Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
153/14.0T8FTR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
ASSINATURA
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O reconhecimento da veracidade das assinaturas apostas num documento particular não implica o reconhecimento de que os factos constantes das declarações negocias nele exaradas sejam verdadeiros, designadamente, perante terceiro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


AA intentou acção declarativa de condenação contra BB pedindo que o R. seja condenado:
- a abster-se de perturbar o A no exercício da sua actividade em qualquer dos prédios contemplados pelo contrato de arrendamento rural.
- e no pagamento em favor do A de indemnização global quantificada em €5.700,00.
Genericamente alegou que o R vinha utilizando a propriedade com a sua tolerância (e de seu pai) sendo que desde o ano passado que começou a empreender lavagem de viaturas e pequenos consertos nas mesmas na propriedade que aquele traz de arrendamento, inquinando as águas e impossibilitando o abeberamento do gado ovino que explora. Com tais comportamentos pugna ter sofrido prejuízo que fixa em € 4.500,00.
Acresce que no âmbito daquelas condutas e atitudes do R, o A teme pela sua integridade física e encontra-se apoquentado por não poder retirar alfaias agrícolas do local em causa, bem como por não poder empreender exploração agropecuária devida, pelo que julga ser-lhe devida compensação no montante de € 1.200,00.
O R., devida e regularmente citado, veio contestar.
Referenciou então que o A não traz a propriedade arrendada, tendo apenas “comprado as pastagens” a seu pai, e é por isso que paga os € 2.500,00 anualmente, sendo certo que não apascenta quaisquer ovelhas naquela propriedade. Ele, por outro lado, desde 1995 que vem utilizando a propriedade em causa, pagando pela mesma utilização ao pai do A, anualmente. Em 2014 comprou uma propriedade confinante e utiliza o terreno porque o pai do A lhe deu autorização para tanto e uma vez que paga por isso mesmo.
Terminou pugnando pela improcedência do pedido.
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Depois de realizado o julgamento foi decidido julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, e em consequência absolver o R. dos pedidos formulados pelo A..
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Desta sentença recorre o A. concluindo a sua alegação nestes termos:
O fundamento do recurso é o erro de julgamento. E isto porque o aqui Apelante formulou os seus pedidos com base no contrato de arrendamento rural que aos 25.09.1995 celebrou com CC e mulher DD, estes enquanto senhorios e o recorrente enquanto locatário.
O R. impugnou estes factos mas não o documento que os suporta. E devia fazê-lo mediante contraprova da presunção de veracidade resultante do reconhecimento notarial.
Logo, porque não atacado o documento n.º 1 em sede de contestação, segue-se que os factos que com o mesmo se pretendiam demonstrar, (entenda-se os constantes dos artigos 1.º a 3.º da p.i.) devem ser havidos por provados.
O Tribunal a quo incorreu em 2 erros. O primeiro, traduzido na circunstância de que tanto a validade quanto a eficácia do contrato em causa jamais fora questionada pelo R, que se limitou a afirmar o seu desconhecimento quanto aos factos, mas mantendo-se inerte quanto ao contrato. Ou seja: questionou a existência do contrato, mas não já o seu conteúdo. O segundo erro do Tribunal a quo consistiu em fazer recair sobre o Autor o ónus da prova. E isto porque, como alegado e provado, as assinaturas de todos outorgantes no contrato acham-se sob o escudo dum acto notarial: o reconhecimento das assinaturas. Logo, ipso facto, o A. tem a seu favor a presunção da veracidade de todas as assinaturas apostas no contrato. E quem goza de presunção legalmente estabelecida está desonerado de prova.
Por isso, o facto não provado sob o n.º 10 deve ser dado por provado.
Alega também que deve ser dado por provado que o A. sempre cumpriu a sua parte do contrato (art.º 20.º da p.i.); mas como o tribunal não se pronunciou sobre isto, existe nulidade da sentença.
Por força do acordo escrito retratado sob a alínea a), dos Factos Provados, e fazendo uso do mesmo critério de que o Tribunal se socorreu para dar como provado o dito pagamento de € 250,00, devem, igualmente, ser dados como provados os pagamentos consignados no art.º 20º da pi, tanto mais que o R., ao contrário do A, não juntou qualquer recibo nem documento que demonstre o modo de pagamento (pelo que a dúvida é razoável e por isso legitima). A isto acresce que,
Ao motivar a decisão de facto (entenda-se o pagamento da contrapartida de €250,00) o Tribunal usou do escrito de fls. 56 a 59 dos autos. Só que o dito escrito menciona a quantia de €270,00. Logo, a decisão não está conforme ao fundamento, o que encerra nulidade - V artigo 615º, nº1, c), do Cód. de Processo Civil.
Termina concluindo que a sentença fez, pois, violação do disposto nos artigos 375º, nº 3, 342º, nºs 1 e 2, 349º, e 350º,nº1, todos do Cód. Civil; artigo 153º, nºs 2 e 6 do Código do Notariado; artigos 574º, nºs. 1 e 2, 608º, nº2 e 615º, nº1 c), e d), todos do Cód. de Processo Civil.
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O recorrido contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Começaremos pela invocação das nulidades da sentença.
A omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), Cód. Proc. Civil, refere-se aos termos do litígio, isto é, quando o tribunal não se pronuncie sobre uma das questões jurídicas colocadas à sua apreciação. A falta de consideração de algum dos factos alegados pode constituir erro de julgamento mas não é a figura descrita naquele preceito legal.
E o mesmo se dirá em relação à segunda pois que não há contradição entre os fundamentos e a decisão do litígio [e é a esta que se refere a al. c)]; também aqui pode haver erro de julgamento, erro na fundamentação da apreciação da prova, mas não há nulidade.
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O A. alegou nos art.ºs 1.º a 3.º da sua p.i. o seguinte:
Em 25.09.1995 o aqui A celebrou com CC e mulher DD, contribuintes respectivamente números, 147127769 e 147127777, pelo prazo de 40 anos, um contrato de arrendamento rural com início em 01.10.1995, renovável por períodos de 5 anos com as respectivas assinaturas dos outorgantes reconhecidas notarialmente e tudo, como decorre do documento anexo, cujo neste espaço oferece como integralmente reproduzido.
O referido contrato de arrendamento rural, iniciado em 01.10.1995, está, actualmente, ainda na 1ª fase da sua vigência cuja se esgotará justamente em 30.09.2035.
O dito contrato de arrendamento rural contempla o conjunto de prédios rústicos e mistos, donos e legítimos possuidores CC e DD, consoante flui do texto contratual.
Pretende que eles sejam dados por provados com base neste argumento: porque não atacado o documento n.º 1 em sede de contestação (o contrato de arrendamento) segue-se que os factos que com o mesmo se pretendiam demonstrar devem ser havidos por provados. Acresce que a falta de impugnação do documento (contrato de arrendamento) implica a conclusão de que A. tem a seu favor a presunção da veracidade de todas as assinaturas apostas no contrato. E quem goza de presunção legalmente estabelecida está desonerado de prova.
Concordamos com o recorrido quando este afirma que «o A. confunde o disposto no Art.º 374º, e não considera o disposto no Art.º 375º, do Código Civil». Por um lado, o reconhecimento das assinaturas por semelhança (que é o que consta do documento), por elas não terem sido apostas na presença do notário (cfr. art.º 153.º, n.º 5, do Código do Notariado), «vale como mero juízo pericial (art.º 375.º, n.º 3, Cód. Civil).
Por outro, ninguém discute a veracidade das assinaturas apostas nesse documento; o que o R. se limitou a dizer é que desconhece tal facto e que não se trata de um facto de que deva ter conhecimento, o que equivale à sua impugnação (art.º 574.º, n.º 3, Cód. Proc. Civil).
E do facto de as assinaturas serem verdadeiras não resulta que as declarações que elas subscrevem o sejam. O que o recorrente pretende, interpretando mal o art.º 374.º, Cód. Civil, é que, por serem verdadeiras as assinaturas, os factos compreendidos nas declarações negociais são também verdadeiros — e oponíveis ao R. que não é parte no contrato.
Mas não é isto o que a lei diz.
Por isso, o alegado contrato não deve estar provado com base nos argumentos expendidos.
Quanto ao mais, entendemos que estamos perante uma falsa questão.
Na verdade, o recorrente pretende que se dê por provado o seguinte: «10. O acordo aludido em a) é válido e eficaz». Isto nem sequer devia ter sido descrito pois que se trata de uma conclusão jurídica e não de uma realidade da vida, de um evento, de uma coisa, de algo que possamos atestar como real. Nem o A., na sua p.i., tinha alegado tal conclusão.
O facto alegado no art.º 20.º da p.i. («E não obstante o A pagou sempre a renda correspondente a anuidade no tempo e lugar próprio. Daí que, por exemplo, com respeito ao ano de 2015 o A já pagou àquele título a quantia global de € 2.500,00, cuja, aliás, foi recebida pelos respectivos proprietários inscritos, DD e mulher e o Matadouro EE») não foi tido em conta na sentença — nem no elenco dos factos provados nem no elenco dos factos não provados.
Mas é um facto irrelevante para a acção uma vez que nesta não se discute o cumprimento do contrato de arrendamento. O A. titula o seu direito a ocupar o prédio na sua condição jurídica de arrendatário e é indiferente, perante o R., que tal contrato esteja ou não a ser cumprido. Não é o R., manifestamente, que pode afastar o direito do A. com fundamento em que ele não paga a renda.
Assim, mantém-se a matéria de facto tal como consta da sentença.
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E ele é a seguinte:
a) Consta dos autos um escrito denominado “contrato de arrendamento rural”, datado de 25 de Setembro de 1995, no qual se afirma que CC e DD dão de arrendamento ao Autor os prédios rústicos e mistos, ali aludidos, tal como consta de fls. 6 e seg. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
b) O prazo aposto de duração constante do escrito referido em a) é de 40 anos, com início no dia 01 do mês de Outubro de 1995.
c) Por escritura datada de 09.12.2013, os proprietários deram em dação em cumprimento ao Matadouro EE um conjunto de prédios de entre os quais o que aqui está em litígio.
d) Encontra-se pendente Acção Judicial registada sob o n.º 41/14.0TBETZ nesta Instância Local na qual o A peticiona o exercício da preferência relativamente aos prédios aludidos e ao negócio mencionado em c).
e) O R remeteu ao A o escrito que é fls. 8 e vv. dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
f) Constam de fls. 9 e vv. uma cópia de dois cheques emitidos pelo A e onde se refere “não há ordem” após o que está escrito Matadouro EE (aposta a data de 2.10.2014) e CC (aposta a data de 2.10.2014), respectivamente.
g) O R utilizava o espaço do terreno, bem como as construções nesse prédio existentes para parquear os seus veículos pesados e reboques, ali fazendo também pequenas reparações nos veículos, desde data muito anterior a 1995.
h) Neste prédio, seguramente há cerca de 20 anos que nada foi plantado.
i) O pai do A logo após o 25 de Abril de 1974 chegou a utilizar este prédio como matadouro de ovinos; neste espaço recolhendo também todos os seus veículos de transporte de gado vivo e carcaças dos abates.
j) O R há cerca de 20 anos tinha acordado com o proprietário (pai do A) que pagava a energia eléctrica consumida em ambos os prédios, o que sempre fez.
k) Circunstância conhecida do A.
l) Há alguns anos, quando o Pai do A. se aposentou e reduziu a sua actividade económica, o R passou a pagar-lhe mensalmente o montante de € 250,00, como contrapartida da utilização do prédio.
m) Acordo que jamais foi “passado a escrito” pelo pai do A.
n) Os prédios rústicos inscritos sob os artigos 190 – Secção A e 186 Secção A e os prédios urbanos inscritos sob os artigos 734 e 1045 são confinantes entre si.
o) Quando o R tomou conhecimento da verificação de uma execução fiscal impendente sobre o prédio contactou a adquirente a quem o prédio fora adjudicado e adquiriu-lho, encontrando-se inscrito na matriz e registado a seu favor.
p) Neste imóvel existe uma fossa para onde corriam as águas da limpeza do matadouro que funcionou no prédio, recebendo essa fossa as águas de ambos os prédios.
q) Inexiste no prédio qualquer «reservatório» de águas a que o A. se refere.
r) O A só conseguiu aceder aos prédios quando arrombou as fechaduras e os cadeados que lá se encontravam.
s) O R que sempre teve e tem as chaves para poder entrar, utilizar e sair dos prédios, tal como os trabalhadores que tem ao serviço da sociedade “Transportes FF, Lda.”.
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Em relação ao mérito do recurso, e no que se refere ao primeiro pedido formulado na acção (a abstenção de o R. perturbar o A no exercício da sua actividade em qualquer dos prédios contemplados pelo contrato de arrendamento), uma vez que não se dá por provado o contrato não pode o pedido proceder.
Em relação ao segundo pedido (o de condenação de indemnização) nada se diz nas alegações.
Notaremos apenas que os danos alegados não foram provados nem o recorrente impugnou a matéria de facto nesta parte.
Assim, não se provando danos, o pedido também não pode proceder.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 5 de Novembro de 2015

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos