhecimento e do desenvolvimento pessoal.
31) As narrativas do arguido revelaram dificuldades de autoconhecimento e autocrítica e de identificação/expressão emocional (tendencialmente, descreveu pensamentos e condutas quando interrogado sobre as suas emoções), não tendo sido possível concluir se estas características traduzem um padrão de funcionamento ou se foram circunstanciais ao contexto da sua atual situação jurídico-penal.
32) (...) não se revê na acusação proferida nestes autos.
33) Na sua narrativa não revelou os indicadores emocionais comummente associados a situações em que as necessidades/direitos pessoais são constrangidos, transparecendo as ideias de que a sua prática docente não infringiu o código deontológico profissional nem as regras sociojurídicas e de que a sua constituição como arguido decorreu da censurabilidade e impacto social associados ao crime de abuso sexual.
34) Nessa medida, considera que as suas manifestações de apoio e carinho aos discentes foram mal interpretadas por outrem.
35) Sem prejuízo, o arguido conjetura que, caso volte a exercer a docência, mudará algumas condutas relacionais numa perspetiva de salvaguarda da sua posição pessoal.
36) No que concerne ao crime de abuso sexual em geral, (...) revelou deter alguma noção de interdito, referindo-se-lhe como um ilícito que constrange a liberdade e importuna física e emocionalmente as vítimas.
37) Quanto à natureza específica dos atos que serão objeto de julgamento neste processo, as verbalizações do arguido patentearam, numa análise em abstrato, uma perceção subestimada da sua ilicitude e gravidade.
38) Evidencia-se que, não obstante o referido posicionamento do arguido, este tem mantido um comportamento bastante satisfatório no decurso da OPHVE ao nível do cumprimento das regras (inexistindo registo de eventos anómalos que lhe sejam imputáveis) e a nível relacional (mantendo uma postura ajustada para com os técnicos da DGRSP).
39) Da avaliação realizada pela DGRSP no plano da elaboração de relatório social, destaca-se negativamente os seguintes indicadores que, de acordo com a literatura científica respeitante ao crime de abuso sexual, correspondem a fatores considerados de risco: uma trajetória profissional maioritariamente desenvolvida junto de um público infantojuvenil, ausência de estabilidade nos relacionamentos amoroso/sexuais e minimização da gravidade dos factos ilícitos constantes na acusação.
40) Ficaram evidenciados, em contraste, os seguintes fatores de proteção apontados pela referida literatura: inexistência de condenações anteriores, suporte familiar ajustado e capacidade de cumprimento de regras, nomeadamente as da medida de coação em execução.
41) O arguido iniciou, em novembro de 2017, acompanhamento no domínio da Psiquiatria, sendo após feito o seu encaminhamento para a consulta de Psicologia, desde 19 de setembro de 2018.
42) No âmbito deste último acompanhamento, é descrito como indivíduo muito ansioso e angustiado, revelando discurso repetitivo e circular, não evidenciando qualquer alteração psicopatológica.
Do passado criminal do arguido:
43) O arguido não apresenta antecedentes criminais.»

Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]:
«Não se fez prova cabal e inequívoca da seguinte factualidade:
Adveniente da acusação pública:
A) Que o arguido assumisse os comportamentos descritos em 5) durante os recreios.
B) Que o arguido houvesse manifestado os comportamentos ou ações explicitadas em 5) relativamente às alunas menores (…).
C) Que o arguido, no contexto de ação explicitado em 5), igualmente colocasse a sua mão, por cima ou baixo da roupa, na zona das costas, nádegas e rabo das menores, acariciando ou friccionando aquelas zonas corporais.

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«A convicção do Tribunal resultou da análise crítica e conjugada da prova carreada para os autos, destacando-se:
No domínio documental:
- comunicação da notícia do crime (fls. 9 e 10);
- auto de denúncia de fls. 144 e 145;
- ficha de colaborador da empresa (…) (relativa ao arguido), constante de fls. 28;
- contrato de prestação de serviços celebrado entre a (…) e a entidade gestora do Colégio de (…), constante de fls. 370;
- listagem de identificação de alunos das turmas do 3º A, 3º B, 4º A, 4º B, 2º A e 2º Bº, de fls. 29 a 50;
- certidões de nascimento das menores identificadas nos autos (fls. 278, 280, 281,283, 284, 285, 286, 287, 524, 525, 526, 527, 528, 530, 757, 759, 764, 765, 768, 771, 772, e 1005 a 1007);
- comunicações atinentes à suspensão de exercício de funções, carreada para os autos a fls. 371 a 390;
- documentação relativa à entidade exploradora do Colégio de (…) (fls. 1049 a 1071);
- regulamento interno do Colégio de (…) (fls. 1072 a 1107);
- declarações clínicas (oferecidas em contestação), constantes de fls. 1226 e 1227;
- relatório social de fls. 1259 a 1261;
- CRC do arguido.
No domínio declaracional:
- declarações de arguido (prestadas em sede de 1º interrogatório judicial, sob a advertência prevista no artigo 141º, n.º 4, alínea b) do Código de Processo Penal);
- declarações para memória futura;
- prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.
*
Os elementos probatórios supra careceram de ser interpretados sob perspetiva de juízo crítico e complementar entre si, com natural apelo às regras da experiência comum, de acordo com a livre convicção do julgador, em observância ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, procurando expurgar-se a mesma de noções conclusivas, opinativas ou em plano de subjetivismo.
Efetivamente, o artigo 127º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão (neste sentido, acórdão do STJ de 18/1/2001, Proc. nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol. II, a pág. 131 “(…) a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objetividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objetiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos.
Também a este propósito, refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade” -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , a pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "(...) uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, a págs. 203 a 205.
Noutro plano, a referida tarefa de apreciação crítica assumirá a sua natural consagração face ao princípio da oralidade e da imediação da prova, no plano da audiência de discussão e julgamento.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto direto, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo: “Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efetivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais". - In Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, a págs. 233 a 234.
*
Nesta medida, e por forma a auxiliar e fazer explicitar a análise crítica do julgador, importará atender, num primeiro momento, à elucidação dos termos fundamentais da prova declaracional produzida ou reproduzida em julgamento.
*
Declarações de arguido:
No âmbito da audiência de discussão e julgamento o arguido entendeu não prestar declarações quanto aos factos.
Em todo o caso, prestara antes declarações em sede de 1º interrogatório judicial de arguido, no âmbito das quais fora advertido nos termos previstos pelo artigo 141º, nº 4, alínea b) do Código de Processo Penal, mostrando-se assim possível a sua consideração nesta sede, determinada que foi a sua reprodução em juízo.
Nessa sede (e aí incidindo-se a inquirição às primeiras 10 raparigas elencadas na acusação pública), o arguido reconheceu a existência de proximidade ou contacto físico com algumas daquelas, no período temporal em que lecionou língua inglesa no Colégio de (...), ou bem assim a existência de determinada abordagem verbal, porém excluindo tais ações de uma qualquer componente sexual ou sexualizada, ao invés definindo-os como inadvertidos ou enquadrados num quadro de proximidade, auxílio letivo, carinho ou afeto face àquelas jovens.
Assim, e concretizando, no domínio de ação física concede ter feito algumas “festinhas na cara” ou poder ter tocado nas mesmas com a mão, por cima da roupa ou, inadvertidamente, por baixo (designadamente na zona da barriga), em contexto de sala, aquando da correção de testes, ou quando no recreio realizava algumas atividades lúdicas (brincadeiras) com as alunas, envolvendo maior e inevitável contacto físico, recordando ainda uma situação, envolvendo a menor Ana (...), em que, no interior da sala, se prontificou a ajudar a retirar uma das camisolas que aquela vestia, podendo aí ter-se levantado a demais roupa que a mesma envergava, podendo aí gerar-se o toque.
Nas mesmas circunstâncias (de aula e recreio) igualmente concede terem-se algumas daquelas sentado no seu colo, a pedido ou por ação voluntária daquelas, ainda referindo terem algumas jovens iniciativa de o abraçarem ou beijarem, uma vez mais afastando de tais interações qualquer conotação anómala.
Sob dinâmica verbal, igualmente concede ter a algumas daquelas dirigido a expressão “hoje estás muito linda/bonita”.
Quanto à existência de coreografias de dança, admite ter pedido a algumas alunas que preparassem uma coreografia, para apresentação em contexto de aula, mas apenas face ao interesse das jovens na temática da dança.
Instado a esclarecer qual o quadro comparativo face aos alunos do sexo masculino, referiu ter também quanto aos mesmos proximidade, designadamente jogando “à bola” com os rapazes, porém resumindo-se o contacto físico ao mero abraço.
Não obstante afastar de tais ações um qualquer intento sexualizante, o arguido refere, nessa sede, de forma algo comprometida, lamentar a leitura diversa quanto às mesmas, ou bem assim a impossibilidade de justificar em contexto escolar tal posicionamento ou ação, o que sustenta face ao afastamento que veio a ser determinado por iniciativa da entidade patronal.
De idêntica forma, e merecendo o mesmo enquadramento e leitura, concede terem diversas leituras das suas ações motivado a opção por refrear, dali em diante, o contacto com menores.
A adoção de alteração comportamental foi igualmente reconhecida pelo arguido quando confrontado com a descoberta, no interior da sua habitação (e aquando da busca concretizada nestes autos) de filmagens contemplando a exibição de corpos femininos de jovens, e planos aproximados de zonas específicas (rabo …), com roupagem diminuta, em contexto de frequência de piscinas ou praia, que se apressou a dizer nada terem a ver com as jovens do colégio, reportando-se a período temporalmente anterior (em alguns anos), registos face aos quais afirmou “não se orgulhar de ter” (utilizando ainda, neste enquadramento, ter-se imposto prometer que não o voltaria a fazer), acrescentando ter apenas visto uma ou duas vezes, e tendo-se esquecido de apagar.
Questionado concretamente quanto a algumas das jovens identificadas nos autos, explicitou:
- quanto à (…) poder ter-se a mesma sentado ao seu colo, encontrando-se este sentado;
- no tocante a (…), poder ter ocorrido um abraço ou uma “festinha”;
- quanto à menor (…), ter apenas presente que a mesma dançava muito bem.
*
Prova testemunhal:
No domínio da prova testemunhal, importou considerar, em plano distinto, a inquirição das ofendidas, concretizada por recurso a declarações para memória futura, e das restantes testemunhas cujos depoimentos se vieram a produzir em sede de audiência de discussão e julgamento.
Declarações para memória futura:
No primeiro plano, isto é, no domínio das declarações prestadas para memória futura, constam dos autos as transcrições (áudio e suporte físico) das declarações prestadas pelas menores (…) (cumpridas com integral cumprimento dos formalismos e requisitos previstos no artigo 271º do Código de Processo Penal).
Quanto à validade e admissibilidade da ponderação das referidas declarações para memória futura, cujo teor e alcance infra se analisará, importará atender ao entendimento firmado, em sede de uniformização de jurisprudência, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu Aresto de 11/10/2017 (Proc. N.º 895/14.0PGLRS.L1-A.S1), in www.dgsi.pt, no qual consignou que “As declarações para memória futura, prestadas nos termos do artigo 271.º, do CPP, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código”.
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Alunas do 2º ano de escolaridade:
2º A:
(…), apresentando-se como aluna do 3º A, no ano em referência nos autos (o que se constata da análise de fls. 45 a 47 corresponder afinal ao 2º ano, turma A), referiu ter o arguido, por ocasião da entrega de exames, felicitado a declarante pelas boas notas, abraçando-a, descrevendo tal gesto como feito com as duas mãos, mas implicando a colocação de uma das mãos por debaixo do vestuário, através da zona do pescoço, até à zona da barriga e às vezes no peito, mexendo, ação que refere ter também por destinatárias a (…) a e (…).
(…), aluna do 2º A no ano letivo em apreço nestes autos, declarou ter tido por professor de inglês o arguido.
No que à interação deste face à sua pessoa, alude à(s) ocasião(ões) em que o docente se aproximava do seu lugar e, a propósito da correção de exercícios, colocava-se em posição lateral face à declarante, que se mostrava sentada, posicionando-se de cócoras, colocando a mão na zona da barriga, por baixo da camisola, mexendo a mão naquela zona do corpo, o que refere ter também visto suceder, muitas vezes (quase todas as aulas), quanto às colegas (…).
Por outro lado, e no que a si respeita, refere que tal toque teria também sucedido nas ocasiões em que era ela própria a deslocar-se, para o aludido efeito, à secretária do professor.
Quanto à colocação de músicas, apenas fala da difusão de músicas em inglês (uma das quais alusiva às partes do corpo), ao som das quais algumas meninas dançavam, porém fazendo-o espontaneamente e não a pedido.
Em plano comparativo do quadro de alunos, refere que tais comportamentos apenas sucediam quanto às meninas e não face aos rapazes.
No recreio, refere nunca ter nada de relevante percecionado.
(…) refere ter tido o arguido como professor no decurso do 2º ano de escolaridade, na disciplina de inglês.
No que à forma como as aulas decorriam, refere ter presente serem passadas músicas, para que descontraíssem, embora sendo algumas destinadas a ouvirem determinadas palavras que estavam a apreender.
No contexto da correção de exercitações, refere que o arguido por vezes se deslocava à sua secretária, apondo-se por detrás da declarante e debruçado sobre o seu corpo, colocando em tais ocasiões uma ou as duas, pelo interior da camisola, na zona do peito, porém não chegando a tocar nos mamilos, o que sucedeu poucas vezes (referindo terem aulas de inglês 1 vez por semana).
Referiu que tais gestos não a deixaram confortável, não os encarando como carinho similar àquele que os pais fazem ou que outros professores evidenciavam.
Refere não ter vislumbrado, por motu próprio, tal comportamento dirigido a outras raparigas, pese embora duas destas o hajam relatado.
No espaço de recreio, nada de relevante relatou.
(…) referiu também ela ter sido aluna do arguido, na turma do 2º ano A.
Instada a esclarecer a atuação do arguido em contexto de aula, referiu ter o mesmo, por 4 ou 5 ocasiões, e em contexto de esclarecimento de dúvidas, e colocando-se atrás da cadeira da declarante, feito festinhas, no tronco da menor, colocando para o efeito a mão por debaixo da camisola, chegando neste enquadramento a tocar na zona dos mamilos, o que declarou não ter gostado (vindo a relatar aos pais).
Fora do contexto de aula, refere que o arguido teria, por algumas ocasiões, colocado músicas em inglês, no entanto não pedindo a algumas alunas em específico que ao som das mesmas dançassem.
No recreio apenas assume a memória do arguido cantar com a declarante e outras raparigas, porém não assumindo memória da sua intervenção em brincadeiras com as mesmas, designadamente que implicassem um maior contacto ou proximidade físicas.
Por outro lado, e chamada a traçar um quadro comparativo entre o observado quanto às raparigas e aos rapazes, referiu ser o arguido mais carinhoso com as primeiras, ao invés ralhando e zangando-se frequentemente com os segundos.
2º B:
(…) declarou pertencer à turma B do Colégio de (...), tendo por professor de inglês o arguido, ao que crê no decurso do 2º ano de escolaridade, tendo as aulas lecionadas a frequência de 2 por semana.
Instada a esclarecer em que termos decorriam tais aulas, referiu que as mesmas eram “normais/iguais às outras”, o que apenas não sucedia quando o arguido pegava as meninas com os braços, colocando algumas delas ao colo, isto aquando da exibição dos trabalhos, junto da secretária do professor (apenas identificando nesse contexto a menor …).
Nesse contexto, e referindo apenas ter sido pegada ao colo por uma ocasião, refere ter o arguido, numa outra situação em que não a pegou nesses termos, mas em que mostrava os trabalhos junto da secretária do professor, teria este colocado as suas mãos por debaixo dos braços, chegando a tocar-lhe na zona do peito e na barriga, fazendo festinhas (gesto face ao qual refere não se ter sentido bem).
No que concerne à interação fora da sala de aula, menciona que o arguido brincava com as crianças, pegando-as pelos braços e rodopiando, o que interpretou num contexto de brincadeira e que referiu ser divertido.
(…), apresentou-se como aluna da turma B no Colégio de (...), referindo ter como professor de inglês o arguido, ao que crê no 3º ano de escolaridade (o que se permite, em todo o caso, fazer corresponder ao 2º ano, conforme listagem de fls. 48 a 50).
Declarou que o professor mexia nas “coisas privadas” das meninas, nas quais tocava com a mão aberta na parte do peito e barriga, mas não tocando nas maminhas, isto em contexto em que se aproximava das carteiras das alunas, agachando-se ao lado das mesmas, o que refere ter consigo ocorrido em número de vezes que já não se revelou capaz de precisar (ao que crê não mais de 5 vezes).
Por outro lado, refere ter visto idêntico comportamento face às colegas (…), as quais se sentavam junto à declarante.
No recreio, refere que o arguido ia jogar com elas, e que as pegava ao colo, para depois as ensinar a fazer cambalhotas no ferro, sendo que encarava este último comportamento como normal.
(…) referiu ter tido por professor o arguido no decurso do 2º ano (o que se demonstra e comprova sob inserção na turma B – cfr. fls. 48 a 50).
No que à sua atuação apenas relata que, no contexto da correção de exames, o arguido colocava alguns alunos sentados no seu colo (por cima da perna), entre os quais a declarante, aponto uma mão nas costas enquanto explicava a correção, chegando ainda a dar um abraço e dizendo-lhe que era boa aluna de inglês, o que a declarante referiu gostar, reputando tais gestos como carinhos.
(...) assumiu-se também ela aluna do arguido, relatando também ela a deslocação de alguns alunos à secretária do professor, para correção de exercícios, colocando nessas ocasiões a mão por debaixo da blusa, e fazendo cócegas, o que refere ter sucedido consigo e com a colega (…).
No que à colocação/difusão de músicas nas aulas, referiu ter apenas memória da difusão de músicas em inglês, ao som das quais algumas alunas dançavam, porém, não sendo para isso convidadas ou obrigadas pelo arguido.
No recreio, refere ter visto o arguido a brincar com algumas crianças, que pegava ao colo, depois fazendo-as rodopiar.
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Alunas do 3º ano de escolaridade:
3º A:
(…) relatou ter tido como professor de inglês o arguido, no 3º ano (turma A) de escolaridade, embora iniciando funções a meio do primeiro período (no mês de outubro) e vindo a cessar funções no segundo período.
Quanto à motivação do abandono pelo mesmo, refere ter inicialmente corrido a informação de que teria ido de férias, apenas adiante sendo esclarecido pela irmã responsável que teria sido expulso.
Chamada a relatar a forma de interação do arguido face às alunas, referiu que o mesmo tocava-lhes nos corpos, sentando-a (bem como a outras alunas, em especial a (…), tida por sua aluna favorita) ao colo, e fazendo-lhes cócegas ou massagens na barriga e zona do peito (nas “maminhas”), por dento ou por fora da roupa, sendo no primeiro caso com colocação da mão por debaixo do vestuário da parte superior do corpo, por ocasião em que eram corrigidos exercícios ou tiradas dúvidas, comportamento que refere não ter gostado, sentindo-se desconfortável e com algum medo.
Refere também colocar-se frequentemente atrás dela ou de outras alunas, fingindo que corrigia os exercícios, porém aproveitando também tais ocasiões para colocar as mãos por baixo da camisola.
Menciona terem tais comportamentos assumido início após as férias do Natal (no 2º período), momento em que as aulas passaram a ser lecionadas na simples presença do arguido, passando a professora titular a ausentar-se da sala de aulas (o que até aí não se verificara), em quase todas as aulas.
Referiu que, a par de si, tais comportamentos também eram destinados às colegas (…), nunca sendo dirigidos aos rapazes, com quem, de resto, habitualmente gritava.
Ter relatado tal situação à progenitora, encontrando-se na companhia da (…).
Fora das aulas, refere ser habitual o arguido brincar no recreio com os grupos de raparigas (à corda e jogos das mãos), chegando a pedir-lhes para dançar, brincando menos com os rapazes.
(…) declarou pertencer à mesma turma da menor supra (3º - A), da qual viria a ser professor de inglês o ora arguido, ao que crê apenas a partir do 2º período (após o Natal).
Igualmente corroborou, no que a si respeita, e por contexto do esclarecimento de dúvidas, a ação do arguido colocá-la ao colo (pegando-a para o efeito), enquanto lhe falava baixinho ao ouvido, e fazendo-lhe cócegas na barriga, porém no seu caso sempre por cima da camisola, o que a declarante não gostava (embora nunca o verbalizando).
De idêntica forma, refere, no âmbito da correção de exames, ser a mesma concretizada junto das carteiras, ficando o arguido de pé, uma vez mais aproveitando o arguido para falar-lhe baixinho ao ouvido, dizendo-lhe que era muito fofinha e querida, enquanto se dobrava sobre si e fazia cócegas e festinhas por cima da roupa, introduzindo-a pela abertura de cima, e tocando na zona do peito.
Refere ainda assumir o mesmo comportamento face a outras amigas, porém apenas o vislumbrando por motu próprio quanto a (…) (sendo-lhe, no mais, relatado por outras raparigas).
(…) afirmou ter sido aluna do arguido aquando da frequência do 3º A.
Descreveu a ação do arguido a colocar sentada ao seu colo em ocasiões de correção de exercícios, quando ia junto à secretária daquele, isto enquanto a chamava de querida e fazendo-lhe cócegas na barriga, por dentro da camisola, e na perna, ainda relatando esta última ação aquando da correção junto às secretárias dos alunos.
Refere que tal atuação era também assumida face à (…) e à (…), e que as ações descritas ocorriam em quase todas as aulas (tendo inglês duas vezes por semana).
Quanto a si, refere ter-se sentido um pouco assustada com tais atuações.
No que à interação em contexto de recreio, refere que o arguido por vezes brincava com as raparigas, saltando à corda e agarrando-as.
(…), igualmente integrada na turma do 3º A no ano letivo em referência nestes autos, declarou ter por professor de inglês o ora arguido, tendo por início data do 1º período (antes do Natal).
Naquele primeiro período menciona tudo ter decorrido normalmente, alterando-se o comportamento no decurso do 2º período, passando o arguido a colocar-lhe a mão pelo pescoço fazendo cócegas e massagens, designadamente na barriga, colocando a mão por dentro ou por fora da camisola, o que refere acontecer quanto ia à secretária do professor, ocasião em que as colocava ao colo, ou quando este vinha à sua própria secretária, aquando da correção de trabalhos ou esclarecimento de dúvidas, neste caso na zona das costas, o que refere ter sucedido por mais do que uma ocasião, vendo também suceder face à colega (…).
Afirma ter visto tal ação igualmente no caso da (…), onde viu o arguido mexer nas maminhas.
Fora das aulas, refere ser habitual o arguido tocar guitarra junto às meninas, acabando por interagir face àquelas.
(…), declarando-se integrada na turma do 3º A (no ano letivo a que se reportam os autos), igualmente afiançou ter assumido como professor de inglês o ora arguido.
Instada a esclarecer a postura pelo mesmo assumida em contexto de sala, a menor referiu que, por ocasião de meio do ano (após a interrupção do carnaval), teria o mesmo começado e mexer-lhe na zona do peito, por dentro ou por fora da camisola, fazendo cócegas ou festas, o que, no caso da declarante, refere ter ocorrido por três ocasiões (em datas que não consegue precisar).
Por outro lado, descreveu terem tais ocasiões sucedido encontrando-se ela própria sempre sentada à sua secretária, mais afirmando não a deixarem tais comportamentos confortável, achando que era uma “taradice” (sic.) do professor, mas tendo medo de o relatar.
De idêntica forma, refere ter visto o mesmo a suceder relativamente às colegas (…), descrevendo ainda a ação de colocar algumas meninas ao colo junto à secretária do professor, o que enjeita ter ocorrido consigo, mas menciona ter ocorrido com as colegas supra identificadas e ainda com (…).
Ao invés, negou que tais comportamentos hajam alguma vez sido assumidos face aos rapazes.
Noutro plano, e no tangente à interação fora do contexto de sala, mais precisamente no recreio, afirma ser habitual o arguido brincar com as raparigas, entre as quais a declarante, cantando músicas, jogando ou dançando com as mesmas, e dando as mãos quando brincavam em roda.
(…), apresentando-se à data dos factos como aluna da turma 3º A, corroborou ter ali como professor de inglês o arguido, o que refere não ter sucedido por todo o ano letivo (embora revelando-se incapaz de precisar com maior rigor ou precisão o momento de início e cessação de funções).
Quanto à atuação deste último em contexto de sala, refere que o mesmo mexia nas costas das raparigas quando corrigir os trabalhos, fazendo-o no caso da declarante, por uma só ocasião, por cima do vestuário, fazendo-lhe uma festinha, o que achou normal.
Porém, refere não ter percecionado se algum contacto idêntico ocorria quando as raparigas iam à secretária do professor, o que por vezes sucedia na correção de exames, também não indicando o nome de outras raparigas face às quais haja assumido a primeira atuação descrita.
3º B:
(…) declarou-se integrada na turma do 3º B do Colégio de (…) no ano letivo em referência nestes autos.
Mencionando, nesse contexto, ter assumido como professor de inglês o arguido, e instada a demonstrar o seu sentimento em relação a tal pessoa, afirmou que não gostava do mesmo uma vez que aquele “ralhava muito” (sic.) e mexia no corpo das meninas, por cima e por baixo das camisolas, fazendo-o apenas quando a professora titular não se encontrava na sala de aulas, o que referiu também suceder quanto a si.
Instada a esclarecer tal atuação, refere ter ocorrido quando era solicitado o esclarecimento de dúvidas, o que vinha a suceder nas carteiras das alunas, posicionando-se o arguido por detrás das mesmas, colocando os braços por cima das mesmas e, após, apondo a mão na barriga e zona do peito, fazendo um “carinho”, o que, quanto a si, refere ter apenas sucedido por cima do vestuário.
Sem prejuízo, afiança ter visto a colocação por debaixo do vestuário (camisola) no que respeita às colegas (…).
Chamada a esclarecer quanto à perceção de alguma menor se sentar ao colo do arguido, refere não ter assim percecionado, afiançando nunca ter sucedido quanto a ela própria.
Refere não ter, num primeiro momento, dado grande importância a tais atuações, o que após veio a fazer após ser questionada quanto a uma tal atuação pela mãe, após conversação com as mães de outras alunas.
Fora do contexto de sala de aula, refere ter percecionado apenas o arguido sentado a vê-las brincar, ainda mencionando uma ocasião em que teria colocado umas músicas com umas “letras esquisitas” ou para “bebés”, numa sala em que se encontrava um quadro interativo, pedindo para dançarem, o que nunca fez, por não gostar dessas músicas.
Chamada a traçar um quadro comparativo face aos rapazes, refere ser o arguido, quanto aos mesmos, muito duro, “ralhando e gritando muito com eles”.
(…) declarou-se integrada na turma do 3º B do Colégio de (…), no ano letivo a que aludem os autos, referindo ter ali assumido o arguido como professor, porém não no início do ano letivo, mas a “meio do ano”.
Declarou que o arguido gritava muito com os rapazes mas não com as meninas, sendo que também era mais frequente pôr os seus nomes no quadro quando se portavam mal, o que já não sucedia com as raparigas.
Quanto à correção dos exercícios ou esclarecimentos de dúvidas, refere ser o mesmo, por vezes, feito no quadro, e por outras ocasiões junto das suas carteiras.
É neste último contexto que refere que o arguido, posicionando-se por detrás do seu lugar, lhe introduziu a mão, umas vezes pelo interior, outras pelo exterior da camisola (em número que já não se mostrou capaz de concretizar), tocando-lhe na zona das maminhas, fazendo festinhas, face ao que declarou estarem a mexer-lhe em “sítios privados”.
Instada a esclarecer se percecionou idêntico comportamento face às colegas, fez menção às colegas (…), todavia após adiantando que, no caso desta última, tal conclusão apenas se firmou no relato que a mesma, após lhe veio a fazer.
No que a ser colocada ao colo do arguido, referiu ter isso apenas ocorrido uma ocasião, por ocasião do Carnaval, em que a declarante se aprontava a escolher uma música para ser reproduzida, sendo puxada pelo arguido, porém nesse seguimento sem qualquer ação física ou verbal complementar.
Fora do contexto de sala de aula, refere ser habitual o arguido estar ali a tocar guitarra, momentos em que algumas raparigas dançavam junto ao mesmo.
(…), aluna do 3º B no ano letivo em referência nos presentes autos, da qual foi professor, na disciplina de inglês, ao que crê desde o início do ano letivo, o aqui arguido (vindo a sair mais cedo, ao que crê após a Páscoa).
Mencionou-se ao mesmo como um professor que gritava muito e que se zangava, mesmo quando não se portavam mal.
Quanto à correção dos exercícios referiu ter a mesma lugar no quadro da sala, no entanto sendo o esclarecimento de dúvidas concretizado nas secretárias dos alunos.
Assim, e no que a si diz respeito, menciona que, nesse contextualismo, o arguido se colocava atrás de si, debruçando o seu corpo por cima do seu, fazendo-lhe massagens nos ombros, barriga e peito (na zona das maminhas), bem como da perna, o que fazia por cima da roupa.
Refere ter vislumbrado idêntica atuação relativamente às colegas (…), sendo que quanto a estas o gesto havia sido assumido por baixo da t-shirt.
Quanto à frequência de tais comportamentos, refere corresponder a quase todas as aulas, ocorrendo estas com a frequência de dois dias por semana.
Fora do contexto de sala, mais concretamente no recreio, refere que habitualmente ali o via a tocar guitarra ou a brincar, porém já não assumindo memória maior do tipo de brincadeiras.
Instada a clarificar o seu posicionamento quanto a tais gestos, refere nunca ter gostado dos mesmos, todavia apenas avaliando a sua incorreção quanto tal lhe veio a ser definido pela progenitora.
(…) refere ter assumido como professor de inglês o ora arguido, no decurso do 3º ano de escolaridade (integrada na turma do 3º B), sendo as aulas lecionadas com a frequência de dois dias por semana.
Referiu ser a sua turma maioritariamente formada por rapazes, cujos nomes o arguido habitualmente colocava no quadro mesmo quando eles não se portavam mal, o que já não sucedia quanto às raparigas.
Quanto a estas, e no que a si concretamente respeita, refere que o arguido lhe tocou na zona da boca e pescoço, fazendo-lhe festinhas com a mão, o que em todo o caso refere ter apenas ocorrido uma ocasião.
Ao invés, e no que às menores (…), refere ter visto a realização, pelo arguido, de festas, porém na zona da barriga, sendo a mão colocada por debaixo da roupa, mexendo, o que refere ter visionado por várias ocasiões.
Ainda relata a colocação de música brasileira (com a letra “bate a bunda do chão”), deixando-as dançar no contexto da aula, o que refere ter apenas ocorrido por ocasião do Carnaval.
Fora da sala, e no contexto do recreio, refere ter ali visto o arguido frequentemente a tocar guitarra e a ver as meninas brincar.
(…) apresentou-se como aluna do Colégio de (…), à data dos factos integrada na turma do 3º ano B, da qual teria sido docente o arguido (em substituição da anterior professora, a professora Sara).
Mostrou-se precisa na indicação da data em que o arguido iniciou tais funções, o que refere ter ocorrido no dia 2 de outubro (data que decorou por também corresponder a dia de aniversário da amiga e colega de turma …).
Quanto à forma como decorriam as aulas, refere que de início corriam “bem”, mas que a partir de determinado momento o professor, quando ela estava a fazer os trabalhos, ia por detrás de si, sendo que em tais ocasiões lhe colocava a mão por debaixo da blusa, tocando-lhe na zona do meio do peito, mas não chegando a tocar na zona dos mamilos, o que fez por várias ocasiões (“quase todas as aulas”), isto enquanto corrigir os exames, mas apenas nas ocasiões em que a professora titular (professora …) não se mostrava presente, o que achava estranho.
Por outro lado, refere ter também assistido a idêntico comportamento quanto à colega (…), a qual se sentava junto a si, mais relatando contacto físico face à colega (…), mas com festinhas na zona da cara.
Refere nunca se ter sentado ao colo do professor ou visto assim suceder quanto a outras colegas.
Relativamente aos rapazes, refere nunca ter visto a adoção dos comportamentos antes relatados, ao invés relatando a adoção de um comportamento menos carinhoso, gritando-lhes e repreendendo-os.
Nos períodos de recreio refere nada se recordar, embora admita que o arguido tocasse música naqueles momentos.
(…), aluna do 3º ano da Escola de (...), referiu ter ali tido como professor de Inglês o arguido, sobre o qual refere ter a memória de ralhar muito no contexto de sala de aula.
Igualmente referiu que o mesmo colocava as mãos “onde não devia” (sic), o que refere ter percecionado quanto à colega (…) (junto da qual se sentava), por mais do que uma ocasião e quanto a ela própria, sendo neste último caso por uma ocasião, com a colocação da mão por debaixo da camisola, tocando-lhe de mão aberta na zona abaixo do peito, admitindo, porém sem maior certeza, poder ter tocado nos mamilos, isto por ocasião em que o arguido se aproximou das carteiras da mesma, a fim de corrigir exercícios.
No que à adoção de idênticos comportamentos face a outras raparigas ou mesmo face a rapazes, referiu desconhecer, considerando que o posicionamento na sala (na 1ª linha de carteiras) não lhe permitiu assim vislumbrar.
Instada a esclarecer quanto à perceção de situações no exterior da sala de aula, mais concretamente no recreio, referiu que o arguido, por vezes, brincava com as raparigas no recreio, designadamente saltando à corda, no entanto não assumindo memória mais concretizada de situações anómalas.
(…), à data dos factos aluna da turma do 3º B, relatou a ocorrência de duas situações, a si respeitantes, e uma relativa a (…) (que junto a si se sentava), ocorrendo todas elas em contexto de sala de aula, na ausência da professora titular, e no contexto de esclarecimento de dúvidas, no âmbito das quais refere ter o arguido, posicionando-se por detrás da menor, de pé, colocado a mão pelo interior da camisola que vestia, pela zona da gola, passando com a mão na zona do peito, porém crendo não ter aí tocado na zona dos mamilos mas “no meio”.
Face a tal comportamento, e após a ocorrência da primeira situação, refere ter optado por levar soutien, peça de vestuário interior que habitualmente não utilizava, opção face à qual menciona pretender proteger tal zona corporal.
Explicita não vislumbrar idêntico comportamento com outras raparigas ou rapazes, salientando terem ocasiões por si descritas ocorrido apenas quando a professora titular se mostrava ausente da sala, nada de anómalo se passando quando aquela ali se encontrava.
Fora do contexto de sala, refere ter visto o arguido a brincar com as meninas mas também com os meninos, designadamente jogando à roda, brincadeira que implicava o contacto de mãos.
(…) declarou ter frequentado turma do 3º ano no Colégio de (…), tendo o arguido como professor da disciplina de Inglês, ao que crê durante todo o ano.
Afirmando serem as aulas ministradas pelo arguido, por regra, na ausência da professora titular (a Professora …), afirma que, no contextualismo de tal ausência, e por ocasião do esclarecimento de dúvidas, o arguido, por mais do que uma ocasião (afirmando mesmo “em quase todas as aulas” – que decorriam sob a periodicidade de 2 vezes por semana) se colocava por detrás de si, junto à cadeira em que se sentava, colocando-lhe uma das mãos pelo interior da t-shirt, pela zona da gola, impulsionando a mão aberta até à zona da barriga e fazendo “ondinhas/festinhas”, tocando também na zona do peito (maminhas).
Instada a esclarecer se via idêntico procedimento quanto a outras raparigas, afirmou apenas ter visto quanto à (…), pese embora relatando ter percecionado, quanto a outras, o arguido a fazer massagens nos ombros das alunas, comportamentos que declarou achar não serem corretos.
Descreve ainda a ação do arguido a pegar por vezes ao colo, fazendo-lhe cócegas na barriga (por cima da roupa) em ocasião em que a declarante se encontrava a arrumar material de sala.
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Alunas do 4º ano de escolaridade:
4º A:
(…) declarou-se aluna do 4º ano, turma A, do Colégio de (…), tendo nesse contexto assumido como docente de inglês o ora arguido.
Referiu, instada a elucidar quanto ao comportamento do docente em sala, que o mesmo assuma comportamentos bruscos relativamente aos rapazes, a quem ralhava e atirava borrachas e canetas, mesmo em contextos em que os mesmos nada de mal faziam.
Ao invés, e quanto às raparigas, adotava uma aproximação em termos diversos, concretizando, por ocasião da correção de exercícios, e apenas quando se encontrava ausente a professora titular, a colocação por detrás das cadeiras das alunas, debruçando-se sobre o corpo das alunas sentadas, esticando os braços, e após colocando as mãos nos ombros e barriga, fazendo massagens por cima da roupa, envolvendo a zona da barriga, o que apenas cessava quando elas o afastavam, impulsionando a cadeira para trás (por se sentir desconfortável).
Refere ter tal atuação tido a declarante por destinatária (por mais do que uma ocasião, ao que crê no mínimo de 4), e face às colegas (...), sendo que, quanto à primeira, teria chegado a colocar a mão pelo interior da roupa, alcançando a zona das costas/omoplata.
Já quanto ao vislumbrado no recreio, menciona ver habitual ver o arguido num dos bancos existente numa das extremidades daquele espaço, falando com umas raparigas do 3º ano (turma C), vendo também, noutras ocasiões, o arguido a tocar viola, em face do que algumas alunas do mesmo se aproximavam.
(…), igualmente se declarou aluna do 4º ano no ano letivo em referência nestes autos, a qual teria sido lecionada, na disciplina de inglês, pelo arguido.
Quanto ao comportamento deste em contexto de sala, referiu ser detetável uma diferença de tratamento entre rapazes e raparigas, sendo estas últimas tratadas mais “carinhosamente”.
No que a si respeito, refere ter o professor, por ocasião do esclarecimento de dúvidas, feito festas na cabeça da declarante, o que não gostou por não se sentir muito à vontade com contacto humano, todavia nunca tocando em mais alguma parte do corpo.
Por outro lado, relata a circunstância de ter-lhe sido pedido, bem como a outras raparigas, que reproduzissem em sala uma coreografia que antes haviam treinado no recreio, perante o professor e a restante turma, em contexto em que davam as partes do corpo, porém não se mencionando tal música (mexida) a tal temática.
Em contexto de recreio, refere ter chegado a ver o arguido na companhia de crianças (apenas meninas) mais jovens (do 1º e 2º ano) que pegava ao colo, fazendo festas na barriga, cabeça e pescoço, sendo também habitual ali se encontrar a tocar guitarra.
(…) apresentou-se como aluna do 4º A do Colégio de (…), no ano letivo a que se reporta os autos, tendo ali por professor o ora arguido.
Convidada a descrever a sua atuação em sala, a menor iniciou as suas declarações dizendo que o mesmo se zangava muito, em especial face aos rapazes, a quem chegou a atirar uma caneta ou o aparador.
Quanto a si, em contexto de realização de exercícios, refere que se aproximava das carteiras das alunas, por detrás daquelas, após debruçando-se por cima daquelas, o que refere ter sucedido com a amiga (…), tocando na zona do peito, mas não ter chegado a contar com maior desenvolvimento quanto a si por não ter deixado.
Assim, e no que a si concerne, relata apenas um episódio, ocorrido numas escadas de acesso ao 1º piso, que subia, tendo sentido um puxão na camisola seguido de um toque com as pontas dos dedos no rabo, deduzindo que tal gesto lhe fosse realizado pelo arguido, que por detrás de si circulava (fazendo uso da expressão “eu acho”).
Ainda no contexto de sala, menciona uma ocasião em que teria sido colocada uma música da artista brasileira “Anita”, tendo algumas alunas dançado (…), porém mencionando ter assim ocorrido a pedido das menores.
No recreio, refere ter visto o arguido frequentemente a tocar viola para as meninas do 1º ano, que também via pegar e colocar ao colo.
4º B:
(...) apresentou-se, à data dos factos, como aluna do 4º B, turma lecionada na disciplina de inglês pelo arguido.
Instada a descrever o comportamento deste último em contexto de sala, declarou assumir o mesmo “comportamentos estranhos” (sic), referindo-se, a esse propósito, entre outros aspetos menos relevantes (a circunstância de se coçar), o facto de passar a mão na cara e fazer festinhas nos ombros, descendo após para a zona do peito (acima das maminhas), fazendo festinhas, isto por ocasiões em que se deslocava às carteiras das alunas, por forma a corrigir exercícios, posicionando-se atrás das alunas.
No que a si diz respeito, refere ter assim sucedido, sendo todavia os toques por cima do vestuário que envergava, o que, em todo o caso, a deixava incomodada.
No que às restantes alunas, declarou-se incapaz de relatar se tal também sucedia, isto não obstante referir que o arguido também assumia quanto às meninas um comportamento mais carinhoso.
Fora do contexto de sala, refere ter chegado a ver o arguido em contexto de brincadeira, saltando à corda e a cantar, no entanto revelando-se incapaz de especificar se acompanhado apenas por raparigas ou também por rapazes.
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Prova testemunhal:
Quanto à prova testemunhal concretizada em julgamento, e indicada em acusação pública (alguma da qual comum à defesa do arguido) cumprirá autonomizar, por inerência à razão de ciência dos seus depoimentos, por um lado, os depoimentos das testemunhas (…), e, por outro, os depoimentos prestados pelos menores (jovens) (…).
Analisemos, sucintamente, o contributo de cada uma das testemunhas em referência:
(…), apresentando-se como progenitora da menor (ofendida) (…), declarou:
- ter a referida menor frequentado o colégio de (...) na 2ª, 3ª e 4ª classe/ano de escolaridade;
- naquela escola, ter contado num primeiro momento com uma professora de inglês do sexo feminino, tendo após a ser aquela disciplina ministrada pelo ora arguido;
- perante a mudança, ter questionado, na fase de transição, a filha se gostava do novo docente, ao que a mesma respondeu afirmativamente;
- em fase já avançada do ano letivo (3º período) correspondente ao 3º ano, aquando da deslocação da declarante à escola com vista a ir buscar a filha mais nova (de nome …), refere ter sido abordada pela filha (…), então acompanhada de duas amigas (…), dizendo-lhes que tinham uma “coisa muito séria” para lhe contar, e que tal assunto se traduziria na ação do arguido lhes tocar, o que referiram anteceder já ao 2º período escolar;
- ser, após, tal relato detalhado, mencionando-se toques no peito (maminhas), por baixo da t-shirt, e também nas ancas e coxas de aluna do sexo feminino das classes A e B, em contexto de sala de aula, designadamente junto à secretária do docente;
- ter sido, após questionação, explicado que a ausência de relato anterior de tais factos se teria devido a medo e vergonha;
- perante tal descrição, refere ter contactado com a irmã Isilda, dando-lhe conta da intenção de relatar tais factos perante a Polícia Judiciária, o que veio a concretizar nesse mesmo dia (cfr. fls. 144 e 145).
(…), por seu turno, declarou:
- exercer, à data dos factos, as funções de Diretora Pedagógica do Colégio de (…), instituição de ensino privada e de vocação cristã;
- ter a contratação, como docente, do ora arguido, decorrido da celebração de acordo com entidade externa (a …) com vista à disponibilização de ensino em língua inglesa para o 1º ciclo e pré-escolar;
- no âmbito do referido exercício funcional, terem-lhe sido encaminhadas queixas por parte de algumas alunas do 3º ano, relato esse que inicialmente chegou ao seu conhecimento por via indireta (adveniente da confrontação de uma professora – (…) - pela mãe de uma aluna chamada (…) em período de fim-de-semana);
- perante tal relato, ter promovido a imediata chamada da professora em causa, bem como da menor, ao seu gabinete, relatando-lhe esta última a existência de toques na zona do peito, por cima ou baixo do vestuário, por banda do arguido, em contexto em que aquele era chamado a esclarecer alguma dúvida;
- terem idênticos relatos sido sequencialmente (entenda-se, no mesmo dia) assumidos por outra jovem, de nome (…);
- neste enquadramento, refere ter falado com a Diretora do colégio, sendo por esta promovida a imediata suspensão do exercício de docência por parte do arguido, através da entidade que antes o indicara (concretizada um ou dois dias depois);
- complementarmente, refere ter solicitado junto de algumas mães que não divulgassem a situação antes do seu cabal esclarecimento;
- nessa medida, relega para uma fase posterior ao “despedimento” do arguido o início dos comentários em redor das causas na génese daquele;
- seguindo-se a audição de outros alunos (do sexo feminino) – designadamente da turma do 3º-A -, individualmente, foram-lhe sendo relatadas idênticas realidades, concedendo a tais relatos credibilidade, sendo-lhe aventada, como razão para a opção do relato naquele momento a circunstância do arguido ali ter deixado de trabalhar.
(…), apresentando-se como mãe da aluna (…) (do 3º A), elucidou:
- ter-lhe sido transmitido, pela filha, que o arguido lhe dizia, frequentemente, que era muito bonita;
- na data de 13 de junho, ter sido relatado que o professor de inglês lhe fazia cócegas na barriga (exemplificando o gesto com a introdução da mão pela gola da camisola) e que a sentava ao colo quando lhe tirava dúvidas de matéria, ao mesmo tempo em que lhe repetia as expressões supra, em face do que adiantou ter deixado de gostar do professor.
- ter, no dia seguinte, relatado tal facto à professora, sendo após encaminhada à Diretora (…), a qual lhe pediu recato até apuramento dos factos, pedido que respeitou.
(…), inspetor da Polícia Judiciária de Setúbal, elucidou quanto à sua intervenção funcional no âmbito da investigação na génese dos presentes autos, a qual refere ter por início duas queixas/denúncias, sendo uma de natureza anónima e outra subscrita pela progenitora de uma aluna do Colégio de (…).
Nessa sequência, esclareceu ter-se seguido a inquirição da referida menor e de outros jovens, quer do sexo feminino quer masculino, permitindo-se por essa via o alargamento do número de menores potencialmente ofendidos, destacando-se, neste enquadramento, apenas se evidenciarem jovens do sexo feminino.
De idêntica forma, assumiu-se interveniente na busca domiciliária realizada à residência do arguido, no decurso e decorrência da qual refere ter sido apreendido um ou dois suportes graváveis (CD/DVD) contendo filmagens de uma piscina e em contexto de praia, onde eram visíveis vários menores de idade em vestuário adequado a tais locais, evidenciando-se da análise das mesmas a realização de planos de aproximação (zoom) de zonas corporais específicas dos corpos das raparigas, designadamente das zonas íntimas.
Em instância da defesa do arguido, e chamado a esclarecer quanto à publicitação pública, pela força policial que integra, da situação em referência, afirmou ter sido divulgado um comunicado de imprensa (por organismo próprio da Polícia Judiciária), ao que veio a ser subsequencial a elaboração de artigos e notícias de imprensa.
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(…), à data dos factos aluno do 3º A (atualmente com 11 anos de idade), declarou:
- ter o arguido como professor de inglês no indicado ano letivo;
- ter por uma ocasião (já no decurso do 3º período, após férias de páscoa), no interior da sala da aula de inglês, quando olhava para o professor no sentido de ver esclarecida uma dúvida, visto aquele junto à colega (…), junto à carteira daquela, tocando e massajando a zona do peito da aluna com a mão (abarcando a zona das maminhas), por cima da roupa, massajando de baixo para cima;
- não ter então concedido maior relevância a tal gesto, o qual veio após a associar a relatos de outras raparigas, por ocasião da saída do professor da escola.
(…), igualmente aluno da turma 3º A (no ano dos factos), atualmente com 11 anos de idade, corroborou a docência da disciplina de inglês a cargo do arguido, acrescentando:
- serem as aulas de inglês ministradas apenas pelo arguido, sem a presença em sala da professora titular (Professora …);
- ter-se encontrado durante parte do ano sentado na carteira adjacente à de (...), tendo e tal posicionamento vislumbrado, por ocasião do esclarecimento de dúvidas por aquela, à ação do arguido posicionar-se atrás da cadeira daquela, colocando-lhe a mão no pescoço (acariciando) e, após, pelo interior da camisola, o que refere ter visto por mais do que uma ocasião;
- refere ter presenciado idêntico comportamento face às menores (…), em ocasiões também elas plurais;
- a par da interação junto das carteiras individuais das alunas, ser-lhe ainda percetível uma ação equivalente aquando da deslocação de algumas daquelas jovens à secretária do professor, momento em que o arguido lhes solicitava que se sentassem ao seu colo (o que recorda ter sucedido com a (...)), o que estas faziam, sentando-se por cima de uma perna, introduzindo nesse caso o arguido a mão pela parte de baixo interior da blusa, mexendo (desconhecendo se alcançando ou não a zona das maminhas);
- quanto à perceção mais alargada de tais factos (que inicialmente concede poder tratar-se de demonstração de carinho), refere ter-se apenas gerado com uma conversação com a professora e, após, com a irmã (…).
(…), à data dos factos aluna do 4º A (atualmente com 12 anos de idade), ressaltou:
- ter presente, como situações que veio a interpretar como anómalas, o pedido, no decurso do 1º período, e como trabalho de casa, de que preparassem uma coreografia ao som de música funk brasileira (tema “Poderosas”), ao que se teria seguido a efetiva passagem, em contexto de aula, de tal música, e de outras da mesma natureza;
- noutra ocasião, tida lugar na cantina, ter-se o arguido aproximado da colega (...), por trás, colocando-lhe a mão nas costas, através da gola/colarinho, tendo quase de imediato, e face à reação gerada por aquela (virando o olhar), retirado a mesma;
- ter ainda visto o arguido, em contexto de recreio, levando a cabo a brincadeira de saltar ao elástico com alunas do sexo feminino;
- chamada a definir um padrão comparativo de comportamento face aos alunos do sexo masculino, afirmou serem quanto a estes últimos os comportamentos e reações mais bruscos, registando em plano exemplificativo de tal apreciação o gesto de arremessar borracha a alguns deles, mesmo em contexto de aparente acalmia.
Idêntico relato foi trazido aos autos pela testemunha (…), igualmente aluna do 4º A (atualmente com 12 anos de idade), a qual igualmente fez eco das suas situações aduzidas pela testemunha anterior, ocorridas na cantina e na sala de aula.
Assim, no primeiro contexto (pouco tempo antes da saída do professor do contexto escolar), corroborou o gesto ao arguido e colocar a mão pelo interior da t-shirt vestida por (...) (sendo percetível movimento de tal peça de vestuário), ação imediatamente antecedida do gesto de mexer no cabelo da jovem.
No plano da sala de aula, fez eco da reprodução em sala de aula de musica brasileira, tipo funk, para que as alunas pudessem ali dançar.
(…), apresentando-se à data dos factos como aluna da turma 4º B do Colégio de (…), relatou:
- ter ali tido o arguido como docente de inglês, embora sem exercício de atividade ao longo de todo o ano letivo (tendo antes tido uma professora e tendo o arguido saído antes de fino o ano letivo);
- no que a si diz respeito destacar apenas uma ocasião em que o arguido a cumprimentou, colocando a mão/braço à volta do pescoço, após posicionando a mão por cima da camisola, ação que referiu não ter gostado mas apenas por não apreciar um maior contacto humano/físico, nessa medida pedindo imediatamente para que a tirasse, o que o arguido fez;
- sem prejuízo, e no que às colegas respeita, destaca o vislumbre de ações equivalentes, algumas das quais contando com a introdução da mão no interior da camisola de alunas raparigas, na parte frontal das meninas, do que assume especial memória face à menor (…), mas afirmando ser extensível a outras meninas cuja identidade já não se recorda, sendo quanto à primeira em cerca de 10 ocasiões, recordando-se de uma situação em que a menor chorava por causa de um teste, porém outras vezes sucedendo noutros contextos;
- também ela relatou ter o arguido, por uma ocasião, colocado em contexto de sala, música funk para que as alunas dançassem, todavia ter tal ação contado com o pedido de algumas destas últimas;
- em contexto de tomada de refeições (no espaço de refeitório) refere ver habitualmente o arguido afastado da zona destinada aos professores, ao invés sentando-se na zona dos alunos, junto a raparigas do 2º e 3º ano, as quais pedia que se sentassem no seu colo;
- em idêntico plano, e no decurso dos intervalos, igualmente relata a permanência do arguido junto a grupos de raparigas dos acima indicados anos letivos, as quais se sentavam nas suas pernas (“uma em cada perna”) enquanto o arguido lhes mexia na cara e cabelos, o que afirma ter visto entre 5 a 10 vezes, ocorrendo tais interações numa zona de bancos existente no espaço de recreio, em zona mais recatada;
- instada a esclarecer se, à semelhança do arguido, outros professores habitualmente se encontravam no espaço de recreio, interagindo com os menores, respondeu negativamente;
- circunscrevendo as interações supra apenas a crianças do sexo feminino, foi-lhe solicitado que traçasse um quadro comparativo face aos alunos do sexo masculino, afirmando neste particular a testemunha que o comportamento do arguido era diverso, e destacando nesse campo a ação do arguido pegar em borrachas e marcadores e atirar na direção daqueles (mas nunca em direção às meninas), isto não obstante ambos se portarem mal.
(…), então aluna do 4º ano de escolaridade (turma 4º A), explicitou:
- ter sido aluna do arguido, na docência do inglês, no indicado ano letivo;
- recordar-se de ter o arguido colocado, ao que crê por própria iniciativa, em contexto de sala de aula, música funk brasileira (tema “Explosão”), gerando tal facto que as raparigas fossem dançar (permanecendo os rapazes por detrás daquelas mas não dançando), no entanto não tendo já memória se, neste último segmento de ação, por iniciativa/pedido do arguido ou espontaneidade das menores;
- instada a definir um padrão de ação ou comportamento face à turma, nela se contemplando alunos do sexo masculino e feminino, referiu que o arguido por vezes atirava borrachas contra os rapazes, o que não fazia face às raparigas, e que corrigia os testes “em cima” (sic.) das raparigas (posicionando-se atrás das carteiras das menores e esticando os braços por cima dos ombros daquelas), o que por seu turno não fazia face aos meninos;
- por última, afirma ter visto o arguido, por uma ocasião, a dirigir-se ao ginásio na companhia de raparigas do 4º ano de escolaridade, todavia afirmando-se incapaz de elucidar o que teria ou não sucedido no interior de tal espaço.
(…), à data dos factos aluna da turma 4º A do Colégio de (…), afirmou:
- ter sido aluna do ora arguido na disciplina de inglês;
- no interior da sala de aula, apenas destacar a colocação/reprodução, nas últimas aulas do ano (após terem acabado de lecionar a matéria), de música brasileira, ao que crê por iniciativa do professor, ao som da qual as raparigas voluntariamente iam dançar, afastando tal realidade de uma qualquer preparação de festividade escolar;
- em contexto de recreio, refere ter visto em um ou dois intervalos o arguido sentado na zona de bancos, com raparigas do 2º e/ou 3º ano sentadas no colo do professor.
(…), que se constata da análise de fls. 45 a 47, ser aluna do 2º A, mencionou:
- ter tido o arguido como docente de inglês, afirmando-se já incapaz de elucidar se durante todo o ano ou em plano temporal mais circunscrito;
- serem as aulas de inglês ministradas na ausência da professora titular, isto é, contando apenas com a presença em sala do arguido e dos alunos;
- mexer o arguido nas costas das meninas, colocando para o efeito a mão a meio das costas, que previamente colocava pelo interior da roupa, através do colarinho, e mexendo a mesma, fazendo “festinhas” (sic.) (e não cócegas), o que refere ter sucedido consigo por uma ocasião e tendo igualmente contemplado outras raparigas (cuja identidade já não recorda), ocorrendo essas situações quando as meninas procuravam o esclarecimento de dúvidas;
- mais, dar o arguido respostas a questões colocadas nos testes às meninas, o que já não fazia quanto aos rapazes, com os quais se zangava e gritava;
- em contexto de recreio, apenas ser-lhe percetível a presença do arguido naquele espaço, tocando viola, todavia não tendo já presente se acompanhado ou desacompanhado;
- quanto à perceção da razão da saída do professor referiu ter-lhe sido apenas elucidada pela mãe, em momento posterior à efetivação daquele abandono.
(...), estudante do 4º ano (turma A) no ano letivo em referência nos autos, igualmente corroborou ter tido por professor o ora arguido, em período temporal que admite ser mais curto (porém sem precisão de datas), neste enquadramento afirmando:
- serem as aulas de inglês lecionadas na presença única do arguido e dos alunos, isto é, contando com a ausência da professora titular;
- em contexto de sala de aula recordar, pelo menos em duas ocasiões (não contemporâneas ou antecedentes à preparação de festividades escolares, e quando ainda estava em curso o lecionar de matéria), ter o arguido colocado músicas brasileiras de dança, pedindo a algumas das raparigas para dançarem, pedido que nunca dirigiu aos meninos;
- convidada a melhor explicitar o quadro comparativo de ação e comportamento do arguido face às raparigas e rapazes, referiu que o professor tratava melhor as meninas, a quem dava mais atenção e com as quais era mais carinhoso;
- em contexto de recreio, declara ter visto, por pelo menos três ocasiões, o arguido sentado na zona dos bancos, tendo meninas do 2º e 3º anos sentadas ao seu colo (“cada uma numa perna”), sendo que, em nenhuma dessas ocasiões, percecionou estarem as menores a chorar;
- declarou não ser habitual ali se encontrarem professores, apenas assim sucedendo quanto a um docente que promovia a organização de jogos escolares, e por ocasião da realização destes últimos;
- questionada quanto ao momento de perceção da saída do professor e motivo na sua génese, afirmou ter-lhe sido relatado pela professora que havia sido apresentada uma queixa contra aquele, sendo tal informação disponibilizada já após efetivação do abandono de funções.
(…), à data dos factos aluna do 4º ano do Colégio de (...) (turma do 4º B), relatou:
- ter tido por docente de inglês o ora arguido, o qual tem memória de ter saído antes do términus do ano letivo;
- em contexto de aula, ter visto o arguido a fazer “festinhas” na cara (bochechas) das meninas, o que não fazia quanto aos rapazes;
- ser-lhe ainda visível a ação do arguido colocar a mão pela parte de fora das calças, na zona dos genitais, onde mexia e coçava, ocorrendo algumas de tais ações quando o mesmo ajeitava o cinto, e por ocasião em que se encontrava de pé, de frente para a turma, lecionando matéria;
- não obstante, refere nunca ter em tais ocasiões vislumbrado volume maior naquela zona do corpo/vestuário;
- nos intervalos, menciona que o arguido pegava em algumas menores ao colo, e que falava com as meninas, no entanto interpretando a primeira ação em contexto de brincadeira.
Nos intervalos pegava nas crianças ao colo. (mais novas e da idade dela). Acha que a brincar. Já
(…), à data dos factos aluna da turma 4º B do Colégio de (...), relatou:
- ter sido aluna de inglês do aqui arguido, o qual refere ter memória de não ter terminado o ano letivo nessa qualidade;
- serem as aulas de inglês ministradas na presença exclusiva dos alunos e do professor de inglês, isto é, não contando com a presença da professora titular;
- em contexto de sala de aula, recordar-se que o arguido, quando convidado ao esclarecimento de dúvidas, se colocava “em cima delas”, arqueando o corpo por detrás das alunas e dos espaços de carteira que as mesmas ocupavam, o que refere não ter acontecido consigo e que acrescenta não ter presente suceder quanto aos rapazes;
- no espaço de recreio, fora do contexto de aula, refere ter visto por algumas ocasiões o arguido tocando viola na zona dos bancos, apresentando-se algumas raparigas (mais novas que a declarante) sentadas ao colo do arguido;
- refere ainda ter visto o arguido a brincar à corda, girando a corda para as crianças saltarem, junto com raparigas (admitindo por possível a presença também de rapazes), todavia afiançando não ser habitual ver o arguido a realizar outras brincadeiras mais apreciadas pelos meninos (por exemplo jogar futebol), e bem assim não ser usual outros professores se encontrarem naquele espaço ou no mesmo contexto de interação;
- por último, afirma apenas ter sabido da razão de ser da saída do professor aquando do términus do ano letivo.
(…), à data dos factos aluna integrada na turma do 2º B do Colégio de (...) (cfr. fls. 48 a 50), mencionou no seu relato:
- ter assumido por professor de inglês o aqui arguido;
- decorrerem as aulas pelo menos ministradas apenas na presença do professor e dos alunos, isto é, na ausência da professora titular;
- ter apenas memória, como situação mais invulgar, a colocação pelo arguido (ao que crê a pedido de aluna) de músicas de dança, em língua portuguesa, o que refere suceder fora do contexto de sala, e em espaço/sala polivalente ou multimédia, ao som das quais as raparigas que para aquele espaço se dirigiam com o professor após dançavam, permanecendo ali o arguido.
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No plano da prova indicada pela defesa do arguido, produziram-se, a par dos contributos das testemunhas comuns à acusação (…) (já atrás analisados), os depoimentos das testemunhas (…).
Destaca-se dos seus contributos declaracionais, em plano de relevância, o seguinte:
(…), apresentando-se como representante da entidade que explora, entre outros, o Colégio de (...), declarou:
- não conhecer pessoalmente o arguido, senão por referência à intervenção funcional na cessação do contrato por via do qual se gerava a sua colocação no Colégio de (...), por ocasião de junho de 2017, por comunicação a cargo da Direção do Colégio, da existência de suspeitas de comportamentos desadequados;
- instada a esclarecer alguns termos de funcionamento do espaço de ensino em apreço, referiu não ser habitual a sua permanência ou deslocação regular ao mesmo, afirmando em todo o caso ser procedimento habitual a existência de vigilantes no recreio, alguns dos quais assegurando o controlo e acesso ao parque infantil ali existente;
- quanto à colocação e visibilidade dos bancos, referiu existirem na zona dos claustros, sendo globalmente visíveis ao espaço exterior.
(…), jovem de 11 anos de idade, referiu ter sido aluno do arguido no 3º ano de escolaridade, então inserido na turma A.
Refere, no que concerne à realidade ocorrida no contexto de sala de aula, nada ter de anómalo percecionado, relatando ser o procedimento de esclarecimento de dúvidas objetivado no levantamento, pelos alunos que as pretendiam esclarecer, de dedo no ar, após deslocando-se o arguido às carteiras dos alunos, aproximando-se das mesmas pelo ângulo traseiro.
Afirma ainda não ter logrado aperceber-se da existência de tratamento privilegiado de alguns alunos face aos demais.
No que ao percecionado em contexto de recreio, salienta apenas a presença do arguido em alguns recreios no banco sito junto aos cabides (na zona dos claustros), tocando guitarra, sendo aí acompanhado de raparigas e rapazes dos 1º e 2º anos, no entanto nunca vendo alguém sentado ao colo do professor.
No que à presença naquele local de outros docentes, referiu apenas ali ver o professor de ginástica e ainda um outro cuja identidade não se revelou já capaz de recordar.
(…), atualmente com 12 anos de idade, à data dos factos aluna do 4º ano, turma A, do colégio de (...), referiu;
- adotar o arguido comportamento diferente com as raparigas, ao qual apelidou de “não correto”, o que desde logo objetivou na colocação de música funk brasileira (da artista Anita) em plena sala de aula (numa das ocasiões quando ainda lecionavam matéria), pedindo que dançassem.
Ao invés, e no tangente à interação face aos alunos do sexo masculino, referiu assumir-se o professor como mais agressivo, ralhando frequentemente com eles e chegando, por uma ocasião, a arremessar a um deles uma borracha.
Ainda em contexto de aula, destaca ainda o gesto do arguido tocar as raparigas na zona do pescoço (parte da frente e trás) por ocasião da correção de exercícios, junto às cadeiras dos alunos, o que já não fazia face aos rapazes.
De resto, refere ter tal ação também lhe sido por uma ocasião destinada, o que de imediato repeliu.
Já no recreio, alude à circunstância de ser habitual o arguido sentar-se nos bancos, fazendo-se acompanhar de raparigas do 1º e 2º ano de escolaridade, as quais frequentemente se sentavam no colo daquele.
(…), declarando-se à data dos factos aluna do 4º B, declarou:
- ter assumido, naquele contexto, como professor de inglês, o ora arguido;
- ser habitual este, no âmbito da feitura e correção de trabalhos, aproximar-se das carteiras das alunas, debruçando o corpo por trás das alunas, com aposição dos braços à volta, outras vezes agachando-se por defronte ou lateralmente aos assentos;
- nessas ocasiões gerar-se o contacto/toque no corpo das alunas, em especial no pescoço (atrás), nos braços e ombros;
- ter tal atuação sobretudo presente no que tange à interação face à menor (…) (referindo assim ter assistido por uma ou duas vezes);
- refere assim apenas suceder quanto às raparigas e não face aos rapazes, porquanto, quanto a estes, os pedidos de ajuda (em menor frequência face aos formulados pelas alunas) desatendidos;
- em contexto de recreio, refere ter ali vislumbrado a ação do arguido, por cinco ocasiões, na companhia da menor (…), sentados no banco, colocando esta última a cabeça no colo do professor, o qual, por seu turno, a acariciava (fazendo festas) no cabelo, peito e “maminhas”, por cima das roupas, parando a mão por alguns momentos na última parte corporal indicada;
- noutro plano, refere também ali ver frequentemente o arguido a brincar em especial com as alunas (embora ocasionalmente também com rapazes), quer empurrando os baloiços em que as mesmas se movimentavam, quer jogando do jogo do “pistoleiro”, atividade que não pressupunha maior contacto físico ou corporal;
(…), à data dos factos com 14 anos de idade, e então inserida na turma do 4º A do Colégio de (...), mencionou (após previamente atestar ter sido lecionada pelo arguido na disciplina de inglês):
- nada de relevante destacar no plano do contexto de sala de aula;
- no que tange aos momentos de recreio, ter visto o arguido em interação face a raparigas mais jovens (do 1º ano), com as quais brincava, pegando-as ao colo e rodando as menores (o que refere ter vislumbrado duas ocasiões), ou junto às quais tocava guitarra (o que viu 1 vez), nessa ocasião sentando-se as menores das pernas do arguido, estranhando tais comportamentos por traduzirem um adulto a brincar com crianças;
- questionada quanto ao contexto e motivação da saída do arguido da referida unidade de ensino, declarou, sem maior pormenorização, saber apenas que alguns pais teriam do mesmo feito queixa;
- no que à existência de pessoas encarregues de vigilância daquele espaço exterior, referiu ter apenas memória atual da existência de empregada na zona de acesso ao colégio.
(…), apresentando-se como progenitora da menor (…), aluna do colégio de (...), declarou o seguinte:
- ter a sua filha relatado à declarante que o professor de inglês, durante o decurso das aulas, colocava a mão na barriga das meninas (referindo-se sobretudo a ela própria e à colega …), nos lábios e junto ao pescoço, questionando a declarante sobre se tal seria normal;
- perante a resposta em sentido negativo, refere ter a declarante comunicado perante a Direção do Colégio, vindo ainda a apresentar denúncia perante as autoridades policiais na semana seguinte, no decurso da qual deixaria o arguido de lecionar naquele estabelecimento de ensino.
(...), por seu turno, apresentou-se como tendo sido aluna do arguido na turma A do colégio de (...), não tendo todavia memória presente se no 3º ou 4º ano (o que se permite concretizar, da análise de fls. 36 a 39, corresponder à turma do 4º ano);
- instada a clarificar a forma como decorriam as aulas daquele professor, referiu já não ter grande memória daquele período temporal, não tendo presente lembrança de algo que decorresse fora da normalidade;
- sem prejuízo, declara ter presente que o professor implicava mais com os rapazes (ainda que o comportamento dos elementos masculinos e femininos da sala fosse idêntico), tendo ainda memória de uma ocasião em que o professor teria colocado, em contexto de sala de aula, música brasileira e pedido a algumas meninas que fizessem uma coreografia relativa à mesma, o que referiu ter ocorrido a meio do ano em plano desprovido de qualquer conexão com a matéria ou com qualquer festividade escolar;
- por último, declara ter memória da difusão no contexto do colégio da expressão “pedófilo”, em plano de conversações de recreio, isto em período em que o arguido ali lecionava;
- ainda fora do contexto de sala, afirma ter presente ter visto o arguido no recreio, em contexto de brincadeira com algumas meninas do 2º ano de escolaridade, todavia declarando-se já desprovida de recordação quanto ao teor das mesmas.
(…), apresentando-se, à data dos factos, como aluna da turma do 4º B, lecionada na disciplina de inglês pelo aqui arguido, referiu ter presente a existência de um tratamento diferenciado entre os rapazes e as raparigas, mostrando-se indisponível para o esclarecimento das dúvidas dos primeiros, porém predisposto ao esclarecimento das segundas, face às quais se “aproximava mais”;
- refere ter presente a passagem/difusão em sala de aulas de música funk, o que refere ter ocorrido por iniciativa do professor, porém apresentando-se desprovida de memória se contemplando ou não a realização de dança pelas alunas;
- quanto ao toque, referiu percecionar o toque de mão na zona da base das costas e rabo em algumas raparigas, no contexto de brincadeiras realizadas no recreio (recordando-se apenas da brincadeira “linda falua”), o que admitiu em plano de normalidade, relatando todavia, em plano desprovido de tal natureza, o toque nas menores (…) ou (…), no interior da sala de aula, como colocação da mão na zona do peito, não se lembrando se por cima ou baixo da roupa, ou se acompanhado de maior movimento;
- por último, corroborou a apelidação do arguido, em contexto de conversações entre colegas, como “pedófilo”, sendo a dado momento designado pela abreviatura “PPP”, significando “Professor (...) Pedófilo”.
(…), apresentando-se, à data dos factos, como aluna da turma do 4º B do Colégio de (...), mencionou:
- não ter muito presente a memória de tal período de tempo, designadamente da forma como decorriam as aulas lecionadas pelo ora arguido;
- ter apenas memória de que, quanto ao mesmo, passou a dado momento a ser veiculada a expressão “pedófilo”, o que crê ter por origem turma do 3º ano, sucedendo-se após relatos de alguns alunos do 4º ano.
(…), igualmente aluna da turma do 4º B, referiu:
- ter memória mais concretizada de uma situação em que, a propósito do lecionar das peças de roupa em língua inglesa, ter o arguido pedido a uma aluna (a …que se colocasse na parte frontal da sala, colocando-a para o efeito em cima de uma cadeira, para o que a pegou com ambas as mãos na zona nas axilas, admitindo nesse contexto ter tocado com as mãos na zona do peito da menor;
- refere igualmente ter, a dado momento, começado a ouvir, em contexto de recreio, a expressão “pedófilo”, como referindo-se ao arguido.
(…), aluna da mesma turma (4º B), afirmou não ter já muito presente tal período temporal, mostrando-se todavia capaz de descrever o procedimento de correção de exercícios ou esclarecimento de dúvidas, no âmbito do qual o arguido se colocava em posição lateral ou na retaguarda das secretárias, debruçando o seu corpo na direção da mesa;
- igualmente declarou ter advindo do relato da menor (…), aluna do 3º ano, o relato de toques corporais menos próprios por banda do arguido, sendo sequencial ao mesmo a difusão mais alargada da expressão “pedófilo”, no âmbito das conversas de recreio.
(…), aluna da turma B, quer no 3º, quer no 4º ano de escolaridade (sendo no ano letivo em apreço nos autos no 4º ano), declarou:
- não ter presente a existência de maiores toques ou aproximações corporais por banda do arguido;
- ter, não obstante, a dado momento passado a ouvir referenciada face ao arguido a expressão “pedófilo”, a qual crê ter origem na turma A do 4º ano;
- no que ao por si percecionado, mais concretamente fora do contexto da sala de aula, referiu apenas destacar a existência de uma maior aproximação física do arguido face à menor (…), os quais refere ter visto sentados “lado a lado” em banco do recreio, agarrando-se a menor ao professor.
(…), atualmente com 10 anos de idade, referiu ter sido aluna do 2º e 3º ano de escolaridade no Colégio de (...), inserida na turma A, tendo num desses anos sido aluna de inglês do aqui arguido (o que se permite inferir da listagem de fls. 45 a 47 corresponder, no ano letivo em referência nestes autos, ao 2º ano);
- questionada quanto à perceção da existência de toques corporais menos comuns, refere ter hoje apenas memória da ter o arguido colocado a mão na zona na barriga da menor (…), por ocasião em que a mesma se queixava de dores naquela zona corporal;
- ainda em plano do decurso das aulas, mencionou ter apenas presente a passagem de músicas relacionadas com a matéria lecionada;
- no contexto “extra aulas”, refere ter memória do arguido se encontrar muitas vezes no pátio/recreio, em contexto de brincadeiras com os menores, porém não tendo já presentes quais as brincadeiras, nas quais refere nunca ter participado.
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Em plano abonatório ou de definição de traços de personalidade ou caráter, produziram-se os depoimentos das testemunhas (…).
(…), psicólogo de profissão em exercício funcional no Hospital do (…), e subscritor da declaração de fls. 1227, atestou ser o arguido seguido clinicamente pelo mesmo, desde setembro de 2018, tendo para ali sido encaminhado pela consulta da sexologia.
Sem prejuízo, declarou não vir tal seguimento a surtir maior eficácia, isto face à dificuldade do arguido exteriorizar os seus sentimentos ou de apresentar um discurso linear, evolutivo e coerente, nunca tendo manifestado disponibilidade para a abordagem do tema que motiva o seu presente julgamento.
Mais, descreveu o mesmo como indivíduo ansioso e emocionalmente frágil.
Relativamente aos depoimentos das testemunhas (…), os mesmos aproximaram-se entre si, relatando, tendo por génese uma ligação de amizade face ao arguido, a imagem do mesmo como um indivíduo sociável e educado, manifestando à vontade na ligação e empatia com menores, afirmando mesmo ter-se, a dado momento, dedicado à organização de festas de aniversário.
Nesse contexto, refere nunca ter percecionado nada de anómalo na interação face às crianças.
Por último, questionados quanto aos traços de afetividade do arguido, em plano de conjugalidade ou namoro, afirmou conhecer-lhe um relacionamento mais duradouro, prolongando-se de um final de ano até ao momento de colocação em ambiente escolar, vendo precipitado o seu fim face ao distanciamento físico então gerado.
Por último, as testemunhas (…) igualmente relataram o arguido como indivíduo alegre e de bom trato, todavia declarando a primeira evidenciar maior preocupação ou ansiedade face ao desfecho dos autos.
Em plano comum, igualmente declararam ter noção do padecimento, por aquele, de problema do foro cutâneo, eczema, motivador da formação de manchas e necessidade de coçar o corpo, sobretudo em contexto de clima mais quente.
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Análise crítica e conjugada da prova:
Explanados nos termos supra os contributos relevantes da prova, designadamente em plano declaracional (prova mais abundantemente realizada), importa neste momento a sua apreciação crítica, a levar a cabo com apelo e complemento face à prova documental carreada para os autos (elencada supra), e a articular com as regras da experiência comum e de padrão comportamental comum, e nos termos da aferição legal mencionada supra.
Neste particular, cumpriu destacar, conforme não poderia deixar de suceder, a prova passível se assumir-se como de produção direta, isto é, dotada de perceção sensorial por motu próprio e em tempo real dos factos.
E nesse plano teríamos de contar, em primeiro plano, com as declarações do arguido e das vítimas, estas últimas colhidas com recurso a declarações para memória futura (sob registo áudio e vídeo).
O arguido, no plano das declarações prestadas em julgamento, optou por prestar uma declaração singela, por via da qual relegou para a sede de sujeição a 1º interrogatório judicial o esclarecimento dos factos, sob a abrangência ali produzida (a qual se cingiu à realidade contemplando as primeiras 10 ofendidas explicitadas em acusação).
Naquelas declarações, reproduzidas em julgamento e passíveis de consideração em plano de análise probatória alargada (cumprida que foi a advertência aludida no artigo 141º, n.º 4, alínea b) do Código de Processo Penal), o arguido apresentou um discurso pobre, pouco expansivo ou descritivo dos factos, optando, ao invés, pela adoção de uma declaração de desconstrução simplificada de uma componente ilícita ou censurável de alguns dos poucos comportamentos ou gestos físicos que assumiu, evidenciando, além do mais, uma postura de desvalorização dos mesmos, afirmando terem os mesmos sido erroneamente interpretados.
Assim:
Num primeiro plano, admitiu ter lecionado língua inglesa no Colégio de (...), no ano letivo em apreço nos presentes autos, tendo as ofendidas identificadas até àquele momento por alunas.
Veio igualmente a reconhecer como verdadeiros alguns dos comportamentos, verbais ou físicos, descritos no texto acusatório, designadamente no que ao toque corporal respeita.
Porém prontamente excluiu tais ações de uma qualquer componente sexual ou sexualizada, ao invés definindo-os como inadvertidos ou enquadrados num quadro de proximidade, auxílio letivo, carinho ou afeto face àquelas jovens.
Assim, e concretizando, no domínio de ação física concede ter feito algumas “festinhas na cara” ou poder ter tocado nas mesmas com a mão, por cima da roupa ou, inadvertidamente, por baixo (designadamente na zona da barriga), em contexto de sala, aquando da correção de testes, ou quando no recreio realizava algumas atividades lúdicas (brincadeiras) com as alunas, envolvendo maior e inevitável contacto físico, recordando ainda uma situação, envolvendo a menor (...), em que, no interior da sala, se prontificou a ajudar a retirar uma das camisolas que aquela vestia, podendo aí ter-se levantado a demais roupa que a mesma envergava, podendo aí gerar-se o toque.
Nas mesmas circunstâncias (de aula e recreio) igualmente concede terem-se algumas daquelas sentado no seu colo, a pedido ou por ação voluntária daquelas, ainda referindo terem algumas jovens iniciativa de o abraçarem ou beijarem, uma vez mais afastando de tais interações qualquer conotação anómala.
Sob dinâmica verbal, igualmente concede ter a algumas daquelas dirigido a expressão “hoje estás muito linda/bonita”.
Quanto à existência de coreografias de dança, admite ter pedido a algumas alunas que preparassem uma coreografia, para apresentação em contexto de aula, mas apenas face ao interesse das jovens na temática da dança.
Instado a esclarecer qual o quadro comparativo face aos alunos do sexo masculino, referiu ter também quanto aos mesmos proximidade, designadamente jogando “à bola” com os rapazes, porém resumindo-se o contacto físico ao mero abraço.
Na prestação de tais declarações, dir-se-á, todavia, ter merecido o seu discurso, a par de uma maior generalidade, uma ambivalência e posicionamento conflituante que não poderá deixar-se de salientar como óbvio.
Assim, e exemplificativamente, o arguido, refere não reconhecer na sua ação ou comportamento qualquer incorreção.
Não obstante, acrescenta (em plano, cremos, conflituante) ter a leitura dos mesmos merecido, em plano subsequente, a interiorização do desígnio de refrear, de futuro, a interação face aos alunos.
Por outro lado, e ainda que não comportando relevância direta para a matéria sob apreciação nos autos, não se deixará de considerar, em plano de aferição enquadratória dos factos, e bem assim para a definição dos traços comportamentais do arguido, a deteção, no interior da habitação do arguido, e sob a disponibilidade deste, aquando da concretização da busca domiciliária de que se revelou ser destinatário, de material videográfico de teor e conteúdo comprometedor, no qual o arguido fez recolher registos de imagem, a mais das vezes em plano de aproximação de objetiva, dos corpos de várias jovens do sexo feminino de pouca idade (nenhuma das quais aqui ofendidas), em contexto de roupagem diminuta (em praia ou piscina), sendo ali em especial visadas partes corporais mais sexualizadas (os seios, rabos).
E confrontado com tais registos, em plano de 1º interrogatório judicial, o arguido, apressando-se ab initio a afastar as visadas de tais filmagens como correspondendo a qualquer aluna do Colégio de (...) (designadamente com correspondência a qualquer uma das jovens identificadas nestes autos) – o que naturalmente se concede – não deixa de denotar no que à posse de tais registos a verbalização de um conflito interior, alternando entre a afirmação de que “não se orgulhar de os ter” com a afirmação, pouco crível, de que os teria apenas visto por uma ou duas vezes, esquecendo-se após de os apagar.
Ora, tal postura evidencia do arguido uma clara noção do correto e do incorreto, do comportamento inocente ou sexualizado, consciência que cremos ter sempre alimentado a sua atuação no plano dos presentes autos, afastando a inocência e candidez com a qual procurou “mitigar” o comportamento aqui em referência, e à qual não se pôde, naturalmente, conceder crédito.
Por outro lado, quer a postura declaracional assumida pelo arguido, quer o relato da sua atuação dada pela ulterior prova (a analisar melhor infra), vistas à luz do próprio relatório social quanto a si elaborado, fazem transparecer do arguido uma postura a espaços “infantilizada”, de identificação no plano do sexo oposto com raparigas de pouca idade, o que se evidencia não só dos comportamentos assumidos em contexto de sala (aos quais cremos ser inegável uma dinâmica sexualizada) mas igualmente da aferição do comportamento assumido em contexto de recreio ou espaço lúdico, o qual, não obstante, nos termos das noções infra a explanar, não se interpretar em contexto inequivocamente sexualizado, não deixam de evidenciar uma clara “predileção” do arguido em relação a jovens do sexo feminino.
De idêntica forma, e em plena harmonia com o acabado de dizer, emerge à imagem do julgador, face à prova produzida em julgamento quanto à postura e comportamento do arguido, a existência de um comportamento plenamente díspar no que tange ao tratamento de jovens do sexo feminino ou masculino, sendo às primeiras dirigidos comportamentos afetivos e/ou de potenciação de contacto físico, e aos segundos uma postura plenamente oposta, que classificamos de rude, brusca e pouco emotiva, que cremos evidenciar dos mesmos a figura estrita como alunos e não “objetos de desejo”, podendo até evidenciar a adoção de comportamento de afastamento de “concorrência masculina” no plano de afetividade mantida face às jovens do sexo feminino.
E tais traços de comportamento ou postura, cremos, são bem reveladores de uma personalidade bem definida do arguido, a qual se afasta, de forma clara, da simples conexão ou enquadramento em plano de afetuosidade natural, ao invés definindo esta última em contexto muito próprio e circunscrito, enquadrável pois numa interpretação anómala dos padrões da sexualidade.
Aliás, a referida ausência de afetividade ou maturidade relacional ou conjugal, em contexto dito de normalidade, é salientada no relatório social do arguido, o qual não salienta qualquer relacionamento afetivo mais duradouro ou consistente, ou mesmo em plano de namoro, o que também os depoimentos de (…) corroboram (apenas salientando ou concretizando um namoro de alguns meses), o que cremos evidenciar quanto ao mesmo um modelo de desapego afetivo, após contrabalançado pela idealização de desejo ou atração em contexto manifestamente anómalo.
Por outro lado, e no apelo permitido dar à demais prova declaracional produzida, objetivada nas declarações para memória futura e prova testemunhal, cremos ter tal imagem ficado à luz do julgador bem clara, permitindo-se a aferição concretizada das ações do arguido, passíveis de enquadramento nesse plano de ação e vontade.
Assim, no plano do relato do comportamento do arguido, foram destacadas em tal prova dois segmentos distintos, merecedores de análises também elas distintas:
Assim, e em plano primordial de relevância, terá de ser destacada a interação em contexto de sala de aula, a qual se revelou mais expansivamente relatada, e que se poderá revelar objetivamente mais relevante.
Neste tocante, mostra-se transversal aos depoimentos prestados pela generalidade das vítimas em sede de declarações para memória futura a existência de contatos físicos ativamente promovidos pelo arguido, ambos no contexto de correção de exames ou esclarecimento de dúvidas.
Nuns destes, as menores deslocavam-se junto à secretária do professor, sentando-se ao seu colo.
Noutros, o arguido fazia-se deslocar às carteiras das menores, debruçando-se sobre as mesmas.
Num destes enquadramentos prestam depoimento as menores (ofendidas) (…), as quais relatam, em traços comuns (embora com a adoção de vocábulos próprios, consentâneos com as respetivas idades), a atuação do arguido de colocação da mão, umas vezes pelo interior da roupa, outras pelo exterior, nas zonas da barriga e peito (em algumas delas chegando a tocar nos mamilos), zonas corporais que após friccionava.
No que a este gesto respeita, as expressões utilizadas pelas menores alternaram entre a afirmação (mais concretizada) que ali efetuava movimentos circulares, ou na adoção (mais genérica) das expressões de ali fazer massagens, festinhas ou cócegas (evidenciando a adoção de cada um dos indicados vocábulos um sentido maior ou menor de inocência), no entanto verbalizando em comum o incómodo que tal contacto nelas promovia, atenta a zona corporal visada (que muitas definiram como partes íntimas) ou a forma “invasiva” do contacto.
Na concretização desta adjetivação, foi descrito, mesmo pelas menores que apenas salientaram a aposição das mãos (com movimento de massagens) na zona da barriga, que o gesto assumido pelo arguido era, em plano dinâmico, o de colocar a mão através da zona do colarinho, descendo após para aquela zona corporal (o que pressuporia a passagem pela zona do peito e, admitimos, direcionava tal gesto na direção do baixo ventre).
O relato das realidades supra revelou-se, à imagem do julgador, como credível e desenvolto, objetivando-se no uso de linguagem descritiva e ajustada à idade das declarantes (e ao diverso grau de maturidade vivencial que aquelas evidenciavam), fazendo transparecer um sentimento sincero de vergonha ou incómodo.
É certo que, neste tocante, a maior maturidade ou inocência de cada um dos depoimentos em referência transpareceu no depoimento de cada uma daquelas, revelando-se de resto decisivo na mais pronta ou difícil perceção da incorreção de tais abordagens (assim motivando um mais pronto e imediato relato a terceiros).
Os comportamentos relatados pelas vítimas foram, após, complementados e corroborados pela prova testemunhal produzida em julgamento, com especial enfoque aos alunos ouvidos, os quais, uns com maior propriedade e memória, outros desprovidos já de naturais dificuldades rememorativas (naturais face à tenra idade), corroboraram tais abordagens, as quais rapidamente cingiram às alunas do sexo feminino.
Efetivamente, foi em julgamento relatada uma postura bem diversa do arguido face à população estudantil do sexo feminino e masculino, sendo a abordagem mais disponível e física quanto às primeiras, e mais brusca e indisponível face aos segundos (o que, nem sempre, se fez conexionar com o comportamento de cada um dos indicados sexos).
Procurou a defesa do arguido, pela indagação das condições de espaçamento de carteiras ou corredores, ou pelo contexto e forma de abordagem de cada um dos postos dos alunos, apontar para uma inevitabilidade do contacto físico do arguido face às alunas.
No entanto, cremos que tal discussão se revelará desprovida de qualquer utilidade ou razão quando o que está em causa é uma ação de colocação de uma ou mais mãos em zonas mais reservadas de tal contacto pretensamente inadvertido, como sejam concretamente a zona da barriga, peito ou das maminhas das jovens, umas vezes mesmo por baixo do vestuário, o que faz pressupor uma ação dinâmica, inequivocamente intencional e não inadvertida ou acidental por banda do arguido, e cujo enquadramento também não cremos associável a um desígnio afetivo ou protetor.
Aliás, nesse tocante, com única exceção a uma situação relatada pela testemunha (…), identificando como visada a menor (…), em que se refere ter o arguido massajado a zona da barriga daquela quanto a mesma verbalizava dores de barriga, mais nenhuma das situações de abordagem foi enquadrada num desígnio de auxílio ou bem assim de conforto ou acalmamento.
Por outro lado, e quanto à menor visada pelo depoimento anterior, a mesma exclui do seu relato tal situação, donde se conclui não lhe ter dado relevância, o que já não faz quanto às abordagens de que diz ter sido visada, no contexto da sua carteira, nos termos já atrás relatados e transversais ao discurso de grande parte das testemunhas ouvidas.
Neste plano de ação, temos pois inequivocamente demonstrada a adoção, tendo por visadas as menores (…), de um contacto físico não casual mas sim ostensivo, desprovido de conexão com um qualquer enquadramento apto a justificar ou fazer compreender tais gestos, passíveis pois de merecer – no complemento infra a assumir em sede de enquadramento jurídico – de uma componente ou dinâmica sexualizada.
Quanto às menores não referidas supra, a saber as jovens (…), o posicionamento do Tribunal não pôde assumir-se equivalente, muito por força do sentido ou abrangência dos respetivos depoimentos.
Assim:
∙ (…) fez apenas alusão à colocação, pelo arguido, no contexto de correção de exame, de uma mão nas suas costas (não detalhando se por cima ou baixo do vestuário), isto enquanto a sentava ao seu colo (junto à secretária do professor), chegando, por uma ocasião, a dar-lhe um abraço e a dizer-lhe que ela era boa aluna.
Ora, tal comportamento não se revela tão expansivo face aos antes relatados, designadamente evidenciando, pela zona corporal visada, uma componente de intencionalidade mais dúbia.
∙ (...) descreve, igualmente no contexto de correção de exames, a ação do arguido colocar a mão por debaixo do vestuário, fazendo cócegas, relevando-se todavia imprecisa no detalhe da zona corporal visada com tal ação, o que igualmente compromete a aferição inequívoca do detalhe, intencionalidade ou censura de tal comportamento.
∙ (…) fez apenas alusão, tendo-a por visada, de um gesto por banda do arguido de lhe mexer nas costas, por cima do vestuário, fazendo uma festinha, o que interpretou como normal, e a que o Tribunal, objetivamente, e sem mais, também não consegue descortinar maior censura.
∙ (…) alude, no seu depoimento, a um único evento, tendo-a por visado, no âmbito do qual teria o arguido colocado a mão na zona do seu pescoço e boca, fazendo festinhas, o que se revela em plano de diversidade face às demais vítimas (e mesmo face à acusação pública), não pressupondo, além do mais, um contacto mais incisivo ou ostensivo por banda do arguido.
∙ (…) faz, quanto a si própria, alusão a um evento único, no âmbito do qual teria o arguido, por ocasião do esclarecimento de uma dúvida, feito festas com uma das mãos na cabeça/cabelo da declarante, o que referiu não ter gostado por não se sentir à vontade com o contacto humano, porém nenhuma outra zona corporal (designadamente mais reservada) tocando.
∙ (…) fez alusão a duas situações, sendo uma no interior da sala de aula, no âmbito da qual refere ter o arguido, sem sucesso, “tentado” tocar na zona do peito, ao que de imediato obstou, fazendo noutro plano alusão ao toque sentido no rabo, no contexto de subida de escadas do recreio para a sala de aula, não vislumbrado todavia tal gesto, deduzindo apenas poder o seu autor ser o ora arguido por tê-lo após visto atrás de si, entre outras pessoas.
Ora, aos comportamentos acabados de descrever não vislumbra o Tribunal, de forma clara e inequívoca, um plano de ação objetivamente sexualizada, designadamente face ao contexto ou singularidade de atuação, ou por reporte à zona corporal visada, sendo assim os mesmos de desconsiderar para a decisão a proferir.
*
Ainda no contexto de sala de aula, aventou-se a difusão de música brasileira “funk”, ao som da qual algumas das jovens haviam dançado.
Tal resultou evidenciado dos depoimentos das ofendidas (…) e, entre outros, das testemunhas (…).
Todavia, não resultou ao Tribunal claro ou transversal a iniciativa de colocação de tais músicas, se da iniciativa do arguido ou das próprias alunas.
Por outro lado, outros depoimentos, tais como das testemunhas (...) relataram a difusão sonora de outro tipo de músicas, desta feita em língua inglesa, algumas das quais com conexão à matéria ensinada, o que tornará aquele gesto, pelo menos em parte, passível de revelar-se integrado no exercício da atividade docente.
O que não resultou demonstrado foi sim a existência, no contexto de ação primeiramente indicada, de um qualquer comportamento por banda do arguido de promoção ativa de contacto face às menores que optavam por dançar, compaginável com a adoção de uma interpretação anómala.
Importará agora ater a nossa atenção no contexto de interação assumido fora do contexto de sala, mais concretamente no recreio.
Dos depoimentos de algumas menores foi relatado que o arguido se encontrava frequentemente no espaço de recreio destinado às brincadeiras das crianças (assumindo-se também como espaço de acesso a núcleos comuns – salas, refeitório), num dos bancos ali existentes, tocando ou contando músicas, sendo ali acompanhado por algumas crianças, em especial do sexo feminino, algumas das quais se sentavam ao seu colo.
Por outro lado, foi também relatado em alguns dos depoimentos prestados a intervenção ativa do arguido em brincadeiras infantis com algumas jovens, algumas das quais implicando contacto físico (empurrar nos baloiços, cambalhotas nos ferros, roda, pistoleiro, pegar e rodopiar, saltar à corda linda falua).
Sucede que, neste tocante, nenhuma das ofendidas identificadas nos autos faz o relato de tais interações na 1ª pessoa, isto é, identificando-se como visadas em tais contactos, designadamente no contexto de convívio primeiramente indicado, que referem ser especialmente dirigidas às crianças do 1º e 2º anos.
Por outro lado, e quanto à interação em contexto de brincadeira, pese embora os depoimentos de algumas ofendidas façam relato da existência de contacto físico no desenrolar de brincadeiras de recreio em que o arguido participava (…) não descrevem com detalhe ou concretização (o mesmo que assumiram na definição da interação dentro de sala), quais as concretas brincadeiras em que participaram ou zonas corporais tocadas, e contexto ou tipo de toque, aduzindo muitas daquelas a visualização de um contacto ou aproximação inevitável e normal.
Ora, considerando-se que todas as brincadeiras identificadas implicarão (ainda que de forma mais ou menos intensa) a existência prévia e essencial de contacto físico, não se permitirá, face à ausência de um relato mais impressivo de uma ação física concretizada ou ostensiva, não se permitirá ao Tribunal fazer, quanto a tal contexto, uma interpretação mais anómala, apta a ser vista em plano dotado de relevância criminal (pese embora auxiliando o julgador a fazer do arguido a leitura de um indivíduo de ação e comportamento, por vezes, algo infantilizado).
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Assim, e em concretização ou detalhe do evidenciado supra, dir-se-á que:
Os relatos declaracionais passíveis de fazerem evidenciar as realidades supra, com especial enfoque nos depoimentos das vítimas e de outros menores que com as mesmas conviviam, revelaram-se desenvoltos e credíveis, apresentando discurso conexo e ajustado às respetivas idades, merecendo sustentação e harmonia entre si, ainda que evidenciando, em alguns daqueles, maior detalhe ou precisão, quer por via de advirem de quem era destinatário das ações do arguido, quer por via da proximidade ou relacionamento (de amizade) que alguns menores assumiam face aos primeiros.
Por outro lado, e não obstante a defesa do arguido se ter preocupado em salientar a difusão do conhecimento público alargado dos eventos, quer por inerência à divulgação entre Direção e pais, quer por apelo à publicitação nos meios de comunicação social, fazendo apelo à rápida disseminação da adjetivação de tais atos ou do arguido com a adjetivação de pedofilia ou pedófilo, tal realidade, que se concede em parte poder ter ocorrido, em nada contribuiu para a mitigação ou exclusão do crédito dos depoimentos dos menores ou firmou quanto ao discurso dos mesmos uma imagem de assimilação de um discurso pré-definido ou adveniente de uma influenciação ou “contágio” por terceiros, designadamente no plano de uma identificação com tal discurso.
Efetivamente, e pese embora se conceda, desde logo por apelo ao conhecimento público do Tribunal, que a matéria sob discussão nos autos foi objeto de divulgação noticiosa em várias publicações de teor jornalístico, não se toma as ora ofendidas, ou bem assim os seus colegas de turma, como público habitual de tais artigos, nessa medida tomando-os por permeáveis a tais divulgações.
De resto, igualmente se evidenciou que os jovens aqui ouvidos não compareceram em Tribunal ou pautaram os seus relatos pela adoção de discurso adjetivado ou revelador do uso de expressões qualificativas pouco consentâneas com as suas idades, como seja a adveniente do uso espontâneo de expressões como “pedófilo” ou “pedofilia”, às quais apenas se vieram a referir (algumas delas) após questionação.
Por outro lado, e num âmbito de divulgação mais circunscrita da realidade aqui sob discussão, embora se conceda que a atuação do arguido perante as jovens alunas viria a ser comentada entre aquelas, realçando tal facto a evidenciação de uma atuação generalizada perante as turmas que lecionava, não se toma tal realidade, diremos plenamente compreensível e natural, como apta a, também ela, “alastrar” ou unificar um mesmo discurso, em plano insuscetível de assumir conexão com a realidade.
Diremos mesmo que, em contradição face a tal publicitação no plano escolar, evidenciou a prova, no tangente à atuação da direção do Colégio de (...), ser a mesma pautada por um timbre manifestamente inverso, isto é, procurando circunscrever, “mitigar”, diremos mesmo ocultar a publicitação do sucedido, conforme bem evidenciam os depoimentos das testemunhas (…) gerando tal facto a ausência de uma denúncia centralizada dos factos, o que se crê também advir da componente e vocação católica do estabelecimento em apreço nestes autos.
Não só dita a referida postura de ocultação ou contensão da divulgação pública ou alargada da realidade associada ao comportamento do arguido, porventura associada à intenção de proteção de uma imagem de candidez inerente a uma instituição do foro católico e de clara vocação religiosa (a cargo da Direção do Colégio), e não deixando de evidenciar também, face à mesma realidade, da parte dos alunos, a inibição do relato de tais comportamentos perante aquela estrutura de ensino.
De resto, e reforçamos, é disso plenamente paradigmático, é o depoimento prestado pela testemunha (…), do qual resulta claro que o primeiro relato da conduta do arguido mostra-se da iniciativa de um grupo de jovens, tendo por destinatária a mãe de uma das menores, o que também se entende, face à maior abertura e proximidade existente, facilitadora de tal iniciativa de relato.
E resulta uma vez mais evidenciada no pedido após dirigido pela Direção do Colégio àquela progenitora, no sentido da não divulgação alargada de tal relato, ao que se constata ter esta última acedido.
*
Em face de tudo o atrás evidenciado, e à luz da ocorrência de uma demonstração alargada, consistente e plenamente credível a cargo da prova acusatória, com especial enfoque na clareza e inocência dos relatos das vítimas e colegas menores, cremos estar o Tribunal em condições de dar por inequivocamente demonstrada a realidade factual explicitada em 1 a 11.
No tangente à opção pela não prova, a opção do Tribunal sustentou-se no raciocínio e argumentativo já atrás aflorado, ora firmado na ausência de relato probatório que o evidenciasse, ora na dúvida passível de colocar-se em redor do contacto físico assumido pelo arguido fora do contexto de sala de aula.
Para definição dos aspetos vivenciais do arguido, considerou-se o relatório social junto aos autos, visto sob o complemento permitido dar pelos depoimentos das testemunhas de abonação e pela documentação clínica junta pelo arguido em sede de rol probatório (dando por assente a factualidade indicada em 12 a 42), sendo a precisão do seu passado criminal feita por referência ao CRC junto aos autos (facto 43).»
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Conhecendo.

(i) Da incorreta valoração da prova produzida em julgamento relativamente aos factos considerados como provados nos pontos 4 a 11, 28 in fine, 33, 37 e 39.
Neste domínio, o Recorrente entende que não deveriam ter sido usadas as declarações que prestou ao Juiz de Instrução Criminal, relativas a filmagens encontradas em seu poder, uma vez que o Ministério Público não deduziu acusação pela prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punível pelo artigo 199.º do Código Penal. Entende, ainda, que também não deveriam ter sido valorados os juízos das técnicas de reinserção social que elaboraram o relatório que está junto ao processo, relativos à sua vida sexual.
Também na perspetiva do Recorrente, os depoimentos das crianças estão inquinados e foram avaliados sem respeito pelas regras da experiência.

Vejamos se lhe assiste razão.
Com o propósito de bem expressar o nosso entendimento, impõe-se se precisem conceitos.
Em causa está o modo como pode sindicar-se a valoração da prova feita em 1.ª Instância, determinante para a fixação dos factos que aí se consideraram como provados e não provados – sindicância que pode fazer-se num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»
E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa
Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.
Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.
Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».
«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado (...).».[[3]]
De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[[4]]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].
Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[5]]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[6]]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[7]]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.
Mas tal valoração é, também, sindicável.
O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[[8]], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[[9]]
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos atos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão [[10]]
E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

De regresso ao processo, está nele em causa a prática de crimes de abuso sexual de crianças, previstos e puníveis pelo artigo 171.º do Código Penal.
Foi o Arguido, ora Recorrente, condenado pela prática de 20 (vinte) desses crimes, integrando-se a sua conduta na previsão do n.º 1 do mencionado preceito legal.
Onde, entre o mais, se prevê e pune a prática de ato sexual de relevo com ou em menor de 14 (catorze) anos.

A lei penal, embora também referindo o ato sexual de relevo na coação sexual – artigo 163.º -, no abuso sexual de pessoa internada – artigo 166.º - e na fraude sexual – artigo 167.º -, não fornece uma densificação do conceito, nem casuística exemplificativa.
Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes.

Ato sexual será todo aquele ato que exteriormente e de forma objetiva revele conexão com a sexualidade, que assuma um conteúdo ou um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade.
No domínio do direito penal, ato sexual será aquele que assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade e que contende com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica.
E por ato sexual de relevo entende-se toda a conduta que tenha conotação sexual objetiva que seja abstratamente adequada – segundo a suscetibilidade de ser reconhecido por um observador como possuindo uma conotação sexual – à satisfação de instintos sexuais e que coloquem em causa, com gravidade, a liberdade de expressão ou de autodeterminação sexual do menor.
Ou seja, ao exigir-se que o ato sexual seja de relevo, é forçado excluir-se os atos insignificantes ou bagatelares, mas também aqueles que não representem «entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima» (v.g. «atos que, embora “pesados” ou em si “significantes” por impróprios, desonestos, de mau gosto ou despudorados, todavia pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima»).[[11]]

A leitura do acórdão da 1.ª Instância, concretamente da parte dele dedicada à fixação dos factos – provados e não provados – deixa o embaraço de uma descrição absolutamente genérica da atividade do Arguido considerada capaz de integrar a prática de crimes de abuso sexual de crianças.
Reportamo-nos ao ponto 5) dos factos provados, onde consta «Assim, o arguido (...) , enquanto se encontrava a ministrar a disciplina de inglês, no interior da sala de aulas, em datas não concretamente apuradas, por diversas vezes e em momentos diferentes, aproximou-se das menores (…) e colocou a sua mão, umas vezes sobre a roupa que trajavam, outras no interior da mesma, efetuando movimentos de fricção, nas zonas dos peitos, mamas e barriga, tocando-as e acariciando-as naquelas zonas corporais.»

E sendo estes os factos delimitadores da atividade do Arguido que lhe valeram a condenação, pela prática de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão, não podemos, perante os mesmos, deixar de concluir que desconhecemos o que concretamente fez o Arguido para merecer semelhante imputação e condenação.
Apenas parece seguro concluir que o Tribunal de 1.ª Instância terá chegado ao número de crimes cometidos pelo Arguido pelo número de crianças que tocou nos moldes supra mencionados.
E considerando que as menores, na ocasião alunas da escola primária – do 2.º, 3.º e 4.º anos –, tinham idades compreendidas entre os 7 (sete) e os 10 (dez) anos, surpreende que a todas elas o Arguido tenha friccionado e acariciado as mamas.

Tenha-se presente que o início do «processo neuro-hormonal que conduz ao desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários ocorre entre os 9 (nove) e os 13 (treze) anos de idade e desencadeia evidentes alterações físicas e funcionais que, com o correr do tempo irão transformar as meninas em jovens adultas, capazes de se reproduzir, e dar-lhes o aspeto correspondente ao seu género.
Durante a infância, os seios praticamente não contêm tecido glandular, enquanto que os mamilos estão apenas pigmentados e são praticamente lisos. Estas características mantêm-se nos rapazes, mas nas raparigas pode-se observar que, a partir dos 8 ou 9 anos de idade, os mamilos começam a ganhar uma forma proeminente, verificando-se um grande desenvolvimento dos seios. Este desenvolvimento do peito das raparigas começa a evidenciar-se no início da puberdade, sob a influência dos estrogénios, e aumenta durante um período que, no total, compreende entre 5 (cinco) a 9 (nove) anos.
O primeiro passo desta transformação dos seios infantis em seios adultos é a formação dos denominados "botões mamários", o que, em termos gerais, também constitui a primeira manifestação da puberdade: o tecido celular subcutâneo do seio aumenta de espessura, os seios elevam-se ligeiramente e os mamilos começam a ganhar pigmentação. Os botões mamários aparecem por volta dos 10 anos de idade e formam-se quase sempre primeiro num seio e, pouco depois, no outro.
Mais tarde, por volta dos 11 anos de idade, começam a produzir-se as alterações mais importantes: acumula-se gordura nos seios e começam a proliferar os elementos glandulares e os canais mamários. Tudo isto faz com que os seios cresçam e se tornem mais túrgidos e que as aréolas se tornem mais lisas e rosadas, destacando-se ainda mais em relação ao resto da superfície mamária. Algum tempo depois, quando as glândulas sebáceas areolares se desenvolvem, as aréolas incham e elevam-se ligeiramente, apesar de, ao fim de algumas semanas ou meses, quando este processo termina, voltarem a diminuir. Para além disso, a partir deste momento, os mamilos começam a responder com ereções perante diversos estímulos, sobretudo às fricções. O último passo corresponde à ativação das glândulas acessórias às aréolas, tanto as sebáceas como as sudoríparas. Antes de concluído o processo de desenvolvimento, os seios, já adultos, adquirem um volume ainda maior e adotam uma forma esférica típica[[12]]

Ou seja, a formulação genérica por que optou o Tribunal de 1.ª Instância para descrever o comportamento do Arguido impede se determine o número de vezes que cada uma das meninas supra identificadas foi por ele tocada e qual a zona dos seus corpos assim atingida.

As questões que colocamos não são bizarria, mas sim aspetos fundamentais para determinar a natureza dos atos praticados [se de natureza sexual e de relevo] o seu enquadramento legal [se enquadráveis na previsão do nº 1 ou do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal] e o seu número [perante o consagrado no artigo 30.º do Código Penal].

E o embaraço a que se aludiu aumenta francamente quando percebemos, da leitura da motivação da decisão de facto, que o Coletivo de Juízes teve a possibilidade de concretizar todos estes aspetos e não o fez.
É o que resulta do relato aí constante dos depoimentos prestados para memória futura pelas meninas referidas no ponto 5) dos factos provados.
Cada uma das meninas identificadas nesse ponto 5) descreveu a forma e as circunstâncias em que o Arguido lhe tocou, bem como o número de vezes em que o fez.

Não se percebe, pois, porque não detalhou o Tribunal de 1.ª Instância semelhantes aspetos.
Temos presente que a acusação e do despacho de pronúncia padecem da mesma deficiente descrição factual. Mas também sabemos que a lei processual penal comporta mecanismos adequados a superar essa deficiência – através da alteração factual consentida pelos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.

Em jeito de conclusão se pode dizer que, perante a factualidade considerada como provada no pronto 5), não podia o Coletivo de Juízes concluir, como concluiu, que o Arguido cometeu vinte crimes de abuso sexual de menores, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal.
Porque os factos que constam como provados no ponto 5) não suportam essas conclusões.

Ao que acresce que a descrição genérica de acontecimentos por que optou o Coletivo de Juízes da 1.ª Instância não permitindo o contraditório, impossibilita qualquer defesa.
Coloquemo-nos no lugar do Arguido e percebemos logo como não permite contestação a apresentação final de um raciocínio sem exibição daquilo em que se alicerça.
Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, neste tipo de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal caracterizado por repetição de atos.
Aliás, a jurisprudência é, neste domínio, clara e indiscutível.
«(…)
5 - Não são "factos" suscetíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado ("procediam à venda de produtos estupefacientes", "essas vendas eram feitas por todos e qualquer um dos arguidos", "a um número indeterminado de pessoas consumidoras de heroína e cocaína", "utilizavam também "correios", "utilizavam também crianças", etc.).
6 - As afirmações genéricas, contidas no elenco desses "factos" provados do acórdão recorrido, não são suscetíveis de contradita, pois não se sabe em que locais os citados arguidos venderam os estupefacientes, quando o fizeram, a quem, o que foi efetivamente vendido, se era mesmo heroína ou cocaína, etc. Por isso, a aceitação dessas afirmações como "factos" inviabiliza o direito de defesa que aos mesmos assiste e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32º da Constituição.»
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2004, proferido no Processo n.º 04P908)

«I - O princípio ou cláusula geral estabelecido no n.º 1 do art.º 32.º da CRP significa, ao aludir a todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual, devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado com total independência do juiz, em procedimento leal e justo, sendo certo que a individualização e clareza dos factos objeto do processo são indispensáveis para que o arguido possa valida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de fevereiro de 2007, proferido no Processo n.º 06P4341)

«I - Os factos genéricos e conclusivos não podem sustentar uma acusação e, muito menos, uma condenação, pois impedem que o arguido exerça o direito de defesa que lhe assiste e impossibilitam o Tribunal Superior de fiscalizar o acerto da decisão.
II - Em crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo art. 292.º, n.º 1, al. b), do CP, constituem factos daquela natureza os que dão como provado que o arguido “seguiu em velocidade elevada” ou “fez [o] percurso em velocidade excessiva para o local”.
III - No contexto, o que se pedia e se exigia ao tribunal não era que averiguasse e indicasse a velocidade exata que o arguido imprimiu ao veículo, pois, não existindo um radar no local, seria facto impossível de provar. Mas, ao menos, que fosse indicada a velocidade aproximada, por exemplo, mais do que 60 km/hora, de modo a permitir sustentar o acerto das conclusões extraídas no facto de que “fez esse percurso em velocidade excessiva para o local” e no facto de que “admitiu necessariamente pôr em perigo outros utentes e, bem assim, pelo menos a integridade física de»” A.
IV - Por outro, constitui uma manifesta insuficiência da matéria de facto afirmar-se que o arguido “circulou em sentido contrário em algumas vias [onde] entrou”, pois fica por saber se o arguido terá circulado em sentido contrário numa via de sentido único ou terá circulado pela esquerda quando o devia ter feito pela direita.
V - Os apontados vícios da matéria de facto justificam a reenvio do processo para novo julgamento (art.º 426.º, n.º 1, do CPP), a realizar de acordo com o art.º 426.º-A, na redação da Lei 48/2007, de 29-08.»
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2007, proferido no processo n.º 07P3158)

«(…)
VI – Não se podem considerar como “factos” as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição. Por isso, essas imputações genéricas não são “factos” suscetíveis de sustentar uma condenação penal.»
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 novembro de 2007, proferido no Processo n.º 07P3236)

«(…)
III - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.
IV - Por isso, será de ter por não escrita aquela imputação genérica.»
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de abril de 2008, proferido no Processo n.º 07P4197)

«(…)
XX - Resultando da matéria de facto apurada apenas que (aqui se excluindo factualidade abrangida por anterior condenação judicial), após 03-11-2003, o arguido, que havia estado preso e voltara a viver com a mulher e as filhas, “continuou a consumir bebidas alcoólicas e, por algumas ocasiões, em datas não apuradas”, agrediu aquela “com bofetadas” e que com “frequência era chamada a Polícia àquela residência”, impõe-se concluir que a descrição da conduta do arguido considerada provada se mostra algo indefinida, vaga e genérica, tanto em relação ao tempo e ao lugar da prática dos factos, como relativamente aos próprios factos integradores das agressões e respetivas motivação e consequências, não se encontrando esclarecido o número de ocasiões em que tal ocorreu, a quantidade de bofetadas em causa ou qualquer elemento relativo à forma e intensidade como foram desferidas, ao local do corpo da ofendida atingido e às suas consequências, em termos de lesões corporais ou de efeitos psíquicos, também se desconhecendo, além do contexto de consumo de álcool, a motivação da conduta em causa, sendo certo que não se encontra assente qualquer facto integrador do elemento subjetivo constitutivo do tipo legal.
XXI - Esta imprecisão da matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, traduzindo aquela uma mera imputação genérica, que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido ser insuscetível de sustentar uma condenação penal – cf. Acs. De 06-05-2004, Proc. N.º 908/04 - 5.ª, de 04-05-2005, Proc. N.º 889/05, de 07-12-2005, Proc. N.º 2945/05, de 06-07-2006, Proc. N.º 1924/06 - 5.ª, de 14-09-2006, Proc. N.º 2421/06 - 5.ª, de 24-01-2007, Proc. N.º 3647/06 - 3.ª, de 21-02-2007, Procs. N.ºs 4341/06 - 3.ª e 3932/06 - 3.ª, de 16-05-2007, Proc. N.º 1239/07 - 3.ª, de 15-11-2007, Proc. N.º 3236/07 - 5.ª, e de 02-04-2008, Proc. N.º 4197/07 - 3.ª
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de julho de 2008, proferido no Processo n.º 07P3861)

«(…)
«XXI - Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante deste STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o imputado comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente.»
(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 dezembro 2011, proferido no processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1)

«(…)
II. Afirmações genéricas, não individualizadas, nomeadamente por falta de indicação do lugar, tempo, modo e motivação da prática de factos concretos e determinados que possam integrar a prática de um crime, violam os direitos de defesa do arguido, em especial o seu direito ao contraditório, sendo insuscetíveis de suportar uma condenação penal.
III. Estas imputações genéricas não integram vícios processuais, nomeadamente dos previstos no art.º 410º do CPP ou erro de julgamento em matéria de facto impugnável nos termos do art.º 412º nº 3 do CPP, mas antes erro de julgamento em matéria de direito que se traduz na condenação sem factos que integrem a prática do crime.
IV. São admissíveis referências genéricas integradas por descrições atomísticas feitas noutros pontos da matéria de facto, que concretizam aquelas, podendo as referências genéricas complementar ou enquadrar num quadro mais amplo as descrições factuais concretas que, em todo o caso, contêm as balizas factuais inultrapassáveis a ter em conta para efeitos da decisão sobre a culpabilidade e a determinação da sanção.»
(Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de janeiro de 2013, proferido no processo n.º 134/10.3GCABF.E1)

«I - Num tipo de crime onde a reiteração e intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo (maus-tratos, violência doméstica, tráfico de droga), a precisa e possível indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento. E é, na sequência, o cerne do direito de defesa.
II - Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de fórmulas “vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras”, neste tipo de crime a exigência é maior dada a amplitude do tipo penal. Por isso, será de ter por não escritas aquelas formas de imputação genérica.»
(Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1 de outubro de 2013, proferido no processo n.º 948/11.7PBSTR.E1)

«I – O processo penal, atenta a sua natureza acusatória e sendo regido pelos princípios da tipicidade e da legalidade, impõe particulares exigências ao nível da certeza, da clareza, da precisão e da completude dos atos imputados, de forma que o arguido deles se possa eficazmente defender.
II – O crime de violência doméstica não é, nem pode ser, um crime que, no final da vivência em comum de duas pessoas, vistoriando retroativamente, vá julgar o modo como o casal viveu a vida em comum e puni-los como se fosse um crime de "regime”.
III – Assim à luz do bem jurídico protegido (que legitima constitucionalmente a existência da incriminação) os factos devem apresentar-se para a vítima como dotados de um especial desvalor, pondo em causa a dignidade da pessoa enquanto tal nomeadamente pelo desejo de domínio da relação familiar existente.
IV – Inexiste uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia relevante – a exigir a comunicação prevista no n.º 1 do art.º 358.º do CPP – se os factos provados são menos do que os que consta da acusação ou pronúncia.»
(Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 1133/13.9PHMTS.P1)

Não fora a convicção, que já se deixou assinalada, de que o Tribunal de 1.ª Instância pode concretizar o comportamento do Arguido, e considerar-se-iam como não escritos, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa – garantias de defesa em processo penal – os factos que se relatam, sem concretização, no ponto 5) dos factos provados.
Isto posto, o acórdão recorrido evidencia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Mas evidencia, ainda, o vício consagrado na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova.
Atente-se que do ponto 5) dos factos provados resulta que o Arguido, por diversas vezes e em ocasiões diversas, colocando a sua mão sobre a roupa que trajavam ou por dentro dessa roupa, acariciou as zonas do peito, das mamas e da barriga das menores (…).
Todavia, não é isso que decorre da parte do acórdão destinada a fundamentar os factos nele considerados como provados.
Basta ler o relato dos depoimentos para memória futura de qualquer uma das menores acabadas de mencionar.
Do prestado por (…) resulta que o Arguido, colocando uma das suas mãos por dentro da roupa que a menor trajava, lhe acariciou a barriga e o peito – não refere as mamas.
(…) refere que por dentro da roupa que trajava, o Arguido lhe acariciou a barriga – não refere outras partes do seu corpo.
E por aí adiante, sendo que nenhuma das menores refere, relativamente a si ou a terceira pessoa, tudo aquilo que se deu como provado.
Estamos, pois, perante falha grosseira e ostensiva na avaliação da prova, sendo manifesto que o que se deu como provado está em desconformidade com o que realmente se provou.

Os vícios que acabam de se assinalar não podem ser supridos por esta Relação, por falta de todos os elementos a tanto necessários, e para garantir o duplo grau de jurisdição consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Vícios que determinam o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à sua totalidade, dada a importância das questões assinaladas para a decisão da causa – artigo 426.º, n.º 1, e 426.º-A do Código de Processo Penal.

O que torna inútil o conhecimento das restantes questões que nos foram colocadas pelo Recorrente.


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, dando parcial provimento ao recurso, decide-se ordenar o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade.

Sem tributação.
û
Évora, 2020 novembro 10
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)


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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)


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(Renato Amorim Damas Barroso)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.
[4] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.
[5] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[6] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[7] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.
[8] 8] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
[9] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
[10] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos
– acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[11] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, página 449.
[12] Cfr. «Puberdade – Alterações Físicas», in Medipédia.