Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
163/11.0TBFZZ.E1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:

I) - O lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente parcial – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos - tem direito a indemnização por danos futuros, danos esses a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis (artº. 564º, nº. 2 do Código Civil).

II) - Os danos previsíveis a que a lei se reporta são, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, o lesado terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados, sendo a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

III) - No cálculo do montante indemnizatório pela perda da capacidade de ganho, recorre-se com frequência a tabelas financeiras ou fórmulas matemáticas, embora apenas como critério indicativo ou orientador, carecendo as mesmas de serem temperadas mediante o recurso a juízos de equidade, atentas as circunstâncias de cada caso concreto, de molde a alcançar um resultado justo e equilibrado.

IV) - No que diz respeito à perda da capacidade de ganho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a indemnização deve ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma.

V) - Tem sido defendido na nossa jurisprudência que, após determinação do capital, há que proceder a um “desconto” ou “dedução” em função da antecipação do pagamento da indemnização, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.

VI) - A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.

VII) - Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sofrido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, sendo de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.

VIII) - Entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro.

IX) - A compensação global a atribuir pelos danos não patrimoniais deve ter em atenção o dano estético permanente, o “quantum doloris”, a repercussão permanente das lesões sofridas pela vítima na sua vida laboral, impedindo-o de exercer a actividade profissional habitual e qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, bem como na sua vida pessoal e familiar, incluindo na actividade sexual do lesado.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

BB intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros CC, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante total de € 1 451 303,00 e bem assim todos e quaisquer outros danos de que venha a sofrer, após a entrada da petição inicial e que sejam consequência do acidente relatado, acrescido dos juros que entretanto se vencerem após a citação da Ré até efectivo e integral pagamento, bem como a indemnizar o A. do montante dos danos que se vierem a liquidar em execução de sentença e todas as despesas que se vierem a verificar após a instauração da acção e sejam consequência do acidente de que o A. foi vitima.

Para tanto alega, em síntese, que no dia 19 de Agosto de 2008, pelas 21h30, na E.N. 238, Km 19,150, lugar de Junqueira, freguesia de Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias da marca Toyota Dyna, com a matrícula 00-00-UT, conduzido por DD e propriedade da sociedade L..., Lda., sua entidade patronal, e o veículo ligeiro de mercadorias da marca Mitsubishi Canter, com a matrícula XM-00-00, conduzido pelo Autor.

No momento do acidente, o mencionado DD conduzia o veículo UT no sentido Águas Belas – Vale Serrão, por conta e no interesse da sua entidade patronal, o qual se encontrava seguro na Ré pela apólice nº. 004119281, sendo que o A. conduzia o veículo XM em sentido contrário.

Sucede que o condutor do UT, ao descrever a curva para a sua direita, em vez de conduzir o seu veículo o mais próximo da berma direita, atenta a sua mão de trânsito, e não ultrapassar a linha longitudinal contínua traçada no pavimento, por forma a não impedir que os veículos que circulassem em sentido contrário pudessem seguir em frente, passou a descrever a curva à sua esquerda, ocupando parte da faixa de rodagem contrária, por onde o A. circulava, ultrapassando assim a dita linha longitudinal contínua, divisória das duas vias de trânsito, bem como imprimia ao seu veículo uma velocidade desadequada para o local, quando estava obrigado a reduzi-la por forma a poder descrever a curva, sem invadir a faixa de rodagem contrária.

Em virtude da velocidade desadequada que o condutor do UT imprimia ao veículo, tanto mais que até circulava dentro de uma localidade, e da invasão da faixa de rodagem contrária, por onde seguia o A., o veículo UT foi embater com a parte lateral esquerda, zona da cabine, grade traseira desta e a esquina metálica esquerda da carroçaria do seu veículo, na parte da frente/lateral e porta lateral dianteira esquerda do veículo XM, que o A. conduzia carregado de sucata, tendo ficado danificada toda a parte lateral esquerda deste, incluindo a grade dianteira da carroçaria e o taipal esquerdo.

Dada a violência do embate, os veículos ficaram “engatados” um no outro, tendo a porta dianteira esquerda do veículo do A. sido arrancada e levada pelo UT, encaixada na carroçaria deste.

Em consequência do referido embate, o A. ficou encarcerado e logo sem a parte inferior da perna esquerda, a qual foi projectada para o pavimento.

Do violento embate, resultou como consequência directa e necessária para o A. logo no local, graves ferimentos, nomeadamente a perda do membro inferior esquerdo abaixo do joelho e fractura cominutiva exposta de grau II do fémur esquerdo, razão pela qual ficou, de imediato após o embate, no asfalto, uma enorme mancha de sangue, bem como traumatismo craniano e feridas na face e na parte esquerda do corpo, testa e face, tendo sido transportado para o Hospital de Abrantes onde ficou internado.

Após descrever detalhadamente as lesões que sofreu, as intervenções cirúrgicas, terapêuticas e tratamentos a que foi submetido, a respectiva duração e as sequelas e outras consequências decorrentes do acidente, e de especificar os rendimentos por si auferidos antes do acidente e os prejuízos que sofreu em consequência do mesmo, o A. reclama o pagamento de:

- € 18 290,00 de perda de rendimentos do trabalho por conta de outrem até à cessação da baixa médica (Janeiro de 2011);

- € 3 000,00 de perda de rendimentos do trabalho por conta própria no ano da ocorrência do acidente;

- € 4 000,00 de perda do veículo XM;

- € 150 de perda do vestuário que trazia vestido e que ficou totalmente danificado;

- € 2 000 com a aquisição de um veículo com caixa de velocidades automática;

- € 850 com a aplicação de um poliban na casa de banho do seu quarto;

- € 7 350 para aquisição de uma prótese transfemural;

- € 815,75 de despesas em transportes para a realização de 15 sessões de fisioterapia no Hospital de Tomar e no de Abrantes;

- € 175,87 com a aquisição de duas canadianas, borrachas para canadianas, duas ligaduras de compressão, uma cadeira sanitária e medicamentos;

- € 1 240,00 em consultas de psicologia clínica, realizadas no Centro de Reabilitação e Diagnóstico F..., Lda.;

- € 544,00 com a aquisição de sapatos ortopédicos adequados para suportar a sua elevada estatura física, e bem assim de creme reparador da prótese;

- € 3 014,00 de despesas com deslocações para aquisição da prótese transfemural, sua confecção, preparação do molde, prova, entrega, ajustes, revisões, reparações, aquisição e correcção de sapatos e aplicação de joelho;

- € 10,00 com a aquisição de certidão da participação do acidente;

- € 300 000,00 a título de danos morais, incluindo-se nestes o dano da perda da afirmação pessoal, a sua auto estima e o seu reflexo na relação com o próprio cônjuge;

- € 250 000,00 a título de dano estético;

- € 550 000,00 pela impossibilidade total para o exercício de qualquer profissão e pela perda das futuras actualizações salariais, eventuais diuturnidades e demais prémios de que beneficiaria se continuasse no seu posto de trabalho, atento o facto de ter ainda à frente pelo menos 39 anos de vida activa;

- € 234 000,00 pela perda dos rendimentos das actividades que desenvolvia, de compra e venda de sucata e de prestação de serviços agrícolas para terceiros, atendendo aos prováveis 39 anos de vida activa;

- € 35 700,00 com a futura aquisição de outra prótese transfemural compatível e adequada à sua estatura física;

- € 40 163,46 correspondente à quantia que terá de despender com a adaptação da sua casa de habitação, na eventualidade do A., em consequência das lesões sofridas, não poder suportar o uso de prótese e tiver que cair no uso de cadeira de rodas.

A Ré Seguradora contestou, impugnando os factos alegados pelo A., nomeadamente a dinâmica do acidente, referindo, ainda, que o A. conduzia o XM com uma taxa de alcoolémia superior a 1,20 g/l (pois mais de 2 horas depois do acidente ainda acusou uma taxa de 0,91 g/l no sangue), rodava com velocidade superior a 50 Km/hora e quando avistou as luzes do UT, manobrou o veículo XM descontroladamente para a sua direita, entrando com os rodados na valeta ou berma de terra com um desnível médio de cerca de 15 cm em relação ao asfalto da estrada, tendo de seguida se despistado e ido bruscamente para a sua esquerda, invadindo a metade esquerda da estrada e colidindo com a sua frente esquerda na lateral esquerda do UT, pelo que, em seu entender, é o A. o único culpado do acidente.

Por outro lado, considera os valores peticionados pelo A. exagerados e refere, ainda, que o salvado do veículo XM valia € 900.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção.

O A. apresentou réplica, reiterando o alegado na petição inicial e invocando que, mesmo que se considerasse que conduzia com a taxa de alcoolémia que lhe foi diagnosticada, em termos de culpa, a mesma não teve qualquer contribuição na produção do acidente, porquanto foi o condutor do UT que invadiu a hemifaixa de rodagem por onde circulava o Autor, que se manteve sempre na sua mão de trânsito.

O Instituto da Segurança Social, I.P. veio demandar a Ré Seguradora, ao abrigo do disposto no artº. 1º, nº. 2 do DL 59/89 de 2272, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 22 940,41 a título de reembolso dos valores pagos ao A. como subsídio de doença no período de 20/08/2008 a 8/01/2011.

A Ré Seguradora apresentou resposta, na qual admitiu os valores pagos pelo Instituto da Segurança Social, mas não a obrigação de os pagar, por considerar ser o A. o único culpado do acidente.

Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido despacho saneador, no qual se decidiu não admitir a réplica apresentada pelo A., tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que não sofreram reclamações.

Em 8/03/2013, o Instituto da Segurança Social, I.P. veio deduzir novo pedido de reembolso contra a Ré Seguradora das quantias pagas ao A. a título de pensão de invalidez, no período de 22/11/2011 a 31/03/2013, no montante total de € 12 440,79 – referindo que o valor mensal actual da pensão de invalidez é de € 421,96 – acrescido das pensões de invalidez que se vencerem e forem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, e dos juros de mora legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré Seguradora apresentou resposta, impugnando o valor total que o demandante alega ter pago ao A. a título de pensão de invalidez e a sua obrigação de o reembolsar, por considerar ser o A. o único culpado do acidente.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, na qual o A. requereu a ampliação do pedido no sentido da Ré ser condenada a pagar-lhe todas as próteses que o mesmo tenha necessidade de adquirir, no futuro e até à sua morte, e todos os sapatos ortopédicos que tenha de adquirir em consequência das lesões de que foi vítima em resultado do acidente.

Após a resposta à matéria de facto constante da base instrutória, que não sofreu qualquer reclamação, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré Companhia de Seguros CC, S.A. a pagar ao Autor a seguinte indemnização:

a) € 130.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos;

b) € 313.539,62 pelos danos patrimoniais sofridos;

c) O valor de todas as próteses que o A. tenha necessidade de adquirir, no futuro e até à sua morte, e todos os sapatos ortopédicos que tenha que adquirir, a liquidar oportunamente (quando e se se verificarem tais previsíveis despesas), até ao limite do capital seguro;

d) Os juros de mora à taxa legal em vigor, calculados sobre a quantia referida em b) desde a data da citação (19/08/2011) até efectivo e integral pagamento;

sendo deduzidos a estes montantes os adiantamentos realizados pela Ré.

e) Foi a Ré absolvida do demais peticionado pelo Autor.

A Ré foi, ainda, condenada a pagar ao interveniente Instituto da Segurança Social a quantia total de € 39.917,24 a título de reembolso dos montantes pagos por aquela entidade ao Autor.

Inconformado com tal decisão, o Autor dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

«1 – Os valores indemnizatórios atribuídos pela sentença de que se recorre, ao ora recorrente, quer a título de danos não patrimonais quer a título de danos patrimoniais, além de se considerarem extremamente miserabilistas, estão desadequados, atendendo quer ao teor do relatório efectuado pelo INML, à gravidade das lesões dramáticas e gravíssimas sofridas pelo ora recorrente, quer porque não atendeu ao facto de as lesões e consequentes sequelas que deram origem ao “Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica”, serem impeditivas do exercício da actividade profissional habitual (motorista de transportes públicos) e bem assim das actividades que exercia à data do acidente por conta própria, nomeadamente a de aquisição e alienação de sucata e ainda qualquer outra dentro da sua área técnico profissional;

2 – A sentença proferida igualmente não valorou o elevado grau atribuído em consequência da repercussão das sequelas, quer a título de dano estético permanente, quer o elevado grau atribuído de “Quantum Doloris”, quer o grau 4 atribuído a título de repercussão permanente na actividade sexual.

3 – Também a sentença recorrida na atribuição do dano não patrimonial, não teve em atenção todas as alterações que as gravíssimas lesões sofridas pelo recorrente, provocaram na vida do recorrente e do seu agregado familiar e relatadas nestas alegações, quer resultantes da perda do trabalho, e da necessidade que passou a ter de recorrer de forma imperativa e permanente a tecnologia para prevenir, compensar o dano pessoal, do ponto de vista anatómico, funcional e situacional, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas actividades diárias, nomeadamente o uso de próteses e canadianas, conforme o relatório do INML, claramente bem refere;

4 – Assim, o dano não patrimonial, não poderá ser fixado em quantia não inferior a 260.000,00€, em substituição do fixado na sentença, no montante de 130.000,00€;

5 – Já relativamente ao dano patrimonial, a sentença recorrida fixou-o de forma indevida, porquanto, apenas fixou o montante, com base no grau de incapacidade permanente e parcial de 56%, porquanto não teve em conta que a incapacidade profissional é na realidade de 100%, porquanto também o relatório do INML, o refere, quando diz que as sequelas com que o recorrente ficou mercê das lesões sofridas são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual e de qualquer outra da sua área de preparação técnico profissional, bem como das actividades agrícolas que o recorrente realizava à data do acidente, incluindo a de aquisição e alienação de sucata, atento o esforço físico que lhe é exigido.

6 – Por conseguinte a sentença recorrida ao fixar o valor do dano patrimonial, não teve em conta esta impossibilidade profissional a 100%, já que o recorrente ficou privado da obtenção de qualquer rendimento até ao resto da sua vida.

7 – Também a sentença recorrida na avaliação do dano não patrimonial não teve em conta a progressão na carreira profissional e consequente aumento de rendimento e bem assim o aumento do rendimento que o autor obteria no negócio da aquisição e alienação da sucata, negócio este tão próspero desde há alguns anos a esta parte.

8 – Assim o dano patrimonial, atenta a idade do recorrente, o período de esperança de vida (41 anos) não deverá fixar-se em quantia inferior a 800.000,00€, atendendo também a que para obter o rendimento anual que auferia à data do acidente, calculado a uma taxa de juro de 2,5%, já actualmente impraticável, é necessário este montante.

9 – Deverá portanto o valor fixado na sentença recorrida a título de dano patrimonial ser substituído pelo indicado de 800.000,00€.

10 – Porém, atendendo a que o pagamento da indemnização é efectuado de uma só vez, poderá considerar-se equitativa, não a percentagem fixada na sentença (20%), mas nunca superior a 10%, atendendo a que na fixação anual do rendimento do recorrente operada pelo Mº Juiz a quo, não foi tida em conta a valorização emergente da normal progressão salarial e ao normal acréscimo de rendimento proveniente das actividades que o recorrente desenvolvia por conta própria e que impedido ficou de as desenvolver de forma definitiva e até à morte.

11 – Aos montantes fixados deverão acrescer todos os montantes correspondentes às despesas efectuadas e constantes dos factos considerados por provados e respectivos juros nos termos constantes da sentença recorrida.

12 – Deverão portanto os Digníssimos Juízes Desembargadores substituir a sentença por outra que atenda ao aqui alegado e aos valores aqui relatados.

Espera de VV.Exªs a costumada JUSTIÇA.»

A Ré Seguradora contra-alegou, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1 – A douta sentença recorrida não consente os ataques do recorrente,

Porque

2 – Julgou devidamente os factos que foram trazidos ao Julgamento deste processo e fez correcto enquadramento jurídico dos mesmos,

3 – Não tendo violado nenhuma norma legal.

Deve-se por isso desatender as pretensões do recorrente, confirmando-se a douta sentença recorrida».

O recurso foi admitido por despacho de fls. 714.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelo Autor, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à reapreciação dos valores indemnizatórios que lhe foram atribuídos pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

«A) No dia 19/08/2008, pelas 21h30, DD, circulava na Estrada Nacional 238, pelo quilómetro 19,150, Lugar de Junqueira, da freguesia de Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere, no sentido Águas Belas/Vale Serrão, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Toyota Dyna, com a matrícula 00-00-UT, da propriedade da sociedade L..., Lda., com sede em Cernache do Bonjardim.

B) A responsabilidade civil com a circulação do veículo com a matrícula 00-00-UT foi transferida para a Ré Companhia de Seguros CC, SA., através da apólice n.º 004119281, válida em 19 de Agosto de 2008 (doc. de fls.167).

C) No sentido de marcha contrário ao seguido pelo veículo 00-00-UT (Vale Serrão/Águas Belas), circulava o Autor BB, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi Canter, com a matrícula XM-00-00.

D) No sentido de marcha do veículo XM-00-00, ao quilómetro 19,150 estrada desenha uma apertada curva para o lado direito.

E) O veículo XM-00-00 seguia pela estrada carregado com materiais de sucata.

F) No local referido em A) o veículo 00-00-UT efectuou uma curva apertada para o seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, que se situa no quilómetro 19,150.

G) Os veículos 00-00-UT e XM-00-00 embateram na hora e local referidos em A).

H) O local referido em A) situa-se dentro da localidade de Junqueira, devidamente identificada com placas.

I) A estrada no local, dia e hora referidos em A) possuía o piso limpo e seco e estava iluminada por postes de iluminação pública da EDP.

J) Aquando do embate, ambos os veículos circulavam com as luzes ligadas.

K) Por força do embate, o condutor do veículo XM-00-00 (Autor) ficou encarcerado, o que levou à intervenção da equipe de desencarceramento do serviço de Bombeiros de Ferreira do Zêzere.

L) O Autor foi de imediato socorrido, e deu entrada no Hospital de Abrantes, onde esteve internado, e iniciou transfusão sanguínea de duas unidades de concentrado eritrocitário O negativo, tendo feito mais três unidades de sangue do seu grupo sanguíneo, duas unidades de plasma e três unidades de gelofundina.

M) De seguida, foi recolhido no Bloco Operatório do Hospital de Abrantes, onde foi efectuada a regularização do coto operatório e fixação externa do fémur.

N) No decurso do internamento do Autor, surgiu uma infecção grave no coto resultante da amputação e necrose na pele, situação esta que em 13 de Outubro de 2008, levou a nova amputação pelo foco da fractura do fémur.

O) Após passou a ser seguido em consulta externa no Hospital de Abrantes.

P) Na sequência do embate referido em G), o Autor ficou com as seguintes sequelas:

Na face: ficou com cicatriz nacarada linear, na metade esquerda da região frontal, vertical, medindo um centímetro de comprimento; cicatriz nacarada linear, perpendicular à asa esquerda do nariz, medindo dois centímetros de comprimento; cicatriz nacarada, infraorbitral à esquerda, horizontal, medindo dois centímetros de comprimento e três centímetros de largura.
No membro inferior esquerdo: amputação pelo terço inferior da coxa esquerda, com coto com cicatriz nacarada.

Q) BB nasceu em 29 de Abril de 1972 (doc. fls. 197 a 199).

R) BB e EE casaram entre si em 12/07/1997 (doc. fls.197 a 199).

S) FF é filha de BB e EE e nasceu em 08/10/1998 (doc. fls. 200 a 202).

T) GG é filha de BB e EE e nasceu em 01/06/2002 (doc. fls. 203 a 205).

U) Entre 14/10/1996 a 09/01/2011, o Autor BB exerceu as funções de motorista de pesados de passageiros ao serviço da sociedade “Rodoviária do T..., SA”, e em Agosto de 2008 auferia uma remuneração base de € 570,44, à qual acresciam diuturnidades, subsídio de agente único, subsídio nocturno, trabalho extra e subsídio de refeição, e à qual eram deduzidas as quantias referentes ao IRS, sindicato e taxa social única, perfazendo um resultado final líquido de € 759,67, 1.084,21, sendo que entre Abril de 2008 a Agosto de 2008, auferiu em média uma remuneração líquida de € 977,53 (doc. fls. 59 a 62).

V) Pelo menos em Outubro e Novembro de 2011, EE exercia funções na Escola EB 2, 3/S P... como Assistente Operacional e auferia mensalmente um vencimento ilíquido de € 518,35, ao qual acresce o abono de família e subsídio de refeição e são deduzidas as prestações para a ADSE e CGS, resultando um montante líquido de € 609,33 (doc. fls. 195 e 196).

W) O Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Segurança Social de Santarém entregou a BB um subsídio por doença referente ao período compreendido entre 20/08/2008 a 08/01/2011, no valor de € 22.940,41.

X) Em 19/08/2008 DD prestava trabalho para a sociedade comercial “L..., Lda.”.

Y) Nas circunstâncias referidas em A) DD conduzia o veículo no âmbito desse trabalho e por determinação da sociedade “L..., Lda.”.

Z) No local referido em A) a estrada tem uma inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do Autor (Vale Serrão/Águas Belas), e uma inclinação descendente, atento o sentido de marcha do veículo 00-00-UT (Águas Belas/Vale Serrão).

AA) … e o seu traçado é de curvas e contra curvas muito apertadas.

BB) O veículo 00-00-UT é constituído por uma cabine dupla para transporte de passageiros e possui à sua retaguarda uma caixa de carga em madeira a qual sobressai para cada um dos lados da cabine, numa extensão aproximada de 18 cm.

CC) A estrada por onde seguia o veículo 00-00-UT possui uma inclinação transversal para a faixa de rodagem por onde seguia o veículo XM-00-00 (Autor) de cerca de 7% e uma inclinação longitudinal no sentido de Águas Belas/Vale Serrão de cerca de 3%.

DD) No local referido em A), a faixa de rodagem por onde seguia o veículo 00-00-UT tem como limites a linha longitudinal contínua e divisória da via e a linha que delimita a berma, e possui uma largura de 2,75 m.

EE) … e a faixa de rodagem por onde seguia o Autor tem uma largura de 3,15 m.

FF) Aquando do embate referido em G) o veículo 00-00-UT, transportava na cabine quatro passageiros para além do condutor.

GG) … estando um passageiro sentado no lugar ao lado do condutor e os outros três nos lugares para passageiros.

HH) … e transportava diverso material proveniente das obras, como andaimes e madeira, na caixa de carga.

II) A curva referida em F), atento o sentido de marcha do veículo 00-00-UT perfaz um ângulo de cerca de 90 graus, com inclinação descendente.

JJ) Os veículos embateram um no outro quando se cruzavam.

KK) … com a parte lateral esquerda, zona da cabine, grade traseira da cabine e esquina metálica esquerda da carroçaria do veículo 00-00-UT, na parte frente/lateral e porta lateral esquerda dianteira do veículo XM-00-00.

LL) Por força do embate, o veículo XM-00-00 ficou danificado em toda a sua parte lateral esquerda incluindo a grade dianteira da carroçaria e taipal esquerdo.

MM) Com o embate referido em G), os dois veículos ficaram “engatados” um no outro, tendo a porta dianteira esquerda do veículo do Autor (XM-00-00) sido arrancada do próprio veículo e levada pelo UT, encaixada na carroçaria deste.

NN) Após o embate referido em G), o veículo conduzido pelo Autor imobilizou-se, parte na margem direita e parte na faixa de rodagem, atento o sentido de marcha em que seguia.

OO) O Autor ficou encarcerado até os Bombeiros de Ferreira do Zêzere conseguirem remover o veículo 00-00-UT, que estava preso ao veículo do Autor.

PP) Por força do embate referido em G), o Autor ficou logo sem a parte inferior abaixo do joelho da perna esquerda, que foi projectada sobre o pavimento.

QQ) Ficaram espalhados pelo local manchas de óleo e de sangue.

RR) Por força do embate o Autor sofreu ainda uma fractura cominutiva exposta de grau II do fémur esquerdo.

SS) … um traumatismo craniano.

TT) … e feridas na parte esquerda do corpo, testa e face.

UU) O Autor ficou internado no Serviço de Ortopedia do Hospital de Abrantes até ao dia 21/10/2008.

VV) Durante o período em que esteve internado foram-lhe ministrados tratamentos com regularização do coto e fixação externa do fémur.

WW) O acompanhamento em consultas externas referido em O) ocorreu entre 21/10/2008 a 22/10/2009.

XX) Após aquela data, passou a efectuar sessões de fisioterapia no Hospital de Tomar.

YY) Por força da amputação do membro inferior esquerdo, o Autor passou a necessitar de uma cadeira de rodas para se movimentar.

ZZ) … o que sucedeu até 04/03/2009.

AAA) Em 04/03/2009 foi-lhe aplicada uma prótese ao nível do 1/3 inferior da coxa esquerda, adquirida pelo Autor.

BBB) Mesmo com a prótese, o Autor continuou a necessitar de ajuda de terceiros para realização das suas tarefas básicas, como vestir, calçar e tratar da sua higiene pessoal.

CCC) A mulher do A. deixou de exercer as funções de auxiliar de educação para prestar auxílio ao A., pelo menos, durante o período de baixa deste.

DDD) Na sequência do embate referido em G), o Autor deixou de conseguir exercer a actividade profissional de motorista referida em U).

EEE) … e em 09/01/2011 cessou a baixa médica concedida.

FFF) O A. está incapaz de conduzir veículos pesados.

GGG) À data do embate, o Autor dedicava-se ainda à actividade de aquisição e alienação de sucata.

HHH) À data do embate o Autor cultivava legumes, batatas, couves, feijão e lavrava, semeava, tratava e colhia os produtos, roçava os matos, utilizando a força manual e de um tractor e tratava dos animais, nomeadamente de porcos.

III) … o que era consumido pelo agregado familiar do Autor.

JJJ) O Autor também desempenhava as actividades referidas em HHH) para terceiros.

KKK) … tendo para esse efeito adquirido um tractor, marca Lamborghini, com potência de 60 cavalos/força e com tracção às quatro rodas.

LLL) Na sequência do embate o Autor deixou de conseguir desenvolver as actividades referidas em GGG) a JJJ).

MMM) O A. ficou triste, deprimido e revoltado com o acidente e suas consequências.

NNN) … pensando que era um fardo e que a sua família ia ficar na miséria sobrevivendo apenas com o vencimento da sua mulher.

OOO) As lesões referidas em PP) e RR) a TT) demandaram um período de 429 dias de doença, com incapacidade total para o trabalho.

PPP) Durante esse período (429), o Autor esteve sempre dependente da ajuda de terceiros para se vestir, calçar, andar e tratar da sua higiene pessoal.

QQQ) O Autor sente dores contínuas ao nível do coto.

RRR) E por força do peso do corpo a incidir apenas sobre a perna direita, actualmente sofre dores na coluna vertebral.

SSS) … que se agravam com a marcha.

TTT) Para conseguir manter o equilíbrio, o Autor marcha a cambalear e fica cansado.

UUU) E necessita de se apoiar para subir e descer escadas.

VVV) O Autor apenas pode conduzir veículos com caixa de velocidades automática.

WWW) Na sequência do embate, o Autor passou a necessitar de medicação para dormir.

XXX) O Autor não pode mais correr e saltar nem fazer qualquer desporto ou trabalho que exija esforço físico.

YYY) O Autor tem vergonha de não ter uma perna.

ZZZ) … pelo que não vai à praia.

AAAA) Na sequência do embate o Autor passou a ter diminutas relações sexuais.

BBBB) … e quando as pratica fica inibido com a sua condição física perante a sua mulher.

CCCC) Na sequência dos factos AAA) a BBBB) o Autor ficou com défice de atenção e concentração.

DDDD) À data do embate o Autor era uma pessoa ágil, forte, saudável, feliz, extrovertido, tolerante e calma.

EEEE) … e gostava de ir à pesca e dançar.

FFFF) … e deixou de conseguir satisfazer as prestações mensais devidas à Caixa Geral de Depósitos referentes ao empréstimo que contraiu para a construção da casa de habitação.

GGGG) … o que se verifica desde 2009 até à presente data.

HHHH) Para suportar as despesas do agregado familiar e assim como para adquirir a prótese referida em AAA), sapatos apropriados e um veículo automóvel com mudanças automáticas, o Autor vendeu os seus bens, nomeadamente o tractor referido em KKK) e respectivas alfaias.

IIII) O défice funcional temporário total é fixável em 80 dias e o défice funcional temporário parcial é fixável em 651 dias.

JJJJ) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é de 56 pontos (numa escala até 100 pontos) e que Repercussão Permanente na Actividade Profissional é impeditiva do exercício da actividade profissional habitual do A. e de qualquer outra dentro da sua área técnico-profissional, bem como das actividades agrícolas que realizava à data do acidente.

KKKK) Por força do embate, e descontando a quantia mencionada em W), em 2008 o Autor deixou de receber a quantia de € 4.450,00, referente à sua remuneração pela actividade profissional referida em U), acrescida de subsídios de Natal e de férias.

LLLL) … e em 2009 deixou de receber a quantia total de € 6.920,00 (referente à remuneração e referidos subsídios).

MMMM) … e em 2010 deixou de receber a quantia total de € 6.920,00 (referente à remuneração e referidos subsídios).

NNNN) À data do embate o Autor já tinha facturado com actividade de alienação e aquisição de sucata e de prestação de serviços agrícolas a quantia de € 62.000,00.

OOOO) … e por força do embate, deduzindo os custos, em 2008 o Autor deixou de receber a quantia de € 3.000,00.

PPPP) Pelas actividades referidas em NNNN) o Autor recebia anualmente um lucro líquido de € 6.000,00. QQQQ) À data do embate, o veículo XM-00-00 encontra-se em bom estado de conservação ao nível de motor, caixa de velocidades, chaparia, pintura, interiores e carroçaria. RRRR) … e tinha 150.000 quilómetros.

SSSS) À data do embate, o valor comercial do veículo era de € 4.000,00.

TTTT) Na sequência do embate, o veículo XM-00-00 ficou totalmente destruído.

UUUU) À data do embate o Autor tinha vestido umas calças, meias, camisa, cuecas e sapatos com o valor total de € 150,00.

VVVV) Na sequência do embate, todo vestuário ficou destruído.

WWWW) Na sequência do embate e por força do referido em 57., o Autor adquiriu um veículo automóvel, marca Mercedes Benz, matrícula 00-00-GT, com mudanças automáticas, em segunda mão.

XXXX) … pelo valor de € 2.000,00.

YYYY) … para se poder deslocar assim como a sua família, e poder ir às consultas, tratar da aquisição, prova e ajustes da prótese e adquiri calçado adequado.

ZZZZ) Aquando da alta médica o Autor teve necessidade de colocar um poliban na casa de banho do quarto da sua casa, para poder fazer a sua higiene pessoal.

AAAAA) … e despendeu a quantia de €850,00, em mão de obra e materiais.

BBBBB) Para poder caminhar o Autor teve necessidade de adquirir uma prótese transfemural de encaixe rígido em resina com reforços em carbono interface em silicone.

CCCCC) … despendendo a quantia de € 7.350,00.

DDDDD) Despendeu a quantia de € 815,75 em transportes para comparecer nas quinze sessões de fisioterapia no Hospital de Tomar e no Hospital de Abrantes.

EEEEE) E teve necessidade de adquiriu duas canadianas, borrachas para canadianas, duas ligaduras compressão, uma cadeira sanitária e medicamentos.

FFFFF) … despendendo a quantia de € 175,87.

GGGGG) Por força do embate, o Autor frequentou consultas de psicologia clínica no Centro de Reabilitação e Diagnóstico F..., Ld.ª, em Ferreira do Zêzere.

HHHHH) … e despendeu a quantia de € 1. 240,00.

IIIII) O Autor teve necessidade de adquirir sapatos ortopédicos adequados para suportar a sua estatura física.

JJJJJ) … e despendeu a quantia de € 544,00 na aquisição desses sapatos e de um creme reparador da prótese, no Centro Ortopédico da P..., sito na Parede.

KKKKK) Para aquisição da prótese transfemural, confecção, preparação do molde, prova, entrega, ajustes, revisões, reparações, aquisição e correcção de sapatos, aplicação de joelho, teve que se deslocar em carro próprio ao Centro Ortopédico da P…, vinte e uma vezes.

LLLLL) O Centro Ortopédico da P… dista cerca de 180 quilómetros da casa do Autor.

MMMMM) Por força do referido em LLLLL), o Autor percorreu 7560 quilómetros e despendeu em combustível, portagens, desgaste dos pneus e demais componentes do veículo, a quantia total de € 3.014,00.

NNNNN) Na aquisição da certidão da participação do acidente, o Autor despendeu a quantia de € 10,00.

OOOOO) O Autor terá de usar sempre sapatos ortopédicos.

PPPPP) Mais de duas horas após o embate o Autor acusava uma taxa de álcool de 0,91 g/l.

QQQQQ) Após [o embate], os dois veículos ficaram “engatados” um no outro.

RRRRR) O valor do salvado do veículo XM-00-00 era de € 900,00».


*

Apreciando e decidindo.

O recorrente insurge-se contra o montante indemnizatório que lhe foi fixado na sentença recorrida, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, alegando que:

a) - o Tribunal “a quo” fixou a quantia de € 275 000,00 pela perda da capacidade de ganho, mais genericamente pelo dano patrimonial futuro, com base apenas no grau de incapacidade permanente parcial de 56%, sendo que não teve em conta que a incapacidade profissional é na realidade de 100%, pois, como se refere no relatório do INML, as sequelas com que o recorrente ficou mercê das lesões sofridas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual (motorista de pesados de passageiros) e de qualquer outra da sua área de preparação técnico-profissional, bem como das actividades que desenvolvia por conta própria à data do acidente (aquisição e alienação de sucata e prestação de serviços agrícolas), para além de não ter em conta a progressão na carreira profissional e o consequente aumento de rendimento, bem como o aumento do rendimento que obteria no negócio da aquisição e alienação da sucata, defendendo o recorrente que lhe deve ser fixada uma indemnização por este dano patrimonial, atenta a sua idade e o período de esperança de vida (41 anos), em quantia não inferior a € 800 000,00;

b) - dado o pagamento da indemnização ser efectuado de uma só vez, considera equitativa a dedução de uma percentagem não superior a 10%, e não a percentagem de 20% fixada na sentença, atendendo a que na fixação do rendimento anual do recorrente pelo Tribunal “a quo”, não foi tida em conta a valorização emergente da normal progressão salarial e o normal acréscimo de rendimento proveniente das actividades que o recorrente desenvolvia por conta própria e que ficou definitivamente impedido de as desenvolver;

c) – a estes valores indicados deverão acrescer todos os montantes correspondentes às despesas efectuadas e constantes dos factos considerados provados e respectivos juros, nos termos constantes da sentença recorrida;

d) – na atribuição da indemnização por dano não patrimonial, a sentença recorrida não valorou o elevado grau do Quantum Doloris (o relatório do INML fixou-o no grau 6, numa escala de 7), quer o grau atribuído a título de dano estético permanente (fixado no grau 6 numa escala de 7), quer ainda a repercussão permanente na actividade sexual do recorrente (o relatório do INML fixou-o no grau 4, numa escala de 7), para além de que não levou em consideração todas as alterações que as lesões sofridas pelo recorrente provocaram na vida deste e do seu agregado familiar, designadamente as resultantes da perda do trabalho e da necessidade que passou a ter de recorrer de forma permanente a tecnologia para prevenir e compensar o dano pessoal, com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas actividades diárias, nomeadamente o uso de próteses e canadianas;

e) – defende que o dano não patrimonial seja fixado em quantia não inferior a € 260 000,00, em substituição do montante de € 130 000,00 fixado na sentença.

Cumpre, assim, apurar se se mostra correctamente fixado o quantum indemnizatório devido ao Autor, na parte questionada no recurso, tendo em conta a factualidade provada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria.


*

I) – No que se refere ao dano patrimonial pela perda de rendimentos e ganhos futuros:

Resulta do disposto no artº. 564º, nº. 1 do Código Civil que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado (dano emergente), como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucro cessante), sendo que, de acordo com o nº. 2 daquele dispositivo legal, pode o Tribunal, na fixação da indemnização, ainda atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis.

Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultaram para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que sofreu, bem como os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado (e que poderá corresponder, nalguns casos, ao tempo de vida laboral útil do lesado) e ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (por ex. substituição de uma prótese ou futuras intervenções cirúrgicas).

De acordo com o disposto no artº. 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (princípio da reposição natural).

E quando a reparação natural não for possível, bastante ou idónea, há que lançar mão da indemnização em dinheiro (artº. 566º, nº. 1 do Código Civil), a fixar de acordo com a teoria da diferença consagrada no nº. 2 do citado artº. 566º, segundo a qual a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a situação hipotética que teria nessa data, se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano (vide Joaquim José de Sousa Dias, “Avaliação e Reparação do Dano Patrimonial e não Patrimonial”, Rev. Julgar nº. 9, Setembro-Dezembro de 2009, pág. 32 e 33).

Firmou-se na jurisprudência do STJ o entendimento, quase pacífico, de que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente parcial (IPP) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade permanente parcial é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos esses a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis (artº. 564º, nº. 2 do Código Civil).

De acordo com a posição plasmada no acórdão do STJ de 27/09/2012, proferido no processo nº. 560/04.7TBVVD (acessível em www.dgsi.pt), os danos previsíveis a que a lei se reporta são, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, o lesado terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados, sendo a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

Reconhece-se no mencionado acórdão do STJ que, não sendo tarefa fácil a fixação da indemnização por estes danos, sem possibilidade de simples recurso a critérios abstractos e mecânicos ou matemáticos, deverá atender-se também à equidade como critério de compensação dos danos futuros (artº. 566º, nº. 3 do Código Civil).

Ademais, a jurisprudência tem entendido que a IPP (ora denominado Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica), enquanto perda da capacidade de ganho, deve ser indemnizada num montante que, por um lado não propicie um enriquecimento injustificado à custa do lesante, mas por outro proporcione ao lesado uma quantia em dinheiro que produza o rendimento fixo mensal perdido. Assim, a referida indemnização deve ser calculada tendo em atenção o tempo provável de vida do lesado por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que durante esse tempo perdeu.

Procura-se, deste modo, assegurar ao lesado o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando para tal um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida activa.

Na concretização desta orientação têm sido utilizados os mais variados critérios, sendo que nenhum deles é automático, devendo servir como meros auxiliares do julgador que, perante o caso concreto, deverá temperá-los com juízos de equidade tendo em consideração todas as variáveis do caso objecto de apreciação, de molde a alcançar um resultado justo e equilibrado.

Para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, recorre-se com frequência a tabelas financeiras ou fórmulas matemáticas, embora apenas como critério indicativo ou orientador, a ser corrigido segundo critérios de equidade, atentas as circunstâncias de cada caso concreto (cfr. acórdão do STJ de 11/02/2014, proc. nº. 855/10.0TBGDM, acessível em www.dgsi.pt).

Como bem se refere na sentença recorrida, as tabelas financeiras utilizadas para este efeito cada vez menos reflectem a realidade da vida, designadamente em face das repentinas oscilações das taxas de juro. E a utilização de fórmulas matemáticas também oferece dificuldades face à actual situação financeira do país e à constante oscilação das taxas de juro.

Na sequência do que atrás se deixou dito, há muito que se tem entendido que não é a idade da reforma que conta para efeitos de cálculo da indemnização, mas sim a esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado (critério este também utilizado na sentença recorrida).

A referência ao tempo provável de vida do lesado é opção seguida nos acórdãos do STJ de 28/09/1995, CJ. STJ - Ano III, Tomo III, pág. 36, de 16/03/1999, CJ. STJ – Ano VII, Tomo I, pág. 167 e de 25/07/2002, CJ. STJ – Ano X, Tomo II, pág. 128, mencionados no acórdão da RC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA, acessível em www.dgsi.pt.

A indemnização deve, pois, ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), posição esta adoptada na sentença recorrida (e que não é posta em causa pelo recorrente) nos seguintes termos [transcrição]:

«(…)

A premissa da reforma aos 65 anos de idade é cada vez mais questionável em razão do aumento da esperança de vida e das sucessivas reformas em matéria de segurança social. A incapacidade do autor perdurará além dessa idade e até ao fim da sua vida, embora progressivamente mitigada e limitada geralmente às tarefas do seu dia a dia.

No que diz respeito à perda da capacidade de ganho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, importa considerar quanto a esta questão que o facto do lesado não trabalhar não significa que sobre o lesante (ou quem assumiu a sua posição) deixe de existir a obrigação de indemnizar.

Há muitas pessoas que se reformam e que continuam a trabalhar e a auferir rendimentos desse trabalho. E mesmo aqueles que deixam de auferir rendimentos do trabalho quando se reformam, não ficam inválidos para a sociedade ou para o Direito. Continuam a desempenhar as tarefas normais do seu dia a dia, em casa, no quintal, etc.. Tudo isso é social e economicamente muito relevante. Não é indiferente sofrer uma lesão incapacitante aos 36 anos de idade e ter que deixar de desempenhar algumas tarefas, ter que desenvolver maiores esforços para realizar determinados trabalhos ou ter que contratar alguém para ajudar a realizar as tarefas que o lesado fazia sozinho antes de sofrer a lesão.

Finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com ela todas as necessidades, é que atingida a idade de reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como é das regras da experiência comum (JORGE ARCANJO, in Notas sobre a Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação, Revista do CEJ, 2.º Semestre 2005, pág. 57).

Naturalmente, cabe ao lesado trazer aos autos factos que permitam valorizar e exprimir o grau da sua lesão (se ainda auferia vultuosos proventos do seu trabalho ou não, se deixou de realizar determinadas tarefas, se teve que contratar alguém para o ajudar na vida doméstica, etc.). Para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deverá considerar o padrão médio de um homem de 36 anos de idade que sofre uma incapacidade permanente geral de 56 pontos, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum.

Também importa ter presente a esperança de vida, isto é, durante quanto tempo é que o autor previsivelmente sofrerá com esta lesão. Naturalmente, neste caso o Tribunal apenas pode ter em atenção os últimos estudos estatísticos na matéria. Tendo em consideração os últimos números estatísticos conhecidos, a esperança de vida para um indivíduo do sexo masculino a partir do escalão dos 20 anos é de 76,92 anos, considerando os anos de 2008/2009 (cfr. Revista de Estudos Demográficos, Instituto Nacional de Estatística, n.º 48, 2010, pág. 126, quadro 11). Note-se que se está a considerar o índice da actual idade do A. (escalão a partir dos 20 anos, que é o antecedente à idade do A.) e não a tabela da esperança de vida à nascença, por ser o mais consentâneo com a realidade actual. O autor não está a nascer neste momento, sujeito às vicissitudes da infância (mortalidade infantil), da adolescência (acidentes de viação), da idade adulta (acidentes de trabalho). O A. já ultrapassou essas vicissitudes, perigos e riscos que os recém-nascidos terão que enfrentar, pelo que a tabela da esperança de vida à nascença não é a que melhor representa a situação actual.

Por conseguinte, o A., como qualquer outro indivíduo desse escalão etário, tem actualmente uma esperança de vida praticamente até aos 77 anos. Daqui decorre que, em termos meramente estatísticos, a lesão previsivelmente afectará o A. durante quase 41 anos (desde a data do acidente até ao termo da esperança de vida).»

Ainda sobre esta matéria da “avaliação do dano futuro”, importa considerar o que é dito no acórdão do STJ de 7/06/2011, proferido no processo nº. 160/2002 (acessível em www.dgsi.pt), que transcrevemos parcialmente:

«(…) A nossa lei ordinária não contém regras precisas destinadas à fixação da indemnização pelo dano futuro no caso de incapacidade permanente para o trabalho, de vítimas de acidente de viação.

O cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. É por isso que tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e, se mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, deverá o tribunal julgar segundo a equidade, em obediência ao critério enunciado no artigo 566º, n.º 3 do Código Civil.

(...)

A indemnização do lesado por danos futuros decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido.

Uma indemnização justa, neste domínio, reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal, que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante o período de vida profissional do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida.

O apontado critério cumpre, mas só parcialmente, o princípio geral válido em matéria de indemnizar: reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º do Código Civil).

Por isso, os seus resultados não podem ser aceites de forma abstracta e mecânica, devendo, antes, ser temperados por juízos de equidade (artigo 566º, n.º 3 CC). Isso implica que se entre em linha de conta com a idade da vítima ao tempo do acidente, o prazo de vida activa previsível, actividade profissional por esta desenvolvida, suas condições de saúde ao tempo do evento, rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, grau de incapacidade, entre outros elementos.

(...)

Porém, a utilização de tabelas financeiras, como qualquer outro método que seja expressão de um critério abstracto, constitui um método de cálculo de valor meramente auxiliar. Nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação de um juízo de equidade.

Mais recentemente, a Portaria n.º 377/2008, de 26/05, em consagração do anteriormente previsto, nomeadamente, no DL 291/2007, de 21 de Agosto, veio estabelecer tabelas para as indemnizações dos danos corporais.

Porém, como se salienta no respectivo preâmbulo, tais tabelas “não visam a fixação de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando, ainda, a razoabilidade das propostas apresentadas”.

Significa isto que aquela Portaria n.º 377/2008 veio fixar, tão-só, os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel proposta razoável para indemnização de dano corporal, não estando os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali previstos.

Daqui resulta que, a partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso».

Voltando ao caso que ora nos ocupa, resulta dos autos que:

- o A. possuía à data do acidente 36 anos de idade, sendo a sua esperança média de vida calculada praticamente até aos 77 anos;

- ficou com uma IPP de 56% que tem repercussão permanente na sua actividade profissional, em termos estatísticos, previsivelmente durante cerca de 41 anos (desde a data do acidente até ao termo da sua esperança de vida);

- pelo menos durante aquele período, por virtude das lesões sofridas e da incapacidade permanente parcial com que ficou, o A. está impedido definitivamente de exercer a sua profissão habitual de motorista de transportes públicos e qualquer outra dentro da sua área técnico-profissional, de proceder à aquisição e alienação de sucata e de realizar as actividades agrícolas a que se dedicava à data do acidente;

- o A. auferia em média uma remuneração mensal líquida, proveniente da sua profissão habitual de motorista de pesados de passageiros, no valor de € 977,53 (englobando vencimento base, diuturnidades, subsídio de agente único, subsídio nocturno, trabalho extra e subsídio de refeição), o que perfazia um rendimento médio anual no total de € 13 685,43 (€ 977,53 x 14 meses), pois conforme se alcança da matéria de facto assente, o mesmo recebia subsídios de férias e de Natal;

- o A. auferia anualmente um rendimento líquido no montante de € 6 000,00 proveniente das actividades que desenvolvia por conta própria (aquisição e alienação de sucata e prestação de serviços agrícolas a terceiros);

- em 2008, descontando a quantia de € 22 940,41 de subsídio de doença mencionada na alínea W) dos factos provados, o A. deixou de receber a quantia de € 4 450,00, referente à sua remuneração pela actividade profissional de motorista de pesados de passageiros, acrescida de subsídios de Natal e de férias, em 2009 deixou de receber a quantia total de € 6 920,00 (referente à remuneração e referidos subsídios) e em 2010 deixou de receber a quantia total de € 6 920,00 (referente à remuneração e referidos subsídios), o que perfaz o montante total de € 18 290,00, que o A. peticionou autonomamente como perda de rendimentos até Janeiro de 2011;

- em 2008, o A. deixou de receber a quantia de € 3 000,00, deduzindo os custos, pelo exercício da actividades referidas na alínea NNNN) dos factos provados (alienação e aquisição de sucata e prestação de serviços agrícolas a terceiros).

Na sentença recorrida, o Tribunal “a quo”, tendo por base os valores da remuneração e dos lucros auferidos pelo A. à data do acidente, utilizou nos cálculos da indemnização por danos futuros relacionados com a perda da capacidade de ganho, por aproximação e a título indicativo, o valor mensal de € 1 600 de rendimentos do trabalho, sem especificar concretamente como chegou a este valor, e lançou mão de um cálculo simples que, tendo em conta a retribuição anual de € 19 200 (€ 1 600 x 12 meses), multiplicou este valor pelos 41 anos de esperança de vida do lesado, chegando ao montante de € 787 200,00, considerando apenas atendíveis 56% desse valor - relativos à IPP - ou seja, € 440 832,00.

Entendeu, ainda, o Tribunal “a quo” que deverá fazer-se um desconto adicional em função da antecipação do pagamento da indemnização, pois “caso o A. não tivesse sofrido o acidente e inerentes lesões, teria obtido tais rendimentos futuros, mas só os receberia ao longo da sua vida. Porém, com o pagamento da indemnização haverá uma antecipação desse recebimento, pelo que se justifica realizar um desconto no valor alcançado, sob pena de se gerar em parte um enriquecimento indevido (recebimento antecipado dos valores da remuneração). Afigura-se equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 20% - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/2/2011 (disponível para consulta na base de dados da DGSI, processo n.º 291/07.6TBLRA.C1)”.

Com tal dedução de 20% do valor do capital encontrado (€ 440 832,00) chegou ao montante de € 352 665,60, fazendo, no entanto, uma apreciação crítica dos valores apurados nos termos seguintes [transcrição]:

«Em primeiro lugar, estes valores baseiam-se nos factos apurados, que sendo já seguros não permitem uma transposição sem reservas para os cálculos.

Cumpre salientar que os cálculos supra apresentados, por facilidade de exposição, tiveram por referência a data da ocorrência da lesão, que é o momento de referência mais comum.

Na realidade, o A. autonomizou a perda de rendimentos, peticionou autonomamente a perda de rendimentos até Janeiro de 2011 (vd. art.º 75.º da petição inicial) e já lhe foi supra reconhecido o direito ao recebimento desses rendimentos. Sob pena de dupla valoração e de indevido recebimento, agora só se deverá considerar a perda de rendimentos após tal data (e não sobre a data do acidente).

Também se utilizou por referência a esperança de vida e não apenas a vida útil para o trabalho. A vida não acaba aos 65 anos, pois cada vez mais pessoas continuam a sua vida profissional depois dessa idade, seja por imperativos alheios, seja por vontade própria. E continuam a auferir rendimentos. Mesmo muitos dos que se reformam continuam a trabalhar e a auferir rendimentos. No entanto, há que reconhecer que o A. dificilmente iria obter rendimentos do trabalho constantes até atingir o fim da esperança de vida aos 77 anos de idade. Geralmente a partir dos 65 anos de idade há lugar a uma perda progressiva de ganho, em função da diminuição da capacidade produtiva ou simplesmente porque a pessoa já nem sequer reúne as condições legais para o exercício profissional habitual (vg. condução de veículos pesados de passageiros).

Quanto às fórmulas aqui apresentadas, apesar de criticáveis e algo ultrapassadas pelo tempo, pelas circunstâncias e concepções da vida e do direito, ainda constituem alguns pontos de referência, de forma a distinguir a prudência do julgador da arbitrariedade.

Daqui se depreende facilmente que é necessário efectuar os prudentes ajustamentos que as regras matemáticas ignoram. Aliás, quer a doutrina, quer a jurisprudência já se pronunciaram sobre este problema (vd. VAZ SERRA in R.L.J., 112.º, pág. 263 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/4/89 in C.J. 1989, tomo II, pág. 221).

As tabelas financeiras e os outros métodos utilizados nos cálculos das indemnizações são apenas instrumentos auxiliares a que o julgador recorre para melhor compreender a realidade dos factos e uniformizar certas situações, mas de maneira alguma limitam o juízo quanto à justa indemnização. São aquilo que tantas vezes é referido como um mero critério geral de orientação.

Considerando o quadro legal (artigos 562.º, 564.º e 566.º do C.C.) e os factos apurados, nomeadamente a remuneração anual do autor (€ 19.200), a sua idade (36 anos) e o grau de incapacidade permanente e parcial (56%), bem como as prudentes regras da equidade, julga-se adequado o valor de € 275.000 a atribuir a título de indemnização pela incapacidade».

Ora, não se encontrando devidamente clarificado na sentença recorrida o critério que presidiu à indicação do montante mensal de € 1 600, como valor de referência dos rendimentos de trabalho do A. (referindo-se apenas que o mesmo é utilizado nos cálculos “por aproximação e a título indicativo”), para efeitos de cálculo da indemnização, aceitam-se os valores indicados pelo recorrente, ou seja:

- o rendimento médio anual de € 13 685,43 (€ 977,53 x 14 meses) à data do acidente, proveniente da sua profissão habitual de motorista de pesados de passageiros, nos termos acima expostos;

- um rendimento anual líquido de € 6 000,00 proveniente das actividades que desenvolvia por conta própria (aquisição e alienação de sucata e prestação de serviços agrícolas a terceiros), tendo como referência o montante da facturação que já havia emitido à data do acidente.

O que significa que o A., à data do acidente, auferia um rendimento médio anual no total de € 19 685,43 (€ 13 685,43 + € 6 000), proveniente das actividades que exercia por conta de outrem e por conta própria.

No entanto, entendemos não ser de multiplicar este montante pelos 41 anos de esperança de vida do A. tomando por referência a data do sinistro, como se fez na sentença recorrida, mas sim por 39 anos de tempo provável de vida, conforme, aliás, peticionado pelo próprio A. na petição inicial. Com efeito, o A. naquele articulado autonomizou a perda de rendimentos até Janeiro de 2011 e peticionou autonomamente o montante correspondente a tal perda de rendimentos, tendo na sentença recorrida sido reconhecido o seu direito ao recebimento desses rendimentos, o que não foi impugnado pelas partes.

Assim, tal como se refere na sentença recorrida, agora só se deverá considerar a perda de rendimentos após Janeiro de 2011 (e não sobre a data do acidente) – ou seja, em relação a pelo menos 39 anos de tempo provável de vida - sob pena de dupla valoração e de recebimento indevido por parte do Autor.

No cálculo simples da indemnização pela perda da capacidade de ganho, se levarmos em conta a retribuição anual de € 19 685,43 calculada nos termos acima referidos, e multiplicarmos este valor pelos 39 anos de esperança de vida, teremos um total de € 767 731,77. No entanto, apenas serão atendíveis 56% relativos à IPP, o que nos leva ao montante de € 429 929,79.

Invoca o recorrente que, relativamente ao dano patrimonial, a sentença recorrida fixou o montante da indemnização apenas com base no grau de incapacidade permanente parcial de 56%, e não teve em conta que a incapacidade profissional é de 100%, porquanto as sequelas com que o recorrente ficou em resultado das lesões sofridas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual e de qualquer outra da sua área de preparação técnico-profissional, bem como das actividades que exercia por conta própria à data do acidente.

Ora, contrariamente ao que o recorrente pretende fazer crer, em face de uma IPP (défice funcional) de 56% ainda se mantém a potencialidade do lesado para o trabalho, mas não o anteriormente desenvolvido, o qual o A. está impedido de exercer.

Contudo, esta incapacidade total do A. exercer a sua profissão habitual de motorista de pesados de passageiros e qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, bem como as actividades que desenvolvia por conta própria (compra e venda de sucata e prestação de serviços agrícolas) é ponderada no cálculo da indemnização acima referido, tendo por base os elementos constantes dos autos e as regras da experiência comum.

Na verdade, como bem refere a sentença recorrida, há que reconhecer que o A. dificilmente iria obter rendimentos do trabalho constantes até atingir o fim da esperança de vida aos 77 anos de idade. Geralmente, a partir dos 65 anos de idade há lugar a uma perda progressiva de ganho, em função da diminuição da capacidade produtiva ou simplesmente porque a pessoa já nem sequer reúne as condições legais para o exercício da profissão habitual (v.g. condução de veículos pesados de passageiros).

Pretende, ainda, o recorrente que o montante da indemnização a fixar a título de perda de rendimentos deverá ter em atenção a progressão na carreira profissional relativa ao trabalho habitual e o consequente aumento de rendimento, bem como o aumento do rendimento que o A. obteria nas actividades que desenvolvia por conta própria, alegando que tais circunstâncias não foram valorizadas na sentença recorrida e concluindo que o dano patrimonial, atenta a idade do recorrente e o período de esperança de vida (41 anos) não deverá fixar-se em quantia inferior a € 800 000,00.

Todavia, não se mostra provado nos autos que o A. tivesse assegurada no futuro uma progressão na sua carreira profissional e que houvesse uma tendência para o aumento do seu rendimento nas actividades que realizava por conta própria, não se tendo sequer apurado quaisquer elementos que permitissem calcular o aumento de rendimentos resultantes de uma progressão na sua vida laboral, não podendo, por isso, tais factores serem levados em conta, tanto mais em face da conjuntura económica e laboral em que se tem vivido neste país nos últimos anos e que continua a ser marcada pela incerteza quanto ao futuro.

Por outro lado, não vislumbramos qual o critério em que se baseou o recorrente para reclamar o montante de € 800 000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes da perda da capacidade de ganho.

Acresce referir que tem sido defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que, após determinação do capital, há que proceder a um “desconto” ou “dedução” em função da antecipação do pagamento da indemnização, porquanto o lesado receberá a indemnização de uma só vez, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, impondo-se que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante ao recebimento antecipado de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação, a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33% (cfr. acórdãos do STJ de 25/11/2009, proc. nº. 397/03.0GEBNV e da RC de 15/02/2011, proc. nº. 291/07.6TBLRA, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

No que concerne a esta questão, e seguindo o raciocínio desenvolvido na sentença recorrida, ou seja, atendendo a que o pagamento da indemnização é antecipado, entendemos que assiste razão ao recorrente ao considerar que a dedução da percentagem de 20% revela-se excessiva, pois para além de não se poder levar em conta, na perda de rendimentos, o eventual acréscimo de rendimentos provenientes da progressão na carreira profissional de motorista e das demais actividades desenvolvidas por conta própria, pelas razões atrás expostas, há ainda a considerar a descida progressiva das taxas de juro, estando actualmente em valores demasiado baixos, nunca antes vistos, sendo a tendência no futuro a de manterem-se em valores muito baixos, bem como os reduzidos índices de inflação que se têm verificado nos últimos anos, evidenciando uma retracção na economia com repercussões negativas no rendimentos do trabalho e introduzindo um sentimento de uma grande incerteza quanto ao futuro.

Afigura-se-nos, pois, equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 10% (e não a percentagem de 20% fixada na sentença recorrida), nos termos indicados pelo recorrente, ficando, o capital de € 429 929,79 reduzido a € 386 936,81.

Assim, ponderando todas as circunstâncias acima referidas, designadamente a idade do A. à data do acidente (36 anos), a actividade profissional que ele exercia por conta de outrem (motorista de pesados de passageiros) e as actividades que exercia por conta própria (compra e venda de sucata e prestação de serviços agrícolas), a incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer (56%) e as repercussões que teve no exercício das actividades que desenvolvia, a remuneração média mensal líquida que o A. auferia e o rendimento líquido anual que obtinha no exercício das suas actividades laborais, a esperança média de vida do A. (77 anos) uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, o período de tempo a considerar no cálculo da perda de rendimentos (39 anos), uma vez que o A. peticionou autonomamente o montante da indemnização correspondente à perda de rendimentos desde a data do acidente até Janeiro de 2011, tendo tal direito sido reconhecido na sentença recorrida e, ainda, a actual situação económico-financeira do país e a incerteza que paira quanto ao desempenho da economia na actual conjuntura interna e externa, o que dificulta, cada vez mais, a manutenção do posto de trabalho de cada um e que também deve ser considerada na fixação deste tipo de indemnizações, entendemos que a indemnização peticionada pelo A. por danos patrimoniais futuros - mais concretamente pela perda da capacidade de ganho devido à IPP de 56% que lhe foi atribuída - é manifestamente excessiva, julgando-se adequado, segundo as regras da equidade, o valor de € 350 000,00.


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II) – Relativamente aos danos não patrimoniais:

Resulta do disposto no artº. 496º, nºs 1 e 3 do Código Civil que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal.

A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.

Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sofrido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos.

Será de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.

«Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, assumem particular significado e importância o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformações e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, aqui avultando o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e corte na expectativa de vida (...)» - vide acórdão da Relação de Lisboa de 26/04/2005, proc. nº. 4849/2004-5, acessível em www.dgsi.pt.

No que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”.

Finalmente, entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro (cfr. acórdão do STJ de 7/06/2011, proc. nº. 160/2002, acessível em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, os factos provados descritos nas alíneas K) a P), OO), PP), RR) a BBB), DDD) a FFF), LLL) a CCCC), IIII), JJJJ), BBBBB), GGGGG), IIIII) KKKKK) e OOOOO) que aqui damos por reproduzidos, importam para o A. danos de natureza não patrimonial que merecem tutela jurídica.

No âmbito da factualidade apurada supra referida, basta atentarmos na natureza e gravidade das lesões sofridas pelo A., as dores e o sofrimento sentido aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença, a necessidade de se submeter a várias transfusões sanguíneas e a duas cirurgias que incluíram a amputação do membro inferior esquerdo, o longo período de convalescença e graus de incapacidade, as notórias e graves sequelas que acompanharão o A. pelo resto da vida, bem como o desgosto, angústia e incómodos decorrentes da deslocação em cadeiras de rodas e com canadianas, adaptação à prótese, sessões de fisioterapia e deslocações para a preparação e aplicação da prótese.

Como se refere na sentença recorrida “são ferimentos, dores e incómodos que, pela sua natureza, extensão e duração, merecem a tutela do direito. Merecem também especial relevância e ponderação as lesões que perduram no tempo. O quantum doloris não foi indicado, mas o Tribunal não pode deixar de relevar o grau 6 numa escala de 7 resultante da perícia médica, pelas razões de ciência aí indicadas e que também resultam de todas as circunstâncias evidenciadas à saciedade pela matéria de facto (vd. relatório pericial de fls. 451 e seg.). Tais lesões merecem indiscutivelmente uma justa e adequada compensação”.

Ademais, a título de exemplo, é citado na sentença sob censura o acórdão do STJ de 11/02/2014, proferido no proc. nº. 855/10.0TBGDM (acessível em www.dgsi.pt), referente a um caso com algumas semelhanças factuais em relação ao dos autos, em cujo sumário consta o seguinte:

«É justificada a indemnização de € 100 000, atribuída pela Relação (e não de € 50 000 fixada pela 1.ª instância), por danos não patrimoniais, a pessoa – o autor – que, por virtude de acidente de viação, aos 47 anos de idade, perde a perna esquerda, tem de usar uma prótese para o resto da vida, não pode correr e caminha com esforço, com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 50 pontos percentuais, sente-se diminuído, triste e angustiado, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, sofreu dores em grau 5, numa escala de 7, um dano estético fixável no grau 4, numa escala de 7 e no que respeita à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, um défice fixável em grau 5, numa escala de 7 (…)».

Sem questionar a extrema gravidade das lesões e do sofrimento do A. e ponderando todos os elementos apurados, o Tribunal “a quo” entendeu que a indemnização pelo dano não patrimonial, “in casu”, deveria ser superior relativamente ao citado aresto do STJ, porquanto o A. foi atingido por uma tragédia que mudou a sua vida quando até era mais jovem (36 anos à data do acidente), o quantum doloris é mais elevado (grau 6 numa escala de 7) e o mesmo sucede quanto ao dano estético evidenciado pela perícia médico-legal (grau 6 numa escala de 7) – daí ter decidido arbitrar ao A. uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 130 000,00.

Em face do acima exposto e do que consta da sentença recorrida, podemos concluir que não assiste razão ao recorrente quando refere, nas suas conclusões, que a mesma não valorou o elevado grau atribuído a título de dano estético permanente (tendo em conta o aspecto, localização e as dimensões das cicatrizes, a amputação do membro inferior esquerdo, zona de amputação, existência de um pequeno coto e a claudicação da marcha com recurso a duas canadianas) e o elevado grau atribuído em relação ao “quantum doloris”, tendo em conta a natureza e gravidade das lesões, o tipo de tratamento (várias transfusões sanguíneas, duas cirurgias que incluíram a amputação do membro inferior esquerdo e fisioterapia), a deslocação em cadeiras de rodas e com canadianas e adaptação à prótese.

Para além disso, não se poderá olvidar que as graves lesões que o A. sofreu tiveram forte repercussão na sua vida laboral, impedindo-o de exercer a actividade profissional habitual (motorista de transportes públicos) e qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, bem como as outras actividades que exercia por conta própria (compra e venda de sucata e prestação de serviços agrícolas), bem como na sua vida pessoal e familiar, passando o A. a ter necessidade de recorrer, de forma permanente, a tecnologia para prevenir/compensar o dano pessoal, do ponto de vista anatómico e funcional, com vista a obter uma maior autonomia e independência nas sua actividades diárias, nomeadamente o uso de próteses e canadianas, não se vislumbrando que tais circunstâncias tenham sido levadas em consideração no quantum indemnizatório atribuído pelo Tribunal “a quo” a título de danos não patrimoniais.

Por outro lado, relativamente à repercussão permanente que as graves lesões de que foi vítima tem na actividade sexual do A. (fixada no relatório médico-legal no grau 4 numa escala de 7), constatamos que a sentença recorrida é omissa na valorização deste dano, quando, na verdade, o mesmo deve ser levado em conta na atribuição da compensação indemnizatória.

Por tudo o que se deixou exposto, consideramos justa e adequada ao caso concreto a atribuição ao A. de uma compensação global no valor de € 150 000,00 pelos danos não patrimoniais por ele sofridos, em vez de € 130 000,00 fixados na sentença recorrida.

Deste modo, procede parcialmente o recurso interposto pelo Autor e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, em face do que acima se decidiu.


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III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor BB e, em consequência, revogar, nessa parte, a sentença recorrida, condenando a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:

a) € 350 000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pela perda de rendimentos e ganhos futuros;

b) € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.

No mais, decide-se manter a sentença recorrida.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Évora, 11 de Junho de 2015

(Maria Cristina Cerdeira)

(Maria Alexandra Moura Santos)

(António Manuel Ribeiro Cardoso)