Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
15/12.6TBSRP.E2
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
MANOBRA DE SALVAMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A “manobra de salvamento ou manouevre de sauvetage” é aquela pela qual um condutor a quem é imposta uma situação de perigo para a sua vida, manifesto e iminente, cede in extremis a um impulso de auto defesa para minimizar um prejuízo já inevitável ou para se furtar a ele, preferindo por isso entrar em transgressão às regras do trânsito ou causar porventura um dano a outrem, desde que, instintivamente, tenha esse dano por coisa menos grave do que ser atropelado.
II – Tal “manobra de salvamento ou manouevre de sauvetage” é justificada em termos de experiência comum, numa situação inesperada de circulação de veículos especialmente lentos, sem sinalização e após o acaso do sol traduz uma situação de desafio do perigo, constituindo um obstáculo imprevisível e perigoso, A falta de visibilidade do veículo da frente criou uma situação de facto, em função da qual, mesmo um condutor normalmente diligente, cuidadoso e apto teria realizado a manobra efectuada pelo Autor de invasão da faixa contrária por ter sido surpreendido com o veículo da frente, já que, numa perspectiva puramente naturalística, não podia evitar o embate com o mesmo.
III - O dano biológico corresponde ao dano à saúde ou dano corporal, que traduz a limitação da capacidade do lesado de viver a vida como a vivia antes do acidente, por violação da sua personalidade humana, traduzido num prejuízo concreto, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens espirituais, insusceptíveis de avaliação pecuniária.
IV -Nas sociedades em que vivemos o culto ou pelo menos o profundo respeito pela integridade corpórea própria e alheia faz com que as malformações estéticas consequência das lesões sofridas sejam inequivocamente encaradas como um dano. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Nos autos intentados por C…, A… contra FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., D…, FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, A…. e N…, os AA. pedem que seja:
a ) Declarado que a produção do acidente se deveu única e exclusivamente por culpa dos condutores dos veículos segurados pela R; e em consequência ser a R condenada a
b ) Pagar ao AA. a quantia de € 8.500,00 ( oito mil e quinhentos euros) a título de indemnização pela perda total do …, propriedade destes;
c ) Pagar ao A C… a título de indemnização ou diretamente à Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE a título de pagamento as seguintes quantias:
i) o capital respeitante ao valor dos cuidados de saúde recebidos no montante de € 14.912,98 (catorze mil novecentos e doze euros e noventa e oito cêntimos);
ii) os juros vencidos à taxa legal e os juros vincendos à taxa legal acrescida da sobretaxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória sobre o capital em dívida; e
iii) a taxa de justiça no valor de €102,00 (cento e dois euros).
d) Pagar ao A. C… a quantia de €5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros) a título de indemnização pelos rendimentos que o A C… deixou de auferir no ano de 2009;
e ) Pagar ao A. C… a quantia de €11.760,00 (onze mil setecentos e sessenta euros) a título de perda de ganho futuro;
f) Pagar ao A. C… a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros) a titulo de compensação pelas dores, intervenções cirúrgicas, padecimentos e perda de órgão já sofridos;
g) Pagar ao A. C… a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a titulo de compensação pelas dores e padecimentos físicos futuros;
h) Pagar ao A. C… a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de compensação pelo sofrimento psicológico futuro;
i) Pagar ao A. C… a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros ) a título de compensação pelo dano estético consubstanciado nas cicatrizes com que no seu corpo ficou.
j ) Pagar ao A C… os Juros à taxa legal que se vencerem sobre as quantias atrás referidas, à taxa legal, a contar da data da notificação da presente peça;
Foi ampliado o pedido para que, sem prejuízo da responsabilidade da R. Império- Bonança, sejam os demandados D…, A…, N… e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL condenados solidariamente nos pedidos constantes das als. b) a j) em montante que se apurar corresponder à quota-parte de responsabilidade do veículo identificado no art.° 7º (e seu atrelado) na produção do acidente.
Na sequência da decisão do 1ª recurso que admitiu documentos foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada e consequentemente absolveu os RR. dos pedidos contra si deduzidos.
Interposto recurso pelos AA. e após Acórdão que ordenou a remessa para fundamentação é o seguinte o teor das conclusões de recurso (transcrição):
«O facto 5 encontra-se incorretamente julgado. Tendo este facto sido declarado provado, essencialmente, com fundamento no conteúdo da declaração de parte do R. A… e no depoimento da testemunha F…inho, no entender dos Recorrentes, só com grande condescendência, a prova indicada pelo Tribunal poderá ser suficiente para dar o facto 5. como provado. Com efeito,
Como resulta do texto da sentença recorrida, aqueles dois intervenientes declararam coisas diametralmente distintas, sem a mínima correspondência entre si, porquanto o réu A… declarou que a própria máquina agrícola ostentava um triângulo refletor enquanto a testemunha F…, ao invés, afirmou que, diferentemente, era o atrelado que tinha refletores no taipal.
Não existe assim a mínima consonância entre estes dois meios de prova, porquanto: (a) num, é a máquina agrícola que ostenta a (alegada) reflecção; no outro é o taipal do atrelado; (b) num, a (alegada) reflexão é dada por um triângulo (singular); no outro por refletores (plural).
Por seu turno, a testemunha F… nunca afirmou no seu depoimento que o taipal tivesse um refletor. A única coisa que esta testemunha referiu, efetivamente, foi que o taipal tinha um triângulo, mas não que esse triângulo fosse refletor (vide depoimento prestado no dia 15.06.2018, entre as 11:00 e as 11:32, gravação com a Ref.ª 20180615105952_336232_2870362).
Assim, não só pelo facto de o depoimento da testemunha P… não ter poder merecer qualquer crédito, mas também porque, como se retira da sentença, a declaração do réu A… não ser, de todo, coincidente com o da testemunha F…, e também porque esta testemunha nunca afirmou que o triângulo fosse refletor,jamais se poderiaconsiderar que …seguramente o reboque que a máquina agrícola trazia atrelado teria pelo menos um triângulo reflector na rectaguarda e consequentemente, o facto 5. como provado.
Ainda quanto ao facto provado 5. é entendimento dos Recorrentes que as declarações do R. A… e o depoimento da testemunha F… conjugadas com outros elementos de prova constantes dos autos impõem que o mesmo se deva considerar não provado. A saber:
1. nas declarações do R. A… prestadas em audiência em 14.06.2018 e registadas entre as 10:13 e as 10:53 mais precisamente gravação com a Ref.ª 20180614101335_336232_2870362, o qual, sendo parte tem naturalmente interesse na causa, notamos que este teve a preocupação de referir logo no início do seu depoimento, algo precipitadamente, quando lhe foi solicitado que descrevesse a dinâmica do acidente, que a máquina agrícola de apanha da azeitona que o seguia atrás (conduzida pelo seu filho) a qual puxava um atreladozinho com uma máquina vassoura em cima atada com umas cordas tinha um triângulo refletor atrás, ao meio (vide minuto 2:30 a 3:30 do seu depoimento). Tratou-se de uma afirmação despropositada na sequência da questão colocada, pois logo após breves palavras sobre a dinâmica do acidente, antes de dar uma ideia minimamente abrangente de como o acidente havia ocorrido (antes de responder à questão que lhe havia sido colocada), fez logo referência à existência de triângulo refletor no taipal do atrelado à máquina agrícola. É seguro considerar que o que era importante para esta parte, no depoimento que pretendeu prestar, é que fosse referida existência de um triângulo refletor no taipal do atrelado puxado pelo filho.
2. as máquinas de apanha de azeitona, porque não são destinadas a circular na via pública, não são dotadas de triângulos refletores seja á retaguarda seja em qualquer outra parte como se pode ver pelas fotografias juntas aos autos em 15.06.2018, pela simples razão de que tal é completamente desnecessário à sua função que é a de funcionarem nos olivais, durante o dia.
3. mesmo que se admita que a concreta máquina da apanha da azeitona fosse dotada de um triângulo refletor atrás e ao meio (o que se admite como hipótese académica), a verdade é que, esta máquina puxava atrás de si um atrelado com uma máquina vassoura em cima. A tipologia das máquinas e do atrelado são as que constam das fotografias juntas aos autos em 15.06.2018 e 22.05.2018 respetivamente, resultando da experiência comum que, encontrando-se o triângulo refletor ao meio da retaguarda da máquina, aquele seria necessariamente invisível a quem se apresentasse atrás, porquanto entre ambos se interpunha a massa/vulto da máquina vassoura e do atrelado sobre o qual esta era transportada.
4. Mas caso se considere que, afinal, o triângulo se encontrasse aposto no taipal do reboque, do conteúdo das declarações desta parte (vide depoimento gravado com a Ref.ª 20180614101335_336232_2870362) conjugado com a fotografia do atrelado em causa junta aos autos pelo R. D… (vide requerimento deste R. apresentado em 22.05.2018) e ainda com as regras da experiência comum resulta que:
4.1. os veículos referidosem 2e 6 dos factos provados haviam estadoa trabalhar durante toda a campanha da azeitona para o R. Dinis Poupinha; no dia do acidente, no período da manhã, haviam estado a trabalhar no(s) olivais do R. D… que depois de terem terminado o trabalho neste, os RR. A… e seu filho N… deslocaram-se com aqueles mesmos veículos para os olivais próprios para com aqueles nestes trabalharem em proveito próprio até à hora em que regressavam pela estrada principal e em que se deu o acidente;
4.2. Como resulta das regras da experiência comum, os olivais são constituídos por terra de cultivo e árvores e a circulação das máquinas de apanha da azeitona e/ou o seu transporte (sobre atrelados ou não) para os olivais e de regresso, a própria operação das máquinas e dos atrelados nos olivais, durante a jornada, levanta terra e poeira no ar,a qualse deposita em tudo. A própria ação do vento levanta terra epoeira que se deposita em tudo. A humidade matinal e noturna faz colar a poeira criando uma camada de pó sobre os veículos que tudo cobre. Resulta também das regras da experiência comum que os tratores, máquinas agrícolas e respetivos atrelados não são lavados; Durante todo o dia do acidente os veículos referidos em 2 e 6 haviam estado sujeitos a estas condições pois haviam estado a desempenhas as respetivas funções nos olivais;
4.3. Como se pode depreender da estrutura do atrelado que se vê nas fotografias juntas pelo R. D… em 22.05.2018, por ser facto notório, para permitir a subida e a descida das máquinas para a sua plataforma, o taipal respetivo tem de deitar por terra, em rampa, o que causa naturalmente, como resulta da experiência comum, que no campo, o dito triângulo refletor fique junto ao solo, entre em contato direto com o solo de cada vez que é descido e esteja até em contato com vegetação, pedras, madeira ou outros objetos em tal operação, sujeito assim a degradação e sujidade acentuada resultante do trabalho pesado a que estão sujeitos os equipamentos, que respetivamente impeça a sua integridade e funcionalidade (p. ex., se coberto por poeira espessa);
4.4. Acresce ainda que, um taipal em ferro sem qualquer mecanismo de levantamento e abaixamento como se pode ver (que não tem) nas fotografias juntas pelo R. D… em 22.05.2018, necessariamente quando é descido vai embater com violência no solo e na vegetação, pedras, madeira ou outros objetos nos locais onde é aberto devido ao seu peso.
4.4.1. Atente-se nas fotografias juntas pelo R. D… em 22.05.2018, as quais este R. declara ao juntá-las que se tratam de fotografias atuais do atrelado que precedia o trator agrícola (que se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos) para prova do alegado nos artigos 39.º a 43.º da contestação, e pelas quais se pode verificar a existência de um objeto afixado no taipal em forma de triângulo que seguramente, pelo estado avançado de degradação que apresenta não tem quaisquer propriedades refletoras (se é que alguma vez as teve). A degradação do referido triângulo que se visualiza claramente nas fotografias juntas pelo R. D… em 22.05.2018 confere suporte ao alegado em 2.2. a 2.5.. Um proprietário que deixa chegar o estado do triângulo (refletor ou não) a tal estado de degradação demonstra claramente falta de cuidado e de zelo na manutenção de objetos circulantes, provavelmente existente ao tempo do acidente. Não é, pois, razoável extrapolar que o triângulo pudesse estar em boas condições no momento do acidente quanto o dono o deixa chegar ao estado de degradação visível nas fotografias (conjugado com estado do próprio trator que é dado como provado).
5. A testemunha F… prestou depoimento no dia 15.06.2018, encontra-se registado entre as 11:00 e as 11:32, mais precisamente na gravação com a Ref.ª 20180615105952_336232_2870362 e do mesmo resulta nesta matéria um conteúdo cheio de hesitações e de contradições, não tendo conseguido identificar espontaneamente o atrelado, quando lhe foram mostradas as fotografias juntas pelo R. D… em 22.05.2018 (embora este facto não conste da ata, mas resulta claríssimo na gravação do seu depoimento), só o tendo feito, sem convicção e sem credibilidade, depois de muitas insistências por parte do ilustre mandatário do R. Dr. D… que o interrogou. Esta circunstância resulta claríssima da mera audição do depoimento desta testemunha.
5.1. A falta de conhecimento desta testemunha é aliás reconhecida precisamente na última frase que se encontra registada na gravação do seu depoimento (gravação com a Ref.ª 20180615105952_336232_2870362), proveniente do Ilustre Mandatário do R. D…, que após o ter interrogado e pedido esclarecimentos finais acerca do aludido triângulo soltou à laia de conclusão “o homem não viu nada”(minuto 30.55).
Para além do sobredito, existem ainda outros factos e documentos nos autos que levam a inculcar a falta de caraterísticas refletoras do dito triângulo, admitindo-se por hipótese académica que existia um:
1. Pertencendo todos os equipamentos a um mesmo dono e mostrando-se o veículo que podia circular na via pública (o trator que seguia na frente) no estado de manutenção que é dado como provado ( só uma luz à frente - e sem que tenha sido efetuada qualquer prova sobre a respetiva intensidade de iluminação – sem qualquer iluminação à retaguarda e sem sequer o obrigatório pirilampo - o R. A… esclareceu especificamente no aludido depoimento que o trator não tinha sequer pirilampo) o normal seria que a conservação e manutenção do triângulo (se refletor), a existir, também fosse deficiente;
2. As fotografias juntas pelo R. D… em 22.05.2018, mostrando o atrelado em causa, mostra aposto na face exterior do taipal traseiro um triângulo em mau (péssimo) estado de conservação sendo por tal facto absolutamente legítimo duvidar das funcionalidades refletoras do mesmo no momento do acidente (se é que as tinha);
3. Principalmente, não se encontram de todo provadas que caraterísticas técnicas tinha o dito triângulo, se era ou não refletor, se se tratava de um dispositivo homologado, nem sequer se encontra junto aos auto qualquer documento relativo à sua aquisição p ex.;
O facto 22 dado como provado encontra-se igualmente mal julgado pelo Tribunal a quo. Este facto foi dado como provado pelo Tribunal por ilação retirada pelo Tribunal dos factos que elenca.
O recurso a presunções judiciais (ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - art.º 349º do CC) pressupõe a existência de um facto conhecido (base da presunção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém o julgador a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras de experiência.
Para o Tribunal poder chegar, por ilação, à prova do facto 22 não basta ter considerado provado o facto 5. Teria também de ser provado algo mais, a saber: o estado concreto do mesmo em termos de produzir reflexão no momento do acidente e as caraterísticas do triângulo, factos que não se encontram provados. Não é pelo facto de no taipal se encontrar afixado um objeto em forma de triângulo, que se pode concluir por presunção judicial, que tal objeto era avistável a determinada distância, pois nenhuma prova segura se mostra efetuada relativamente às caraterísticas do sinal, nem relativamente às suas propriedades refletoras, homologação, etc..
À questão das propriedades refletoras de tal objeto e à questão da concreta reflexão de luz no momento do acidente não pode o Tribunal responder simplesmente invocando ter recorrido a presunção judicial sem qualquer outra explicação, pois nesse caso, o recurso à presunção não passa de arbitrariedade.
Ao considerar provado o facto 22 a sentença recorrida errou no julgamento que realizou sobre este facto e violou o art.º 349.º do C.C..
Como contrapartida da não prova dos factos 5 e 22 o facto E deveria ter sido dado como provado, por os argumentos acima aduzidos permitirem a sua prova.
O facto F não provado constitui mais uma conclusão do que um facto. No entender dos recorrentes existem factos provados que conduzem à prova deste facto ou esta conclusão, a saber:
1. Factos provados incontestados: 1 e 20, ou seja, o embate deu-se pelas 18h05 do dia 06.01.2009 e o ocaso do sol havia-se dado às 17h30;
2. resultar das regras da experiência comum que em Janeiro, em que os dias são pequenos, às 18h05 já é noite, ou praticamente noite. Trinta e cinco minutos depois do ocaso do sol é consabidamente escuro e admitindo-se (como hipótese académica) que seja possível visualizar algo sem iluminação, apenas se visualizarão (na melhor das hipóteses) vultos, a curta distância e desde que se procure ativamente pelos mesmos. Um nível de visualização incompatível com a circulação estradal sem iluminação (art.º 61.º CE);
3. o período entre o ocaso do sol e a noite é consabidamente, precisamente aquele em que a iluminação é menos percetível. Ou seja, se é verdade que qualquer pequena luz, mesmo que de fraca intensidade, é visível na noite escura, essa mesma luz, no período a que nos reportamos é ou pode ser impercetível, não se distinguindo da luz ambiente.
4. Consequentemente, a única luz de médio que o trator referido no facto 6 trazia a funcionar, produzindo seguramente uma luz cansada, apontando apenas em frente, i.e., no mesmo sentido de marcha em que seguia a viatura dos Recorrentes, é, pois, natural que, nas circunstâncias 1 e 20 provadas, segundo as regras da experiência comum, fosse impercetível à distância, pelo A. (pois a fraca luz nem sequer apontava na sua direção);
5. Acresce que, partindo dos factos provados, segundo as boas regras da experiência comum, seguindo todos os veículos no mesmo sentido numa reta, entre o trator que possuía a única luz média dianteira a funcionar e o veículo em que o A. seguia, interpunha-se a máquina agrícola mostrada na fotografia junta pelos Recorrentes em 15.06.2018 a qual, por sua vez, puxava o atrelado mostrado nas fotografias juntas pelo R. D… em 25.05.2018 o qual tem o taipal alto mostrado nas mesmas e circulava com o mesmo levantado dentro do qual era transportada a máquina vassoura. A massa do conjunto formado pelo reboque e máquina vassoura ocultava a presença de qualquer veículo, luz ou luminosidade mais adiante. A fraca luz de médio do trator só seria visível por quem circulasse em sentido contrário e não por quem seguisse atrás do taipal
6. A isto não obsta, como se refere na sentença, que as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, que se cruzaram coma máquina agrícola e como trator, tenham referido ter visto o trator e as máquinas porquanto, se os veículos destas testemunhas se cruzaram com o trator e com a máquina agrícola é porque circulavam todas, por definição, em sentido contrário, i.e., de frente para a única luz do trator que seguia adiante e por tal facto, naturalmente que viram essa luz. E, enquanto se cruzaram com estes veículos é também natural que as testemunhas tenham visto o trator e a máquina agrícola com o atrelado a circularem em sentido contrário, mas com a iluminação das viaturas em que as próprias testemunhas seguiam pois é consabido que os médios em normal estado difundem alguma luminosidade lateral também. Note-se, porém, que, se viram no momento do cruzamento não viram à distância a máquina agrícola e o atrelado que esta puxava.
Assim, tendo em conta os factos provados 1, 2, 3, 6, 7, 14, 15 e 20,os factos relativos ao triângulo que não deviam ter sido dados como provados (5 e 22),as boas regras da experiência comum devidamente explicitadas e as normas legais aplicáveis referidas, importava necessariamente dar como provado ou concluir que o trator e a máquina agrícolas e os atrelados só poderiam ser devidamente avistados por um qualquer condutor desde que tivessem as luzes ligadas.
A douta sentença contradiz-se quando a propósito dos factos D e E afirma que o trator tinha o pirilampo avariado quando na verdade, o que é dado como provado em 7 é que o trator nem sequer tinha pirilampo. Qualquer uma destas circunstâncias revela desmazelo e negligência do dono do trator, que se estende às máquinas.
O facto não provado G foi também mal julgado pelo Tribunal a quo, devendo ter sido dado como provado, pois, foi produzida prova testemunhal clara sobre esta questão, a qual não foi devidamente ponderada pelo Tribunal. Em concreto as declarações do R. A… (vide declarações de parte gravado com a Ref.ª 20180614101335_336232_2870362) e o depoimento da testemunha F… (vide depoimento desta testemunha com a Ref.ª 20180615105952_336232_2870362) que nesta matéria mereceram todo o crédito porque prestaram depoimentos coincidentes, espontâneos e sem hesitações, nem dúvidas.
A… afirmou nas referidas declarações prestadas em audiência, sem margem para dúvidas e perante todos os que o interrogaram que:
1. O próprio e o seu filho N… eram ambos trabalhadores rurais do R. D… ao tempo dos factos e que todos os veículos (trator, atrelados e máquinas) eram propriedade do patrão;
2. Que haviam estado ambos na primeira parte daquele dia a trabalhar no olival do R. D… e depois de terem acabado esse trabalho se haviam deslocado com as máquinas a um olival próprio para apanharem as azeitonas e que quando o acidente se deu deslocavam-se de regresso com as máquinas para as instalações do patrão;
3. Que o R. D… sabia que eles iam apanhar azeitona própria e que tinham sempre autorização para o fazerem com as máquinas do patrão. Que para o efeito, sempre que têm necessidade das máquinas para serviços próprios, não precisam de pedir autorização ao patrão, nem sequer de lhe dizer alguma coisa pois tinham (e têm) carta branca para utilizarem as máquinas sempre que delas necessitassem;
4. Que existe uma combinação ou arranjo entre os RR. A… e N… e o R. Dr.D… segundo o qual, quando aqueles precisam das máquinas utilizam-nas livremente; e quando este necessita da prestação laboral daqueles aos sábados, domingos ou feriados aqueles realizam a sua prestação sem pedir nada em troca (vide declarações de parte gravado com a Ref.ª 20180614101335_336232_2870362);
5. Que o R. D… sabia perfeitamente que os RR. A… e N… circulavam com as máquinas na estada quer para o serviço do patrão quer para os serviços próprios dos RR. B…, pois tinham sempre de passar pela estrada entre o armazém onde são guardados e os olivais porque não há acesso por outra via, bem como entre olivais, pois neste caso os caminhos antigos, de terra batida, estavam em muito mau estado e havia locais onde as máquinas não passavam.
Por sua vez, F…, trabalhador rural do R. D…, durante mais de 35 anos, agora reformado, no depoimento que prestou (vide depoimento desta testemunha com a Ref.ª 20180615105952_336232_2870362) confirmou sem dúvidas ou hesitações a versão relatada pelo R. A… constante a conclusão anterior, referido ainda que:
1. o patrão dava autorização para os trabalhadores utilizarem as máquinas em proveito próprio; que as máquinas estavam à livre disposição dos trabalhadores sempre que estes delas necessitassem para trabalharem olivais próprios (mas não para trabalharem com as máquinas para terceiros) desde que as máquinas não fossem necessárias para realizar trabalhos para o patrão; e que em troca faziam horas a mais para o patrão sempre que era necessário e não pediam mais dinheiro por esse trabalho (extra).
Perante o teor da declaração de parte e do depoimento desta testemunha constantes das conclusões U e V, é claro que o Tribunal não considerou todos os factos pertinentes para o correto julgamento deste facto. Em face destes dois concretos meios de prova, o facto G deveria ter sido julgado provado ou declarado verificado como conclusão, considerando para o efeito na sentença como provados os factos indicados nas conclusões U e V.
Para prova dos factos não provados H e I. os Recorrentes juntaram ao processo:
1. - uma Declaração emitida por Carlos & Faria, Ld.ª, empresa do ramo automóvel, dedicada entre outros ao comércio de automóveis novos e usados (como resulta do próprio documento – doc. 3 junto com a p.i.), com sede em Moura, na qual se declara que o valor comercial estimado do veículo sinistrado era de € 8.250,00, valor em nossa opinião nada anormal para a viatura em causa (Audi Modelo A4 Avant Quattro de 1997) à data da apresentação da p.i.; e
2. - fotografias do veículo sinistrado, no articulado (e requerimento) apresentado(s) em 13.03.2012. documentos que não foram impugnados pelos RR. no que toca à respetiva autoria ou conteúdo. Consequentemente, a questão da autoria dos mesmos não se coloca.
Já quanto ao valor probatório dos mesmos, a ponderação que o Tribunal deles fez mostra-se desconforme ao princípio da preclusão ou da eventualidade que é um dos princípios enformadores do processo civil, decorrente da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art.º 580.º, n.º 2 – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art.º 552.º, n.º 1, d) – e das exceções, quanto à defesa – art.º 573.º, n.º 1, todos do C.P.C.8, preceitos que o Tribunal a quo consequentemente violou.
Quanto às fotografias da viatura sinistrada dos Recorrentes, estas são bem expressivas e demonstrativas do resultado que o embate provocou no veículo. E mesmo não sendo especialista em mecânica, mas tendo seguramente sentido da realidade, o Tribunal deveria ter dado como provado os danos referidos no facto H em face das fotografias apresentadas pelos Recorrentes. Aliás, tendo dado como provado os factos indicados em 36 em face das fotografias do veículo acidentado quer parecer aos Recorrentes que o Tribunal deu como provado algo mais difícil de visualizar nas fotografias como p. ex. a deformação e encolhimento do chassis em detrimento daquilo que parece mais visível como é a frente toda destruída, tendo sido atingido de forma grave e irreparável o motor do mesmo e todos os órgãos do compartimento do motor, a direção e a transmissão. Ainda em face das fotografias do veículo sinistrado, mesmo que não desse como provado que o motor, a direção e a transmissão haviam sido atingidos de forma irreparável sempre teria de dar como provado que o veículo dos Recorrentes ficou com a frente destruída, tendo sido danificado o motor do mesmo, os órgãos do compartimento do motor, a direção e a transmissão.
8 Vide Ac. STJ de 06-12-2016 – Proc. n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, 6ª. Secção - Relator: Fonseca Ramos.
Em face da clareza possível das fotografias e atento o valor em causa do veículo, entendem os Recorrentes que se mostrava dispensável terem requerido uma perícia judicial à viatura destinada a determinar o seu valor comercial bem como a extensão e avaliação dos danos perfeitamente visíveis nas fotografias. Continuam a pensar que em face da posição assumida pelos RR. relativamente a estes meios de prova nenhuma razão tinha o Tribunal para não dar como provados os factos H e I. Assim, impõe-se concluir que o Tribunal errou no julgamento destes factos, os quais, em face das razões supra apontadas, deveriam ter sido julgados provados.
Em face do acabado de expor, não se encontrando estes factos sujeitos a prova vinculada, e ainda às regras da experiência comum, atenta a extensão dos danos visíveis nas fotografias, o (baixo) valor comercial atribuído ao veículo na declaração junta, o facto de a Audi ser consabidamente uma marca de prestigio e em que as reparações são dispendiosas, atendo o custo de vida e os preços praticados no setor automóvel dos quais todos temos alguma experiência comum, parece certo e seguro que a reposição do … na situação em que se encontrava anteriormente ao acidente ,i.e., em condições de poder circular normalmente, teria um custo muito superior a € 8.250,00. O facto constante em J deveria assim ter sido dado como provado.
Pelas mesmas razões indicadas na conclusão antecedente, o facto referido em J deveria ter sido dado como provado atento apenas os factos provados em 36..
Mesmo que os factos H, I, e J não se possam considerar provados nesta sede, ainda assim não poderá o Tribunal pura e simplesmente indeferir a pretensão indemnizatória dos Recorrentes nesta matéria, atenta a certeza de danos sofridos, devendo remeter o seu apuramento para liquidação em execução de sentença (art.º 609.º, 2 CPC).
Os factos L e M resultam incorretamente julgados pelo Tribunal porquanto este não considerou as declarações do A. nessa matéria, refugiando-se na inexistência nos autos de qualquer documento relativo à situação laboral e financeira deste ao tempo do acidente.
1. Estando em causa em L a questão de saber se o A. era pequeno agricultor e se realizava mensalmente nessa atividade a quantia de € 450,00, que correspondia ao salário mínimo nacional à data do acidente (DL n.º 246/2008 de 18-12), o Tribunal não considerou as declarações de parte do A. prestadas no dia 14.06.206 entre as 10:57 e as 12:03, mais precisamente gravação com a Ref.ª 20180614105804_336232_2870362, no qual aquele referiu claramente que era pequeno agricultor e não trabalhador rural, trabalhando por isso em terras próprias (logo nenhum documento poderia apresentar relativo à sua situação laboral); referiu também que realizava mensalmente nessa sua atividade quantia equivalente ao salário mínimo nacional da altura, montante cuja admissão parece razoável.
2. A quantia referida em M nada mais é do que a correspondente a 12 meses de salário mínimo nacional da altura. Deveria ter sido dada como provada.
Perante estes dois elementos de prova, os factos L e M deveriam ter sido julgados provados.
Mesmo que se considerem não provados os factos L e M, para efeitos indemnizatórios deve ser considerado provável e praticamente seguro que segundo critérios de normalidade o Recorrente desenvolvesse ou viesse a desenvolver uma atividade profissional por conta de outrem ou por conta própria e que nessa atividade profissional viesse a auferir, pelo menos o salário mínimo nacional.
As circunstâncias indicadas pelo Tribunal para dar como não provado o facto
B não são determinantes para tal
1. No que diz respeito ao argumento da violência do embate, para o Tribunal ter a plena perceção da violência do embate teria de ter tido também conhecimento dos danos na outra viatura envolvida no embate, o Jipe da GNR, da marca Nissan, modelo Patrol. Sobre este aspeto nada se apurou em audiência a não ser um facto instrumental, existindo conhecimentos públicos e notórios a considerar, como sejam:
1.1. Que os militares da GNR não sofreram ferimentos, tendo apenas ficado combalidos pelo embate. O único ferido resultante do embate foi o A. que ficou encarcerado (vide os depoimentos dos próprios militares envolvidos no incidente prestados em 14.6.2018, M… prestado entre as 12:03 e as 12:30, mais precisamente gravação com a Ref.ª 20180614120801_336232_2870362 e A…, prestado entre as 14:17 e as 15:04 mais precisamente gravação com a Ref.ª 20180614141711_336232_2870362);
1.2. Resulta do conhecimento científico geral e comum que a velocidade a que se dá uma colisão de dois objetos movimentando-se em sentido oposto corresponde à soma das velocidades dos dois veículos. Consequentemente, desconhecendo-se a velocidade a que o jipe da GNR circulava não será virtualmente possível infirmar a afirmação do A. de que circulava entre 60 e 70 km/h.
1.3. Igualmente é consabido que todos os veículos modernos, entre os quais se insere o veículo dos Recorrentes possuem zonas de deformação programada para proteção dos ocupantes, as quais se destinam, através da deformação superior àquela que seria normal, a absorver a energia do embate para aquele efeito.
No que diz respeito ao argumento da reação do autor referida na sentença, o mesmo também não é determinante para contrariar a afirmação do A. de que seguia a uma velocidade entre os 60 e os 70 Km/h como é afirmado na douta sentença, porquanto, da conjugação de outros factos se poderá perceber que a reação do A. não é determinada pela velocidade a que seguia, mas antes pelas demais concretas circunstâncias que rodearam o embate, a saber:
1. Sendo dado como provado que o atrelado referido no facto 2 não tinha triângulo refletor (ou que este não era refletor ou que não produzia reflexão de luz) e tudo o demais supra alegado, a máquina agrícola e atrelado que seguiam à frente do A. eram invisíveis para o A., pelo menos à distância;
2. A aproximação pelo A. à velocidade entre 60/70 Km/h pela retaguarda da máquina agrícola e atrelado que circulavam a não mais do que 30 Km/h (facto 8), tem como efeito prático, para aquele que se aproxima, a sensação de que vai embater num obstáculo parado, no caso, um taipal alto de ferro (vide fotografias juntas em 22.05.2018 pelo R. D…), sensação que o A afirmou ter experimentado antes de guinar (ver declarações de parte do A. prestadas no dia 14.06.206 entre as 10:57 e as 12:03, mais precisamente gravação com a Ref.ª 20180614105804_336232_2870362).
3. Um condutor que não veja qualquer iluminação de outros veículos a circular na via ou reflexão de luz encontra-se legitimado a poder contar que a via se encontra desimpedida, sem prejuízo da obrigação de manter uma condução atenta.
4. A velocidade máxima legalmente permitida no local à data do acidente era de 90 Km/h como se extrai do facto de o acidente se ter dado na Estrada Nacional 392 (facto provado 1conjugado com o disposto no art.º 27.º,n.º 1 do CE na redação originária do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro).
5. Atento o princípio de que a distância total de travagem corresponde ao somatório da distância de reação (velocidade de circulação por segundo em que 1 segundo = tempo de reação) e distância de travagem (velocidade2/100), o espaço que o A. necessitaria para imobilizar o veículo a 60 km/h, 70 km/h e a 90 km/h seria sempre superior à distância a que, segundo a sentença, o alegado refletor podia ser avistado (40 m).
6. Em qualquer dos casos, a distância total de travagem é superior à distância de iluminação dos médios com que o A. circulava, que por construção projetam-se no solo e iluminam eficazmente a 30 metros, sem provocar encadeamento (art.º 60.º, n.º 1 al b) e 23.º, n.º 1, parte final do CE).
7. Ao invés, a iluminação de presença, destinada a assinalar a presença e a largura do veículo, quando visto de frente e da retaguarda (art.º 60.º, n.º 2 al a) CE), deve ser avistável a 150 metros, isto para permitir aos demais utentes da via, com antecedência, tomar as medidas adequadas para evitar embates.
Nas circunstâncias de aproximação descritas na conclusão antecedente, ao ver o vulto à sua frente na via, o instinto do A. foi o de guinar para a hemifaixa de rodagem esquerda, de sentido contrário àquele a que seguia, para evitar bater no referido atrelado (facto 10). Guinar para a direita não seria opção porquanto a berma no local tem apenas 1,20 metros (facto provado 17) e para além destas ficava o talude dos terrenos adjacentes como demonstrado nas fotografias juntas pelos Recorrentes em 15.06.2018.
Os danos no veículo do A. e a manobra (de recurso) de guinar para a hemifaixa contrária nada têm a ver com a velocidade a que circulava mas apenas com a circunstância de à sua frente circular uma máquina agrícola destinada à apanha da azeitona, a qual nem sequer podia circular na via pública, um taipal enorme que ocultava a escassíssima iluminação que mais adiante (40m a 50m adiante) apontava apenas para diante, no mesmo sentido em que o Recorrente seguia (e não no sentido deste), sem absolutamente qualquer iluminação, nem refletor ou refletor em condições de reflexão de luz e que pela velocidade relativa a que seguia era como se estivesse imobilizada na via, sabendo, como declarou nas suas declarações de parte (atrás sobejamente referenciadas), que guinar para a direita não era opção atentas as características da berma dadas como provadas e que se podem visionar nas fotografias juntas pelos Recorrentes em 15.06.2018 e que assim são da maior utilidade.
Tudo o que acima se deixa alegado impunha a prolação de sentença em sentido oposto àquela que foi proferida e da qual se recorre, julgando procedente os pedidos formulados pelos Recorrentes.
Os próprios factos provados impunham solução diferente para a presente ação, em especial os factos provados 2., 3. e 42. se acompanhados das adequadas ilações.
Com efeito, não pode em caso algum ser esquecido que o que se encontrava a circular à frente do A. e que este naquela fração se segundo vislumbrou a traseira/o taipal do atrelado que se vê na fotografia junta pelo R. D… em 22.05.2018 [último elemento do conjunto composto pelo reboque no interior do qual se encontrava uma máquina vassoura de azeitona que por sua vez se encontrava atrelado a (outra) máquina agrícola destinada à apanha de azeitona], que circulavam completamente sem qualquer iluminação, não tinham matrícula e consequentemente não podiam circular na via pública (art.º 117.º, n.º 1 do CE), por não reunirem as necessárias condições técnico-legais para o efeito, e do qual aquele se desviou para nele não embater.
Ao circularem ilegalmente na via pública e nas condições em que o faziam, a máquina agrícola e atrelado que puxava assim como o trator sem luzes traseiras que seguia à frente criaram em exclusivo as condições necessárias e adequadas à produção do acidente.
Em face dos factos provados e dos factos que devem ser dados como provados e não provados nos termos alegados, importará concluir que o A. nenhuma responsabilidade teve no acidente, antes tendo executado uma manobra de recurso, motivada pela presença da máquina e atrelado provados em 2, da qual só viu a traseira/ taipal do reboque quando estava em vias de colidir com o mesmo, manobra aparentemente mais ajustada às caraterísticas do local, e que acabou por resultar num embate com o jipe da GNR.
Como se pode inferir à contrario senso do facto provado 10. não fora a presença imprevista e invisível do vulto do atrelado puxado pela máquina agrícola que circulavam ilegalmente na via e o A. não teria guinado e nenhum embate se teria dado.
Como resulta do facto G que se puna que deve ser dado como provado, os RR. A… e N…, não obstante regressarem de um olival próprio utilizavam o trator, máquinas agrícolas e atrelados no interesse do R. Dr. D… porquanto como suprarreferido, aqueles por utilizarem o trator, máquinas agrícolas e atrelados compensariam essa utilização com trabalho gratuito para este aos sábados, domingos e feriados e sempre que tal se mostre necessário. Tal é quanto basta para se considerar existir relação de comissão nos termos e para os efeitos do art.º 500.º, n.ºs 1 e 2 entre o comitente (o R. D…) e os comissários (os RR. A… e N…), devendo o primeiro responder como comitente nos termos desta disposição legal.
Nestes termos e nos demais de direito, Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que alterando a matéria de facto e julgue a ação totalmente procedente por provada com todas as consequências legais.
Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará
JUSTIÇA.»
Nas contra-alegações, a ré Fidelidade conclui o seguinte (transcrição):
«1 – A ora alegante é apenas seguradora do conjunto tractor-galera que seguia 50 metros à frente da máquina agrícola e do atrelado cuja presença terá feito com que o veículo que o autor conduzia invadisse a hemifaixa de rodagem esquerda, considerando o seu sentido de marcha.
2-è pois irrelevante que o veículo seguro na Ré pudesse circular em violação do direito estradal, pois essa eventual violação não teve influência na produção do acidente.
3- A douta sentença recorrida fez uma muito correcta apreciação da matéria de facto, não contendo qualquer erro de julgamento.
4 – Não se verificando as contradições apontadas.
5 – Por isso a acção tinha de improceder relativamente á ora alegante, como improcedeu.
A absolvição da recorrida não merece censura pelo que deverá ser confirmada.»
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:
1. No dia 6 de Janeiro de 2009, pelas 18.05 horas, o A. C… conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a marca Audi, modelo A4 Avant Quattro, a matrícula … de cor preta na Estrada Nacional 392, cuja dona é a A. A…, ao quilómetro 86,071, no sentido Pias - Brinches;
2. À frente do veículo conduzido pelo A. circulava uma máquina agrícola destinada à apanha da azeitona, que trazia atrelado um reboque, no interior do qual se encontrava uma máquina de apanha da azeitona atada com cordas;
3. A máquina circulava sem luzes e sem pirilampo;
4. Era conduzida por N…;
5. O reboque levava afixado no taipal traseiro, um triângulo reflector;
6. À frente da máquina, a uma distância de cerca de 50 metros, circulava um tractor conduzido por A…, que trazia atrelado uma galera;
7. O tractor circulava com a luz média da parte da frente ligada e sem pirilampo;
8. Os veículos seguiam a não mais do que 30 Km/h;
9. Os referidos veículos e reboques são propriedade de D…;
10. O A. avistou um vulto à sua frente na via e guinou para a hemifaixa de rodagem da esquerda, a qual tem sentido contrário àquele em que seguia, para se desviar do referido atrelado;
11. Assim que guinou para a hemifaixa de rodagem da esquerda, o A. embateu frontalmente com a viatura em que seguia no veículo ligeiro de passageiros da marca Nissan, modelo Patrol, com a matrícula GNR J - 1727 de cor verde, pertencente ao Estado Português -Comando Geral da Guarda Nacional Republicana, que seguia no sentido Brinches – Pias;
12. O condutor A… foi interceptado pela Guarda Nacional Republicana - Posto Territorial de Brinches às 18h30 junto da rotunda de Brinches;
13. O condutor N… foi interceptado às 18h30 pela Guarda Nacional Republicana - Posto Territorial de Brinches junto da oficina de mecânica sita em Vale de Poejos, Brinches, cujo dono é a empresa Pedro & Filhos Ld.ª;
14. A estrada onde ocorreu o acidente está classificada como nacional e a largura da faixa de rodagem, onde existem duas vias de trânsito, sendo uma em cada sentido, é de 4,70 metros;
15. O local onde ocorreu o acidente é uma recta com cerca de trezentos metros;
16. As duas hemifaixas de rodagem encontravam-se divididas por uma linha longitudinal descontínua de cor branca marcada no pavimento, separadora dos sentidos de trânsito;
17. As bermas da estrada em ambos os sentidos são em terra batida e têm a largura de 1,20 metros;
18. O pavimento é betuminoso e encontrava-se em bom estado de conservação;
19. O tempo estava seco e não havia nevoeiro;
20. O ocaso do sol havia-se dado à 17h30;
21. A intensidade do tráfego rodoviário era escassa;
22. À noite, o triângulo reflector que estava afixado na retaguarda do reboque era avistável a uma distância de, pelo menos, 40 metros, para quem circulasse com as luzes médias ligadas;
23. O A. C…. foi transportado para os Serviços de Urgência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, onde deu entrada de urgência e ficou internado;
24. Como consequência do embate o A. C… sofreu:
a) fraturas do 1/3 distal dos ossos do antebraço esquerdo; b) fratura da diáfise do fémur esquerdo;
c) fratura do punho esquerdo;
d) um traumatismo craneano e hemicorpo esquerdo; e) um traumatismo torácico;
f) um traumatismo abdominal;
g) uma ferida no couro cabeludo; h) dores no antebraço esquerdo; i) dores no punho esquerdo;
j) esplenectomia ( remoção completa do baço );
25. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 4 de Agosto de 2010;
26. O Autor apresenta as seguintes sequelas:
- Crânio: cicatriz linear com 4cm da região parietal direita disfarçável com cabelo; - Tórax: dor ligeira na palpação do esterno sem deformidade aparente;
- Abdómen: cicatriz operatória mediano quelóide e vertical para umbilical esquerda com 18 cm, com aparente fragilidade da parede embora sem hérnias aparentes;
- Membro superior esquerdo: cicatrizes operatórias do antebraço com 16cm e 11 cm respectivamente do bordo radial e cubital desde o terço médio até ao punho; Limitação da pronação (60º) boa mobilidade do punho e cotovelo;
- Membro inferior esquerdo: duas cicatrizes lineares da anca esquerda com 2 cm cada e outras duas cicatrizes circulares com 1 cm do terço proximal da perna esquerda; Coxalgia residual com boa mobilidade da anca e joelho sem amiotrofia e sem encurtamento com dor na face interna do pé com aparente deformidade da 1ª cunha (metatarsalgia);
27. O autor sofreu um défice funcional temporário total de 35 dias;
28. O autor sofreu um défice funcional temporário parcial de 553 dias;
29. A repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período total de 441 dias;
30. A repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável num período total de 147 dias;
31. O quantum doloris é fixável no grau 5/7;
32. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 14,1632 pontos;
33. Em termos de repercussão permanente na actividade profissional as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares;
34. Apresenta um dano estético permanente fixável no grau 4/7;
35. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7;
36. O …ficou com a frente destruída, sofreu danos no lado esquerdo da carroçaria, nomeadamente nas porta e vidros e o chassis ficou deformado e encolheu em consequência do embate;
37. O … ainda não foi reparado, encontrando-se à guarda dos AA.;
38. Os cuidados médicos prestados ao A. C… pela Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, originaram as despesas discriminadas nas seguintes facturas:
a) Factura: 29000962 no valor de € 4,90; b) Factura: 29001683 no valor de € 856,13;
c) Factura: 29005239 no valor de € 8.717,40; d) Factura: 29006715 no valor de € 965,00; e) Factura: 29007663 no valor de € 31,00
f) Factura: 29009156 no valor de € 748,50; g) Factura: 29009602 no valor de € 2.462,30; h) Factura: 29009603 no valor de € 31,00;
i) Factura: 29009956 no valor de € 128,80; j) Factura: 29011311 no valor de € 31,00; k) Factura: 29012274 no valor de € 31,00; l) Factura: 10001161 no valor de € 31,00; e m) Factura: 11003511 no valor de € 903,80.
39. A Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE requereu procedimento de injunção contra o A. pelo valor global desta divida e respectivos juros moratórios;
40. Foi aposta fórmula executória ao requerimento de injunção pelo que o A. C… se encontra obrigado a pagar à ULSBA:
a) o capital no montante de €14.912,98 ( catorze mil novecentos e doze euros e noventa e oito cêntimos );
b) os juros vencidos e vincendos sobre o capital em dívida; e
c) a taxa de justiça no valor de € 102,00 ( cento e dois euros );
41. D… tinha transferido para a ré a sua responsabilidade civil decorrente da utilização do veículo …, através da apólice n.º AU23016058, a qual incluía os reboques de matrícula E-9361 e E- 3998;
42. A máquina agrícola identificada em 2 não tem matrícula nem seguro;
43. A ré Fidelidade Mundial foi absolvida do pedido que contra ela formulou a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Singular n.º 137/09.0TASRP, a qual transitou em julgado, no qual aquela pedia à ré o pagamento dos tratamentos prestados ao autor resultantes do acidente;
44. Nesse processo os Réus A… e N… foram, cada um deles, acusados pelo Ministério Público da prática de um crime de omissão de auxílio, vindo a ser absolvidos por sentença transitada em julgado.
Factos não provados
Da discussão da causa não resultou provado que:
A. A galera trazia atrelada uma máquina de apanha da azeitona;
B. O A. C… circulava a uma velocidade de cerca de 60/70 quilómetros/hora;
C. A máquina agrícola destinada à apanha da azeitona trazia atrelado um reboque atado com cordas, no interior do qual se encontrava uma máquina de apanha de azeitona;
D. A máquina agrícola destinada à apanha da azeitona circulava sem placas reflectoras à retaguarda;
E. O tractor circulava sem placas reflectoras à retaguarda;
F. O tractor e a máquina agrícolas e os atrelados só poderiam ser devidamente avistados por um qualquer condutor desde que tivessem as luzes ligadas;
G. Os veículos eram conduzidos por N… e A… por conta e no interesse do R. D…;
H. O motor e todos os órgãos do compartimento do motor a direcção e a transmissão do … foram atingidos de forma grave e irreparável;
I. Ao tempo do acidente, o valor comercial do … era de € 8.250,00;
J. A reparação do veículo tem um custo superior ao seu valor comercial;
K. A origem do acidente foi a falta de iluminação da máquina identificada em 2 e do tractor;
L. O A. é pequeno agricultor e realizava mensalmente nessa sua actividade a quantia de € 450,00;
M. O A. C… deixou de auferir durante o ano de 2009 a quantia de € 5.400 (cinco mil e quatrocentos euros).

2 – Questões a decidir.

Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1ª Questão – Saber se os factos nº 5 e 22 provados devem ser considerados não provados e se os não provados F) G) H) I) J)L) e M) devem ser considerados provados e ampliação oficiosa da matéria de facto.
2ª Questão – Saber quem foi responsável pelo acidente.
3ª Questão – Saber qual a cobertura dos danos causados pela máquina agrícola/reboque.
4ª Questão - Saber quais os danos a indemnizar e os respectivos montantes.

3 – Análise do recurso.

1ª Questão – Saber se os factos nº 5 e 22 provados devem ser considerados não provados e se os não provados F) G) H) I) J) L) e M) devem ser considerados provados e ampliação oficiosa da matéria de facto.

Os recorrentes defendem que, o facto provado 5 (5. O reboque levava afixado no taipal traseiro, um triângulo reflector) deveria ter sido dado como não provado, pois foi dado como provado com base nas declaração de parte do R. A… e no depoimento da testemunha F…, que declararam coisas diametralmente distintas, sem a mínima correspondência entre si.
É a seguinte a fundamentação da sentença a este propósito:
« O facto 5 resulta das declarações do réu A… e do depoimento da testemunha F….
Com efeito, o réu A… afirma que a máquina agrícola ostentava um triângulo reflector. A testemunha F… afirma que o atrelado tinha reflectores no taipal. A testemunha P… confirmou tal informação. No entanto o seu depoimento foi globalmente pouco espontâneo, comprometido e, até certo ponto, defensivo.
As restantes testemunhas, sobretudo A…, F…, L…, M…, Ma… e D…, não conseguiram precisar a questão dos triângulos reflectores.
Assim, das declarações do réu e do depoimento da testemunha F…, resulta que seguramente o reboque que a máquina agrícola trazia atrelado teria pelo menos um triângulo reflector na retaguarda.»
Ouvida a prova, constata-se que a testemunha F… apenas referiu que “O taipal tinha um triângulo…” sendo que no auto de notícia nada consta a tal propósito.
E essa afirmação é insuficiente para considerar provado o teor do facto nº 5 pelo que se altera para o mesmo para “Não provado”.
Por outro lado, defendem os recorrentes que o facto provado 22 (22. À noite, o triângulo reflector que estava afixado na retaguarda do reboque era avistável a uma distância de, pelo menos, 40 metros, para quem circulasse com as luzes médias ligadas) deveria ter sido dado como não provado pois foi dado como provado com base nas regras da experiência comum mas não explicita em que termos.
É a seguinte a fundamentação da sentença a este propósito:
«O facto 22 resulta das regras da experiência comum, considerando o traçado da via (uma recta com cerca de trezentos metros), as condições atmosféricas no momento (o tempo estava seco e não havia nevoeiro) e o alcance das luzes de cruzamento. Tendo em atenção a conjugação dos referidos factores, as regras da normalidade e da experiência comum, permitem concluir que à noite, o triângulo reflector que estava afixado na retaguarda do reboque era avistável a uma distância de, pelo menos, 40 metros, para quem circulasse com as luzes médias ligadas.»
Uma vez que se considera o facto nº 5 não provado, fica prejudicado o raciocínio da sentença quanto ao facto nº 22, que desta forma se altera para “Não provado”.
Em suma:
Os factos 5 e 22 passam a “Não provados”.
Finalmente, defendem que os factos não provados F) G) H) I) J) L) e M) devem ser considerados provados.
Trata-se da seguinte matéria:
« F. O tractor e a máquina agrícolas e os atrelados só poderiam ser devidamente avistados por um qualquer condutor desde que tivessem as luzes ligadas;
G. Os veículos eram conduzidos por N… e A… por conta e no interesse do R. D…;
H. O motor e todos os órgãos do compartimento do motor a direcção e a transmissão do … foram atingidos de forma grave e irreparável;
I. Ao tempo do acidente, o valor comercial do … era de € 8.250,00;
J. A reparação do veículo tem um custo superior ao seu valor comercial;
L. O A. é pequeno agricultor e realizava mensalmente nessa sua actividade a quantia de € 450,00;
M. O A. C… deixou de auferir durante o ano de 2009 a quantia de € 5.400 (cinco mil e quatrocentos euros).»
É a seguinte a fundamentação da sentença:
«O facto F resulta de tais veículos serem visíveis desde logo pelas placas reflectoras que pelo menos um deles ostentava.
O facto G resulta informado pelas declarações do réu A… e pelo depoimento da testemunha F…. Ambos referiram que no momento da ocorrência do acidente nem o réu A… nem o réu N… se encontravam ao serviço do réu D…, já que quando terminaram o serviço que faziam por sua conta foram com as máquinas apanhar a sua própria azeitona.
Os factos H a J resultam da circunstância de não constar do processo qualquer elemento relativo aos danos sofridos pelo motor e demais componentes do veículo acidentado bem como do custo de reparação. Salienta-se que o documento junto a fls. 41 não tem a virtualidade de demonstrar o valor comercial do veículo sinistrado à data do acidente já que se desconhece quem é o respectivo autor e que factores foram levados em consideração para a determinação do valor ali indicado.
Os factos L e M resultam do facto de inexistir nos autos qualquer documento relativo à situação laboral e financeira do autor ao tempo do acidente.
As fotografias juntas pelo autor a fls. 537 não contribuíram para a formação da convicção do Tribunal já que nada acrescentam aos restantes elementos probatórios quanto á matéria em discussão nos autos.
Para terminar diga-se ainda o seguinte: os depoimentos das testemunhas … pouco contribuíram para a formação da convicção do Tribunal. O primeiro apresentou um discurso incoerente e pouco convincente. As restantes por não terem demonstrado conhecimento relevante sobre os factos aqui em discussão.»
Vejamos:
Tal como referem os recorrentes os factos F e G traduzem conclusões e não factos, pelo que devem ser eliminados (“se poderiam ou não ser avistados” é um juízo que se extrai de várias circunstãncias concretas e “ se eram conduzidos por conta e no interesse de outrem” também é uma conclusão que deve basear-se nos factos concretamente apurados).
O recurso a juízos conclusivos traduz uma técnica jurídica incorrecta e e juízos conclusivos não devem constar dos factos.
No actual regime processual, tal como no pretérito, na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas (que não são mais do que a lógica ilacção de premissas) e que comportem matéria de direito, pois são os factos que o n.º 4 do art.º 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença.
Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado- neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, ‘Estudos sobre o Novo Processo Civil’, Lex, 1997, pg. 312 e Paulo Faria, “A reforma da base instrutória: uma regressão, A Reforma do Processo Civil-Contributos”, Revista do Ministério Público, Cadernos II, 2012, pp 37-48 onde se pode ler o seguinte: se “o tema da instrução pode aqui ser identificado por referência a conceitos de direito ou conclusivos (…) já a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar com tais formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais e instrumentais.»
Ora, as al. F) e G) em causa devem ser perspectivadas como matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, pois está ali contida a resposta a questões de direito.
Logo, tem-se por conclusiva a matéria ali retratada, que deve ser expurgada.
Quanto aos factos H, I e J), alegam os recorrentes que estão juntos aos autos os seguintes documentos não impugnados pela parte contrária, que provam tal matéria:
- Declaração emitida por Carlos & Faria, Ld.ª, empresa do ramo automóvel, dedicada entre outros ao comércio de automóveis novos e usados (como resulta do próprio documento – doc. 3 junto com a p.i.), com sede em Moura, na qual se declara que o valor comercial estimado do veículo sinistrado era de € 8.250,00, valor em nossa opinião nada anormal para a viatura em causa (Audi Modelo A4 Avant Quattro de 1997) à data da apresentação da p.i.; e
- fotografias do veículo sinistrado no articulado (e requerimento) apresentado(s) em 13.03.2012.
Ora, no nosso entender, tais elementos são efectivamente insuficientes para demonstrar o pretendido.
Como refere a sentença “não se conhece quais as habilitações de quem elaborou a declaração, que factores foram levados em consideração para a determinação do valor ali indicado. Não basta tratar-se de um stand de comércio de automóveis, seja da marca ou não”.
Da mesma forma as fotografias apenas expressam uma realidade visual que carece de interpretação
Quanto aos factos L) e M) resultam, no entender dos Recorrentes, das declarações do A. nessa matéria.
Ora, sabemos que embora o novo art.º 466.º do CPC tenha consignado a possibilidade de produção de prova por declarações das partes, isso não significa que se tenha que dar como provado o que resulta do depoimento de parte.
Neste regime, as “declarações de parte” devem ser sempre consideradas, para efeitos probatórios, quando delas resultar confissão dos factos que sejam desfavoráveis à parte. Contudo, nas situações em que delas não resultar qualquer confissão, a questão é menos clara.
Com efeito, e apesar de o tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e directo interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas.
Logo, essas declarações não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada.
Ora, no caso concreto, não se vislumbra, nem o recorrente explica, que haja tal suporte probatório complementar, pelo que não há qualquer razão para afastar a convicção da Mm.ª Juiz a quo na ponderação e análise dos elementos de prova para alterar o sentido da prova.
Improcede assim nesta parte o recurso.
No âmbito da reapreciação da prova, efectuada nos termos do art. 662º do CPC, ( e considerando que foi concedido o direito ao contraditório nesta Relação) deve fazer parte da matéria provado um novo facto, concretizador, essencial para a decisão, não alegado expressamente (no seu todo):
“O reboque referido no art. 8º da PI é um dos referidos no art. 1º da Contestação da Império Bonança –Companhia de Seguros SA”, facto que foi considerado provado na sentença crime nº 137/09.0TASRP, junta a fls. 202 (facto nº 50), ao abrigo do art. 5º, nº 2, al. b), do CPC.
Por outro lado, porque foi alegado (artº. 107 da PI), é um facto essencial, não consta da matéria de facto mas resulta dos documentos juntos aos autos, nomeadamente considera-se provado:
- O A. tinha 37 anos à data do acidente.

3ª Questão – Saber quem foi responsável pelo acidente.

Quanto à responsabilidade pela ocorrência do acidente, a sentença considerou que: “ou o autor seguia desatento, não se tendo apercebido de nenhum dos veículos que utilizavam a via, ou seguia a uma velocidade desadequada, igualmente não se apercebendo em tempo útil da presença dos restantes utilizadores da estrada e que caso assim não fosse o autor ter-se-ia apercebido da presença dos veículos e o acidente não teria ocorrido (Tanto assim que o sinal reflector era visível a cerca de 40 metros, dispondo o autor do tempo suficiente para travar em segurança, caso praticasse uma condução atenta)”.
Considera que “foi o autor quem provocou o acidente em análise nos autos, violando designadamente o n.º 1 do art.º 13º do Código da Estrada (A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem), já que invadiu a faixa de rodagem em que seguia o veículo da GNR, vindo a embater no mesmo, que violou igualmente o previsto no art.º 38º do mesmo Código que determina que o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário de rodagem”.
Não podemos concordar com esta análise.
Vejamos porquê:
Como é sabido, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, rege a regra do art. 483º do Cód. Civil. Aí se prescreve que “ quem, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger direitos alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelo dano resultante da violação».
Pressupostos de facto ou requisitos da responsabilidade civil extracontratual subjectiva, são assim: a prática de um facto ilícito, a culpa do lesante (em termos de lhe poder ser subjectivamente atribuído tal facto), a existência de danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, finalmente, o nexo de causalidade entre aquele facto e estes danos – (cf. neste sentido, Dario Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, 3º ed., p.49).
Na esfera dos acidentes de viação, a culpa emerge, naturalmente, da violação ou omissão das regras ou cautelas que nos termos da lei, disciplinam a circulação rodoviária, ou seja, vem sendo maioritariamente considerado pela jurisprudência do STJ que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência – vide neste sentido, Ac. STJ de 19.10.2004, proc. nº 04B2638 (relator: Oliveira Barros).
Resulta dos factos provados que:
«2. À frente do veículo conduzido pelo A. circulava uma máquina agrícola destinada à apanha da azeitona, que trazia atrelado um reboque, no interior do qual se encontrava uma máquina de apanha da azeitona atada com cordas;
3. A máquina circulava sem luzes e sem pirilampo;
10. O A. avistou um vulto à sua frente na via e guinou para a hemifaixa de rodagem da esquerda, a qual tem sentido contrário àquele em que seguia, para se desviar do referido atrelado;»
Logo, o comportamento do condutor da máquina agrícola viola o disposto no art. 2º e 22º da Portaria 851/94 de 22.09, em vigor ao tempo dos factos, já que deveria ter dispositivos de iluminação previstos no art.º 60.º do CE, vigente à data dos factos, os quais devem ser utilizados desde o anoitecer ao amanhecer (art.º 61.º, n.º 1 CE).
Em especial o o disposto no art. 22.º da Portaria 851/94 de 22.09:
“2 Os tractores agrícolas e as máquinas agrícolas e industriais automotrizes devem possuir, na sua parte superior, uma luz com as seguintes características:
a) Número - uma luz;
b) Cor da luz emitida - amarela;
c) Deve ser respeitado o seguinte posicionamento:
Em largura:
Deve estar colocada no plano longitudinal médio do veículo. Caso tal colocação seja impossível, deverá ser colocada no lado esquerdo do veículo;
Em comprimento:
Deve estar colocada sobre a estrutura de segurança, se existir, ou, em caso contrário, colocada atrás da posição do condutor;
Em altura:
Deve estar colocada sobre a estrutura de segurança. Caso esta não exista, será colocada na extremidade de um suporte vertical, a uma altura mínima de 1000 mm, medida a partir da parte superior do guarda-lamas da retaguarda ou, quando este não exista, do ponto mais elevado da estrutura do veículo, sem prejuízo dos limites fixados regulamentarmente;
d) A luz será do tipo rotativo ou intermitente, e deverá ser visível à distância de, pelo menos, 100 m;
e) Ficam dispensados da instalação da luz referida neste número os veículos que, por construção, não possuam qualquer sistema eléctrico que permita alimentar electricamente esta luz.»
É que, a iluminação dos veículos destina-se a permitir não só aos condutores visualizarem a via para manobrar o veículo, mas também para poderem ser avistados pelos demais utentes da via para assim estes poderem adotar a sua marcha e tomar as medidas necessárias para não lhe embaterem (em suma, para ver e ser visto).
No caso dos autos, e porque estamos perante a circulação de veículos especialmente lentos, há um perigo acrescido na circulação rodoviária, o que torna ainda mais relevante a sua sinalização.
Ao circular com veículos especialmente lentos, sem que pudessem ser avistados o condutor da máquina com reboque desafiou o perigo, constituindo um obstáculo imprevisível e perigoso, pelo que tem pleno cabimento, em termos de experiência comum, a situação inesperada justificativa da manobra de recurso –invasão da faixa de rodagem - que efectuou o A. e que acabou por dar origem à colisão, até porque ficou provado que: «20. O ocaso do sol havia-se dado à 17h30».
A falta de visibilidade do veículo da frente criou uma situação de facto, em função da qual, mesmo um condutor normalmente diligente, cuidadoso e apto teria realizado a manobra efectuada pelo Autor de invasão da faixa contrária por ter sido surpreendido com o veículo da frente, já que, numa perspectiva puramente naturalística, não podia evitar o embate com o mesmo.
O facto da manobra de recurso também colocar em perigo a sua vida reforça o carácter espontâneo, repentino e reflexo da invasão da faixa contrária.
A actuação do A. corresponde à chamada “manobra de salvamento ou manouevre de sauvetage”.
Dario Martins de Almeida, «Manual de Acidentes de Viação», 1980, p. 524 caracteriza tal manobra do seguinte modo: «… toda a manobra pela qual um condutor a quem é imposta uma situação de perigo para a sua vida, manifesto e iminente, cede in extremis a um impulso de auto defesa para minimizar um prejuízo já inevitável ou para se furtar a ele, preferindo por isso entrar em transgressão às regras do trânsito ou causar porventura um dano a outrem, desde que, instintivamente, tenha esse dano por coisa menos grave do que ser atropelado».
Assinala este autor que esta figura aparece inserida no mecanismo do estado de necessidade - «para salvar interesses ou valores em perigo ou ameaçados, o seu titular vai ao ponto de sacrificar os interesses alheios tutelados pela ordem jurídica e vai ao ponto de assumir uma conduta cuja tipicidade é de origem criminal ou contravencional». E acrescenta, citando Eduardo Correia, que «a forma justificadora de tal princípio impõe-se logo que se verifique a adequação da conduta para salvar o bem jurídico em perigo, independentemente de o resultado desejado ser ou não atingido».
Assim, ainda que quem se socorre de uma manobra de salvamento possa por via dela praticar uma infracção estradal, esta justifica-se por ser imposta ao condutor pela necessidade de evitar um mal maior.
E o facto de, no caso concreto, não ter sido evitado um acidente (que veio a ocorrer com o embate num outro veículo) não afasta a justificação supra referida pelo facto de ter reagido instintivamente como auto-defesa do embate que avistou á sua frente.
A manobra de salvamento, também chamada manobra de último recurso, imposta pela extrema necessidade de evitar uma colisão, implica que a responsabilidade pelos danos causados recaia sobre quem mediatamente provocou essa manobra, sendo, não obstante, necessário, que tal manobra não tenha sido provocada por falta anterior de quem a ela recorre, antes a mesma se lhe imponha como o único meio de evitar consequências mais graves.
Podendo falar-se no que a estas manobras respeita, de causalidade sem contacto – a verdadeira causa para a imputação do dever de indemnizar está no acto culposo de quem mediatamente provocou a manobra – vide Ac. RP 25/3/1999, proc. nº 973/308 (Relator, Pinto de Almeida).
Por isso, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a sentença recorrida ao excluir a responsabilidade do condutor da máquina e reboque na produção do acidente e concluir que o mesmo se ficou a dever exclusivamente à conduta descuidada, desatenta e imprudente da condutora do veículo do Autor.
O condutor da máquina e reboque agiu de forma imprudente e temerária ao circular naquele local – uma estrada nacional – depois do pôr do sol (20. O ocaso do sol havia-se dado à 17h30) e sem sinalização necessária.
Um condutor normalmente zeloso, prudente e respeitador das regras de trânsito, naquelas circunstâncias concretas, não circularia sem tomar todas as precauções necessárias para se certificar que era bem visível para os outros veículos .
Não podemos concordar com a sentença ao concluir que o A. seguia em excesso de velocidade, sem ter ficado provada qualquer velocidade, apenas porque não conseguiu parar no espaço livre e visível à sua frente.
Este conceito não tem um valor absoluto, necessitando de ser contextualizado num momento e lugar concreto para se avaliar da sua verificação ou não.
Ou seja, pela simples razão de o Autor não ter imobilizado o veículo que conduzia, não é sinónimo de excesso de velocidade (Note-se que a sentença não deu como provado a velocidade a que seguia o Autor e neste aspecto, estando em causa a responsabilidade civil do condutor, não é dele o ónus da prova e, por isso, a falta de prova desse facto não o pode prejudicar).
O que está subjacente a este conceito de excesso de velocidade é efectivamente que um condutor deve adequar a sua velocidade de modo a, em caso de necessidade, conseguir para o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
Mas este espaço livre e visível é determinado pela própria via onde se circula e pressupõe a não verificação de condições anormais ou obstáculos inesperados, sobretudo os derivados da imprevidência alheia.
Sem a prova da velocidade, restou à sentença uma inferência: se não parou a tempo de evitar o embate, foi porque seguia a velocidade que não permitiu tal paragem. Porém, a sentença fez esta inferência, depois de ter exposto todos os elementos que serviam para a afastar nomeadamente a falta de visibilidade e sinalização dos veículos.
Pelo exposto, tendo em atenção a factualidade apurada, não pode atribuir-se qualquer responsabilidade ao A. na produção do acidente, mas sim ao da máquina agrícola.
Deste modo, nesta parte terá de proceder o recurso interposto pelo Autor, com a consequente revogação da sentença recorrida.

3ª Questão – Saber qual a cobertura dos danos causados pela máquina agrícola/reboque.

No caso dos autos, considerando que a máquina agrícola não tinha seguro e o reboque acoplado está segurado na Ré Fidelidade coloca-se a questão de saber a quem cabe a responsabilidade decorrente dos veículos, cuja circulação deu causa ao acidente.
Quando o atrelado está acoplado ao tractor em trânsito, a unidade circulante assim formada é geradora de um risco maior - maior peso da composição, maior extensão, maior dificuldade de inscrição nas curvas, dificuldades de ultrapassagem, etc. e por isso quando em circulação, esse conjunto tem de ter um seguro que garanta a responsabilidade civil do responsável, o que tem de constar da apólice do seguro, formalidade ad substantiam.
Se, como no caso dos autos, o seguro é apenas do atrelado, com ambos acoplados em circulação e um dos componentes do conjunto não tiver seguro que garanta a responsabilidade civil global do responsável pelo veículo articulado não se pode falar em existência de seguro deste veículo – neste sentido, Ac. STJ de 18.01.2000, proc. nº 99ª979 (relator: Aragão Seia).
Não seria legítimo à Seguradora de um dos componentes o risco global da circulação do veículo único, que desconhecia e cuja responsabilidade não assumiu mediante a contraprestação devida.
Aliás, a razão de ser do seguro do reboque prende-se com a possibilidade de ainda que não acoplado poder causar um acidente, pelo que com um seguro só para o reboque há a garantia que, os danos provocados aos outros estarão sempre garantidos mesmo quando não estiver atrelado ao veículo, por isso o reboque de um veículo está sujeito a seguro obrigatório, autónomo e independente do seguro do veículo a que circula atrelado.
Note-se que, a causa do acidente foi a condução negligente do condutor dos dois veículos e não do condutor do semi-reboque dado que essa condução é conjunta e não separável, pelo que importa analisar a situação de responsabilidade pela circulação da máquina agrícola.
Nos termos do art. 48º nº 1 al. c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (na sequência da transposição da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade resultante da circulação de veículos automóveis) embora tenha mantido a exclusão da obrigatoriedade do seguro quanto às máquinas agrícolas não sujeitas a matrícula (artigo 4.º, n.º 2) instituiu, a regra segundo a qual o Fundo de Garantia Automóvel satisfaz as indemnizações decorrentes de acidentes rodoviários ocorridos em Portugal e originados «[p]or veículo cujo responsável pela circulação está isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo.
O facto de se tratar de uma máquina agrícola, que tem por função principal a execução de obras ou trabalhos agrícolas, não significa que a mesma não se desloque quando é necessário e por isso a máquina em apreço tem também por função habitual a sua própria deslocação, pois que é para isso que tem rodas e motor.
Mas o facto de assim ser, ou seja, o facto de se tratar de um veículo a motor destinado a circular sobre o solo (sem estar ligado a uma via férrea), não significa que, só por esse facto, esteja sujeita a seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Na verdade, a nossa lei isenta dessa obrigação “as situações em que os veículos são utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais” – artigo 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 291/2007.
O que nos reconduz para outro requisito. É que, para que o referido seguro seja imperativo, torna-se necessário também que a concreta utilização do veículo seja mais do que um exercício de funções estritamente agrícolas ou industriais.
“De facto, o emprego, na construção da exclusão do nº 4 do artigo 4º, do advérbio de modo “meramente” – “[…] veículos […] utilizados em funções meramente agrícolas ou industriais” –, com o significado de “apenas”, reconduz a restrição à obrigação de segurar, com assento no nº 1, “apenas” à função agrícola e industrial, referindo-se à máquina em si no uso que concretamente lhe seja dado, retirando da excepção (subtraindo à facti species negativa desse nº 4) as situações que não sejam recondutíveis “apenas” (rectius, “meramente”) ao próprio uso agrícola ou industrial. Paradigmático de um uso que não é meramente agrícola ou industrial é aquele que se traduz, precisamente, na deslocação (na circulação) da máquina na via pública que pode produzir, como aqui sucedeu, acidentes num circunstancialismo em tudo semelhante ao que ocorreria com um veículo não utilizado em funções agrícolas ou industriais” vide Ac. RC de 10/03/2015, Processo n.º 1533/12.1TBGRD.C1, (relator: Teles Pereira) consultável em www.dgsi.pt
Ora, no caso em apreço, é inegável que a máquina em questão, ao manobrar na via pública, criou, justamente, aquele risco, o qual, de resto, se veio a concretizar.
Daí que não se possa deixar de concluir que, para essa atividade, tal máquina estava sujeita a seguro obrigatório.
Esta conclusão desonera, por um lado, a Ré seguradora da obrigação de indemnização e e, por outro, remete para o Fundo de Garantia Automóvel (Como resulta do disposto no artigo 47.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, a reparação dos danos causados por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel) e para os demais RR. (dono e condutor da máquina cuja utilização causou o acidente) a responsabilidade pela reparação dos danos apurados, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro” - artigo 54.º, n.º 4, do mesmo diploma legal.
Trata-se, porém, de uma solidariedade imprópria ou imperfeita. O “principal obrigado é sempre o responsável civil; e só se este último se furtar ao cumprimento do seu dever é que o Fundo entra em cena, satisfazendo a indemnização arbitrada” – vide neste sentido Ac. STJ de 12/07/2011, Processo n.º 5762/06.9TBMTS.P1, (relator: Nuno Cameira) consultável em www.dgsi.pt.

4ª Questão – Saber quais os danos a indemnizar e repectivo montante.

Assente que está ter o condutor da máquina agrícola agido ilícita e culposamente, provocando danos na esfera patrimonial do autor, mostram-se integrados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, recaindo sobre a O FGA, o dever de indemnizar.
De acordo com o disposto no artº 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação . «Estabelece-se neste artigo, como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural)».
Por outro lado, nos termos do artº 566º, nº 1 do C. Civil , não sendo possível a reposição ou reconstituição natural , não reparando ela todos os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor , deve a indemnização ser fixada em dinheiro.
Cabe agora, atentos os danos sobrevindos e apurados fixar o montante indemnizatório da responsabilidade do FGA - artº 483, nº 1 do CC.
No que concerne ao ressarcimento dos danos patrimoniais, o montante da indemnização a arbitrar deve corresponder ao prejuízo da situação patrimonial do lesado e, em princípio, ter por medida a diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (cfr. artºs 562º e 566º, nº. 2 do Código Civil). Ou seja, o dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão e ainda os danos futuros, desde que previsíveis (cfr. artº. 564º do Código Civil).

A) Perda total do veículo:
Os AA. reclamam a quantia de e 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) a titulo de indemnização pela perda total do …, propriedade destes;
Porém, como supra referimos na análise da impugnação da matéria de facto, tal valor não está demonstrado, nem aliás está demonstrada a perda total do veículo, pelo que tem que improceder nesta parte o pedido.

B) Despesas de saúde:
O A. C… pede a a título de indemnização ou diretamente à Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE a título de pagamento as seguintes quantias:
i) o capital respeitante ao valor dos cuidados de saúde recebidos no montante de € 14.912,98 ( catorze mil novecentos e doze euros e noventa e oito cêntimos );
ii) os juros vencidos à taxa legal e os juros vincendos à taxa legal acrescida da sobretaxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória sobre o capital em dívida; e
iii) a taxa de justiça no valor de € 102,00 ( cento e dois euros ).
O valor de tais despesas ficou demonstrado pelo que procede tal pedido.

C) Perda de rendimentos:
Pede o A. C… a quantia de € 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros ) a título de indemnização pelos rendimentos que o A C… deixou de auferir no ano de 2009, invocando que era agricultor e ganhava mensalmente € 450,00.
Porém, o A. não logrou demonstrar o alegado, pelo que improcede nesta parte o pedido.

D) Perda de ganho futuro:
Pede o A. C… a quantia de e €11.760,00 (onze mil setecentos e sessenta euros) a título de perda de ganho futuro, considerando o salário minímo de €500.00, com uma redução de 6% pela sua deficiência e 28 anos de trabalho.
Vejamos:
Estamos perante o dano biológico, dano à saúde ou dano corporal, que traduz a limitação da capacidade do lesado de viver a vida como a vivia antes do acidente, por violação da sua personalidade humana, traduzido num prejuízo concreto, consistente na privação ou diminuição do gozo de bens espirituais, insusceptíveis de avaliação pecuniária.
Como se refere no Acórdão do STJ de 16.06.2016, proferido no processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2 (e disponível em www.dgsi.pt) em causa estão bens como a saúde, a inteligência, os sentimentos, a vontade, a capacidade afectiva e criadora, a liberdade, a reserva da privacidade individual, prazer proporcionado pela vida e pelos bens materiais; valora-se, na apreciação deste tipo de danos, a faceta relacional do lesado, nas suas plúrimas manifestações, quer de índole comunitária (culturais, recreativas, desportivas, artísticas, de voluntariado), quer de natureza inter e intra-pessoal (espirituais, sentimentais, sexuais).
Para alguns estamos perante um dano patrimonial e para outros um dano não patrimonial e ainda há quem defenda que se trata de um tertium genus que não se esgota num qualquer dano patrimonial em sentido estrito (incapacidade permanente ou temporária com reflexos laborais) nem num simples dano moral (bastante restritivo nos seus pressupostos de admissibilidade).
O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
A maioria da jurisprudência e certa doutrina consideram o dano biológico como de cariz patrimonial (cfr., entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).
Concordamos com a posição expressa no recente Acórdão do STJ de 21.01.2016, proferido no processo n.º 1021/11.3TBABT, in www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte: “o que está agora em causa é avaliar as possíveis e previsíveis consequências do défice funcional de que passou a padecer o lesado no plano específico das suas actividades profissionais, essencialmente numa dupla perspectiva: por um lado, visando obter o ressarcimento do esforço acrescido que será necessário para que, ao longo da sua vida profissional, compense tal défice, de modo a prosseguir o tipo de actividade laboral que exercia à data do acidente; e, por outro lado, visando compensá--lo da perda de oportunidades profissionais que, ao longo da sua carreira, tal capitis diminutio - que irremediavelmente o afectará de modo permanente e definitivo - irá, com toda a probabilidade, implicar.
(…) Em abono do entendimento de que se trata de um dano patrimonial refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional do lesado – por não se estar perante uma incapacidade para a sua actividade profissional concreta- pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso como decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.»
Ora, na situação dos autos (tal como a do último Acórdão que temos vindo a citar), a natureza híbrida ou mista do dano biológico é perfeitamente detectável, pois existem limitações funcionais do lesado que – como se ali se diz - se podem perspectivar como pequenas invalidades permanentes, geradoras de um mero “dano de complacência” (veja-se a situação analisada no Acórdão do STJ de 20.01.2010, proferido no processo n.º 203/99): na verdade, embora tais sequelas incapacitantes não tenham tido – perante a factualidade que as instâncias tiveram por provada - um imediato e directo reflexo no nível de remuneração auferida na actividade profissional do lesado, uma vez que nada se provou a esse propósito -elas poderão revelar-se plausivelmente no decurso da vida profissional futura do lesado, o que não é despiciendo no modelo de mercado de trabalho actual (precariedade e necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento susceptível de mutação ao longo da vida do trabalhador).
Terá, pois, que se considerar a limitação às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e da perda de chance ou do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a superar adequadamente as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido. (Note-se que neste Acórdão que temos vindo a citar foi atribuída à lesada, com a idade de 40 anos, a indemnização de € 25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial, sendo que esta permaneceu com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados).
Salientamos ainda, esclarecendo, porque ao caso interessa, que a esperança média de vida para os cidadãos nacionais do sexo masculino é de 78 anos, pelo que, a indemnização a arbitrar deverá abranger a perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, durante os 41 anos previsíveis em que irá viver, rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado e não da vida activa deste, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão, além de que, como é evidente, as limitações às capacidades do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito, posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Novembro de 2016 (Processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, desta 7ª Secção), in, www.dgsi.pt.
Finalmente, anotamos que o quantum indemnizatório a arbitrar pela perda da capacidade aquisitiva futura irá ser entregue de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, impondo-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa da responsável civil, condizente a uma taxa de juro de 1% julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco.
O cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, deve ser encontrado segundo um juízo de equidade, tomando em consideração os vertidos critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, ou seja, sem deixar de considerar que a arbitrada indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado; sabendo que as tabelas matemáticas usadas para apurar a indemnização, têm um mero carácter indicativo, não substituindo, de modo algum, sublinhamos, a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo da indemnização não se deve deixar de considerar a natural evolução dos salários, tendo-se, em devida atenção a evolução expectável do salário mínimo nacional; e ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente, uma vez que o dano a indemnizar, não pode ser quantificado, em termos de exactidão, fixa-se o quantum indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura, tendo em conta todas aquelas circunstâncias e considerandos, a par do valor aquisitivo do dinheiro na actualidade, em €25.000,00 como sendo o mais ajustado como indemnização, pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor.
Pelo exposto, considerando as lesões sofridas que afectam a sua operacionalidade nos membros inferiores e superiores e os seus reflexos futuros na qualidade de vida do A (quer laboral, quer de relação), entendemos como equitativa, justa e ponderada a indemnização de € 25.000,00.

E) Danos não patrimoniais:
Pede o A. C… a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) a titulo de compensação pelas dores, intervenções cirúrgicas, padecimentos e perda de órgão já sofridos; a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a titulo de compensação pelas dores e padecimentos físicos futuros e a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de compensação pelo sofrimento psicológico futuro.
Como sabemos, os danos não patrimoniais traduzem prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens como a vida, a saúde, a liberdade, a beleza, a dor, o afecto, etc. “Costumam a doutrina e jurisprudência francesas apontar a idade, o sexo da vítima e natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de reclassificação.” Francoise Croal, Les Responsabilités Civiles Diverses et Le Contrat D’Assurance, página 165, citado em Dano Corporal em Acidente de Viação, comunicação do Desembargador Sousa Dinis no CEJ, CJ, Acórdãos do STJ, 1997, tomo II, Ano V, página 12.
No âmbito dos danos não patrimoniais, a ressarcibilidade visa proporcionar ao lesado meios económicos que de alguma maneira o compensem da lesão sofrida.
Trata-se, assim, de uma reparação indirecta.
Os danos morais só indirectamente são computados através do cálculo da soma de dinheiro, susceptíveis de proporcionar à vítima satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados. (Inocêncio Galvão Telles in Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra, 1982, página 297; em sentido semelhante, vide João de Matos Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Volume I, 6.ª edição, Coimbra, 1989, página 574).
Por outro lado, “o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável - A este propósito, escreve Antunes Varela (in Ob. cit., página 578): “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”
Deve ainda atender-se à situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda e às demais circunstâncias do caso e deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” Antunes Varela e Pires de Lima in Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, página 501 – cfr. igualmente o art.º 496.º, n.º 3 do Código Civil.
Ora, neste contexto, pensamos que tendo em conta que:
«23. O A. C… foi transportado para os Serviços de Urgência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, onde deu entrada de urgência e ficou internado;
24. Como consequência do embate o A. C… sofreu:
a) fraturas do 1/3 distal dos ossos do antebraço esquerdo; b) fratura da diáfise do fémur esquerdo;
c) fratura do punho esquerdo;
d) um traumatismo craneano e hemicorpo esquerdo; e) um traumatismo torácico;
f) um traumatismo abdominal;
g) uma ferida no couro cabeludo; h) dores no antebraço esquerdo; i) dores no punho esquerdo;
j) esplenectomia ( remoção completa do baço );
25. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 4 de Agosto de 2010;
26. O Autor apresenta as seguintes sequelas:
- Crânio: cicatriz linear com 4cm da região parietal direita disfarçável com cabelo; - Tórax: dor ligeira na palpação do esterno sem deformidade aparente;
- Abdómen: cicatriz operatória mediano quelóide e vertical para umbilical esquerda com 18 cm, com aparente fragilidade da parede embora sem hérnias aparentes;
- Membro superior esquerdo: cicatrizes operatórias do antebraço com 16cm e 11 cm respectivamente do bordo radial e cubital desde o terço médio até ao punho; Limitação da pronação (60º) boa mobilidade do punho e cotovelo;
- Membro inferior esquerdo: duas cicatrizes lineares da anca esquerda com 2 cm cada e outras duas cicatrizes circulares com 1 cm do terço proximal da perna esquerda; Coxalgia residual com boa mobilidade da anca e joelho sem amiotrofia e sem encurtamento com dor na face interna do pé com aparente deformidade da 1ª cunha (metatarsalgia);
27. O autor sofreu um défice funcional temporário total de 35 dias;
28. O autor sofreu um défice funcional temporário parcial de 553 dias;
29. A repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período total de 441 dias;
30. A repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável num período total de 147 dias;
31. O quantum doloris é fixável no grau 5/7;
32. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 14,1632 pontos;
33. Em termos de repercussão permanente na actividade profissional as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares;
35. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 3/7; será adequado o montante de €20 000,00 relativos a todos os danos não patrimoniais.

F) Dano estético:
Pede o A. C… a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de compensação pelo dano estético consubstanciado nas cicatrizes com que no seu corpo ficou.
«Nas sociedades em que vivemos o culto ou pelo menos o profundo respeito pela integridade corpórea própria e alheia faz com que as malformações estéticas consequência das lesões sofridas sejam inequivocamente encaradas como um dano.
Desde a simples cicatriz (...) há um conjunto de lesões que configuram inevitavelmente danos corporais em sentido verdadeiro e próprio, mesmo que nenhum rebate funcional, directo ou indirecto, imediato ou longínquo daí resulte.
São múltiplos os factores susceptíveis de influenciar o quantum do dano estético e que vão desde as ocupações da vitíma (...) à intensidade da lesão sofrida, sua localização, seu carácter estático ou dinâmico (vg o acto de coxear tem um significado estético mais profundo que a simples cicatriz, mesmo que esta seja visível e de grande intensidade) susceptibilidade ou não de ser corrigida, maior ou menor susceptibilidade do lesado para as questões da imagem e da interacção com os outros, idade da vitíma, sem excluir a relevância da diferença de sexo em tal ponderação» - vide João António Álvaro Dias «Dano Corporal – quadro Epistemológico e aspectos ressarcitórios 2001, colecção Teses Almedina, p. 376 e ss.
Estamos perante um dano simultâneamente funcional e estético que deve ser reparado e avaliado nesta dupla vertente – neste sentido, Medina Crespo citado na obra referida a fls. 377.
No caso dos autos o A. apresenta um dano estético permanente fixável no grau 4/7;
Considerando a idade, sexo e o facto de não ser afectada a condição socio profissional do autor o seu dano estético será qualificável de «muito ligeiro» , dentro do escalonamento seguinte : 1- muito ligeiro; 2 – ligeiro; 3 – moderado; 4 – médio; 5 – considerável; 6 – importante; 7 - muito importante .
Não menosprezando o desconforto desta situação para o autor, a verdade é que se trata de um condicionamento num grau limitativo que podemos qualificar como médio, entendendo-se como adequada a quantia peticionada a título de indemnização por este dano.

Em suma:
À Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE deve ser paga a quantia de € 14.912,98 ( catorze mil novecentos e doze euros e noventa e oito cêntimos ), respeitante ao valor dos cuidados de saúde recebidos, acrescida dos juros vencidos à taxa legal e os juros vincendos à taxa legal acrescida da sobretaxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória sobre o capital em dívida; e da taxa de justiça no valor de € 102,00 ( cento e dois euros ).
Ao A. C… deve ser paga a indemnização global de € 52.500,00 (cinquente e dois mil e quinhentos euros).

4 – Dispositivo.

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto, em consequência, revogar a sentença recorrida, decidindo-se:
a) Absolve-se a Ré, Fidelidade Companhia de Seguros, S.A. do pedido que contra ela foi formulado nestes autos.
b) Condenam-se, solidariamente, os RR., Fundo de Garantia Automóvel, N… e D… a pagarem à Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE a pagar a quantia de € 14.912,98 ( catorze mil novecentos e doze euros e noventa e oito cêntimos ), respeitante ao valor dos cuidados de saúde recebidos, acrescida dos juros vencidos à taxa legal e os juros vincendos à taxa legal acrescida da sobretaxa de 5% a contar da data da aposição da fórmula executória sobre o capital em dívida; e da taxa de justiça no valor de €102,00 (cento e dois euros ) e ao A. a indemnização global de € 52.500, 00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da sua citação (à excepção da parcela referente à indemnização por danos não patrimoniais, cujos juros se computam desde a presente data) e até integral pagamento.
c) Absolver os RR. do demais peticionado pelo Autor.
As custas da acção e do presente recurso serão pagas pelos RR. Fundo de Garantia Automóvel, N… e D… - artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Évora, 14.10.2021
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita