Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
763/14.6T8PTM.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
DELEGADO SINDICAL
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto só deverá ser conhecida pelo tribunal de recurso se uma eventual procedência da mesma vier influir na decisão de direito sobre o mérito da causa.
2. A transferência do local de trabalho de um delegado sindical está condicionada pela prévia concordância do trabalhador interessado, nos termos do art.º 411º, nº 1, do Código do Trabalho.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 763/14.6T8PTM

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

Na 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em Portimão, e em ação com processo comum, instaurada a 11/11/2014, BB, identificado nos autos, demandou CC, S.A., com sede na …, nesse âmbito formulando os seguintes pedidos:
a) - Condenar a Ré a abster-se de mudar o local de trabalho do Autor para outro local, ainda que no concelho de Lagos, sem audiência prévia e concordância deste quanto a tal mudança.
b) - Considerar como justificado a não permanência pelo período integral de tempo de trabalho no posto habitual na Quinta... ou mesmo no posto da ISS de Lagos entre os dias 6 de outubro e o seu regresso efectivo ao trabalho após decretamento da providência e consequentemente nenhuma penalização em termos de perca de vencimento ou antiguidade seja imposta ao Autor.
Para o efeito, alegou em síntese prestar funções como segurança, por conta da R. e há mais de dez anos, sempre no mesmo local; foi entretanto eleito delegado sindical, passando nessa qualidade a intervir mais ativamente em defesa dos colegas; a R. comunicou-lhe que devia deslocar-se para prestar serviço noutro local, contra a sua vontade, e dessa forma violando o disposto no art.º 411º do Código do Trabalho (C.T.).
Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 54º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R. veio contestar de seguida, sustentando no essencial não estar em causa uma mudança do local de trabalho, mas uma deslocação no âmbito do local de trabalho contratualmente acordado, que foi determinada dentro do normal exercício dos poderes de gestão e de direção que lhe assistem, e ao abrigo do princípio da rotatividade dos postos de trabalho, daí concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição dos pedidos.
Foi depois proferido despacho saneador, que dispensou a seleção da matéria de facto, assente e controvertida.
Procedeu-se a audiência de julgamento, e foi finalmente proferida sentença, que julgou a ação procedente, e em consequência, ‘…declarando ilícita a transferência comunicada a 24 de Setembro de 2014, condenar a ré "CC, S.Á." a abster-se de mudar individualmente o local de trabalho do Autor BB, enquanto delegado sindical, para outro local sem a sua prévia audiência e concordância quanto a tal mudança e a considerar justificada a desobediência do autor à transferência e a abster-se de o penalizar em termos de perca de vencimento ou antiguidade’.
*
Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio apelar a R.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
(…)
II
Q) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a “acção procedente e declarou ilícita a transferência comunicada a 24 de Setembro de 2014” e em consequência condenou a R. a abster-se de mudar individualmente o local de trabalho do A., enquanto Delegado Sindical, para outro local sem a sua prévia audiência e concordância quanto a tal mudança e a considerar “justificada a desobediência do A. à transferência e a abster-se de o penalizar em termos de perca de vencimento ou antiguidade.
R) A sentença recorrida fez incorrecta apreciação da matéria de facto e efectuou errada interpretação e aplicação do Direito.
S) A Recorrente impugna a matéria assente como provada, pretendendo seja alterada a decisão sobre a matéria de facto relativamente à Resposta à matéria de facto ao artº 4º, 22º, 41º da p.i., artºs 8º, 34º, 35º, 45º e 48º a 51º da Contestação, requer o aditamento de novos factos (constantes dos artºs 8º, 34º, 35º, 45º e 48º a 51º da Contestação) que devem constar como provados e a eliminação de outros (ponto 17 e 27 dos factos assentes como provados), os quais considera incorrectamente julgados, por os meios probatórios constantes dos autos, (documentos, depoimento de parte e prova testemunhal gravados) uma vez reapreciados, imporem decisão diversa.
(…)
IV
RRR) Com fundamento na violação do disposto no artº 411º do Código do Trabalho, alegando ter ocorrido transferência do local de Trabalho, veio o A. requerer que a R. se abstivesse de mudar o local de trabalho de para outro local, ainda que no concelho de Lagos, uma vez que não foi obtido o seu acordo, nem tal facto comunicado à estrutura sindical em que se encontra inserido (cfr. artºs 20º, 23º, 25º a 28º, 32º, 35º a 43º, 45º, 53º a 62º, 65º e 66 da p.i.)
SSS) Está em causa a questão relacionada com o direito invocado pelo A. com fundamento legal no disposto no artº 411º do Código do Trabalho, a qual foi incorrectamente decidida pelo Tribunal “a quo” e que uma vez bem decidida determinaria a Improcedência da presente acção.
TTT) Conforme resulta provado no ponto 2 dos factos provados, em consonância com os termos acordados, constantes do contrato de trabalho, o local de trabalho do A. poderia ser em qualquer estabelecimento onde a R. exercesse actividade, circunscrita á zona geográfica do Distrito de Faro.
UUU) A decisão recorrida ao concluir que foi definido um local concreto de trabalho” e que “na execução do contrato foi acordado de forma tácita um novo local de trabalho.”, decidiu de forma contraditória e em oposição ao que consta assente como provado no ponto 2 dos factos assentes como provados e ao que consta do Contrato de Trabalho.
VVV) A colocação no posto ISS Lagos que foi indicada pela R., (cfr. ponto 16 dos factos assente como provados) ao contrário do que o A. conclui, bem como a decisão recorrida, (ainda que de forma tácita), não é juridicamente qualificável como transferência do local de trabalho, inserindo-se antes no âmbito do local de trabalho acordado, e no principio da rotatividade dos postos de trabalho com consagração expressa no nº 1 da clausula 15ª do CCT aplicável, em consonância com o Jurisprudência dos Tribunais superiores e Doutrina relevante.
WWW) Nos termos do disposto no nº 1 da cláusula 15ª do CCT aplicável, a estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da actividade de segurança privada.
XXX) A decisão recorrida confunde conceitos jurídicos de transferência de local de trabalho e mudança de local de trabalho no âmbito do local de trabalho acordado.
YYY) Ao contrário também do que entende a decisão recorrida, o nº 1 da clausula 15ª do CCT aplicável refere-se claramente a mudança de local de trabalho e não a transferência de local de trabalho, sendo que aliás, in casu, nem sequer se trata de mudança de local de trabalho, nos termos que constam expressos do nº 2 da clausula 15ª do CCT aplicável, porquanto a deslocação do A. para o posto da ISS Lagos não determinou qualquer acréscimo de tempo e despesas de deslocação como inequivocamente resulta dos pontos 28, 29 e 30 dos factos assentes como provados.
ZZZ) A R. colocou o A. noutro posto de trabalho, o que fez dentro dos poderes de gestão e direcção que lhe assistem, ao abrigo do princípio da rotatividade dos postos de trabalho, com consagração expressa no CCT aplicável e também tendo em conta o que foi acordado quanto a delimitação do local de trabalho do A.
AAAA) O disposto no artº 411º do Código do Trabalho, assim como o nº 3 da clausula 49º do CCT aplicável, não é aplicável ao caso sub judice, uma vez que não ocorreu transferência do local de trabalho, e como tal a R. não carecia do acordo do A., nem de comunicar tal facto ao Sindicato, como exigem os referidos normativos legais e convencionais, em caso de transferência de local de trabalho.
BBBB) O que por si só é suficiente para a presente acção improceder.
(…)
GGGG) A sentença recorrida ao julgar a acção procedente violou e interpretou incorrectamente o disposto no artº 24º, 25º e 411º do Código do Trabalho, e bem ainda o disposto na clausula 14ª, nº 1 e 2 da clausula 15º do e nº 3 da clausula 49º do CCT aplicável.
E terminou a recorrente pedindo a revogação da sentença recorrida, e a sua absolvição.
*
Notificado da interposição do recurso, o A. veio apresentar a sua contra-alegação, aí concluindo o seguinte:
1º. - O MMº. Juiz elaborou a aliás douta sentença corretamente, com sabedoria, equilíbrio e boa administração da Justiça, devidamente alicerçada na matéria de facto que resultou provada e aplicação dos preceitos legais adequados ao caso Sub Judice.
2º. - O MMº. Juiz faz constar da douta sentença todos os elementos essenciais e constando igualmente da mesma os factos dados como provados, bem como o Direito aplicado ao caso, fundamentado em pleno e sem contradição na sua decisão.
3º. - Não existe pois qualquer motivação para a Recorrente peticionar a revogação da decisão do Tribunal de 1ª Instância, como alega.
4º. - As principais questões que ao Tribunal cabia aferir e responder resumiam-se em saber se é ou não, licita a determinação da Ré em colocar o Autor a trabalhar noutro local físico, sendo ele delegado sindical, e estando sempre no mesmo local de trabalho há mais de 10 anos,
(…)
*
O Ex.º Juiz admitiu o recurso interposto, e conheceu das nulidades de sentença arguidas pela apelante, indeferindo-as.
Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
Dispensados que foram os vistos legais, cumpre decidir.
*
E decidindo, vejamos antes de mais quais as questões suscitadas pela recorrente, de acordo com as conclusões da sua alegação, que como se sabe delimitam o objeto de um recurso, nos termos dos arts.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (C.P.C.). São elas:
- as nulidades da sentença;
- a impugnação da matéria de facto;
- a noção de transferência de local de trabalho, e a aplicabilidade do art.º 411º do Código do Trabalho ao caso dos autos.
Recordemos porém desde já a matéria de facto considerada provada pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1. O Autor iniciou funções ao serviço da Ré em 19 de Junho de 2004, através da celebração de um contrato de trabalho a termo certo de seis meses, para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização lhe prestar os serviços inerentes à categoria profissional de vigilante.
2. Na cláusula 7.a desse contrato consta que: "O local de trabalho do segundo outorgante é o estabelecimento do cliente DD, sito em Vila da Luz ou outro geograficamente situado no Distrito de Faro, motivado pela necessidade da rotatividade de postos de trabalho característica da actividade de vigilância".
3. O Autor presta os seus serviços profissionais nas instalações da cliente da Ré, …, Lagos, com 3 portarias, em horário organizado em sistema de turnos rotativos previamente designado pela entidade empregadora, ora Ré, sendo o autor perante esta o vigilante com o número 3740.
4. O autor vem exercendo as suas funções no posto da … há, pelo menos, 10 anos.
5. O autor é associado no Sindicato… com o número…
6. A Ré é uma empresa comercial cuja actividade principal consiste nos serviços de vigilância e segurança de bens e pessoas e o ora Autor exerce funções de vigilante
7. No âmbito das suas funções compete ao Autor, nas instalações da Cliente da Ré, a execução de serviços de vigilância, prevenção e segurança, nomeadamente protegendo pessoas e bens contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias que possam ocorrer
8. Em Agosto de 2013 o Autor tomou-se sócio do Sindicato que representa os trabalhadores do sector, passando a ter uma postura bastante interventiva junto da Ré, devidamente informado e acompanhado pela estrutura sindical, levando a que mais 8 colegas, num universo de 10 trabalhadores se associassem também no (Sindicato)
9. No dia 10 de Março de 2014, em reunião de trabalhadores associados no (Sindicato) e funcionários da Ré, foi eleito representante dos trabalhadores e seu delegado sindical, o Autor.
10. A Ré de tal facto foi informada.
11. Em Setembro de 2014 foi requisitado para actividade sindical e utilizou o crédito de horas que tem para o desempenho de tais funções, situação essa que foi regularmente comunicada à empresa ora Ré.
12. Após a sua eleição o autor passou a intervir junto da ré de forma mais frequente em representação dos seus colegas.
13. Era prática habitual a ré organizar turnos de 11 horas seguidas, das 19:00h/24:00h e continuando após as 00:00h até às 06:00h do dia seguinte, sendo que de novo se seguia um turno das 19:00h até às 24:00h.
14. Após a eleição do autor como delegado sindical, por via da actuação deste, a carga horária foi reajustada.
15. No dia 11 de Março de 2014, o (Sindicato) solicitou uma visita inspectiva urgente no posto de trabalho do Autor, para aferir as cargas horárias, pausas para as refeições, dias de descanso entre turnos e a existência de trabalho suplementar não pago.
16. A ré, em 24 de Setembro de 2014, envia ao autor comunicação escrita com o seguinte teor: "Assunto: Deslocação de posto de trabalho. ( ... ) Vimos por este meio reiterar a informação já facultada pelo seu superior hierárquico sobre a sua deslocação para a portaria do cliente: ISS - SL Lagos, sito no Rossio S. João Batista, Lagos com efeitos a partir do dia 1 de Outubro de 2014, às 9hOO para dar início ao período de estágio e seguir a escala existente no posto, deverá dirigir-se ao vigilante de serviço. A sua colocação no posto ISS - SL Lagos, insere-se numa medida de gestão corrente dos recursos humanos desta empresa, tendo em consideração a rotatividade normal da actividade de vigilância que é normal e até desejável’.
17. A ré enviou ao autor a comunicação de 24 de Setembro de 2014 por este ter reclamado das condições de trabalho.
18. Nunca houve queixa contra si por parte do cliente da ré e o lugar do autor foi ocupado por outro colega e o autor ficou impedido de trabalhar no posto da Quinta….
19. Quando recebeu a comunicação de 24 de Setembro de 2014 o autor manifestou o seu desacordo em mudar de posto de trabalho
20. Igualmente a estrutura sindical em que estava inserido, se manifestou.
21. O sindicato invocou o artigo 411 o, na 2, do Código de Trabalho e que deveria ter sido informado da ordem de transferência do autor
22. A Ré insistiu na colocação do Autor no posto da ISS Lagos, alegando que não se trata de uma transferência; que houve acordo para a rotatividade da actividade de vigilante e que a ausência no ISS de Lagos será considerada como faltas injustificadas e ponderada a eventual instauração de procedimento disciplinar.
23. Nos dias 1 a 4 de Outubro o autor apresentou-se no posto do cliente da Quinta….
24. No dia 6 de Outubro ao apresentar-se ao serviço no horário das 19.00/24.00 e 00.00/06.00h encontrava-se no seu posto habitual um outro colega, DD, com indicação para realizar o horário de trabalho do Autor e havia uma nova escala de serviço em que o nome deste já não constava.
25. Pelo menos durante duas semanas, o autor continuava a apresentar-se na Quinta… no seu horário, lá permanecia por algum tempo e acabava por vir embora, por não haver escala para si.
26. O posto do ISS de Lagos é um posto de um só vigilante.
27. A mudança para o posto do ISS de Lagos, contra a sua vontade, descridibiliza o autor perante os seus colegas.
28. O autor foi colocado num outro posto de trabalho na mesma cidade de Lagos.
29. Mais perto da sua residência.
30. Anteriormente tinha de percorrer 6 km e com a nova colocação ficou a apenas 800 metros da sua residência.
31. O autor, como delegado sindical, representa os trabalhadores da ré em toda a área regional do Algarve.
32. Os trabalhadores da ré, em Janeiro de 2014 e actualmente na região do Algarve são cerca de 50, distribuídos por 17 postos de trabalho, numa área que abrange desde Sagres até Tavira.
33. As funções de delegado sindical do autor não se limitam ao posto da Quinta….
34. A nova colocação não impede o autor de exercer as funções de delegado sindical e de contactar com os colegas da Quinta….
35. O autor nunca foi impedido de intervir como delegado sindical na Quinta…
*
No requerimento de interposição do recurso, cumprindo o que a tal propósito se encontra estatuído no art.º 77º do C.P.T., veio a apelante desde logo arguir nulidades da sentença recorrida, que em seu entender estaria numa parte viciada por excesso de pronúncia, numa outra por omissão de pronúncia, e seria ainda contraditória entre os seus fundamentos e a decisão, dessa maneira incorrendo na previsão do art.º 615º, nº 1, al. c) e d), do C.P.C..
Muito embora o Ex.º Juiz a quo se tenha já pronunciado pela inexistência das nulidades invocadas, cabe a esta Relação das mesmas decidir, em conformidade com a regra do nº 3 daquele art.º 77º.
E o que a esse respeito cabe agora referir é que não parece haver fundamento para se concluir como pretende a recorrente.
Com efeito, os vícios assim alegados reconduzem-se a supostas falhas da decisão proferida sobre a matéria de facto, que teria conhecido de aspetos não alegados pelas partes nos respetivos articulados, que por outro lado teria também omitido factos que deveriam ter-se por provados, e que num outro segmento conteria ainda factos que seriam contraditórios entre si.
Independentemente da relevância que terão, ou não, as questões assim suscitadas na decisão do mérito da causa, o que pode agora sem dúvida afirmar-se é que não estão propriamente em causa vícios que possam afetar a estrutura ou a validade formal da sentença recorrida, mas apenas supostos erros do julgamento de facto. E como se sabe a impugnação destes, quando tenha lugar, deve ser feita em sede de objeto do próprio recurso, desde logo porque, caso os mesmos se verifiquem, nunca poderiam ser desta forma supridos pelo juiz que neles incorreu, cujo poder jurisdicional de decisão entretanto se esgotou.
Ou seja: não há aqui qualquer invalidade que possa reconduzir-se ao referido art.º 615º, nº 1, configurando nulidade de sentença; há apenas pontos concretos da decisão de facto que merecem a discordância da recorrente, e que como tal só pela impugnação da mesma decisão poderão ser obviados.
Improcedem pois, nesta parte, as conclusões da alegação da recorrente que propugnavam em sentido contrário.
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O sentido condenatório da sentença recorrida, declarando ilícita a transferência do local de trabalho do A., determinado pela ora apelante, e condenando esta a abster-se de mudar unilateralmente esse local, sem a prévia concordância do trabalhador, foi no essencial fundamentada na regra acolhida no art.º 411º, nº 1, do C.T., e atento o facto de o demandante ser delegado sindical quando lhe foi transmitida tal ordem da sua empregadora.
Preceitua com efeito tal disposição que ‘o trabalhador membro de estrutura de representação coletiva dos trabalhadores não pode ser transferido de local de trabalho sem o seu acordo, salvo quando tal resultar de extinção ou mudança total ou parcial do estabelecimento onde presta serviço’.
Na ótica do tribunal recorrido, em idêntico sentido apontaria também a Cláusula 49ª, nº 3, do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ao caso aplicável[2], ao dispor que ‘os membros dos corpos gerentes das associações sindicais e os delegados sindicais não podem ser transferidos do local de trabalho sem o seu acordo e sem o prévio conhecimento da direção do sindicato respetivo’.
Para contrariar o entendimento acolhido pela 1ª instância, a recorrente veio impugnar alguns pontos da matéria de facto dada como provada e como não provada pelo tribunal a quo, designadamente na parte respeitante às razões que terão motivado a mudança do local de trabalho em causa. Veio ainda, no que se refere à solução de direito, argumentar em dois outros sentidos: por um lado, não estaria em causa uma verdadeira ‘transferência’, pelo menos tal como esse conceito é consagrado na lei laboral, em particular no referido art.º 411º; por outro, em qualquer caso o demandante havia contratualmente concordado com uma mudança que pudesse vir a ocorrer ocorrer na área do Distrito de Faro, e por isso não seria exigível ao empregador um novo e expresso acordo do demandante.
Ora, no que toca à impugnação da matéria de facto, importa desde já sublinhar que uma hipotética alteração da mesma, no sentido que vem defendido pela recorrente, em nada relevará para a decisão de mérito do recurso, precisamente porque se nos afigura que essa mesma factualidade, objetivamente considerada na parte que não é objeto de controvérsia, contém já todos os elementos necessários e suficientes para uma adequada decisão de direito.
As motivações que terão determinado a mudança do local de trabalho do A. parecem-nos com efeito de todo irrelevantes em face do quadro legal que ao caso é aplicável. Se porventura havia queixas do cliente da empresa R. contra o aqui apelado, um eventual comportamento culposo do trabalhador seria porventura passível de sancionamento disciplinar, mas não poderia justificar uma transferência do seu local de trabalho.
Da mesma forma, os maiores ou menores danos que essa mudança possa ou não ter causado à pessoa do trabalhador, ou as vantagens que para ele possam ter advindo, em nada afetam a validade da ordem nesse sentido dada pela entidade empregadora, cuja materialidade é, a nosso ver, só por si bastante para permitir o necessário tratamento jurídico da lide.
Nestas circunstâncias, e tendo em atenção o disposto no art.º 608º, nº 2, do C.P.C., aplicável à fase de recurso por força do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma, fica obviamente prejudicado o conhecimento da impugnação da matéria de facto que a recorrente deduziu, questão que assim nos escusamos de abordar.
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Como já se referiu, a lógica argumentativa da apelante, no desacordo que manifestou quanto ao sentido condenatório da sentença recorrida, assenta em primeiro lugar na ideia de não estar aqui em causa propriamente uma hipótese de transferência do local de trabalho, mas uma mera mudança operada dentro duma área geográfica mais ampla, no caso o distrito de Faro, cujos limites definiriam sim aquele que era o local de trabalho contratualmente acordado.
Entendemos porém que, neste particular, nenhuma razão pode ser reconhecida à recorrente.
Importa antes de mais precisar que, na língua portuguesa, ‘transferência’ e ‘mudança’, tal como ‘transferir’ e mudar’, são termos sinónimos. A lei laboral não os distingue, nem lhes atribui diferentes significados ou conteúdos normativos, designadamente a propósito do tema, local de trabalho, que ora nos ocupa.
É certo que numa relação laboral o local de trabalho que é objeto do contrato pode não esgotar-se num lugar físico e fixo, pré-determinado, antes podendo precisamente reconduzir-se a uma área geográfica alargada a previamente definida, como será por exemplo o espaço equivalente a um distrito administrativo. Mas esta situação ocorrerá apenas quando as funções a exercer pelo trabalhador, pela sua própria natureza, implicam essa mesma mobilidade, como sucederá por exemplo com um motorista, um distribuidor de produtos, ou um supervisor adstrito a uma rede regional de estabelecimentos da empresa onde trabalha.
E esse não era manifestamente o caso do aqui A., que desempenhava funções de vigilante em estabelecimentos de clientes da recorrente, portanto em locais concretos e específicos, necessariamente pré-determinados.
É aliás nesse sentido que inequivocamente aponta a própria cláusula 7ª do contrato de trabalho celebrado entre A. e R., e a que se refere o ponto nº 2 da decisão de facto. Quando aí se alude, como local de trabalho contratado, ao estabelecimento de um determinado cliente da empregadora, está-se precisamente a reconduzi-lo a um local em concreto; quando nessa mesma cláusula se prevê também que o local de trabalho possa ser outro, geograficamente situado no distrito de Faro, está-se exatamente a admitir que a R. determine uma mudança (ou transferência) desse local, condicionada embora por aqueles limites geográficos.
Afigura-se por isso ser inequívoco, não obstante os argumentos esgrimidos pela apelante em sentido contrário, que na prática são de puro cariz terminológico, que na hipótese dos autos está em causa uma óbvia transferência do local de trabalho do A., determinada pela recorrente.
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Perguntar-se-á então se essa mudança estava, ou não, dependente da concordância do trabalhador, e na hipótese afirmativa se tal acordo poderia ter-se por obtido em face da cláusula contratual que as partes haviam celebrado, aquando da contratação do A. ao serviço da R., em 2004.
A primeira questão parece-nos ter uma resposta linear. O já referido art.º 411º, nº 1, não admite duas leituras, sendo claro no sentido de exigir o acordo nesse sentido do trabalhador a transferir, quando o mesmo é membro da estrutura de representação coletiva dos trabalhadores, como sucederá com um delegado sindical[3]. A concessão do necessário acordo assume pois quase a natureza de um verdadeiro direito potestativo que assiste ao trabalhador envolvido, naquilo que é afinal um reflexo do direito ao exercício da atividade sindical dentro da empresa, que se acha constitucionalmente protegido.
Aqui chegados, coloca-se então aquela que é a última e porventura mais delicada questão: tal como pretende a recorrente, poderá entender-se tal acordo como tendo sido previamente concedido, pelo facto de ter sido contratualmente clausulado que o A. poderia ser transferido para outro local de trabalho, que se situasse na área geográfica do distrito de Faro?
Mas também aqui não nos parece assistir razão à recorrente, desde logo porque não são comparáveis as circunstâncias que se verificavam quando foi ordenada a transferência do apelado, e aquelas que ocorriam quando foi formalizado o contrato de trabalho que as partes celebraram, em 2004.
À data, a admissão do A. ao serviço da recorrente deu-se no âmbito dum contrato a termo de seis meses, que mais tarde veio a converter-se em contrato por tempo indeterminado.
Tendo-se o A. mantido a trabalhar para a empresa durante pelo menos dez anos, e sempre no mesmo local (a Quinta…, em Lagos), em Março de 2014 veio ele a ser eleito delegado sindical pelos seus colegas de trabalho. E a verdade é que tal facto alterou significativamente o estatuto do demandante dentro da R., conferindo-lhe os direitos necessários ao exercício da atividade sindical na empresa, entre os quais se insere aquele que ora nos ocupa: o de não poder ser transferido do seu local de trabalho sem o seu prévio acordo.
Nestas circunstâncias, substantivamente alteradas, parece-nos evidente que a referida cláusula contratual cessou a sua vigência a partir do momento em que também mudou o quadro legal aplicável à transferência do local de trabalho, agora consideravelmente mais exigente.
Vamos até mais longe: não tendo durante dez anos a R. ativado, quanto ao A., a regra da rotatividade que veio agora invocar, o princípio da boa fé consignado no art.º 126º, nº 1, do C.T., exigiria que a recorrente, no quadro duma salutar gestão empresarial, pautada pela regra da recíproca colaboração acolhida no nº 2 do mesmo art.º, diligenciasse no sentido de obter a concordância do trabalhador, antes de unilateralmente o ter transferido para o posto da ISS de Lagos.
Não o tendo feito, forçoso é concluir-se ter a recorrente agido em frontal violação do citado art.º 411º, nº 1, do C.T., e da referida Cl. 49º, nº 3, do CCT aplicável.
Daí que concluamos improcederem todas as conclusões da alegação da apelante, não merecendo por isso censura a sentença recorrida.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação improcedente, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Évora, 23-06-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Joaquim António Chambel Mourisco
José António Santos Feteira

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[1] (…)
[2] Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outras e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, e entre as mesmas associações de empregadores e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas e outras, publicado no BTE nº 8, de 28/2/2011, e nº 17, de 8/5/2011, com Portaria de Extensão publicada no BTE nº 19, de 22/5/2012.
[3] Neste sentido v. Ac. STJ de 30/3/2011, in www.dgsi.pt