Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
292/12.2TBARL-A
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:
Tem-se por manifestamente justificado – não caindo no abuso do direito – o pedido de nulidade de contrato de financiamento ao consumo formulado por quem, na qualidade de consumidor, não foi elucidado, pelo banco, sobre as suas cláusulas, nem recebeu, de imediato, para o poder analisar, a recato, uma cópia do mesmo, pois bem sabia o financiador das implicações legais dessa omissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes nesta Relação:

A Apelante/Exequente “Banco AA, S.A.” vem interpor recurso da douta sentença proferida em 6 de Março de 2015 (agora a fls. 333 a 366), no Tribunal Judicial, nestes autos de oposição à execução, que aí lhe deduziram os Oponentes/Apelados/Executados BB e mulher, CC, [e correndo a execução por um valor de € 21.796,56 (vinte e um mil, setecentos e noventa e seis euros e cinquenta e seis cêntimos) e juros] – decisão que julgou totalmente procedente tal oposição e declarou a nulidade do contrato de mútuo celebrado no dia 24.03.2007, entre os executados e a “AA Crédito, S.A.”, assim como da sua adenda de 16.12.2008, declarou a nulidade da livrança dada à execução e a extinção da execução, por falta de título executivo (com o fundamento que aí vem aduzido de que “resulta, assim, manifesto, que o identificado contrato traduz um contrato de adesão, com cláusulas contratuais gerais, previamente elaboradas pela mutuante sem prévia negociação individual, que os aderentes se limitam a aceitar ou rejeitar em bloco, sendo, por isso, aplicável ao mesmo em conjugação com os demais diplomas referidos, o regime jurídico estatuído pelo DL n.º 446/85, de 25.10”; e que “perscrutados os factos dados como provados e não provados, verifica-se que a exequente não logrou provar, como lhe competia, que a instituição de crédito ‘AA Crédito, SA’ forneceu aos executados um exemplar do contrato em discussão nestes autos, resultando tal facto não provado, o que, pelas razões aduzidas, inquina o mesmo de nulidade, atenta a previsão do art.º 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, do D.-L. n.º 359/91, de 21.09, assim como da sua adenda datada de 16.12.2008, dado que a mesma tem como pressuposto as obrigações assumidas em contrato agora considerado nulo”) –, intentando ver agora revogada essa decisão da 1ª instância e alegando, para tanto e em síntese, que discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, mormente da resposta de não provado dada ao quesito 5º (alínea e) da sentença): que “a instituição de crédito ‘AA Crédito, SA’ (não) forneceu aos executados um exemplar do acordo referido em 3)”, que deverá ser considerado provado. E também da resposta de não provado que foi dada ao quesito 4º (alínea d) da douta sentença): “a instituição de crédito AA Crédito, SA deu conhecimento das cláusulas do acordo mencionado em 2) aos executados e explicou-lhes o seu conteúdo, incluindo a existência de uma livrança em branco e o respectivo pacto de preenchimento, correspondente à referida em 1)”, que deverá ser considerado provado. Por fim, devia ter-se ainda por provada a matéria dos artigos 43º e 44º da sua contestação. Mesmo assim, nunca se poderia ter considerado nulo o contrato de financiamento ao consumo, sendo sempre abusiva a sua consideração como tal por parte dos devedores. São termos, conclui, em que deverá julgar-se improcedente a oposição e continuar a execução, assim se dando provimento ao presente recurso de Apelação.
Os Apelados AA e mulher, BB vêm contra-alegar (a fls. 431 a 438), para dizerem, também em síntese, que a Apelante não tem razão, pois que “suscita na sua longa alegação duas questões que têm sido resolvidas pela jurisprudência no sentido contrário ao que se pugna na presente apelação” (“não pode, pois, um banco com juristas internos, capacidade de marketing e de actuação no mercado sentir-se ‘lesado’ porque um consumidor exerce um direito que a lei lhe faculta e que decorre de um acto e omissão que exclusivamente lhe é imputável”). E “a não informação do conjunto de cláusulas que compõem o contrato gera a sua nulidade” – não competindo ao consumidor perguntar pelo cumprimento de uma obrigação legal que é do banco. Pelo que, concluem, deverá, agora, manter-se a douta sentença recorrida na ordem jurídica, não merecendo, assim, qualquer reparo.
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A) – Vêm dados por provados os seguintes factos:

1) Nos autos de execução principais, a exequente deu à execução uma livrança emitida a 14 de Setembro de 2012, no valor de € 21.489,83 (vinte e um mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e oitenta e três cêntimos), com data de vencimento em 27 de Setembro de 2012, da qual consta a expressão: “No seu vencimento pagarei (emos) por esta única via de livrança a ‘AA Crédito, SA’, ou à sua ordem, a quantia de vinte e um mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e oitenta e três cêntimos”, aí constando como subscritores os ora executados/oponentes, que a assinaram (alínea A) da Especificação).
2) Em 24 de Março de 2007 os executados/oponentes compraram à “DD, Lda.” um veículo automóvel marca Renault M Megane, de matrícula 00-AF-00, tendo procedido ao levantamento da mesma no mesmo dia (alínea B) da Especificação).
3) Em 24 de Março de 2007 os executados/oponentes e a instituição de crédito “AA Crédito, S.A.” firmaram entre si um acordo denominado “contrato de financiamento para aquisição a crédito” com o número 33972, através do qual esta lhes emprestou a quantia de € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), acrescida de € 100,00 (cem euros) de despesas de dossier, € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros) de despesas de abertura de crédito, com taxa de juro de 8,35% e T.A.E.G. de 9,97%, mediante obrigação de restituição através de 84 prestações mensais no valor, cada uma, de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros, oitenta cêntimos), vencendo-se a primeira prestação em 27 de Abril de 2007 (documento n.º 3 junto com a contestação) – (alínea C) da Especificação).
4) Em 16 de Dezembro de 2008 os executados/oponentes e a instituição de crédito “AA– Instituição de Crédito, SA” firmaram entre si um acordo denominado “adenda ao contrato de crédito mútuo VCR Nº 33972”, através do qual estabeleceram novas condições financeiras, ficando acordado um prazo de 108 meses, com 20 prestações vencidas e 88 vincendas, e um valor mensal, a título de prestações de restituição, de € 344,66 (trezentos quarenta quatro euros, sessenta seis cêntimos), acrescida do valor do reembolso mensal, em prestações constantes sem juros, relativo ao prémio de seguro de vida, com efeitos a 12 de Janeiro de 2009 (alínea D) da Especificação).
5) Em 27 de Setembro de 2010 os executados/oponentes e a instituição de crédito “AA – Instituição de Crédito, S.A.” firmaram entre si um acordo denominado “contrato de dação em cumprimento”, referente ao acordo supra mencionado no ponto 3), no âmbito do qual aqueles primeiros liquidaram ou reduziram o valor da sua dívida através da entrega à instituição de crédito “Banif GO – Instituição de Crédito, S.A.” do veículo de marca Renault, modelo Megane, de matrícula 00-AF-00, aí ficando acordado que o valor definitivo do bem em pagamento seria aquele que fosse obtido pela instituição de crédito ou pelos seus agentes, na sua venda a terceiros, deduzido de todas as despesas suportadas com o seu levantamento, transporte, armazenamento e promoção de venda (documento n.º 7 junto com a contestação e documento n.º 2 junto com a oposição) – (alínea E) da Especificação).
6) Em 15 de Dezembro de 2010 os executados/oponentes receberam uma carta da instituição de crédito “AA – Instituição de Crédito, S.A.”, através da qual lhes comunicou a resolução do acordo mencionado em 3) e solicitando o pagamento da quantia de € 25.711,59 (vinte e cinco mil, setecentos e onze euros e cinquenta e nove cêntimos) – (alínea F) da Especificação).
7) Por conta do acordo mencionado supra em 3) e 4), os executados, ora oponentes, pagaram as seguintes importâncias:
a) No dia 28.03.2007 a importância de € 443,00 (quatrocentos e quarenta e três euros), afectada pela exequente ao pagamento das acordadas despesas de dossier (€ 100,00) e do imposto de abertura de crédito (€ 165,00), ficando a restante quantia (€ 178,00) registada sob o tipo de débito C-VCO/1;
b) No dia 27.04.2007 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 1.ª prestação;
c) No dia 11.06.2007 a importância de € 521,26 (quinhentos e vinte e um euros e vinte e seis cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 2.ª prestação e despesas de cobrança (€ 66,09);
d) No dia 11.07.2007 a importância de € 521,11 (quinhentos e vinte e um euros e onze cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 3.ª prestação e despesas de cobrança (€ 66,07);
e) No dia 09.08.2007 a importância de € 521,29 (quinhentos e vinte e um euros e vinte e nove cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 4.ª prestação e despesas de cobrança (€ 66,09);
f) No dia 27.08.2007 a importância de € 101,46 (cento e um euros e quarenta e seis cêntimos), ficando registada pela exequente sob o tipo de débito C-VAF/1;
g) No dia 15.09.2007 a importância de € 521,29 (quinhentos e vinte e um euros e vinte e nove cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 5.ª prestação e despesas de cobrança (€ 66,09);
h) No dia 12.10.2007 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 6.ª prestação;
i) No dia 12.11.2007 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 7.ª prestação;
j) No dia 12.12.2007 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 8.ª prestação;
k) No dia 12.01.2008 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 9.ª prestação;
l) No dia 12.03.2008 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 11.ª prestação;
m) No dia 12.04.2008 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 12.ª prestação;
n) No dia 30.04.2008 a importância de € 3,54 (três euros e cinquenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento (parcial) da 10.ª prestação;
o) No dia 12.05.2008 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 13.ª prestação;
p) No dia 12.06.2008 a importância de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 14.ª prestação;
q) No dia 12.07.2008 a importância de € 442,79 (quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e nove cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 15.ª prestação;
r) No dia 31.07.2008 a importância de € 465,90 (quatrocentos e sessenta e cinco euros e noventa cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento do remanescente em dívida da 10.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 26,64);
s) No dia 30.09.2008 a importância de € 445,61 (quatrocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e um cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 17.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 2,82);
t) No dia 27.10.2008 a importância de € 509,27 (quinhentos e nove euros, vinte e sete cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 18.ª prestação, despesas (€ 64,13) e respectivos juros de mora (€ 2,35);
u) No dia 27.10.2008 a importância de € 519,82 (quinhentos e dezanove euros e oitenta e dois cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 16.ª prestação, despesas (€ 65,12) e respectivos juros de mora (€ 11,91);
v) No dia 12.11.2008 a importância de € 442,79 (quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e nove cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 19.ª prestação;
x) No dia 12.12.2008 a importância de € 442,79 (quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e nove cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 20.ª prestação;
y) No dia 02.01.2009 a importância de € 60,00 (sessenta euros), afectada pela exequente a despesas com financiamento;
z) No dia 12.03.2009 a importância de € 349,64 (trezentos quarenta nove euros, sessenta quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 23.ª prestação;
aa) No dia 12.05.2009 a importância de € 349,64 (trezentos e quarenta e nove euros, sessenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 25.ª prestação;
bb) No dia 12.06.2009 a importância de € 349,64 (trezentos e quarenta e nove euros, sessenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 26.ª prestação;
cc) No dia 12.07.2009 a importância de € 349,64 (trezentos e quarenta e nove euros, sessenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 27.ª prestação;
dd) No dia 12.08.2009 a importância de € 349,64 (trezentos e quarenta e nove euros, sessenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 28.ª prestação;
ee) No dia 13.08.2009 a importância de € 700,00 (setecentos euros), afectada pela exequente ao pagamento da 21.ª prestação, respectivos juros de mora (€ 26,28) e despesas (€ 88,12) e ao pagamento parcial (€ 225,12) da 22.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 14,62);
ff) No dia 01.09.2009 a importância de € 595,19 (quinhentos e noventa e cinco euros, dezanove cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 24.ª prestação, os respectivos juros de mora (€ 17,52) e as despesas (€ 74,92); ao pagamento parcial (€ 120,74) da 22.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 8,66); e ao pagamento parcial (€ 23,71) da 29.ª prestação;
gg) No dia 18.12.2009 a importância de € 798,34 (setecentos e noventa e oito euros e trinta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 31.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 4,44); ao pagamento parcial (€ 314,81 = € 311,03 + € 3,78) da 30ª prestação, respectivos juros de mora (€ 7,44) e despesas (€ 100,49); e ao pagamento parcial (€ 21,52) da 32.ª prestação;
hh) No dia 23.12.2009 a importância de € 349,64 (trezentos e quarenta e nove euros, sessenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento do remanescente em dívida (€ 34,83) da 30.ª prestação e ao pagamento parcial (€ 314,81 = € 311,03 + € 3,78) da 29.ª prestação;
ii) No dia 15.03.2010 a importância de € 349,64 (trezentos e quarenta e nove euros, sessenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento da 35.ª prestação;
jj) No dia 13.05.2010 a importância de € 626,54 (seiscentos e vinte e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), afectada pela exequente ao pagamento do remanescente em dívida (€ 328,12 = € 324,34 + 3,78) da 32.ª prestação e dos respectivos juros de mora (€ 17,59), e ao pagamento parcial (€ 193,61) da 33.ª prestação, respectivos juros de mora (€ 8,36) e despesas (€ 78,86);
kk) No dia 17.05.2010 a importância de € 600,00 (seiscentos euros), afectada pela exequente ao pagamento da 34.ª prestação, respectivos juros de mora (€ 11,60) e despesas (€ 75,53); ao pagamento do remanescente em dívida (€ 152,25 + 3,78) da 33.ª prestação; e ao pagamento parcial (€ 0,41) da 36.ª prestação;
ll) No dia 23.07.2010 a importância de € 720,00 (setecentos vinte euros), que a exequente não afectou ao pagamento de qualquer prestação;
mm) No dia 01.01.2011 a importância de € 151,25 (cento e cinquenta um euros, vinte e cinco cêntimos), ficando registada pela exequente como despesas de contencioso.
8) Em consequência do acordo referido em 5), a exequente procedeu à venda, em leilão, do veículo automóvel de matrícula nº 00-AF-00, no dia 02 de Dezembro de 2010, pela quantia de € 7.900,00 (sete mil e novecentos euros).
9) O recebimento da quantia monetária referida em 8) foi confirmado e registado pela exequente no dia 20 de Janeiro de 2011.
10) Em 20 de Janeiro de 2011 a exequente afectou a quantia monetária referida supra em 8) como sendo para:
a) pagamento parcial (€ 156,03 = 152,25 + € 3,78) da 33.ª prestação e dos respectivos juros de mora (€ 18,30);
b) pagamento da 34.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 37,76);
c) pagamento da 36.ª prestação (€ 349,64 = € 3,78 + € 345,86) e dos respectivos juros de mora (€ 30,48);
d) pagamento da 37.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 26,78);
e) pagamento da 38.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 22,95);
f) pagamento da 39.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 19,25);
g) pagamento da 40.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 15,42);
h) pagamento da 41.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 11,60);
i) pagamento da 42.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 7,89);
j) pagamento da 43.ª prestação e respectivos juros de mora (€ 4,08);
k) pagamento da 44.ª prestação; e,
l) pagamento parcial, no montante de € 4.053,00 (quatro mil e cinquenta e três euros) do capital financeiro em dívida.
11) O montante inscrito na livrança dada à execução teve como base as quantias de:
a) € 12.232,06 (doze mil, duzentos e trinta e dois euros e seis cêntimos) a título de capital;
b) € 156,00 (cento e cinquenta e seis euros) a título de encargos;
c) € 12,32 (doze euros e trinta e dois cêntimos) a título de juros de mora, contabilizados desde 12.12.2010 a 15.12.2010 e respectivo imposto de selo;
d) € 4.440,86 (quatro mil, quatrocentos e quarenta euros e oitenta e seis cêntimos) a título de juros remuneratórios englobados nas prestações 45ª a 108ª e respectivo imposto de selo;
e) € 307,50 (trezentos e sete euros e cinquenta cêntimos) a título de despesas de contencioso;
f) € 241,63 (duzentos e quarenta e um euros e sessenta e três cêntimos) a título de reembolso de prémio de seguro de vida ainda não pago;
g) € 3.992,01 (três mil, novecentos e noventa e dois euros, um cêntimos) a título de juros de mora, contabilizados desde 15.12.2010 a 27.09.2012;
h) € 107,45 (cento e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de imposto de selo da livrança dada à execução.
12) No montante de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos), referido em 3), estava incluída a quantia de € 3,54 (três euros, cinquenta e quatro cêntimos), a título de prestação mensal de prémio de seguro de vida do executado, e a quantia de € 1,20 (um euro e vinte cêntimos) a título de portes com IVA.
13) Ao montante da prestação mensal de € 344,66 (trezentos e quarenta e quatro euros, sessenta e seis cêntimos), referido em 4), a exequente fez acrescer a quantia de € 3,78 (três euros e setenta e oito cêntimos), a título de prestação mensal de prémio de seguro de vida do executado, com seus efeitos a partir de 12.01.2009 e a quantia de € 1,20 (um euro e vinte cêntimos) a título de portes com IVA.

B) – E vêm dados por não provados os seguintes factos:

a) Os executados ficaram convencidos que, com a celebração do acordo mencionado em 5) e a entrega do veículo, ficariam desonerados do pagamento de qualquer quantia à instituição de crédito “AA – Instituição de Crédito, S.A.”, por conta do acordo mencionado supra em 3) – (resposta ao quesito 2º);
b) Após a recepção da carta referida em 6), um funcionário da instituição de crédito AA comunicou aos executados que não atendessem à mesma e que se mantinha o acordo mencionado supra em 5) – (resposta ao quesito 3º);
c) Após a celebração do acordo mencionado supra em 5), a instituição de crédito AA – Instituição de Crédito ou o exequente deram conhecimento do valor do veículo aos executados – (resposta ao quesito 6º);
d) A instituição de crédito AA Crédito, SA deu conhecimento das cláusulas do acordo mencionado em 2) aos executados e explicou-lhes o seu conteúdo, incluindo a existência de uma livrança em branco e respectivo pacto de preenchimento, correspondente à referida em 1) – (resposta ao quesito 4º);
e) A instituição de crédito “AA Crédito, SA” forneceu aos ora executados um exemplar do acordo referido em 3) – (resposta ao quesito 5º).
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Ora, as questões que demandam apreciação e decisão da parte do tribunal ad quem são as de saber se a matéria de facto foi bem ou mal julgada pelo tribunal a quo, mais especificamente a que consta de não provada nos pontos d) e e) da sentença – que, no entendimento da apelante, deveriam ter sido julgados de provados – e acrescentar-lhes a matéria dos artigos 43º e 44º da contestação, que o mesmo é dizer se o foram de acordo ou ao arrepio das provas carreadas e produzidas oportunamente nos autos. Naturalmente, analisar-se-á que eventuais consequências jurídicas se têm que tirar daí quanto à condenação da Apelante nos pedidos que vinham formulados na oposição. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Porém, para encetar essa reapreciação fáctica, temos de considerar, como consideramos, que a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto foi objecto de uma impugnação válida, de acordo com a previsão do artigo 640.º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (aqui aplicável ex vi dos artigos 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, a contrario, e 8.º dessa Lei, pois a decisão foi proferida depois da sua entrada em vigor e a acção é posterior a 1 de Janeiro de 2008) – e se tem tal impugnação por válida mesmo sem aplicar, aqui, um grau de exigência de tal ordem que se não coadunasse, depois, com a letra e o espírito da lei e apenas servisse para arranjar entraves ao conhecimento do mérito dos recursos (note-se que vigoram, entre nós, os princípios pro actione e in dubio pro favoritatae instantiae, em ordem precisamente a que se consiga nos processos uma tutela jurisdicional efectiva).

Mas a verdade é que a Apelante não deixa de especificar, nas suas doutas alegações de recurso, os concretos pontos de facto constantes da sentença que considera incorrectamente julgados, e as razões dessa sua divergência, como lhe competia e o impõe a alínea a) do n.º 1 daquele referido artigo 640.º, assim se percebendo exactamente do que é que discorda e pretende ver alterado nesta sede de recurso. E tal é, também, perceptível para a contra-parte, tanto que lhe responde directa e pertinentemente (tudo isso pese embora alguma mistura que a Apelante vem fazer entre questões fácticas e matérias de índole de direito da douta sentença, mas, ainda assim, perfeitamente perceptível a sua posição).

É que não se pretende aqui um segundo julgamento da matéria de facto, apenas colmatar erros ou contradições que sejam detectáveis e resultem dos próprios elementos juntos aos autos, sejam documentos, sejam os depoimentos gravados das testemunhas (“A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”, escreveu-se logo no preâmbulo do Decreto-lei n.º 39/1995, de 15 de Fevereiro, que introduziu o sistema do registo das provas em audiência e o recurso nessa matéria).

E, assim, impõe, desde logo, tal artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que o recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, especifique obrigatoriamente, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a)), quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto que impugna, diversa da recorrida (alínea b)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – isto para além de ter que indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, podendo, também, por sua iniciativa, proceder à transcrição dos excertos que considere importantes (n.º 2, alínea a), do mesmo artigo).

Ora, o citado dispositivo legal – ao obrigar o recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, a especificar, sob pena de rejeição, quais “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” e os concretos meios probatórios em que se baseia – intenta precisamente isso: facilitar, à outra parte como ao Tribunal, a localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos de testemunhas.

Mas tal ónus vem cumprido in casu, e até de uma forma minuciosa, não deixando a Apelante de indicar os pontos de facto de que discorda frontalmente (e pretende ver alterado o decidido em 1ª instância) – referindo-se à matéria dos quesitos 4º e 5º da base instrutória, a ter de julgar-se por provada e à pertinência de que também constem os factos alegados nos artigos 43º e 44º da contestação – e apontando os documentos e depoimentos de testemunhas que ali identifica, e nos quais baseia a sua discordância. E reporta-se a excertos dos depoimentos das testemunhas, o que naturalmente não exime o Tribunal ad quem de os ouvir na totalidade, como ouviu, para ficar com uma visão de conjunto. O normativo em causa está, pois, cumprido, bem como alcançada a respectiva finalidade.

Porém, repete-se, não estamos perante um segundo julgamento de toda a factualidade constante dos autos, nem é esse o regime processual que nos rege na matéria – tanto que para alterar a decisão de facto da 1.ª instância não basta uma simples divergência, sendo necessário demonstrar, pelos concretos meios de prova produzidos, que se verificou erro de apreciação, o que não será fácil quando não sejam inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente, sendo que “O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando prevalência ao princípio da oralidade, da livre apreciação da prova e da imediação”, como se escreveu no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 4 de Abril de 2005, publicado pelo ITIJ e com a referência n.º 0446934 (no mesmo sentido, vide o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 2005, publicado pelo ITIJ e com a referência n.º 05A2200, que diz como segue: “A plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais do que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas. O Tribunal da Relação só em casos de manifesto erro de julgamento deve alterar a matéria de facto dada como provada com base em depoimentos gravados”).

Já quanto à matéria que, na perspectiva da recorrente, deveria ter obtido resposta diversa da que lhe foi dada na 1ª instância (e que já supra se indicou), não cremos, porém, salva melhor opinião, que a impugnante ora tenha razão nas objecções que levanta ao trabalho do Meritíssimo Juiz a quo.

Rege aqui o artigo 662.º do Código de Processo Civil, sendo a lei muito clara na enumeração das diversas possibilidades que tem o Tribunal da Relação de alterar a decisão fáctica do Tribunal da 1ª instância. No caso sub judicio vem impugnada precisamente essa decisão tomada com base em documentos juntos aos autos e em depoimentos que se encontram gravados/transcritos, pelo que nada obsta a que este Tribunal ad quem reaprecie as provas em que assentou a parte impugnada daquela decisão, e a venha mesmo a alterar, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, nos termos previstos no n.º 1 desse normativo legal.

E aqui importará realçar, desde logo, em abono do trabalho do sr. Juiz – concorde-se ou não com ele – o facto de a decisão na qual respondeu à matéria fáctica (a fls. 340 a 351) estar sucinta mas suficientemente fundamentada, como dela mesma consta (aí não faltando uma referência detalhada à documentação junta e ao que as testemunhas disseram no julgamento e à sua razão de ciência), notando-se a preocupação do julgador em vir elucidar os seus destinatários ou quem lê o processo, sobre o percurso que fez para responder daquela e não de outra maneira à matéria da causa – e isso só abona em favor da decisão que tomou – de resto, em obediência às exigências estabelecidas no n.º 4 do artigo 607º do novo Código de Processo Civil: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (sublinhado nosso), provindo uma tal redacção, como informa o Cons. Lopes do Rego no seu “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume I, 2ª edição, na página 544, “no essencial, do Decreto-Lei n.º 39/1995, de 15 de Fevereiro, implicando um claro alargamento/aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais, proferidas pelo juiz singular ou pelo tribunal colectivo, sobre a matéria de facto relevante para o julgamento do pleito” (sic).

Sem nunca esquecer, neste tipo de casos, que quem fez o julgamento foi ele, conforme ao teor das actas da respectiva audiência, ora a fls. 257 a 265, 324 a 326 e 332-a, b e c dos autos, e teve, por isso, acesso a elementos e dados a que nenhum outro julgador mais terá, sendo que a imediação é, aqui, fundamental (senão, seria tudo uma questão de maiorias e quem tivesse, por exemplo, mais testemunhas a afirmar um facto é que lograria prová-lo, não sendo assim, como é bem sabido).

Não que as decisões sobre a matéria de facto não possam, assim, vir a ser alteradas na 2ª instância – que o podem e devem mesmo, em certos casos –, mas só para deixar assinalada a importância da imediação em matérias relacionadas com a apreciação da prova testemunhal (verdadeira ‘prova de fogo’ do juiz, como soe dizer-se). Mas também na Relação, enquanto Tribunal de instância, não deixará de vigorar o princípio da livre apreciação das provas produzidas, que o juiz conduzirá “segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, nos termos fixados do n.º 5, ab initio, do artigo 607.º do Código de Processo Civil – naturalmente, com os cuidados e cautelas que se deixam assinalados.

[Abre-se aqui um parêntesis para dizer que, a este propósito, se escreveu no Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Julho de 2006, tirado no processo nº 0653629, publicado pelo ITIJ, que “a apreciação da prova na Relação envolve riscos de valoração de grau mais ‘elevado’ que os que se correm em 1.ª Instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade, (…) já que a transcrição dos depoimentos e até a sua audição quando gravados, não permite colher, por intuição, tudo aquilo que o julgador alcança quando tem a testemunha ou o depoente diante de si. Quando o Juiz tem diante de si a testemunha ou o depoente de parte, pode apreciar as suas reacções, apercebe-se da sua convicção e da espontaneidade ou não do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe; em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que afinal é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos”. E diz o Prof. Antunes Varela, ali também citado, quanto a tal princípio da imediação: “Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”. E também o douto acórdão da Relação do Porto, de 29 de Maio de 2006, no processo n.º 0650899 e publicado pelo ITIJ: “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por qualquer outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”. Por isso que acaba por concluir que “a admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará, assim, apenas, nos casos para os quais não existe qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”.]

Ora, voltando ao caso concreto, pretende-se, afinal, completar um quadro fáctico que permita, ainda, saber se o Banco Apelante comunicou aos Apelados as cláusulas do contrato celebrado (de financiamento ao consumo) e logo lhes forneceu também uma cópia do mesmo, assim se salvaguardando da declaração de nulidade desse contrato que foi emitida pela sentença da 1.ª instância.

Mas vejamos os elementos de prova a que a agora Recorrente se reporta e analisando, quanto às testemunhas, os depoimentos prestados na sua totalidade (parcialmente transcritos nas alegações de recurso e com o registo áudio colhido na sessão de julgamento do passado dia 17 de Dezembro de 2014, e assinaladas na respectiva acta, a fls. 257 a 265 dos autos).

E, assim, ouvidos/lidos tais depoimentos, temos de convir, salva outra e melhor opinião, e tirando um ou outro aspecto de pormenor, que os mesmos não são de molde a sustentar a tese que vem expendida pela Apelante (como esta pretendia), pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter o Mm.º Juiz a quo captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem.

Com efeito, reporta-se ao assunto em discussão no processo a testemunha EE (que é o pai da oponente/executada CC) que diz que na altura os oponentes viviam na sua casa, e compraram um carro Renault Megane; soube que eles optaram por entregar a viatura ao banco, de livre iniciativa, pois estavam com dificuldades em pagar; e não soube mais nada, valores de entrega, preço da venda pelo banco; pensaram que o assunto ficava resolvido com a entrega do carro; não tem conhecimento directo de mais factos, dado que não teve intervenção no negócio da compra do veículo, não estando a par das condições acordadas e das circunstâncias que tal negócio foi celebrado; mas chegou a ver avisos de débito de prestações mensais e a carta de resolução do contrato pelo banco; e eles foram notificados de que ia ser preenchida a livrança; é verdade que analisou toda a documentação relativa a este assunto, mas não viu documento nenhum sobre os valores em dívida, nem viu o contrato de financiamento que terá sido celebrado com o banco e, uma vez perguntando à sua filha por ele, esta disse-lhe que não lhe tinha sido entregue ou enviado nenhum contrato; a testemunha o que analisou foram os extractos e avisos do banco a dizer o que se encontrava em dívida; e a sua filha não pediu nenhuma cópia do contrato; só já depois da acção em tribunal é que o depoente veio a pedir uma cópia do contrato à advogada do banco; a testemunha exerceu uma profissão de funcionário bancário. E a testemunha FF (que trabalha no ‘Banco X’, no seu departamento de contencioso) diz que conhece os oponentes do exercício das suas funções e que foram pagas 32 prestações pelos executados; houve renegociação do contrato; confirma ter o contrato sido resolvido no contencioso, face ao não pagamento dalgumas (dez) prestações; após a resolução do contrato, em 15 de Dezembro de 2010, o único valor que entrou no banco foi o da venda do veículo que lhe havia sido entregue pelo executado, tendo a exequente diligenciado pela sua venda em leilão, o que veio a suceder antes da resolução, no dia 2 de Dezembro de 2010, pelo valor de € 7.900,00; mas só a 20 de Janeiro de 2011 é que tal valor da venda do veículo foi levado a abater ao montante da dívida dos executados; o valor preenchido na livrança já reflectia todas essas operações, deduzindo naturalmente os custos da venda; mas os devedores nunca solicitaram uma segunda via do contrato ou que não tinham uma cópia do mesmo (não tem nenhum elemento nesse sentido); ou que tenham telefonado a pedir algum esclarecimento; e teria ficado registado na base de dados do banco qualquer um desses contactos, se tivessem ocorrido.

E, num tal quadro de provas produzidas, apreciadas de um modo global, como, aliás, tem que ser, aceita-se perfeitamente a decisão do Mm.º Juiz da 1.ª instância, que tomou por boa, nessa parte, a versão dos factos/acontecimentos que fora trazida aos autos pelos Autores – e que acabou por ficar plasmada na douta decisão impugnada –, em detrimento da versão carreada pelo Banco Réu.
Ademais, a existência de duas ou mais versões, opostas e contraditórias, sobre o que se passou – e aqui há realmente versões algo contraditórias, embora não se vá já dizer que as pessoas estarão a mentir, pois que isso poderá resultar de diferenças na perspectiva com que encararam os factos –, a existência dessas versões, dizíamos, é uma normalidade típica dos processos jurisdicionais, que não deverá espantar ou perturbar ninguém, aos Tribunais competindo tomar as opções. Naturalmente. É assim todos os dias e foi o que foi feito in casu, onde o Mm.º Juiz – e muito bem, face à prova produzida – concluiu que não havia sido entregue aos oponentes alguma cópia do contrato de financiamento ao consumo aqui em causa, e que está na base da execução a que esta oposição está apensa, nem explicitado o conteúdo das respectivas cláusulas.
E nem valerá a pena, nesse conspecto, vir invocar, como o faz a apelante, a ausência doutros factos por si alegados na contestação, que se possam ainda incluir na douta sentença para pôr em causa a justeza da decisão nela contida – como verbi gratia a matéria fáctica dos artigos 43º e 44º desse douto articulado, relativa à ausência de démarches por parte dos devedores para se inteirarem do objecto do contrato e do conteúdo das suas cláusulas – quando o regime legal só põe esse ónus no próprio banco e não no consumidor, como melhor se explicita na douta sentença da 1ª instância com a qual se concorda e para que se remete.
Por isso aí se escreveu:
Reportando-se ao contrato de crédito ao consumo sob a forma de mútuo aqui directamente em causa, convém referir que no preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21.09, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 82/2006, de 03.05, o legislador deixou bem vincado que importa proteger o consumidor das condições abusivas frequentemente insertas nesses contratos e garantir-lhe uma informação completa e verdadeira, susceptível de contribuir para uma correcta formação da vontade de contratar.
(…)
Como é sabido, a obrigação de entrega ao consumidor de um exemplar do contrato está intimamente relacionada com o período de reflexão previsto no artigo 8.º do diploma legal, garantindo-se que durante tal período o consumidor tem em seu poder um exemplar do contrato, de forma a poder analisar, na serenidade do seu lar, as cláusulas a que se vinculou e se assim o entender revogar o mesmo no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato.
De facto, de pouco valeria consagrar-se um período de reflexão de sete dias úteis se não se assegurasse aos consumidores a posse efectiva de um exemplar do contrato, com vista a garantir a necessária reflexão sobre a natureza e consequências das obrigações assumidas.
(…)
Perscrutados os factos dados como provados e não provados, verifica-se que a exequente não logrou provar, como lhe competia, que a instituição de crédito ‘AA Crédito, S.A.’ forneceu aos executados um exemplar do contrato em discussão nestes autos, resultando tal facto não provado, o que, pelas razões aduzidas, inquina o mesmo de nulidade, atenta a previsão do art.º 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, do DL n.º 359/91, de 21.09, assim como da sua adenda datada de 16.12.2008, dado que a mesma tem como pressuposto as obrigações assumidas num contrato agora considerado nulo”.

Dessarte, e pese embora o esforço da Apelante (ainda acompanhado por segmentos do depoimento prestado pela testemunha por si arrolada e que é seu funcionário do contencioso), o certo é que as provas produzidas, tomadas no seu conjunto, são mais consistentes na versão dos factos que acabou por ficar plasmada na douta sentença em recurso.
Uma decisão, diga-se, que respeita cabalmente a prova em que se funda.
E não são os documentos juntos, tomados isoladamente, que alteram isso.

Esta, portanto, a percepção que tivemos nesta instância de recurso, afinal idêntica à que teve o Mm.º Juiz a quo – ele, naturalmente, ainda sensível ao modo como os depoimentos foram prestados perante si, como lhe competia. Por isso que agora consideramos provados e não provados os mesmos factos que o foram na 1ª instância, nada havendo a alterar aqui ao decidido a esse respeito.

E inalterada a factualidade também inalterada fica a solução jurídica dada ao caso – assente, basicamente, no incumprimento do dever do banco fornecer aos devedores/consumidores com os quais contratou cópia do referido contrato de financiamento ao consumo e de lhes explicitar o seu conteúdo.
Solução jurídica que, de resto, nesta sede de recurso, verdadeiramente nem vem posta em causa, de forma autónoma, pela recorrente, sem ser através da pretendida alteração da factualidade: pois que o que se intentava mudar eram os factos, que o direito acompanharia, naturalmente, essa mudança.

Por fim, poderá vir a considerar-se que aquela invocação, por parte dos aí executados/oponentes/apelados, das vicissitudes do contrato de financiamento – maxime, da nulidade pela não entrega do seu exemplar –, como abuso de direito da parte de quem, afinal, pretenderia é fugir aos compromissos que assumiu?
Vejamos por que assiste razão à 1ª instância em afastar esse espectro.

A figura do abuso do direito está prevista no ordenamento jurídico para evitar uma utilização imoral dos próprios mecanismos da Lei, conforme o artigo 334.º do Código Civil.
Com efeito, estabelece tal artigo ser “ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. O ilustre Prof. Manuel de Andrade refere-se aos direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça (‘Teoria Geral das Obrigações’, pág. 63), a “hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito da lei resultaria no caso concreto intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico embora legalmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição”. E o Prof. Antunes Varela aduz in ‘Das Obrigações em Geral’, volume I, a páginas 436 a 438, que “há abuso de direito, segundo a concepção objectiva aceite no artigo 334.º, sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito. Não basta que o exercício do direito cause prejuízos a outrem. Naturalmente, a reclamação do crédito pelo credor abastado ao devedor em má situação económica será contrária aos interesses deste. O proprietário que constrói, no seu terreno, tirando as vistas ou a luz ao prédio vizinho, também pode prejudicar este. Mas em nenhum dos casos haverá, em princípio, abuso de direito, visto a atribuição do direito traduzir deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com eles conflituantes. Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. Se, para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Não pode em qualquer dos casos afirmar-se a exclusão dos factores subjectivos nem o afastamento da intenção com que o titular tenha agido, visto este poder interessar quer à boa-fé ou aos bons costumes, quer ao próprio fim do direito”.]

Assim se exige, para haver abuso do direito, que seja manifesto o excesso (só podendo, por isso, os Tribunais fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade às razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso).
[Trata-se, portanto, duma válvula de escape do sistema jurídico, de que o Tribunal terá sempre que lançar mão quando concluir que existiu uma utilização inapropriada – no sentido supra explicado – do direito que a parte efectivamente tinha, a retirar do contexto da situação e da factualidade subjacente, a fim de se evitarem situações totalmente iníquas.]

Porém, salva melhor opinião, o contexto factual apurado na sentença não traduz, quanto à conduta dos Oponentes/Apelantes, a ofensa do nosso sentido ético-jurídico, do nosso justo sentir, de tal maneira que o exercício do direito de invocar a nulidade do contrato exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico do mesmo.
Pois que, na verdade, acabaram os mesmos por se ver confrontados com uma dívida que tinha o condão de se ir multiplicando constantemente, e que não mais baixava, fossem quais fossem os esforços que fizessem para a ir pagando, como fizeram ao longo dos vários anos: começaram com um crédito inicial de € 27.500,00, em 24 de Março de 2007 e, depois dos inúmeros pagamentos e da entrega ao banco do próprio veículo que haviam adquirido com o financiamento (e que o banco vendeu por € 7.900,00), em 14 de Setembro de 2012 veio a ser preenchida a livrança ainda com um valor em dívida de € 21.489,83 (já tinham sido pagos ao longo desses anos, em capital, mais € 9.041,40, a que acrescem os juros vencidos em cada prestação e as despesas de que os autos dão notícia); e quando o banco resolveu o contrato, em 15 de Dezembro de 2010, fixou ainda a dívida num valor de € 25.711,59 (dos € 27.500,00 de há quase quatro anos).
Veja-se, também, por exemplo – como resulta da alínea ll) do ponto 7) da factualidade provada na sentença –, que o banco exequente recebeu destes seus clientes, “No dia 23.07.2010, a importância de € 720,00 que a exequente não afectou ao pagamento de qualquer prestação” (sic), o que não deixa de causar, no mínimo, estupefação: pois há entradas de dinheiro que não são afectadas ao pagamento da dívida? Então, são afectadas a quê? Liberalidades dos clientes?
Outro exemplo: o banco vendeu o veículo por € 7.900,00, num leilão de 2 de Dezembro de 2010 e só imputou o dinheiro recebido ao empréstimo a 20 de Janeiro de 2011, portanto decorridos quase dois meses. E durante esse tempo o dinheiro fica na sua mão a que título? Paga juros ao proprietário de veículo por esse período (pois que nesse mesmo período de tempo contabilizou juros a seu favor aos clientes)?
Outro ainda: do montante inscrito na livrança, como estando em dívida, o banco contabilizou um valor de € 4.440,86 – e por isso não admira que a dívida nunca mais acabe –, a título de juros remuneratórios englobados nas prestações 45ª a 108ª e respectivo imposto de selo; quer dizer, imputa juros a prestações de natureza futura, que nunca irão ser pagas, pois o contrato já foi resolvido pelo próprio banco e a totalidade do capital e dos encargos exigidos de imediato aos consumidores! Os juros remuneratórios são contabilizados mesmo que já não exista a razão de ser da sua existência: o estar o capital fora da esfera do credor. E, aqui, ao banco já não interessa a jurisprudência (que tanto invoca quando lhe convém) que estabelece a proibição desses juros remuneratórios.

E é num quadro deste tipo, elucidativo do seu próprio comportamento, que o banco credor imputa aos devedores uma actuação em abuso de direito, ao pretenderem invocar a nulidade do contrato por não cumprimento, pelo banco, dos ónus legais que a este cabiam na defesa da contratação pelos consumidores!

Razões para que, neste enquadramento fáctico e jurídico, tenha agora que manter-se, intacta na ordem jurídica, a douta sentença da 1ª instância, e assim improcedendo, in totum, o presente recurso de Apelação.


E, em conclusão, dir-se-á:

Tem-se por manifestamente justificado – não caindo no abuso do direito – o pedido de nulidade de contrato de financiamento ao consumo formulado por quem, na qualidade de consumidor, não foi elucidado, pelo banco, sobre as suas cláusulas, nem recebeu, de imediato, para o poder analisar, a recato, uma cópia do mesmo, pois bem sabia o financiador das implicações legais dessa omissão.
*

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 30 de Junho de 2016

Canelas Brás

Jaime Pestana

Paulo Amaral