Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
285/13.2TBGLG.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I- A sub-rogação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores apenas abrange as prestações a que o devedor principal está obrigado.
II- O Fundo não pode ser condenado a pagar uma prestação superior à do obrigado.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

O Digno Magistrado do M.º P.º, em representação de BB, nascido a 6 de Julho de 1998, veio requerer a fixação do montante de €100,00 mensais a este menor, a título de prestação social de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor e ao abrigo do disposto nos art.ºs 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, invocando a impossibilidade de cobrança coerciva de alimentos em dívida em virtude de não serem conhecidos bens ou rendimentos ao progenitor obrigado ao seu pagamento.
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O processo seguiu os seus termos e, no final, foi proferida sentença que determinou que, até que o pai CC reúna condições económicas para o fazer, o Estado, através do mencionado Fundo, em substituição daquele, preste a BB a importância mensal de €160,00, a título de alimentos.
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Desta sentença recorre o Fundo concluindo a sua alegação desta forma:
A intervenção do FGADM visa apenas que seja o Estado a colmatar a falta de pagamento da prestação de alimentos por parte do progenitor que foi judicialmente condenado a cumprir tal obrigação e, refira-se, por determinado e concreto valor (judicialmente fixado).
Com efeito, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
Ao pretender o Tribunal a quo fixar o aumento da prestação que foi judicialmente fixada ao progenitor, deveria em primeiro lugar, fixar o aumento ao progenitor devedor, e nessa medida, aquando da intervenção do FGADM em regime de sub-rogação, poderá o FGADM assumir o (novo) valor fixado.
Aliás, o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 não deixa dúvidas que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado é para este prestar "em substituição do devedor".
Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária.
Assim, a manter-se a decisão recorrida, a obrigação e a responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor obrigado, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.
Face ao exposto, verifica-se a violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui ao progenitor (obrigado judicialmente) incumpridor.
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O Digno Magistrado do M.º P.º contra-alegou defendendo o decidido e concluindo a sua alegação nestes termos:
1. Como o próprio recorrente afirma as prestações a serem suportadas pelo FGDAM são de natureza diferente das que são impostas aos progenitores, elas são novas e autónomas
2. As prestações impostas ao FGDMA têm a natureza de uma prestação de alimentos de carácter social que se impõe à sociedade e ao Estado na ausência de pagamentos das pensões de alimentos pelos pais, elas mais não representam do que o cumprimento de um dever de cariz constitucional, qual seja ele, o dever de proporcionar aos cidadãos menores incapazes de prover ao seu sustento e mais carenciados, condições mínimas de bem-estar e subsistência.
3. Trata-se de uma prestação autónoma e que deverá ser atual, respondendo às necessidades do menor no momento em que deve ser fixada, devendo ser tendencialmente igual à já fixada judicialmente ao devedor de alimentos a menor.
4. Por conseguinte, a prestação a suportar pelo FGDAM não tem que ser necessária e obrigatoriamente igual à que o progenitor ficou obrigado, isto porque, tendo presente o disposto no artigo 2º, nº 2, da lei 75/98 e no artigo 3, nº 4 do DL 164/99, de 13-5, as prestações a satisfazer pelo Fundo são fixadas pelo tribunal, atendendo à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor e às necessidades específicas do menor.
5. Assim, tendo em atenção as precárias condições económicas do agregado onde está inserido o menor e que estão indicadas na decisão recorrida, entendo que o valor aí fixado como pensão a ser suportada pelo FGDMA é perfeitamente adequado.
6 – Considero, pois, que a sentença recorrida não violou qualquer das normas identificadas pelo recorrente.
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Foram colhidos os vistos.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. BB nasceu em 6 de Julho de 1998 (certidão do assento de nascimento deste menino de fls. 7 deste processo);
2. É filho de CC e de DD.
3. Por decisão proferida em 4 de Julho de 2011, na Conservatória do Registo Civil da Golegã, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais do BB, nos termos da qual, além do mais, este menino ficou confiado à guarda e cuidados da sua mãe, que ficou titular do poder paternal.
4. Tendo, nessa mesma decisão sido fixada uma prestação mensal de €100,00, a título de alimentos devidos pelo pai para o sustento do filho.
5. O requerido CC omitiu o pagamento de algumas daquelas importâncias mensais de €100,00 referentes à prestação de alimentos fixada na decisão mencionada.
6. Estando em dívida, em 17 de Dezembro de 2013, a importância de €4.160,00, por conta das prestações de alimentos devidas ao menor e não pagas por seu pai.
7. Por sentença de 20 de Maio de 2014, foi declarado verificado o incumprimento da obrigação de alimentos devidos ao menor imputável ao pai e foi determinado o desconto no seu vencimento da quantia de €100,00 para pagamento das prestações de alimentos que se fossem vencendo e de €65 por mês, durante 64 meses, por conta das prestações já vencidas e não pagas.
8. O requerido rescindiu o seu contrato de trabalho, com efeitos a partir de 16 de Maio de 2014.
9. Não são conhecidos quaisquer bens ou rendimentos ao pai do BB.
10. O BB vive com sua mãe.
11. Sendo o agregado familiar do menor constituído por ele e sua mãe.
12. Tendo como únicos rendimentos globais os provenientes do trabalho desenvolvido por sua mãe no montante de €589,91 mensais.
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Como resulta do que antecede foi fixada uma pensão de alimentos em €100,00.
A sentença recorrida condenou o Fundo a pagar a quantia mensal de €160.
O problema é tão-só saber se o tribunal pode condenar o Fundo no pagamento de uma pensão de montante superior àquele que foi fixado ao devedor original.
Ambas as partes, tal como a sentença, citam diversa e bastante jurisprudência em abono das respectivas teses uma vez que não há uma orientação definida.
Reproduzimos tais citações apenas para que fiquem registadas.
O recorrente indica as seguintes decisões: Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2014, Proc. N.º 1414/05.TMLSB-B.L1 (6.ª Secção); de 30/01/2014, Proc. N.º 130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30/01/2014, Proc. N.º 306/06.5TBAGH-A.L1-6, como também a decisão singular proferida em sede de reclamação, de 7/06/2014, Proc. N.º 1082/11.5TBCSC-B.L1 (1.ª secção); além dos proferidos em 19/12/2013, Proc. N.º 122/10.0TBVPV-B.L1-6; 12/12/2013, Proc. N.º 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; em 08/11/2012, Proc. N.º 1529/03; referindo-se ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2013, Proc. N.º 3819/04; o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2013, Proc. N.º 3609/06.5; de 25/02/2013, Proc. N.º 30/09; e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 14/11/2013, Proc. N.º 292/07.4.
O Digno Magistrado do M.º cita as seguintes: RL de 09/20/2007, 03/15/2007, RC 17/12/2002, STJ 04/06/2009; Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2013 e de 11/02/2014, Acórdãos da Relação de Coimbra de 10/12/2013, de 3/12/2013, 11/02/2014 e de 11/03/2014, Acórdãos da Relação do Porto de 3/12/2013, 28/11/2013, 15/10/2013, 13/02/2014 e de 11/03/2014, Acórdãos da Relação de Guimarães de 17/12/2013, 10/12/2013, 5/12/2013, 6/02/2014 e de 13/03/2014 e Acórdãos da Relação de Évora de 31/10/2013, 28/11/2013 e de 13/02/2014.
Por seu turno, e mesmo correndo o risco de repetições, a sentença cita estas:
Acs. da Relação de Évora de 17.04.2008; de 19.01.2012; de 05.12.2013 e de 05.06.2014; da Relação de Guimarães de 14.11.2013 e de 30.06.2014; da Relação de Coimbra de 03.12.2013 e de 13.03.2014; Acs. da Relação de Lisboa de 13.10.2011 e de 10.04.2014; Acs. da Relação do Porto de 01.02.2010; de 15.10.2013; de 15.05.2014.
Também esta Relação tem partilhado ambas as teses, como se pode ver pelos seguintes acórdãos: de 14 de Novembro de 2013, no sentido de que não é possível; e de 5 de Junho de 2013 e de 28 de Novembro de 2013, no sentido de que é possível.
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Começaremos por citar o art.º 6.º, n.º 3, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, segundo o qual o «Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso». Esta regra tem de ser conjugada com a que consta do art.º 1.º da mesma Lei e que estabelece o seu objecto: «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em divida (…) o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até́ ao inicio do efectivo cumprimento da obrigação».
Daqui se podem retirar duas conclusões: por um lado, a intervenção do Estado tem na sua base um incumprimento da obrigação de prestar alimentos; por outro, substituindo-se ao devedor, o Estado, por intermédio do Fundo, fica sub-rogado nos direitos dos menores.
O art.º 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 164/99, por seu turno, dispõe que as «prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e as necessidades especificas do menor».
E daqui resulta que a lei não estabelece expressamente, como limite da responsabilidade do Fundo, a pensão antes fixada ao devedor.
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Temos, pois, dois sinais contraditórios, queremos dizer, um sinal de que a prestação a pagar pelo Fundo não pode ser superior à do devedor (daí a sub-rogação) e um sinal de que a prestação pode ser maior (pois que este limite não está legalmente definido).
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Cremos que a solução correcta é a primeira — e neste sentido pode ver-se o recente ac. do STJ, de 29 de Maio de 2014, aliás citado pelo recorrente.
Como já se disse, a situação base do problema assenta num incumprimento. O devedor original não cumpre a prestação alimentar a que está obrigado; só por força deste incumprimento é que surge o Fundo, a pagar aquilo que o devedor deveria ter pago. O Fundo paga aquilo que não foi pago e o que não foi pago foi uma determinada prestação de um determinado montante (no nosso caso, €100,00).
A partir do momento em que se pretende que o Fundo pague mais do que o devedor incumpridor, já não estamos perante um caso de suprir o incumprimento. Pelo contrário, estamos a ir bem para além dele.
Daqui decorre ainda que a sub-rogação deixaria de existir integralmente uma vez que ela apenas se verifica quanto à primeira obrigação, a que não foi cumprida. Haveria sub-rogação mas parcial uma vez que o Fundo não poderia pedir ao devedor mais do que ele estava obrigado a cumprir. Como se escreve no ac. da Relação de Coimbra, de 6 de Junho de 2006, a «lei não permite que a substituição do devedor de alimentos pelo FGADM exceda a sub-rogação total. Não se pode transmitir um crédito de 50 por mais de 50».
Por outro lado, e no que ao menor diz respeito, aconteceria que a cessação do incumprimento acabaria por se traduzir numa prestação menor. O devedor passaria a pagar, por exemplo, €100 sendo que o menor deixaria e receber os €120 que o Fundo lhe pagava ­— contradição esta que é notada do referido acórdão do Supremo.
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Seguindo-se a corrente jurisprudencial que permite que o Fundo seja condenado a prestar mais do que o obrigado original, temos ainda de fazer uma pergunta: qual é o incumprimento da prestação agora definida na sentença recorrida? Nenhum porque o devedor ainda não está obrigado a pagar, nem sequer está verificado o seu incumprimento. Como pode, então condenar-se o Fundo a pagar? É que acaba por criar-se uma ficção de incumprimento e, com base nesta ficção, logo se condena o Fundo.
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Somos levados a concluir que o Fundo responde na medida do incumprimento, tal como se sub-roga na medida do que prestou.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se altera a sentença recorrida condenando-se o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a pagar a prestação devida ao menor BB no montante de €100,00 mensais.
Sem custas.
Évora, 12 de Março de 2015
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Xavier