Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1624/14.4T8SLV-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Deduzida a oposição à execução, esta não é, em regra suspensa. No entanto, há três hipóteses de o embargante lograr conseguinte o efeito suspensivo: a primeira, de alcance geral, consiste na prestação de caução; a segunda, circunscrita às acções fundadas em documento particular sem a assinatura reconhecida, tem lugar quando o embargante alegue que a assinatura não é genuína e a terceira tem lugar quando o embargante impugne a exigibilidade ou a liquidação da obrigação.
2. A necessidade de determinar a prestação de caução por parte dos exequentes coloca-se num contexto temporal posterior, logo após a conclusão da fase de convocação e concurso de credores, não podendo o exequente nem qualquer outro credor obter pagamento, na pendência dos embargos, sem a prestar.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 1624/14.4T8SLV-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Execução de Silves – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução para pagamento de quantia certa proposta por (…), (…) e (…) contra (…) e (…), este último não se conformou com a decisão que mandou prosseguir a presente execução para cobrança coactiva do valor reclamado pelos exequentes.
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(…) deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa e à penhora que lhe foi movida pelos exequentes.
Em síntese, o executado afirma que a sentença que foi oferecida como título executivo não havia ainda transitado em julgado e que foi interposto recurso de revista que limitou a responsabilidade do embargante em 50% das quantias fixadas.
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Em sede de oposição à penhora alega que o imóvel penhorado é sua casa de morada de família e que ele embargante é pessoa doente e que esse quadro clínico converte o prédio em discussão num bem absolutamente impenhorável, por referência à al. f) do artigo 736º do Código de Processo Civil.
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O Tribunal «a quo» indeferiu liminarmente a presente oposição à execução e à penhora, dada a sua inadmissibilidade legal e manifesta improcedência, nos termos dos artigos 732º, nº 1, als. b) e c) e 785º, ambos do Código do Processo Civil.
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Foi interposto recurso autónomo da sentença proferida.
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Com o apoio do mesmo argumentário anterior, o executado (…) veio apresentar o presente pedido de suspensão da instância, que foi indeferido pelo Juízo Central de Execução de Silves. E é essa a decisão que está em causa no presente recurso.
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Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
1) O Recorrente vem interpor recurso da decisão que manda prosseguir a presente execução para cobrança coactiva do valor reclamada pelos Recorridos.
2) Os Recorridos vieram executar uma sentença condenatória, ainda antes do seu trânsito em julgado.
3) Em 7 de Julho de 2014, foi penhorado à ordem do presente processo, o prédio misto sito na (…), freguesia de Bensafrim, no concelho de Lagos, composto de parte urbana destinada à habitação e parte rústica, inscrito na respectiva matriz urbana sob o nº (…) e uma parte rústica sob o nº (…) da Secção 1D, descrito na CRP de Lagos sob o nº (…) da freguesia de Bensafrim.
4) Em 18 de Maio de 2015, o Recorrente deduziu embargos de Executado e oposição à penhora, que deram origem ao apenso A do presente processo onde o Recorrente alegou a impenhorabilidade total do imóvel penhorado, sua casa de morada de família e essencial para a recuperação física e psíquica dos muitos problemas de saúde de que padece.
5) A Meritíssima Juíza do processo a quo proferiu sentença que põe termo ao anexo dos embargos, que foi notificada ao Recorrente em 12 de Janeiro de 2018, e que ainda não se encontra transitada em julgado. Na mesma data, o Recorrente foi notificado de despacho proferido pela Meritíssima Juíza, onde se mandava a execução prosseguir os seus termos.
6) O Recorrente não se conforma nem com a sentença nem com o despacho.
7) Verifica-se que a sentença proferida ainda não transitou em julgado e que a execução, a prosseguir os seus termos, avançará de seguida para a fase de venda.
8) A venda constitui fase introdutória da venda, pois inicia o processo de liquidação do património do Executado, sendo este o entendimento dos Tribunais superiores.
9) Neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto in BMJ 375-446 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo nº 88/06.0TTFIG-F.C1 de 21/10/2010 (in www.dgsi):
“I – Nos termos do artº 872º, nº 1, do CPC, numa acção executiva o pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da venda dos bens penhorados.
II – Havendo oposição à execução, quando esta (a execução) prossiga nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento na pendência da oposição sem prestar caução prévia.
III - A referida “fase de pagamento”, no processo executivo, inicia-se com a venda dos bens penhorados.
IV – Na verdade, é com a venda ou adjudicação dos bens penhorados que se inicia a liquidação do património do executado a fim de satisfazer o crédito exequendo.
V – Ao determinar a prestação da caução nos sobreditos termos, o legislador não pode ter querido outra coisa se não a de salvaguardar o património do executado, a sua intocabilidade, enquanto se não decidir definitivamente sobre a procedência (ou não) da oposição à execução.
VI – Quer no domínio do DL nº 329-A/95, quer no domínio do Decreto-Lei nº 38/03, de 8/03, a execução não pode prosseguir para a fase de pagamento, cujo início tem lugar com as diligências tendentes à venda dos bens penhorados, a não ser que o exequente preste caução, nos termos do artigo 818º, nº 4, do CPC”.
10) No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo nº1475/2007-1 de 13/03/2007, onde se diz o seguinte:
“No processo executivo para pagamento de quantia certa tanto no domínio do DL 329-A/95, como no regime actual, estando pendentes embargos de executado (actual oposição), o credor/exequente só obterá pagamento se prestar caução, artigo 819º que corresponde ao actual artigo 818º, nº 4, do Código de Processo Civil.
A fase do pagamento na execução inicia-se com os actos destinados à venda dos bens penhorados”.
11) Tal entendimento tem todo o sentido, pois o prejuízo do Recorrente concretiza-se com a venda e não com o pagamento do valor obtido com esta aos Recorridos, sendo certo que deve ser previamente à venda que se deve exigir a prestação de caução para garantir, no caso de sucesso dos embargos, um menor prejuízo do Recorrente.
12) Bem se sabe que concretizando-se a venda do imóvel no presente processo, a probabilidade será que o valor da venda seja bastante inferior ao valor de mercado.
13) Prosseguindo a presente execução, corre-se o real risco de ser efectuada a venda do bem e ser posteriormente reconhecida, em sede dos mesmos autos, a impenhorabilidade do mesmo.
14) Mesmo de um ponto de vista económico, tal situação acarretaria enorme prejuízo para o Recorrente, que perderia a sua casa e se arriscaria a que o valor obtido pela mesma não cobrisse a quantia exequenda.
15) E obtendo provimento a alegação de impenhorabilidade do bem, nunca o Recorrente seria plenamente ressarcido com o pagamento de uma caução hipoteticamente prestada pelos Recorridos.
16) Estamos perante uma colisão de direitos, ambos de natureza económica: Por um lado, o direito dos Recorridos a receber a indemnização em que o Recorrente foi condenado imediatamente, por outro lado, o direito do Recorrente de não ser prejudicado com uma venda que pode sofrer uma “marcha atrás” caso se considere que o bem era impenhorável.
17) É inevitável o prejuízo do Recorrente pela venda imediata do bem, quer em termos de vida e integridade física, como em termos económicos, mas os Recorridos nada perdem por aguardar a decisão da oposição à penhora, pois o bem permanece penhorado à ordem dos autos e a quantia exequenda vai vencendo juros.
18) Atento ao prejuízo grave e dificilmente reparável que a venda do imóvel, casa de morada de família do Recorrente, pode causar-lhe, quer atendendo ao aspecto pessoal, quer atendendo ao aspecto económico, a fase de venda deve aguardar a decisão transitada em julgado dos embargos.
19) Mostra-se violado o artigo 733º, nº 4, do CPC, na interpretação que lhe dão os tribunais superiores citados supra.
Nestes termos, e nos mais de direitos aplicáveis, deve ser revogado o douto despacho que mandou prosseguir a execução antes do trânsito em julgado dos embargos de executado e oposição à penhora, apresentados pelo Recorrente, devendo ser substituído por um despacho que não permite a passagem à fase de pagamento, que começa com a venda, antes do trânsito em julgado do apenso dos embargos, assim se fazendo a costumada Justiça».
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Foram apresentadas contra-alegações, nas quais os recorridos pugnam pela improcedência do recurso. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação se existe fundamento para se ordenar a suspensão da fase de venda.
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III – Dos factos apurados:
Dos elementos constantes dos autos e da análise do histórico do processo, com interesse para a decisão da apelação, deve ser considerada a seguinte factualidade:
1) (…), por si e em representação de (…), (…) e (…) propôs acção declarativa de condenação contra (…) e (…), que correu termos sob o nº 125/06.9TBLGS e concluiu pela condenação dos Réus no pagamento de quantia indemnizatória.
Por acórdão datado de 22/01/2015, o Supremo Tribunal de Justiça manteve a condenação, mas na graduação da concorrência de culpas reduziu a indemnização arbitrada a 50% – conforme certidão junta aos autos a fls. 7-17 e 24-35, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Em 7 de Julho de 2014, foi penhorado à ordem do presente processo, o prédio misto sito na (…), freguesia de Bensafrim, no concelho de Lagos, composto de parte urbana destinada à habitação e parte rústica, inscrito na respectiva matriz urbana sob o nº (…) e uma parte rústica sob o nº (…) da Secção 1D, descrito na CRP de Lagos sob o nº (…), da freguesia de Bensafrim.
3) Em 18 de Maio de 2015, o Recorrente deduziu embargos de Executado e oposição à penhora, que deram origem ao apenso A do presente processo.
4) Em sede de oposição à penhora, o Recorrente alegou a impenhorabilidade total do imóvel penhorado.
5) Foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a oposição em causa e ordenou o prosseguimento dos autos.
6) Em requerimento autónomo o executado veio solicitar a suspensão da instância executiva.
7) Por despacho datado de 11/01/2018, foi determinado que a presente execução prosseguisse os seus termos apenas para cobrança coactiva de metade dos valores cujo pagamento (coactivo) foi inicialmente reclamado pelos exequentes, face à alteração da condenação determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
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IV – Fundamentação:
O Juízo Central de Execução de Silves adianta que o presente pedido de suspensão da instância executiva corresponde a uma repetição «em termos argumentativos, dos embargos de executado por si deduzidos».
As conclusões relativas ao trânsito em julgado fazem parte da defesa apresentada nos embargos de executado e a argumentação relativa à impenhorabilidade da casa de habitação e da colisão de direitos integra o objecto da oposição à penhora. E, nessa perspectiva, naquele segmento, a apreciação da bondade e da legalidade da decisão está a ser feita no âmbito do recurso interposto da sentença incorporada a fls. 43 do presente apenso.
A decisão tomada no apenso de embargos e de oposição à penhora não pode ser alterada através do conhecimento de um recurso cujo objecto se cinge à apreciação da possibilidade da suspensão da fase de venda e as conclusões aqui apresentadas são matricialmente típicas da oposição anteriormente discutida.
Se o recurso da anterior decisão for procedente poderá dai resultar a extinção da execução, no todo ou em parte. Se, no final, os embargos forem julgados procedentes ou se o Tribunal «ad quem» concluir pela impenhorabilidade do bem imóvel em discussão, a penhora será levantada.
Em abono da verdade, a decisão aqui a proferir nunca teria essa virtualidade de alterar a existência ou a extensão do título executivo nem tampouco se poderá nesta sede declarar a impenhorabilidade do imóvel sub judice, sendo que os autos já se encontram num momento processual subsequente.
Este colectivo de juízes do Tribunal da Relação de Évora está assim impedido de se pronunciar sobre matéria que extravasa o conhecimento da violação da disciplina inscrita no nº 4 do artigo 733º do Código de Processo Civil ou de qualquer outra causa de suspensão aplicável à situação judicanda, sob pena de, agindo de outra forma, existir o risco de serem proferidos veredictos contraditórios sobre as mesmas questões de direito.
Mesmo que se admitisse que a questão poderia ser apreciada a título incidental, não existe fundamento inicial ou superveniente para alterar o decidido a respeito da exequibilidade da sentença prolatada no âmbito do processo registado sob o nº 125/06.9TBLGS[1]. Não existiria igualmente fundamento para se discordar igualmente da motivação emitida a propósito da penhorabilidade da casa de habitação do executado[2] [3] [4]. A questão da eventual colisão de direitos corresponde igualmente a matéria cujo objecto será apreciado no recurso interposto no apenso A[5] [6], ao abrigo da regra precipitada no artigo 335º[7] do Código Civil.
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Deduzida a oposição à execução, esta não é, em regra suspensa, tal como decorre da leitura da regra contida no nº 1 do artigo 733º do Código de Processo Civil. No entanto, tal como reconhece José Lebre de Freitas, há três hipóteses de o embargante lograr conseguinte o efeito suspensivo: «a primeira, de alcance geral, consiste na prestação de caução; a segunda, circunscrita às acções fundadas em documento particular sem a assinatura reconhecida, tem lugar quando o embargante alegue que a assinatura não é genuína; a terceira tem lugar quando o embargante impugne a exigibilidade ou a liquidação da obrigação»[8].
Na situação vertente o embargante não prestou caução e as outras alternativas não têm aqui assento. Aliás, não merece censura a tomada de posição da Primeira Instância quando afirma que, face ao indeferimento liminar da oposição mediante embargos, por via ex lege, não poderá ser objecto de ponderação a suspensão da execução, «como de resto decorre directamente da hipótese legal que se acha prevista no artigo 733º, nº 1[9], do Código de Processo Civil».
É certo que enquanto a sentença estiver pendente de recurso, se o bem penhorado for a casa de habitação efectiva do executado, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão definitiva, quando aquela seja susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável, tal como proclama o nº 4 do artigo 704º do Código de Processo Civil.
No entanto, ainda que se trate da residência efectiva do executado, a lei exige um requisito cumulativo que não se verifica, pois reitera-se que a sentença condenatória já se mostra transitada e isto afasta inexoravelmente a aplicabilidade do sobredito preceito.
A previsão normativa inscrita no nº 5 do artigo 733º do Código de Processo Civil também não se verifica. Apesar de o bem penhorado ser a casa de habitação efectiva do embargante, mesmo que, por petição de princípio, se admitisse que a venda era susceptível de causar prejuízo grave e irreparável, já foi proferida sentença em Primeira Instância e esta circunstância constitui obstáculo, a que, por esta via, a execução seja suspensa, ainda que essa decisão não se mostre transitada.
O agora recorrente arregimenta jurisprudência que certifica o entendimento – aliás, correcto – que havendo oposição à execução, quando a execução prossiga nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento na pendência da oposição sem prestar caução prévia.
Esta medida visa proteger o executado na eventualidade de a oposição à execução ser julgada procedente e tal directiva extrai-se claramente da leitura do nº 4 do artigo 733º do Código de Processo Civil.
Contudo, são questões procedimentais distintas a prestação de caução por parte dos exequentes e o pedido de não prosseguimento dos autos para a fase de venda. Aliás, de harmonia com os melhores critérios hermenêuticos, a necessidade de prestar caução por parte dos exequentes só é viabilizada se os autos houverem de prosseguir.
Embora se desconheçam os traços da tramitação futura da causa, reconhece-se que poderá ocorrer a necessidade de determinar a prestação de caução por parte dos exequentes mas a referida pretensão nunca foi expressamente formulada expressamente junto da Primeira Instância e esta é uma questão absolutamente distinta daquela que foi colocada à apreciação do Juízo Central de Execução de Silves. E, além do mais, mesmo que se trate de decisão oficiosa do julgador, após a penhora segue-se a fase de convocação e eventual concurso de credores, não prosseguindo os autos de imediato para a fase de venda.
Isto é, o recorrente não requereu junto do Tribunal recorrido que fosse determinado que os exequentes prestassem caução, enquanto não transitasse a sentença que se pronunciou sobre os embargos e a oposição à penhora. Em termos processuais, esta questão corresponde a matéria nova que não foi submetida à apreciação do Juízo Central de Execução de Silves e o accionamento desta precaução processual coloca-se num contexto temporal posterior ao do pedido de suspensão da execução.
Na realidade, fora do quadro das excepções legais, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[10]. No mesmo sentido pode ser consultado Nuno Pissarra[11].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[12] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o Tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao Tribunal recorrido[13] [14].
Deste modo, a matéria introduzida ex novo não é susceptível de motivar a alteração do anteriormente decidido, inexistindo, assim, em concreto, fundamento imediato para determinar a suspensão da fase de venda executiva.
A necessidade de determinar a prestação de caução por parte dos exequentes coloca-se num contexto temporal posterior, logo após a conclusão da fase de convocação e concurso de credores, não podendo o exequente nem qualquer outro credor obter pagamento, na pendência dos embargos, sem a prestar.

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V – Sumário:
(...)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/06/2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
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[1] Relativamente à questão do trânsito em julgado da decisão fundamento da presente execução, tal como é atestado pelo julgador «a quo» e resulta da análise do histórico do processo dos autos principais, a sentença que serve de título executivo mostra-se transitada em julgado.
Aliás, a condenação sofrida por (…) foi modificada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que reduziu para metade os montantes indemnizatórios a que inicialmente o dito executado havia sido condenado a pagar aos exequentes.
Todavia, esse é reflexo da disciplina actualmente presente no artigo 704º, nº 2, do Código de Processo Civil e o objecto da presente execução foi modificado em conformidade com a decisão ali definitiva tomada, tal como é comprovado pela certidão presente nos autos.
Carece assim de razão o executado quando afirma que os requisitos da exequibilidade da sentença ainda não se mostram perfectibilizados.
[2] Está exarado na decisão proferida no apenso A que «a casa de habitação do executado não é, claramente, um bem absolutamente impenhorável com referência ao artigo 736º, al. f), do Código de Processo Civil. Pois que não se trata de um objecto indispensável a um deficiente e ou ao tratamento de um doente».
[3] Em sede de oposição à penhora, o executado defendeu que a sua casa de habitação era impenhorável ao abrigo do disposto na al. f) do artigo 736º do Código de Processo Civil. Em abono desta proposição, o executado alegava a existência de problemas de saúde (padece de doença do foro cardíaco, da próstata, de doença de Peyronie, de problemas ortopédicos e de depressão) e que na residência residia ainda uma família de nacionalidade alemã, cinco cães e um gato, dois dos cães incontinentes e difíceis de realojar. Todavia, este cenário não se integra na esfera de previsão da al. f) do artigo 736º do Código de Processo Civil, não existindo qualquer demonstração válida que a penhora e a hipotética venda do imóvel colocam em risco a vida e a integridade física do embargante.
[4] Sobre a esfera de protecção da norma podem ser consultados Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 247, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 268, José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, págs. 248-253.
[5] No acto postulativo recorrido escreveu-se que «tal argumentação é desprovida, não só de sensatez, mas também de total sustentação jurídica, incluindo, no plano do direito constitucional, pois que inexiste qualquer conflito entre os “direitos, liberdades e garantias” que cumpra ponderar».
[6] No entanto, ainda assim, se dirá que o executado poderá evitar a venda do imóvel através do recurso a meios alternativos de pagamento, como seja o recurso a crédito pessoal, a afectação de outros activos patrimoniais à satisfação da dívida, se o conseguir, sendo que, cingindo-nos exclusivamente a este apenso, não resulta que exista qualquer factualidade que suporte a conclusão da existência de incompatibilidade entre a presente execução e os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos do executado.
[7] Artigo 335º (Colisão de direitos):
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
[8] José Lebre de Freitas, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, pág. 227.
[9] Artigo 733º (Efeito do recebimento dos embargos):
1 - O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.
2 - A suspensão da execução, decretada após a citação dos credores, não abrange o apenso de verificação e graduação dos créditos.
3 - A execução suspensa prossegue se os embargos estiverem parados durante mais de 30 dias, por negligência do embargante em promover os seus termos.
4 - Quando a execução embargada prossiga, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução.
5 - Se o bem penhorado for a casa de habitação efectiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja susceptível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.
6 - Quando seja prestada caução nos termos do n.º 1, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 650.º.
[10] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, LEX, Lisboa, 1997, pág. 395.
[11] Nuno Andrade Pissarra, “O conhecimento de Factos Supervenientes Relativos ao Mérito da Causa pelo Tribunal de Recurso em Processo Civil, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, 2012, págs. 287 e seguintes, acessível no sítio http://www.fd.ulisboa.pt/professores/corpo-docente/nuno-andrade-pissarra. Neste enquadramento visa-se evitar que o tribunal seja surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por causa disso, se prejudique o normal andamento da causa.
[12] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[13] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[14] Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica: No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, é justamente afirmado que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».