Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7337/19.3T8STB-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, as prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, em que se fracionou a obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros;
II – Em caso de incumprimento por parte do mutuário de uma ou mais prestações, o exercício pelo credor da faculdade que o artigo 781.º do Código Civil lhe concede, de exigir o cumprimento da totalidade da dívida, não altera o prazo de prescrição aplicável.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7337/19.3T8STB-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo de Execução de Setúbal



Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que (…) – Serviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas, S.A. move contra (…), na qual é apresentado, como título executivo, requerimento de injunção com fórmula executória, deduziu o executado os presentes embargos, em que cumulou a oposição à execução e a oposição à penhora, invocando a prescrição da obrigação exequenda – sustentando que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos e havia já decorrido à data da primeira interpelação para pagamento, que ocorreu com a notificação do requerimento de injunção –, bem como a inexistência de tal obrigação, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Por despacho de 19-10-2021, foi indeferida liminarmente a oposição à penhora e recebida a oposição à execução.
A embargada contestou, sustentando que o prazo de prescrição aplicável é o ordinário de vinte anos, pugnando pela improcedência da oposição à execução.
Teve lugar tentativa de conciliação, na qual se comunicou às partes que o estado do processo permitia a apreciação do mérito da causa, sem necessidade da produção de provas, e se concedeu prazo para se pronunciarem, querendo, sobre o sentido da decisão final a proferir.
Ambas as partes emitiram pronúncia.
Por decisão de 14-07-2022, foi fixado o valor ao incidente, proferido despacho saneador e discriminados os factos tidos por provados, após o que se apreciou considerou verificada a exceção de prescrição invocada, julgando-se procedentes os embargos, nos termos seguintes:
Pelo que vem de ser exposto, considerando verificada a exceção da prescrição, julgo os presentes embargos procedentes e, por consequência, determino a extinção da execução.
Custas pela exequente.
Notifique.
Inconformada, a embargada interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que julgue improcedente a exceção deduzida, formulando as conclusões que se transcrevem:
«A) A apelante intentou, em 14/11/2019, contra o Executado uma execução, na qual alegou o incumprimento, por parte do Executado, do contrato de crédito.
B) Entendeu o Tribunal a quo estar prescrito o direito de que a Exequente se arroga titular nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil e, em consequência, julgou os embargos procedentes.
C) A Exequente não concorda com a Douta Decisão proferida pelo Tribunal a quo.
D) Com a outorga do contrato de crédito, comprometeu-se o Executado a proceder ao pagamento em prestações, vencendo-se as demais prestações com a falta de realização de uma, nos termos e para os devidos efeitos do artigo 781.º do Código Civil.
E) Resulta do contrato de concessão de crédito celebrado pelo mesmo que o pagamento das prestações a que o mesmo se vinculou tinham prazo certo, submetendo-se, assim, ao prazo geral ordinário de 20 anos.
F) Sendo certo que, sempre que o Executado incumpriu alguma das prestações, ficava em mora, relativamente a essas prestações incumpridas.
G) Deste modo, está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, o que, na óptica da Apelante, torna inaplicável o prazo prescricional previsto no artigo 310.º do Código Civil.
H) Não se tratando, pois, de obrigações periódicas e renováveis, caraterística esta que nos reconduz ao supra referido prazo de prescrição ordinário e não a um qualquer reduzido prazo para o efeito.
I) Assim, quanto ao presente contrato encontramo-nos perante prestações instantâneas e fraccionadas, reportando-se a uma obrigação única, com vencimentos intervalados.
J) Sucede que, não estando prescrito o capital devido, necessariamente também não estão os respectivos juros de mora.
K) Mas ainda que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, sempre serão devidos os juros vencidos nos cinco anos anteriores à entrada do requerimento de Injunção.
L) “A dívida de juros não é uma dívida a prestações, mas antes uma dívida que, periodicamente (ou dia a dia) renasce: no termo de cada período (ou dia) vence-se uma nova dívida ou obrigação” (F. Correia das Neves, “Manual dos Juros”, 3.ª Edição, Coimbra, 1989, pág. 194).
M) - Com efeito “o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306.º, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas dívidas de juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia a dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos” (Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 1987).
N) Deste modo, pelo menos os juros de mora vencidos cinco anos antes da entrada do requerimento de injunção nunca se encontrariam prescritos.
O) Nestes termos, não pode o crédito peticionado pela ora Apelante considerar-se prescrito.»
O embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre determinar o prazo de prescrição aplicável e apreciar a questão da invocada prescrição do crédito exequendo.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentos de facto
Na 1.ª instância, foram considerados provados os factos seguintes:
1. A execução baseia-se em requerimento de injunção apresentado pela exequente em 26.12.2018, no qual o Sr. Secretário de Justiça apôs fórmula executória no dia 17.09.2019.
2. No requerimento de injunção, depois de indicar que foi celebrado um contrato de abertura de crédito em 20.04.2007, a exequente alegou o seguinte:
“(…)
1. Por contrato de Cessão de Créditos a (…), Instituição Financeira de Crédito, S.A. cedeu o crédito em causa nestes autos à (…) – Serviços de Tratamento e Aquisição de Dívidas, S.A..
2. A presente acção constitui meio idóneo para dar conhecimento ao devedor da cessão de créditos em termos idênticos à notificação prevista no artigo 583.º do Código Civil.
3. Neste sentido veja-se Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Setembro de 2009 e 03 de Fevereiro de 2000 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2009, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
4. A Requerente é, assim, parte legítima na presente acção, com interesse em demandar porque é a legítima titular do crédito resultante do incumprimento do contrato.
5. Por documento particular foi celebrado pela (…), Instituição Financeira de Crédito, S.A. com o(a) Requerido(a), um contrato de crédito, ao qual foi atribuído o n.º (…), denominado (…).
6. O(a) Requerido(a) comprometeu-se ao pagamento em prestações, mensais e sucessivas.
7. O(a) Requerido(a) nunca denunciou o contrato nos termos das respectivas cláusulas.
8. No entanto, o(a) Requerido(a) deixou de efectuar o pagamento mensal das prestações, pelo que em 1/7/2007, verificou-se o incumprimento definitivo do contrato.
9. Tendo ficado em dívida o montante de € 3.196,62.
10. Essa quantia venceu juros à taxa legal desde a data atrás referida até à data da propositura da presente acção os quais são, neste momento, no valor de € 1.458,36.
11. Nos termos das cláusulas gerais do contrato, é ainda devida uma indemnização calculada com base na aplicação de uma sobretaxa de 4 pontos percentuais, que acrescerá aos juros de mora, sobre as quantias em dívida e que ascende a € 1.458,36.
12. Após o incumprimento definitivo do contrato, o(a) Requerido(a) efectuou o pagamento de € 0.
13. Assim, a quantia em dívida à presente data ascende a € 6.113,34, à qual acrescem juros vincendos até integral e efectivo pagamento, bem como todas as custas de parte, a apurar a final.”.
3. Constam das condições gerais do documento referido no requerimento injuntivo (contrato de crédito ao qual foi atribuído o n.º …), além do mais, as seguintes cláusulas:
“(…)
5. Reembolso mínimo, prestação mensal e custo do crédito
5.1. O(s) subscritor(es) pagará(ão) no dia 1 (um) de cada mês uma quantia pré-definida em função do capital em dívida, conforme consta do seguinte quadro:
(…)
As mensalidades previstas neste quadro respeitam a impostos sobre o crédito concedido, juros sobre o capital em dívida, amortização de parte deste e eventualmente prémio de seguro (…).
(…)
9. Incumprimento e resolução do contrato
9.1 Caso o(s) subscritor(es) não pague(em) a mensalidade que está(ão) obrigado(s) nos termos do disposto na cláusula 5.1, ou se verifique um atraso no pagamento de quaisquer quantias devidas pelo(s) subscritor(es) no âmbito do presente contrato será devida à GE uma indemnização calculada com base na aplicação de uma sobretaxa de quatro pontos percentuais que acrescerá aos juros de mora legalmente devidos, sobre as quantias em dívida, bem como todas as despesas e encargos administrativos associados a este contrato.
(…)”.
4. A execução de que os presentes autos constituem apenso foi proposta em 05.11.2019.
5. O executado foi citado para os termos da execução em 07.01.2020.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
A recorrente põe em causa a decisão que julgou extinta a ação executiva que constitui o processo principal, em consequência de se ter considerado verificada a arguida exceção de prescrição, com fundamento na aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, e no respetivo decurso à data da propositura da execução.
Discorda a recorrente do prazo de prescrição tido em conta pelo tribunal de 1.ª instância, sustentando que é aplicável à dívida exequenda o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, não decorrido à data da propositura da execução.
Vejamos se o caso presente preenche os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, conforme entendeu a 1.ª instância, ou se é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos previsto no artigo 309.º do mesmo código, como defende a recorrente.
Sob a epígrafe Prazo ordinário, dispõe o mencionado artigo 309.º que o prazo ordinário de prescrição é de vinte anos, preceito do qual decorre que será este o prazo aplicável na ausência de disposição especial que preveja prazo mais curto. O referido artigo 310.º, por seu turno, com a epígrafe Prescrição de cinco anos, prevê diversas situações às quais aplica este prazo especial de prescrição mais curto, designadamente a indicada na alínea e), com a redação seguinte: as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Cumpre verificar se o crédito exequendo consiste em quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, conforme se considerou na decisão recorrida.
Foi apresentado como título executivo um requerimento de injunção com fórmula executória, no qual alegou a exequente que lhe foi cedido, por (…), Instituição Financeira de Crédito, S.A., o crédito que identifica, sustentando que a cedente celebrou em 20-04-2007 um contrato de abertura de crédito com o executado, que se comprometeu a proceder ao pagamento de determinado montante em prestações mensais e sucessivas, tendo deixado de efetuar o pagamento de tais prestações pelo menos em 01-07-2007, permanecendo em dívida a quantia de € 3.196,62, que entretanto venceu juros.
Está em causa o acordo a que alude o ponto 3 de 2.1., do qual consta que o respetivo subscritor pagará, no dia 1 de cada mês, uma quantia pré-definida em função do capital em dívida, respeitando as mensalidades previstas no contrato a impostos sobre o crédito concedido, juros sobre o capital em dívida, amortização de parte deste e eventualmente prémio de seguro; mais consta do clausulado no contrato o seguinte: Caso o(s) subscritor(es) não pague(em) a mensalidade que está(ão) obrigado(s) nos termos do disposto na cláusula 5.1, ou se verifique um atraso no pagamento de quaisquer quantias devidas pelo(s) subscritor(es) no âmbito do presente contrato será devida à (…) uma indemnização calculada com base na aplicação de uma sobretaxa de quatro pontos percentuais que acrescerá aos juros de mora legalmente devidos, sobre as quantias em dívida, bem como todas as despesas e encargos administrativos associados a este contrato.
Alega a exequente no requerimento de injunção que o contrato outorgado em 20-04-2007 não foi cumprido pelo devedor a partir de 01-07-2007, encontrando-se assente que tal requerimento foi apresentado pela exequente em 26-12-2018.
Decorre dos termos da concessão de crédito acordados entre as partes a assunção, pelo executado, da obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de uma taxa anual efetiva de percentagem previamente determinada, a qual tipicamente engloba juros, impostos, seguros obrigatórios e outros encargos a integrar no custo a suportar pelo mutuário como contrapartida da concessão do crédito. Convencionaram as partes, ainda, fracionar o pagamento do montante total da dívida em determinadas prestações mensais e sucessivas de igual montante.
Trata-se, assim, de uma única obrigação, de montante previamente determinado, cujo pagamento acordaram as partes fracionar em prestações mensais e sucessivas de montante que fixaram. Tendo em conta que aquela obrigação engloba a restituição do capital mutuado e os juros e demais encargos abrangidos pela taxa anual efetiva, daqui decorre que as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros e demais encargos abrangidos pela taxa anual efetiva, pelo que se mostra preenchida a previsão da citada alínea e) do artigo 310.º, relativa a quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, sendo aplicável o prazo especial de prescrição de cinco anos estabelecido neste preceito.
Sustenta a apelante que, por efeito da falta de pagamento de uma ou mais das prestações acordadas, se venceram as restantes prestações em que as partes haviam fracionado o montante global, cumprindo apreciar se tal altera o prazo de prescrição aplicável.
Tratando-se de contrato de mútuo liquidável em prestações, cumpre atender ao disposto no artigo 781.º do Código Civil, o qual, sob a epígrafe Dívida liquidável em prestações, dispõe o seguinte: Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
Em anotação ao preceito, afirma Ana Prata (Código Civil: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 979-980) o seguinte: “Esta norma trata das obrigações instantâneas, cujo cumprimento é fracionado ou parcelado, em regra por acordo das partes”.
Decorre do acordado entre as partes a assunção, pelo mutuário, da obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros e demais encargos previstos no contrato, a integrar no custo a suportar como contrapartida da disponibilização temporária da quantia emprestada; convencionaram as partes, ainda, fracionar o pagamento do montante total da dívida em prestações mensais e sucessivas. Está em causa, como supra exposto, uma única obrigação, de montante previamente determinado, cujo pagamento acordaram as partes fracionar em prestações mensais e sucessivas de montante que fixaram. Considerando que as prestações em que as partes fracionaram tal obrigação configuram a restituição fracionada do capital, acrescido dos juros e demais encargos, é aplicável o disposto no citado artigo 781.º.
Analisando o preceito, verifica-se que prevê o efeito jurídico decorrente da falta de pagamento de uma das prestações, estatuindo que tal incumprimento importa o vencimento das restantes prestações. Porém, não decorre do preceito que o vencimento da totalidade da dívida resulte automaticamente da falta de pagamento de uma das prestações, antes sendo facultada ao credor a possibilidade de exigir o cumprimento das prestações restantes, o que lhe permite optar entre exigir ou não tal cumprimento antecipado.
Pretendendo o credor, em caso de incumprimento por parte do mutuário, exigir o cumprimento da totalidade da obrigação, deverá interpelar o devedor, nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil. Conferindo o artigo 781.º ao credor o direito a exigir o cumprimento da totalidade da dívida, tal direito deverá ser exercido mediante interpelação do devedor para cumprir.
O exercício pelo credor desta faculdade – de exigir, em caso de incumprimento por parte do mutuário, o cumprimento da totalidade da dívida – não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição aplicável, mantendo-se os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do citado Código.
Em análise efetuada no âmbito de situação análoga, considerou-se, no acórdão desta Relação de 27-01-2022 (relatado pelo ora 1.º Adjunto), proferido no processo n.º 791/20.2T8MMN-A.E1 (publicado em www.dgsi.pt), que um argumento a favor da tese da manutenção do prazo de prescrição de 5 anos não obstante o vencimento antecipado das prestações remanescentes nos termos do artigo 781.º é o de que a alteração daquele prazo para 20 anos, nos termos do artigo 309.º, equivaleria a deixar ao arbítrio do credor a opção por um ou outro prazos, consoante exigisse, ou não, o cumprimento antecipado das referidas prestações.
No aludido acórdão, explica-se o seguinte:
Este argumento pressupõe uma tomada de posição acerca da interpretação do artigo 781.º. Não obstante a redacção desta norma poder inculcar que, uma vez incumprida uma das prestações em que a obrigação foi fraccionada, as restantes prestações se vencem automaticamente, isto é, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade do credor nesse sentido, a melhor doutrina inclina-se no sentido de que tal vencimento não é automático, antes dependendo de uma manifestação de vontade do credor que, com fundamento no incumprimento, interpele o devedor para efectuar o pagamento antecipado das prestações ainda não vencidas. Excluem-se, naturalmente, do âmbito de tal interpelação, a ou as prestações cujo incumprimento fundamentou a interpelação pois essas venceram-se nas datas para o efeito estipuladas, independentemente de interpelação, nos termos do artigo 805.º, n.º 2, alínea a).
Sendo o regime decorrente do artigo 781.º o descrito, o argumento exposto tem razão de ser. O credor que, apesar da falta de pagamento de uma ou mais prestações, não interpelasse o devedor para cumprir antecipadamente as restantes, ficaria com a possibilidade de, segundo o seu arbítrio, determinar, a qualquer momento, a ampliação do prazo de prescrição para 20 anos, efectuando a referida interpelação. Ora, esta disponibilidade do prazo da prescrição por uma das partes contraria as exigências de certeza e segurança ínsitas no instituto da prescrição.
Concluindo, a única consequência da falta de pagamento de uma ou mais das prestações em que uma obrigação se encontre fraccionada é a perda do benefício do prazo estabelecido em benefício do devedor, nos termos do artigo 781.º, devidamente interpretado. As prestações vincendas tornam-se exigíveis em sentido fraco, podendo o credor exigir o seu pagamento antecipado mediante interpelação do devedor. O prazo de prescrição continua a ser de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e) (…).
No mesmo sentido, tem entendido a jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça que, no aludido contexto, o vencimento antecipado das restantes prestações não altera a aplicabilidade do prazo de prescrição de cinco anos, conforme decorre, entre outros, dos arestos seguintes:
- acórdão de 14-07-2021 (relator: Ilídio Sacarrão Martins), proferido na revista n.º 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1- 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), o qual, reportando-se a situação análoga à que está em causa nos presentes autos, considerou o caso enquadrável na situação prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil;
- acórdão de 06-07-2021 (relatora: Fátima Gomes), proferido na revista n.º 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 04-05-2021 (relator: Pedro Lima Gonçalves), proferido na revista n.º 3522/18.3T8LLE-A.E1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 29-04-2021 (relator: João Cura Mariano), proferido na revista n.º 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O disposto no artigo 781.º do CC aplica-se às prestações fracionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objeto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente; II - Apesar da redação equívoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações; III - As prescrições de curto prazo das alíneas d) e e) do artigo 310.º do CC abrangem as obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas, englobando o pagamento de juros convencionais e a amortização de capital mutuado, com origem na celebração de um contrato de mútuo;
- acórdão de 28-04-2021 (relatora: Graça Amaral), proferido na revista n.º 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 - 6.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O contrato de mútuo bancário em que a obrigação de restituição do capital mutuado se mostra fraccionada (prestações) consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), sendo, por isso, aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC; II - Não releva para efeitos de enquadramento em termos de prescrição a circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, o direito de crédito se vencer na sua totalidade com o vencimento imediato de todas as fracções;
- acórdão de 08-04-2021 (relator: Nuno Pinto Oliveira), proferido na revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: Em contratos de mútuo, em que se “compartimenta” a obrigação de restituição do capital em quotas de amortização, o vencimento antecipado de todas as prestações, em consequência do artigo 781.º do CC, não prejudica a aplicação do prazo do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 09-02-2021 (relator: Fernando Samões), proferido na revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC; II - O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 26-01-2021 (relatora: Maria João Vaz Tomé), proferido na revista n.º 20767/16.3T8PRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital – obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado; II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do artigo 781.º do CC, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital; III - De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do artigo 310.º, alíneas d) e e), do CC – de cinco anos a contar do respetivo vencimento; IV - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”;
- acórdão de 14-01-2021 (relator: Tibério Nunes da Silva), proferido na revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no artigo 781.º do CC (que não tem natureza imperativa), o não pagamento de uma delas, conferindo ao credor o direito de exigir antecipadamente o cumprimento das vincendas, não o dispensa de interpelar o devedor para proceder ao respectivo pagamento; II - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da alínea e) do artigo 310.º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos; III - A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 12-11-2020 (relatora: Maria do Rosário Morgado), proferido na revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na alínea e) do artigo 310.º do CC; II - A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição;
- acórdão de 03-11-2020 (relatora: Fátima Gomes), proferido na revista n.º 8563/15.T8STB-A.E1.S1 - 1.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização; II - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do artigo 310.º, alínea e), do CC; III - A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do artigo 310.º do CC;
- acórdão de 10-09-2020 (relator: Rijo Ferreira), proferido na revista n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 - 2.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: Às quotas de amortização de capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no artigo 310.º, alínea e), do CC, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas;
- acórdão de 16-06-2020 (relatora: Maria João Vaz Tomé), proferido na revista n.º 23762/15.6T8PRT-A.P1.S1 - 1.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se entendeu: I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital – obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros – são obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado; II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do artigo 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital; III - Revestindo-se o preceito do artigo 781.º do CC de natureza supletiva, à luz do princípio da autonomia negocial, as partes podem afastar a disciplina nele consagrada, acordando, designadamente, o vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor; IV - Considerando-se estarem em causa dívidas a prestações, uma vez que o objeto da prestação se encontra pré-determinado, o valor da prestação não depende da duração da relação contratual e, por isso, aplicar-se-ia, o prazo ordinário de prescrição de vinte anos; V - Porém, e de modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do artigo 310.º, alíneas d) e e), do CC – de cinco anos a contar do respetivo vencimento; VI - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar, nos termos acordados pelas partes, o vencimento antecipado e automático das restantes prestações, em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”;
- acórdão de 18-10-2018 (relator: Olindo Geraldes), proferido na revista n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 - 7.ª Secção (publicado em www.dgsi.pt), no qual se entendeu: I - O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – artigo 310.º, alínea e), do CC; II - A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
Face à controvérsia jurisprudencial de que tem sido objeto a mencionada questão de direito, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência, pelo seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30-06-2022 (publicado no Diário da República, n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22), nos termos seguintes: «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
No caso presente, resultando da análise supra efetuada, a qual se encontra em consonância com a orientação jurisprudencial constante dos mencionados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que se mostra preenchida a previsão da alínea e) do artigo 310.º, cumpre concluir que é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, conforme considerou a 1.ª instância.
Acresce que a decisão recorrida se mostra conforme à orientação jurisprudencial recentemente fixada no citado Acórdão Uniformizador, não apresentando a apelante nas alegações de recurso qualquer argumento ou motivo que justifique o respetivo afastamento.
Como tal, decorrendo da aplicação do prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), a prescrição de todas as prestações não liquidadas, impõe-se declarar extinta a execução que constitui o processo principal, conforme se decidiu.
Mostra-se, assim, acertada a decisão recorrida, improcedendo a apelação.


Em conclusão:
(…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.


Évora, 12-01-2023
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
(1.ª Adjunto)
José Manuel Barata
(2.º Adjunto)