Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
243/18.0JAFAR.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
PROFANAÇÃO DE CADÁVER
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA PERICIAL
ADN
Data do Acordão: 04/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - O ADN é apenas uma ferramenta. Dá informação, dependendo da natureza das amostras e do modo como a análise é feita.

Não é seguro que a coincidência técnica entre uma amostra problema e uma amostra referência dê como certo que o agente cuja identificação tenha sido obtida seja o autor do crime que se apura. Podem ser várias as circunstâncias e razões para o ADN de um indivíduo estar presente no local da prática do facto e isso não faz, nem pode fazer, dele culpado. Por isso, o perfil de ADN não pode ser mais do que uma ferramenta probatória ao serviço da investigação e da punição. É prova complementar e que deve ser complementada.

II - A interpretação das declarações que o Arguido prestou ao longo do processo, que não foram nunca confessórias da prática de qualquer crime, não basta para lhe imputar o que se procura punir.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 243/18.0JAFAR do Juízo Central Criminal de Faro [Juiz 4] da Comarca de Faro, mediante acusação pública, foi pronunciado

JJ, solteiro, nascido a 30 de julho de 1997, em Cabo Verde, filho de…, residente…, em Almancil, atualmente detido no Estabelecimento Prisional de Olhão,

pela prática
- de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea d) do Código Penal;
- de um crime de profanação de cadáver, previsto e punível pelo artigo 254.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.

O Arguido apresentou contestação escrita, negando a prática dos factos que lhe são imputados e oferecendo o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado a 4 de dezembro de 2019, foi, entre o mais, decidido:
«(…)
- absolver o arguido JJ da acusação da prática de um crime de homicídio quanto à sua forma qualificada pelo art. 132.º n.º 1 e 2 al. d) do Código Penal, sem prejuízo da imputação da prática de um crime de homicídio;

- absolver o arguido JJ da acusação da prática de um crime de profanação de cadáver quanto à al. a) do n.º 1 do art. 254.º do Código Penal, sem prejuízo da imputação da prática de um crime de profanação de cadáver por referência à outra alínea imputada.

- condenar o arguido JJ pela prática de:
i. um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, na pena de 12 (doze) anos de prisão;
ii. um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º n.º 1 al. b) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido JJ na pena conjunta de 12 (doze) anos e 1 (um) mês de prisão.
(…)»

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Foi o Recorrente condenado na pena única de (12) doze anos de (1) 1 mês de prisão, pela prática em autoria material de um crime de homicídio p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal pelo qual foi condenado numa pena de (12) doze anos de prisão, e pela prática em autoria material de um crime de profanação de cadáver p. e p. pelo art.º 254.º n.º 1 al. b) do Código Penal, pelo qual foi condenado numa pena de (4) quatro meses de prisão.

2. Não concordando com a douta decisão, o presente recurso versa sobre matéria de facto e sua impugnação e de Direito, designadamente sobre a prova gravada, e apreciação da mesma, bem como sobre erro na apreciação da prova, insuficiência e contradição entre a decisão e a prova, violação do princípio in dúbio pro reo.

3. O Arguido, aqui Recorrente não concorda com a factualidade julgada provada, porquanto não praticou os factos, os crimes pelos quais foi condenado.

4. O Recorrente não matou TT:

5. O Recorrente não profanou o cadáver de TT;

6. O Recorrente não é autor dos crimes pelos quais foi condenado.

7. Uma correta e atenta audição da prova gravada e uma ponderada leitura e análise comparativa da transcrição da prova gravada e produzida na audiência de julgamento, na sua globalidade e não de forma meramente estanque, conjugada com a análise da prova documental, mormente da prova pericial revela que o Tribunal não fez uma correta apreciação da prova, impondo-se a revogação da decisão do Tribunal a quo, devendo o Arguido/Recorrente ser absolvido.

8. Em caso de impossibilidade de serem encontrados, na globalidade da prova, elementos objetivos de prova, quanto à existência dos crimes, autoria dos mesmos, local e modo da sua execução, prevalecendo ao invés, dúvida insanável e irremovível, quanto à verificação dos factos decisivos para a solução da causa, o tribunal deve fazer uso do princípio "in dubio pro reo".

9. No caso em apreço, a autoria dos crimes não resultou provada, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao julgar o Arguido/Recorrente autor da prática dos factos e ao condená-lo.

10. Dispõe o artigo 412.º nº 3 do C.P.P. que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o Recorrente tem que especificar:

d) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
e) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
f) As provas que devem ser renovadas;

Acresce o n.º 4 als. b) e c) do mesmo artigo:
Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o Recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

11. Assim, e em cumprimento do disposto na al. a) do 412.º nº 3 do C.P.P., o Recorrente considera incorretamente julgados os pontos constantes dos factos provados que infra se transcrevem (Pontos 1; 2; 3; 4; 5; 6; dos factos provados no acórdão):

1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de agosto de 2018, o arguido encontrava-se com TT no interior do veículo automóvel de matrícula --RP numa zona de mato no Sítio da Arrochela, em Quarteira.

2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

3) Como consequência dessa ação, a TT morreu por asfixia mecânica resultante de oclusão das vias respiratórias superiores.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

5) De seguida, e por forma não apurada, o arguido ateou fogo ao banco traseiro do referido automóvel, provocando chamas que queimaram parcialmente o referido banco e que causaram queimaduras de primeiro e segundo grau nos membros inferiores e no membro superior direito, e queimaduras de terceiro grau na zona da coxa direita do cadáver da TT.

6) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de desfigurar e destruir, ainda que parcialmente, por ação do fogo, o cadáver da TT, sabendo que para tanto não estava autorizado, e que a sua conduta violava o respeito devido aos mortos e era proibida e punida por lei penal.

12. Conforme refere o acórdão recorrido inexiste prova direta sobre a autoria dos factos.

13. Não existe prova testemunhal direta, porquanto ninguém presenciou os factos.

14. Em bom rigor, a decisão recorrida assenta na análise, a nosso entender errada e abusiva do ponto de vista do princípio da livre apreciação da prova, da prova documental e testemunhal;

15. A prova documental apreciada pelo Tribunal a quo cinge-se a:
a) Relatório de autópsia médico-legal;
b) Relatórios periciais elaborados pela INMLCF I.P. e pelo LPC, os quais foram alvo de esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento, pelas Sras. Peritas CC e TR;

16. Não existe prova testemunhal, nem documental que permita concluir que foi o Arguido/Recorrente o autor dos factos, pelos quais foi erradamente condenado.

17. Senão vejamos:
18. A prova testemunhal, quanto à autoria dos factos, (imputação ao arguido), inexiste, como já se referiu não existe prova direta sobre os factos.

19. No que se refere ao relatório de autópsia médico-legal, constante de fls. 964 dos autos, cuja perícia foi realizada em 30-08-2018, pelas 16:30h, retiram-se as seguintes conclusões:

1. Verificação do óbito no dia 27-08-2018 às 22.10h;

2. Causa da morte: asfixia mecânica – confinamento por compressão da boca e nariz, intencional por terceiro, com elevada probabilidade por ação da camisola que tinha rodeando a face e o pescoço;

3. O cadáver apresentava-se manietado – os dados autópicos não permitem afirmar temporalmente se essa prática decorreu em vida ou após a morte;

4. À data da morte não se encontrava sobre a influência de etanol, drogas ou estupefacientes.

20. O relatório de autopsia médico-legal, não indica a hora provável da morte.

21. Em face do teor do relatório de autópsia médico-legal, não foi possível determinar se as mãos de TT foram amarradas atrás das costas utilizando um cabo áudio e cordões de sapatilhas, antes ou após a sua morte.

22. Bem como não há certeza, mas apenas elevada probabilidade que a compressão das vias respiratórias tenha ocorrido por ação da camisola que tinha rodeando a face e o pescoço.

23. Pelo que, nunca o Tribunal a quo poderia julgar como julgou provada a sequência fáctica que consta dos factos provados da decisão recorrida que se impugnam e consta dos factos 2 e 4 dos factos provados na decisão recorrida. – amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar; com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

24. Mal andou o Tribunal a quo ao julgar provada tal factualidade (factos 2 e 4 do acórdão recorrido - 2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.) nos moldes em que julgou, pois que, apenas foi possível apurar que a TT tinha os pulsos amarrados com um cabo áudio e uma cordão de sapatilhas, nada mais, isto é, o momento em que tal ocorreu, antes ou depois da morte não é possível determinar, bem como, que tinha uma camisola rodeando a face e o pescoço, se tal camisola foi utilizada para comprimir as vias respiratórias, ou colocada posteriormente, não foi possível determinar com a segurança que se exige, impondo-se a alteração da factualidade julgada provada, pois que claramente o relatório de autópsia de fls. 964 impõe alteração desta factualidade julgada provada – factos 2 e 4 dos factos julgados provados na decisão recorrida.

25. Claramente o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova e consequentemente a factualidade julgada prova está em contradição com a prova produzida.

26. Na factualidade julgada provada, não resulta a hora, ainda que aproximada da morte de TT, não obstante o Tribunal a quo em sede de fundamentação da decisão sugerir enquadrar temporalmente tal ocorrência, ainda que não resulte dos factos provados, o Tribunal a quo não conclui quando ocorreu o evento morte, claramente existe quanto a esta matéria contradição entre a fundamentação e os factos julgados provados.

27. É criada uma ilusão na fundamentação do Tribuna a quo, de que os factos ocorreram em determinado lapso temporal, sem que o Tribunal conclua efetivamente quando ocorreu, e a razão de ciência de tal conclusão – pois que, nos factos julgados provados apenas se lê, na madrugada de 27 de Agosto de 2018 em hora não apurada, sendo neste particular insuficiente a fundamentação.

28. A respeito da hora da morte de TT a testemunha Inspetor da Policia Judiciária PS, referiu nas suas declarações que o contacto prévio que teve com o local do crime e com o cadáver, do qual foi elaborado o relatório de inspeção judiciária de fls. 93 a 97 dos autos, que não é possível indicar a hora da morte, que a baliza temporal foi criada com base nas declarações da testemunha Olena, cerca da uma da manhã, e com os últimos registos de comunicações do telemóvel da vítima, de resto a fundamentação apresentada pelo Tribunal;

29. Nos termos do disposto no artigo 412.º nº 4 do C.P.P. em virtude da prova ter sido gravada, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número 3 da mesma disposição legal far-se-á por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, e indicaremos as concretas passagens em que se funda a impugnação.

30. Assim, no que se refere à hora apontada para a morte de TT vide as declarações da Testemunha PS transcrita em sede de motivação;

Declarações da Testemunha PS (prestadas a 18/11/2019): Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 18 minutos) - CD 00.08.57 minutos; CD 00.09.00 minutos; CD 00.09.21 minutos; CD 00.09.24 minutos.
E,
Declarações da Testemunha Olena (prestadas a 18/11/2019), transcritas em sede de motivação:
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 11 horas e 53 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 07 minutos) - CD 00.02.17; CD 00.02.48.

31. Em face da prova testemunhal supra transcrita, e da fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, não se alcança que o Tribunal a quo fundamente a sua decisão a sua convicção apontando a hora da morte, cerca da uma da manhã, e tal não conste dos factos julgados provados, havendo claramente contradição entre a fundamentação da decisão e a factualidade julgada provada, o Tribunal a quo fundamenta a decisão reportando o acontecimento morte à uma da manhã de dia 27 de Agosto, e na factualidade julgada provada consta a hora não apurada.

32. Em face do que, a factualidade julgada provada no ponto 1 do acórdão recorrido no que se refere à hora dos factos - 1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de Agosto de 2018 , a qual se impugna foi erradamente julgada pelo Tribunal a quo a prova testemunhal supra mencionada e transcrita impunha decisão diversa (as testemunhas PS e Olena indicam como hora da morte a uma hora da manhã, conforme declarações supra transcritas, e o registo de chamadas e contactos telefónicos do telemóvel da vitima apontam no mesmo sentido, vide informação da listagem de contactos constante nos autos), impondo-se alteração da matéria de facto julgada provada.

33. No que se refere ao local dos factos, local onde o cadáver foi encontrado, resultou da audiência de julgamento, da prova testemunhal, concretamente, das declarações da Testemunha Inspetor da Policia Judiciária e da Testemunha Olena que se trata de local de zona de mato, isolado, vide Declarações da Testemunha PS (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 51 minutos e o seu termos pelas 11 horas e 18 minutos) - CD 00.02.18 minutos

Vide Declarações da Testemunha Olena (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 11 horas e 53 minutos e o seu termos pelas 12 horas e 07 minutos). - CD 00.05.38 minutos

34. A prova documental constante dos autos, concretamente auto de diligências realizadas pelos Inspetores da Policia Judiciária, é classificado o local dos factos, como uma zona de mato, local ermo, conotado com a prostituição e consumo de estupefacientes, conforme se extrai da prova documental de fls.333 e 334 – auto de diligência de dia 05 de Setembro de 2018.

35. Mais resulta do aludido auto de diligência de fls. 333 e 334 dos autos, no qual se relata as diligências realizadas no dia 05-09-2018 pelos Srs. Inspetores da Policia judiciária, (sendo que tal auto constitui prova documental, a qual devia ter sido obrigatoriamente valorada pelo Tribunal a quo), que TT frequentava tal local, pois ali já havia sido visto o carro várias vezes por VM residente naquela zona, no qual foi encontrada morta, carro esse só utilizado por ela, segundo refere o seu companheiro, Assistente nos autos HC.
Vide declarações do Assistente HC

Declarações do Assistente HC (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 18 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 47 minutos) - CD 00.08.25 minutos – quem é que usava o carro; CD 00.08.26 minutos; CD 00.08.28 minutos; CD 00.08.30 minutos.

36. O Tribunal a quo considerou as declarações do Assistente honestas e criveis, contudo, não se pode deixar de referir, que quanto a esta matéria, local dos factos, faltou o Assistente à verdade, pois que, resulta bem claro das declarações que prestou em sede de inquérito, que o próprio conhece o local dos factos, ali tem ou teve um terreno do qual é ou era proprietário, e àquela zona já se havia deslocado anteriormente para procurar pela TT, ali a tendo encontrado. Claramente trata-se de um local onde a TT já se havia deslocado no passado.

37. Não obstante a gritante contradição das declarações prestados pelo Assistente constantes a fls. 190 e ss dos autos, o Ministério Público, aquando do requerimento da defesa nos termos do disposto no art.º 356.º do CPP, para leitura das declarações do Assistente, opôs-se, tendo o Tribunal a quo decidido e bem pela não leitura em face das oposições do Ministério Público e do Advogado do Assistente – vide gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 48 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 49 minutos).

38. Contudo, não se pode ignorar tal falta à verdade da parte do Assistente;

39. Assim como não se pode deixar de dar nota que cabia ao Ministério Público querer a verdade esclarecida, de resto não vemos outro interveniente processual com tal obrigação.

40. Pelo que, salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal a quo, ao não investigar tal matéria, a ligação da TT ao local dos factos, como estava incumbido de o fazer, oficiosamente.

41. Se por um lado a prova documental já aludida (fls.333 e 334) nos permite concluir tratar-se de um local com as características já apontadas, por outro também permitirá concluir que aquele local já havia sido frequentado pela TT.

42. O esclarecimento do material de facto, em processo penal, não pertence exclusivamente às partes, mas em último termo ao juiz, sobre quem recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente - independentemente das contribuições das partes - o facto submetido a julgamento.

43. Estamos em crer, que o conhecimento acerca do envolvimento de TT com o local dos factos, se o frequentava habitualmente, se era um local conhecido e frequentado pela própria TT, pelos seus familiares mormente pelo seu companheiro, são elementos essenciais para a descoberta da verdade.

44. Em concreto, foi violado o disposto no art.º 340.º n.º 1 do CPP, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.

45. Assim, a decisão recorrida é omissa quanto a tal circunstância, envolvimento da TT com o local dos factos, não obstante a prova documental constante nos autos, a de fls. 333 e 334, cujo conhecimento o Tribunal a quo não podia ignorar, pelo que, nesta matéria há insuficiência da decisão recorrida em face da prova constante dos autos.

46. Quanto à autoria dos factos (concreta imputação ao arguido), a decisão recorrida cinge-se aos relatórios periciais, e esclarecimentos aos mesmos prestados em sede de audiência de julgamentos pelas Sras. Peritas CC e TR.

47. O Arguido/Recorrente impugna os factos na sua globalidade, na medida em que é apontado como o autor dos factos.

48. Concretamente, no que à autoria dos factos se reporta impugna os factos seguintes:

1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de agosto de 2018, o arguido encontrava-se com TT no interior do veículo automóvel de matrícula --RP numa zona de mato no Sítio da Arrochela, em Quarteira.

2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

3) Como consequência dessa ação, a TT morreu por asfixia mecânica resultante de oclusão das vias respiratórias superiores.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

5) De seguida, e por forma não apurada, o arguido ateou fogo ao banco traseiro do referido automóvel, provocando chamas que queimaram parcialmente o referido banco e que causaram queimaduras de primeiro e segundo grau nos membros inferiores e no membro superior direito, e queimaduras de terceiro grau na zona da coxa direita do cadáver da TT.

6) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de desfigurar e destruir, ainda que parcialmente, por ação do fogo, o cadáver da TT, sabendo que para tanto não estava autorizado, e que a sua conduta violava o respeito devido aos mortos e era proibida e punida por lei penal.

49. Em concreto e de forma muito especifica o Arguido/Recorrente impugna toda a factualidade que o julgou o autor dos factos,

50. O arguido não estava com a TT na noite de 27 de agosto de 2018, pelo que impugna o facto 1 do acórdão recorrido - 1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de Agosto de 2018, o arguido encontrava-se com TT no interior do veículo automóvel de matrícula -RP numa zona de mato no Sítio da Arrochela, em Quarteira.

51. As declarações do arguido não foram consideradas pelo Tribunal, nos moldes em que se exigia. Porém as declarações prestadas pelo Arguido em audiência de julgamento impõem decisão diversa, o Arguido referiu que a última vez que esteve com a TT foi no dia 25 de agosto de 2018

Vide declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019) transcrita em sede de motivação:

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 18 minutos); - CD 00.05.32 ; CD 00.05.36 ;CD 00.05.59 ; CD 00.06.02 minutos; CD 00.09.01 minutos; CD 00.10.20; CD 00.10.34 minutos; CD 00.10.46 minutos; CD 00.10.48 minutos; CD 00.23.59

52. As declarações do arguido, prestadas em sede de audiência de julgamento, impõem decisão diversa da decisão recorrida, não podia o Tribunal a quo julgar provado que o Arguido/Recorrente esteve com a TT no dia 27, quando da prova produzida resulta que o arguido esteve com a TT no dia 25 de agosto de 2018 estendendo-se até dia 26 de agosto.

53. O Arguido não matou a TT, nem ateou fogo ao carro, pelo que impugna a factualidade constante do ponto 2, 3, 4 e 5 dos factos julgados provados:

2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

3) Como consequência dessa ação, a TT morreu por asfixia mecânica resultante de oclusão das vias respiratórias superiores.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

5) De seguida, e por forma não apurada, o arguido ateou fogo ao banco traseiro do referido automóvel, provocando chamas que queimaram parcialmente o referido banco e que causaram queimaduras de primeiro e segundo grau nos membros inferiores e no membro superior direito, e queimaduras de terceiro grau na zona da coxa direita do cadáver da TT.

54. Das declarações do Arguido prestadas em audiência de julgamento, resulta que o Arguido/Recorrente não foi o autor dos factos descritos nos pontos 2, 3, 4, e 5 dos factos provados no acórdão recorrido, pelo que, as prova produzida em audiência de julgamento, concretamente as declarações do Arguido impõem decisão diversa da decisão recorrida.

Vide declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019) transcritas em sede de motivação:

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 18 minutos) - CD 00.03.42 minutos; CD 00.03.47 minutos; CD 00.03.48 minutos; CD 00.03.56 minutos.

55. Nenhuma prova foi produzida que permita concluir que o Arguido/Recorrente foi o autor dos factos, os quais impugna expressamente.

56. A prova documental, designadamente os relatórios periciais (relatório dos LPC e do INML CF I.P.) não são suficientes para julgar o Arguido/Recorrente o autor dos factos provados. De resto tal prova é manifestamente insuficiente para sustenta a autoria dos factos, claramente há insuficiência da prova.

57. O Arguido/Recorrente foi condenado, única e exclusivamente pelo Tribunal a quo com fundamento nos resultados periciais, pelo resultado dos estudos realizados ao ADN nos vestígios vários recolhidos no local dos factos e no cadáver de TT, o que de resto é ilegal e violador da Lei 5/2008 de 12, 02.

58. Da fundamentação da decisão recorrida, a única conclusão que se aceita, e não se pode retirar outra é a de que, – A ligação entre este ADN e estes objetos/locais permite assegurar, em termos diretos e em princípio, que o arguido teve contacto com eles, já não sendo imediatamente concludentes quanto aos termos desse contacto (o local e momento onde ocorre, ou as condições que o determinam).

59. As demais conclusões retiradas pelo Tribunal a quo não se aceitam, como infra se explicará, não têm suporte probatório nem científico.

60. A interpretação acerca dos vestígios de ADN, efetuada pelo Tribunal a quo, é errada e assenta no mito da infalibilidade dos resultados dos estudos comparativos do ADN.

61. Aliás com o próprio Tribunal a quo conclui na decisão recorrida dos resultados dos estudos ao ADN encontrado nos vestígios recolhidos, apenas se pode concluir em princípio, pois outras questões técnicas é necessário ter presente, que houve contacto da parte do Arguido/Recorrente e de outros indivíduos não identificados com aqueles vestígios. O que diverge totalmente da conclusão do Tribunal a quo de que o autor dos factos foi o arguido e não outro individuo, pelo que também a aqui há contradição na fundamentação da decisão.

62. De resto não se aceita, nem se entende que o Tribunal a quo demonstre tanta perplexidade, e acuse o Arguido de mentir nas suas declarações, porque o seu ADN foi encontrado em diversos itens submetidos a estudo, como que sendo impossível haver uma qualquer explicação, e quanto ao ADN de outros indivíduos também detetado em diversos itens conforme infra melhor se explanará não cause qualquer perplexidade. Afinal tem o Tribunal a quo dois pesos e duas medidas, porque é do arguido é tudo muito estranho, os outros indivíduos, não há estranheza alguma

63. Apenas concordamos com o Tribunal a quo a eventual estranheza de não existir ADN do companheiro da vítima em nenhum item, porém, se considerarmos que na noite de sábado para domingo (noite em que o arguido esteve com a TT), o Assistente estava fora em Espanha, e que nenhum pormenor foi esclarecido se teriam mantido algum contacto intimo, se se tinham tocado durante o dia 26 domingo, não será estranho – mas recorde-se que quanto a esta circunstância nenhuma prova foi produzida, pelo que as considerações do Tribunal a quo desprovidas de suporte probatório não têm qualquer valor.

64. São vários os considerandos a reter para a interpretação dos vestígios de ADN, e disso mesmo deram nota as Sras. Peritas em sede de audiência de julgamento, não obstante a forma distorcida que o Tribunal a quo decide transpô-las para a decisão recorrida, havendo manifesta contradição entre a prova produzida e a decisão recorrida.

65. A considerar antes de qualquer uma possível interpretação acerca dos resultados do estudo do ADN, é a circunstância de antes do crime ocorrer, a área que vai estar envolvida com a ofensa/crime, já conter vestígios das atividades diárias como cigarros, fibras, manchas antigas de sangue, sémen, entre outras. Pelo que ocorre a denominada transferência secundária a qual diz respeito à transferência de vestígios, devido ao contacto entre pessoas e objetos, não relacionadas com a ofensa em si.

Neste sentido vejam-se as declarações da Sra. Perita CC:
Declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.43.34 minutos – qualquer pessoa que tenha tido contacto com o material pode ter deixado lá vestígios; CD 00.43.42 minutos; CD 00.43.55 minutos.

66. No local dos factos, onde o cadáver de TT foi encontrado, dentro do carro, fora do carro, existiam vestígios vários, uns que eventualmente estariam relacionados com os factos outros que não.

67. Uns que ali teriam sido deixados por ocasião dos factos, ou não, pois ali poderiam ter sido deixados anteriormente pela TT e outros indivíduos.

68. No caso sub judice a prova documental sustenta que a TT frequentava aquele local, ainda que assim não se considere, é uma possibilidade que não se pode ignorar, ademais não foi produzida prova que permita excluir que noutras ocasiões a TT ali tivesse estado.

69. Assim todos os vestígios encontrados no local, designadamente as beatas de cigarro, a ponta do charro, portanto material recolhido no exterior do veículo, não têm que necessariamente ter ali sido deixados no dia dos factos, nem se fez qualquer prova de que assim tenha sido. Em face da total ausência de prova no que toca ao momento em que tais vestígios foram deixados no local dos factos, não pode o Tribunal Recorrido, fundamentar a sua decisão, julgando provado ainda que não conste concretamente da matéria de facto julgada provada, que tais materiais, as beatas de cigarro e a ponta de charro, (material que aqui tem valor identificativo dos perfis de ADN) foram deixados no local no dia dos factos e não em momento anterior. Pelo que fez o Tribunal a quo uma errada apreciação da prova, a qual é insuficiente para permitir tal conclusão.

70. Não é possível determinar quando foram aqueles cigarros e o charro fumados, pela total ausência de prova acerca desta matéria.

71. Os cigarros e o charro podem ter sido fumados, no dia dos factos?, no dia anterior? nos dias anteriores? Não há resposta, pelo que nunca poderia o Tribunal a quo sustentar que tais vestígios foram deixados no local no dia da morte de TT.

72. Podem ter sido fumados em dias anteriores, e somente no dia dos factos ali depositados, deitados fora. Não há resposta, em virtude da total ausência de prova.

73. O Arguido nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento referiu que habitualmente a TT deitava fora, para o exterior as beatas de cigarro, por outro lado o Assistente, companheiro da TT referiu ter visto tabaco espalhado na sua mala, razão pela qual desconfiava que aquela fumava tabaco e haxixe, não se podendo descurar ainda mais a possibilidade de ter deitado fora tais pontas de cigarro noutras ocasiões que não a dos factos, e que essas pontas e tabaco desfeito tenham sido utilizadas para fazer o denominado charro como de resto é comum.

74. Cigarros esses nos quais o arguido possa ter tocado, inadvertidamente, quando foi retirar do maço de tabaco da TT a seu pedido os vários cigarros que aquela fumou.

75. Ao contrário do que refere o Tribunal a quo na sua fundamentação num terceiro cigarro não foi detetado só ADN do Arguido/Recorrente, atente-se ao relatório do LPC de fls. 473, do qual resulta que todos os cigarros continham ADN da TT, o relatório do INMLCF I.P. no resultado dos autossómicos, que é efetivamente o que identifica as pessoas não apresenta qualquer resultado, não foi detetado qualquer perfil genético, apenas apresenta resultado quanto ao cromossoma y, o haplótipo, o que não exclui o Arguido/Recorrente como contribuidor ou outo individuo da sua linhagem paterna.

76. Conforme já se deixou referido, e foi em audiência de julgamento confirmado pela Sra. Perita CC, qualquer pessoa que toque nos materiais lá deixa o seu ADN, e como é fácil de perceber, basta qualquer um fazer esse exercício, quando se retira cigarros dum maço de tabaco acaba por se tocar em mais do que um cigarro, quantas vezes para se retirar um até saem mais do que um juntos que acabam por ser recolocados dentro do maço. Certamente, o ADN do arguido a verificar-se a sua presença nos cigarros deveu-se única e exclusivamente a esse fator e não a qualquer outro, pois que o arguido não fuma. De resto essa é a única prova que resulta da audiência de julgamento, não podendo ser interpretada de qualquer outra forma.

Veja-se as declarações do arguido:
Declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019) transcritas em sede de motivação:
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 18 minutos) - CD 00.39.06 minutos; CD 00.39.14 minutos ;CD 00.39.18 minutos; CD 00.39.20 minutos; CD 00.39.25 minutos CD 00.39.27 minutos; CD 00.39.30 minutos; CD 00.39.38; CD 00.39.39 minutos; CD 00.40.26; CD 00.40.32 minutos; CD 00.40.34 minutos; CD 00.40.35 minutos; CD 00.40.35 minutos; CD 00.40.36; CD 00.40.47 minutos; CD 00.40.50 minutos CD 00.40.51 minutos; CD 00.40.54 minutos; CD 00.41.02 minutos; CD 00.41.03 minutos; CD 00.41.20 minutos; CD 00.41.24 minutos; CD 00.41.28 minutos; CD 00.41.32 minutos

Veja-se declarações do Assistente:
Declarações do Assistente HC (prestadas a 18/11/2019) transcritas em sede de motivação:
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 18 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 47 minutos).- CD 00.09.18 minutos; CD 00.09.19 minutos CD 00.09.24 minutos; CD 00.09.26 minutos; CD 00.09.29; CD 00.09.30 minutos; CD 00.09.32 minutos; CD 00.09.41 minutos; CD 00.09.46; CD 00.09.47 minutos CD 00.09.48 minutos; CD 00.09.50.

77. Relativamente ao ADN encontrado nos cigarros e na ponta de charro, importa fazer ainda seguinte análise.

78. O Arguido não fuma, pelo que, ao ter sido encontrado ADN seu nos cigarros, isto apenas no segundo exame, o realizado pelo INMLCF I.P., pois que no primeiro exame, realizado pelo LPC, tal não sucedeu, vide relatório de fls. 473, nos cigarros e no charro apenas foi detetado ADN da TT, (estranha-se que os resultados do primeiro relatório e do segundo sejam tao divergentes nesta matéria, pelo que salvo melhor opinião não pode a possibilidade de contaminação dos vestígios ser desconsiderada, porém, e ainda que se exclua qualquer contaminação, os contactos que o arguido referiu ter com os cigarros da TT, são justificativos do ADN dele nesse material ter sido encontrado)

79. O Arguido referiu terem sido várias as vezes em que devido ao facto da TT estar a conduzir, ou simplesmente pelo factos da sua mala estar junto dos pés do arguido no banco do pendura lhe pedir que lhe desse um cigarro, e inclusivamente lhe dava fogo.

Veja-se as declarações do arguido prestadas em sede de audiência de julgamento:

Declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019) transcritas em sede de motivação:
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 18 minutos) - CD 00.31.47 minutos; CD 00.31.50 minutos; CD 00.31.52 minutos; CD 00.31.55 minutos; CD 00.31.56 minutos; CD 00.31.57; CD 00.31.59 minutos; CD 00.32.01 minutos; CD 00.32.02 minutos; CD 00.32.03; CD 00.32.08 minutos; CD 00.32.11 minutos.

80. Quanto ao cigarro tipo charro, item 1 do material, analisado pelo LPC referido no relatório de fls. 473, vestígio no qual apenas foi detetado ADN da TT vide conclusões do relatório de fls. 473 do LPC;

81. O relatório do INMLCF I.P. de fls.1256 e ss, relativamente a este item 1, charro, refere ter analisado duas pontas de charro, o que é inexplicável, pois que, na guia de entrega de fls. 250 apenas se refere uma ponta de charro, no auto de apreensão de fls. 387 apenas se refere uma ponta de charro, e na informação de fls. 925 a qual se reporta ao envio pela Policia Judiciária dos vestígios para o INML refere o envio de uma ponta de charro e não duas. Este relatório, reporta-se a duas pontas de cigarro tipo charro, e no mesmo pode ler-se que foram analisadas duas pontas, “duas pontas de cigarro do tipo charro – 1-A e 1 B. foi analisada uma amostra (C1) de cada uma”. Assim, o resultado do estudo do ADN realizado a este cigarro tipo charro só pode deixar reservas.

82. Ainda quanto à data que esse charro possa ter sido fumado, importa ter presente o resultado toxicológico constante do relatório de autópsia, no qual refere ausência de qualquer substância estupefaciente no cadáver de TT, assim, dever-se-á excluir, que a TT o terá fumado no dia dos factos, caso contrário teria sido detetada tal substância no seu organismo em sede de exames toxicológico.

83. O que reforça, que não é possível determinar, desde quando estariam aqueles vestígios na cena do crime.

84. Em suma, em face da prova documental que consta dos autos, da prova testemunhal e das declarações do Arguido prestadas em sede de audiência de julgamento, não é o ADN detetado nas beatas dos cigarros e do charro, que permitem concluir que o Arguido/Recorrente esteve com a TT no dia dos factos, que o Arguido/Recorrente esteve no local dos factos. Pelo que, fez o Tribunal a quo errada apreciação da prova, sendo tal prova insuficiente para associar o Arguido/Recorrente como autor dos factos, como tendo o Arguido/Recorrente estado no local dos factos.

85. Importa ainda analisar e considerar as circunstâncias em que os vestígios foram recolhidos, no local dos factos, onde o cadáver foi encontrado.

86. Atente-se que, as primeiras pessoas a acorrer ao local dos factos não foram os órgãos de policia criminal, foi o marido da testemunha Olena, primeiramente, a própria testemunha Olena e o seu marido num segundo momento, e ainda num terceiro momento a testemunha Olena o marido e os Srs. Militares da GNR que se deslocaram ao local, até mexeram na cena do crime partiram o vidro do carro, e por ali andaram a tentar todos perceber o que se passava.

87. Pelo que, pisaram o terreno envolvente, eventualmente terão pontapeados os vestígios que foram recolhidos muitas horas depois pela Policia Judiciária, com isto se quer dizer, que nenhum vestígio recolhido, se pode garantir que o foi no seu estádio originário.

88. Lembre-se que, os Srs. Inspetores da Polícia Judiciária chegaram ao local dos factos, para recolher os vestígios por volta das 2h00 conforme referido pelas testemunhas, inspetores da Policia Judiciária:

Vide declarações da Testemunha PS (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 51 minutos e o seu termos pelas 11 horas e 18 minutos) - CD 00.02.10 minutos; CD 00.02.13 minutos; CD 00.02.18 minutos; CD 00.02.41 minutos; CD 00.02.43 minutos; CD 00.17.03; CD Declarações da Testemunha NS (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 11 horas e 31 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 39 minutos) - CD 00.01.27 minutos; CD 00.01.33; CD 00.02.10 minutos

89. Antes da chegada ao local dos Srs. Inspetores da Polícia Judiciária também o médico (o óbito foi declarado pelas 22h) já se havia deslocado ao local para atestar o óbito, pelo menos mais uma pessoa que circulou na zona.

90. Em suma, para além se de considerar a pré-existência de vestígios vários no local dos factos, há ainda que considerar a transferência dos vestígios deixados na cena do crime, em face da mobilidade que é cada vez mais reconhecida quanto aos vestígios de ADN.

91. Dos vestígios que foram recolhidos no local, no exterior do veículo, têm relevância os cigarros e a ponta de um charro, os quais pelas razões expostas podem não ter sido recolhidos no seu estádio original.

92. Ainda quanto aos vestígios recolhidos, há a salientar os cabelos que foram recolhidos da mão do cadáver, conforme nos dá nota o pedido de realização de exame pericial de fls. 254 e ss, no qual se lê: “do corpo da vítima, da sua mão direita, recolheram-se 2 (dois) cabelos, que pelas suas características se verificou não serem seus...”

93. Estes cabelos foram alvo de análise no LPC, conforme refere o relatório pericial de fls. 473, não obstante não houve qualquer resultado, pois que neste laboratório não se realiza o estudo do ADN mitocondrial, conforme explicou em sede de audiência de julgamento a Sra. Perita CC, vide declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento (Parte da Tarde): Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.05.58; CD 00.08.00 minutos; CD 00.08.48 minutos; CD 00.08.53 minutos; CD 00.09.06 minutos; CD 00.09.12 minutos

94. Portanto no LPC não fazem estudo do ADN mitocondrial, porém no INMLCF I.P. esse estudo pode ser realizado, contudo conforme nos dá nota o relatório pericial realizado pelo INMLCF I.P. de fls.1256 e ss, nas observações relativamente aos cabelos, os mesmos não foram estudados em virtude de tal estudo utilizar metodologias laboriosas e complexas, portanto o estudo do ADN mitocondrial, podia ter sido feito, mas não o foi.

95. Salvo melhor opinião, tal estudo era fundamental, contudo o Tribunal a quo não determinou a sua realização.

96. Segundo o pedido de realização de exame pericial de fls. 254 e ss, “do corpo da vítima, da sua mão direita, recolheram-se 2 (dois) cabelos, que pelas suas características se verificou não serem seus...”, assim era pertinente a análise dos cabelos, por não pertencerem à vitima, e poder tratar-se de cabelos do autor dos factos.

97. Os cabelos em causa, recolhidos na mão do cadáver, cujas imagens constam dos autos, (vide fls. 185), claramente não são do Arguido/Recorrente, que é individuo negro, com carapinha, o cabelo comum em pessoas negras, conforme o Tribunal a quo teve oportunidade de verificar em audiência de julgamento, observado a pessoa do Arguido diretamente, e como ilustram as fotografias do Arguido que constam dos autos.

98. Tendo o arguido negado a autoria dos factos,
Vide declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-
2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 18 minutos) - CD 00.03.56 minutos

99. Impondo o art.º 340.º n.º 1 do CPP, que o Tribunal ordene todas as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, entende-se que o tribunal a quo violou o art.º 340.º n.º 1 do CPP, por omissão da realização de diligência essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, mormente a realização de exame aos cabelos, por via do estudo do ADN mitocondrial, através do qual se poderia identificar o verdadeiro autos dos factos – que não é o arguido, nem, refira-se uma vez mais os cabelos são do arguido/recorrente.

100. A dúvida de quem são os cabelos recolhidos da mão da vítima permanece, contudo foi excluído que fosse da vítima, conforme se referiu e é excluído que sejam do Arguido pelas características dos cabelos do Arguido comparativamente aos cabelos recolhidos.

101. Em face do resultado do segundo exame pericial, elaborado pelo INMLCF I.P. (relatório de fls. 1256 e ss.), efetivamente o ADN do Arguido/Recorrente foi detetado em diversos itens, contudo, veio esse mesmo relatório, dar nota para a presença do ADN de vários indivíduos, numa multiplicidade de itens submetidos a exame.

102. Assim, é inegável que quer no cadáver de TT, designadamente nas unhas, quer nos vários itens recolhidos, mormente fio áudio, cordões das sapatilhas, papeis, cuecas e camisola, foi detetado o ADN do Arguido/Recorrente e o ADN de outros indivíduos, indivíduos esses que poderão ser mulheres ou homens, ou ambos, conforme clarificou em sede de audiência de julgamento a Sra. Perita TR, Vide declarações da Perita TR (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 15 minutos) - CD 00.57.42 minutos; CD 00.58.52 minutos; CD 00.59.17 minutos; CD 00.59.19 minutos; CD 00.59.58 minutos; CD 01.01.47 minutos; CD 01.01.02 minutos; CD 01.02.50 minutos;

103. No que se refere ao exsudado vaginal, resulta dos esclarecimentos prestados a fls. 848 e ss em aditamento ao relatório de fls. 473, que para além do ADN do Arguido/Recorrente, foi detetado outro perfil de ADN, não obstante não permitir a sua identificação plena.

Neste sentido, vide Declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.16.44 minutos; CD 00.17.12 minutos

104. Salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo ignorar tais resultados.

105. Em rigor a pergunta que se faz é simples e legitima – Porquê que foi o Arguido/Recorrente o autor dos factos, e não qualquer um outro individuo cujo ADN foi detetado precisamente nos mesmos vestígios que os do arguido?

106. Não há resposta, nem a fundamentação do Tribunal a quo quanto à autoria dos factos colhe.

107. Ora, a fundamentação do Tribunal a quo não tem qualquer sustentação probatória, pelo que nunca o Tribunal a quo podia ter condenado o Arguido/Recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova pericial, a prova produzida está em manifesta contradição com a decisão recorrida.

108. O Arguido prestou declarações, negou a autoria dos factos, justificou o seu envolvimento com a TT, envolvimento esse de cariz sexual, explicou por várias vezes como ocorriam os encontros entre ambos, no carro, no carro no qual a TT veio a ser encontrada morta, como se apresentava o carro, sempre desarrumado, com diversos objetos espalhados, nos quais o arguido acabava por ter que mexer, quer para os desviar para entrar no carro e se sentar, quer para arranjar espaço no banco tarseiro para ali manterem relações sexuais. Explicou que a TT tinha o telemóvel ligado ao rádio do carro e que por esse razão mexeu no cabo, os moldes em que mexeu em roupa e calçado. E por fim, explicou quando esteve com a TT pela última vez, na véspera do seu pai ter ido para Cabo Verde, dia 25 de Agosto de 2018.

Vide declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019) transcritas em sede de motivação:

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 18 minutos) –

109. O Assistente nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, confirma que efetivamente o carro estava sempre desarrumado, não obstante ter referido que no domingo antes de saírem de casa a TT limpou o carro, verdade é que as fotografias do interior do carro dão-nos precisamente uma imagem contrária, de carro sujo e desarrumado, acabando por referir que não pode confirmar se os objetos encontrados no interior do veículo lá estariam na noite em que andou no carro, porque conduzir, portanto só andou naquele lugar do carro, assim, designadamente os papeis (vestígios n.ºs 6.1, 6.2 6.3) que foram encontrados no interior do veículo na porta traseira admite poderem lá estar nesse dia e não os ter visto. O Assistente na noite de 25 de agosto não dormiu em casa, na noite em que o Arguido esteve com a TT pela última vez, o Assistente embora refira que a TT tomou banho no domingo, não sabe se a roupa interior era lavada ou não.

Vide Declarações do Assistente HC (prestadas a 18/11/2019) transcritas em sede de motivação:

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 10 horas e 18 minutos e o seu termo pelas 10 horas e 47 minutos) - CD 00.10.37 minutos a CD 00.17.11 minutos.

Declarações do Assistente HC (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento (Parte da Tarde): Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 15 horas e 19 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 23 minutos) - CD 00.00.55 minutos a CD 00.03.46 minutos.

110. A questão do banho da TT, da roupa interior da TT ser limpa ou não, em função do ADN detetado, designadamente nas unhas, nas cuecas e no exsudado vaginal, impõe a seguinte análise:

111. Nas unhas da TT foi detetado ADN do Arguido/Recorrente e de outros indivíduos, o arguido esteve com a TT no dia 25, na noite anterior ao seu desaparecimento, após esse contacto a TT tomou banho conforme refere o Assistente.

112. Sucede que, a lavagem, embora possa diminuir o ADN existente nas unhas, poderá não o retirar totalmente, conforme esclareceu a Sra. Perita CC , e a Sra. Perita TR, tanto assim é, que após a limpeza (zaragatoa humedecida) realizada às unhas no laboratório do LPC, adivinhando-se não ser detetado posteriormente ADN, acabou por ser detetado na análise do INMLCF I.P. ADN de vários indivíduos, portanto se uma limpeza com zaragatoa humedecida não foi suficiente para extrair totalmente o ADN das unhas, não será uma lavagem simples que o fará.

113. Vide Declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.19.53 minutos; CD 00.34.36 minutos; CD 00.38.27 minutos; CD 00.44.07 minutos; CD 00.44.20 minutos.

114. E, declarações da Perita TR (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 15 minutos).

115. No que se refere as cuecas, nas quais foi detetado ADN do Arguido/Recorrente e de outros indivíduos, conforme resulta das declarações da Sra. Perita CC, mesmo em roupa lavada, é possível detetar ADN.

116. Desconhecemos se efetivamente a TT estava a utilizar as mesmas cuecas, da noite de dia 25 de Agosto, de quando esteve pela última vez com o arguido, se foram lavadas e ainda assim, já de anteriores contactos do arguido com a TT ali tenha permanecido o seu ADN, assim como permaneceu o ADN de outros indivíduos, lembre-se que nas cuecas também foi detetado ADN de outros indivíduos conforme resulta do relatório pericial do INMLCF I.P. de fls. 1256 e ss.

117. Pelo que, tal resultado, ADN nas cuecas, não permite concluir quando existiu o contacto com as mesmas, e consequentemente assegurar que o contacto ocorreu no dia dos factos, até porque por essa razão de ideias, então o contacto com as cuecas da TT ocorreu por vários indivíduos quando? Todos na noite dos factos? não faz qualquer sentido.

118. O mesmo serve para os papeis, (itens 6.1, 6.2, 6.3), não é possível determinar quando é que o ADN detetado nesses papeis lá foi deixado, o do Arguido/Recorrente e o dos outros indivíduos.

119. No que se refere à camisola, o relatório de fls. 1182, elaborado pelo LPC, conclui que na camisola foi detetado um perfil único idêntico ao de MM, significa isto que apenas foi detetado o ADN deste individuo do sexo masculino.

120. O relatório pericial do INMLCF I.P. de fls. 1256 e ss., tem um resultado diverso, na medida em que é detetado o ADN do Arguido/Recorrente e de outros indivíduos não identificados.

121. Vide Declarações da Perita TR (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 15 minutos) - CD 00.58.52 minutos; CD 00.59.17 minutos CD 00.59.19 minutos

122. Qualquer contacto que o Arguido/Recorrente numa das ocasiões em que teve com a TT, (nomeadamente na última vez que esteve com ela em 25 de Agosto de 2018), tenha tido com a camisola, para a desviar, para a arrumar, para lhe limpar as mãos, ou outra situação qualquer, faria com que o seu ADN lá ficasse, como bem explicou a Sra. Perita CC – vide Declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):

123. Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.43.34 minutos – qualquer pessoa que tenha tido contacto com o material pode ter deixado lá vestígios.

124. Por último, relativamente ao exsudado vaginal, importa referir que, no relatório pericial do LPC de fls. 473 e ss. e do relatório de fls. 848 e ss. foi detetado o ADN do Arguido/Recorrente e de outro individuo, portanto o arguido não pode ser excluído como contribuidor para quele vestígio.

125. O que em termos técnicos significa, não haver 100% certezas, como ocorre para os demais vestígios neste sentido vide Declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):

Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.25.51 minutos

126. Contudo, ainda que se considere efetivamente tratar-se do ADN do Arguido/Recorrente, o que não se estranha em virtude de com aquela ter mantido relações sexuais na noite de dia 25 de Agosto, a propósito do tempo que o ADN permanece nos vestígios recolhidos, designadamente na vagina e nos demais analisados itens, a prova produzida em audiência de julgamento foi divergente relativamente à vagina e convergente relativamente aos demais itens.

127. A Sra. Perita CC disse em suma não ser possível determinar quando é que os vestígios lá tinham sido deixados, vide Declarações da Perita CC (prestadas a 18/11/2019):

128. Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 03 minutos e o seu termo pelas 14 horas e 50 minutos) - CD 00.03.54 minutos

129. A Sra. Perita TR, refere que relativamente à vagina, não permanecem células masculinas na vagina passado 72 horas da mulher ter uma relação sexual, nos demais itens não tem conhecimento de qualquer estudo que indique o tempo pelo qual permanecerão;

130. Vide declarações da Perita TR (prestadas a 18/11/2019):
Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 14 horas e 51 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 15 minutos) - CD 00.52.27 minutos; CD 00.53.08 minutos; CD 00.53.15 minutos; CD 00.54.35 minutos, CD 00.55.18 minutos.

131. A questão das 72 horas de permanência dos vestígios na vagina, no caso sub judice, tem várias análises possíveis:

a) 72 horas independentemente do estado do corpo?
b) 72 horas vivo?
c) 72 horas morto?

132. Portanto a lavagem reduz os vestígios, é ponto assente;

133. O fator morte altera certamente a produção do exsudado vaginal, deixa de existir essa produção?

134. Assim, serão essas 72 horas taxativas? Cremos que não, caso contrário em sede de autópsia médico-legal, o médico não teria feito qualquer recolha, repare-se que desde a hora apontada como hora provável da morte, cerca da uma da manhã de dia 27 de Agosto, até às 16.30 horas de dia 30 de Agosto (hora de início e data da autópsia) decorreram muito mais do que 72 horas, aproximadamente 87.30 horas, 15 horas a mais das 72 horas.

135. Assim, salvo melhor opinião, não podia o Tribunal a quo considerar que os vestígios de ADN encontrados na vagina da TT, no exsudado vaginal, é suficiente para provar que o Arguido/Recorrente esteve com a TT no dia da sua morte e consequentemente o autor da sua morte.

136. Não tem o Tribunal qualquer prova pericial que sustente que o Arguido/Recorrente não manteve relações sexuais no dia 25 de agosto.

137. Pois os resultados periciais não permitem retirar tal conclusão, que o Arguido/Recorrente é o autor da morte, pelo que fez o Tribunal a quo errada apreciação da prova.

138. A alegada contemporaneidade dos contactos do Arguido/Recorrente com os itens submetidos a estudo, não resulta provada nos moldes que o Tribunal a quo refere.

139. Em bom rigor a contemporaneidade é a mesma que a dos demais indivíduos cujos perfis de ADN foram detetados.

140. Não há qualquer prova que sustente, que o Arguido/Recorrente foi o autor dos factos.

141. A circunstância do Arguido referir ter-se lembrado, após estar preso, a data em que esteve com a TT pela última vez, nada tem de estranho.

142. O Arguido é jovem, tem relações sexuais/intimas com várias mulheres nos mesmos períodos, conforme resulta das declarações do arguido:

143. Vide declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019):

144. Ata da audiência de julgamento (Parte da Tarde): Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) início pelas 16 horas e 30 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 40 minutos) - CD 00.00.15 minutos; CD 00.00.29 minutos; CD 00.00.30 minutos; CD 00.00.33 minutos.

145. Normal é que o Arguido/Recorrente tenha que se socorrer da referência de um qualquer evento, no caso a ida do pai para Cabo Verde, para conseguir concretizar quando esteve com a TT. A memoria é subjetiva, e qualquer um que faça o exercício de se recordar neste momento onde esteve ou com quem em determinado dia, ou quando esteve com aquela pessoa pela última vez, certamente não saberá dizer, a menos que se socorra de algum evento/acontecimento que permite esclarecer. Pelo que, as críticas apontadas à memoria do arguido, demonstram claramente ausência de provas, que permitem julgar o Arguido/Recorrente o autor dos factos.

146. Salvo melhor opinião não existe qualquer divergência entre as declarações prestadas pelo Arguido em sede de primeiro interrogatório judicial, das quais decorre claramente que não foi o Arguido/Recorrente naquele momento capaz de indicar o dia certo em que esteve com a TT pela última vez, tendo, em sede de audiência de julgamento concretizado tal data, por referência à viagem do seu pai para Cabo Verde. Das declarações do Arguido prestadas em sede de primeiro interrogatório é notório que o arguido repete vezes sem conta que não sabe qual foi o dia, que foi efetivamente no mês de Agosto, insiste que não se recorda da data exata, não sendo verdade que se afaste da data dos factos, pois que, não sabe a data exata, equaciona terceira quarta semana de Agosto, pelo que não houve qualquer distanciação dos factos conforme refere a decisão recorrida.

147. A forma como o Arguido se expressa, fala, não pode de todo ser contra si utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão recorrida, nem todas as pessoas têm capacidade de ser expressar facilmente, nem estar presente num Tribunal é como se estar num café, é natural algum constrangimento, nervosismo. Basta uma audição atenta das declarações das testemunhas, que não os inspetores da Polícia Judiciária, que estão familiarizados com as inquirições em julgamentos, para se perceber que as hesitações e o nervosismo são comuns a todas, diríamos que no caso do Arguido a pessoa que está a ser julgada será ainda mais natural estar nervoso.

148. O arguido, refere com clareza que esteve com a TT na véspera do pai ir para Cabo Verde, o facto de não saber a que dia da semana corresponde não causa qualquer estranheza.

149. No decurso da audiência de julgamento o arguido requereu a junção de fotocopia do passaporte do seu pai, e exibiu o original do passaporte, no qual consta como data de partida para Cabo Verde dia 26 de agosto de 2019.

150. Esta prova documental não deixa qualquer dúvida que o Arguido se refere a dia 25, e passa para o dia 26 atento as horas que referiu ter passado com a TT.

151. A conclusão do Tribunal a quo de que o Arguido/Recorrente não se referia a passar a noite de 25 para 26, não tem qualquer suporte probatório, o Tribunal a quo não questionou o Arguido relativamente a tal circunstância interpretativa.

152. O Arguido/Recorrente, depois da inquirição em sede de primeiro interrogatório só prestou declarações em audiência de julgamento, logicamente seria esse o momento processual para esclarecer quando esteve com a TT pela última vez, os moldes em que se relacionaram de, pelo que, não se entende o alcance das observações do Tribunal a quo sugestiva de que o Arguido/Recorrente prestou declarações após ter conhecimento dos resultados periciais. Não existiu outro momento para as prestar, de resto o estatuto processual de arguido permite que o arguido caso não queira não preste quaisquer declarações. Em rigor, tal análise do Tribunal a quo, demonstra a fragilidade da sua fundamentação, por não ter qualquer sustentação probatória. Bem sabe o Tribunal a quo que aforma como o Recorrente descreveu o encontro com a TT, a forma como se relacionaram nas vezes em que estiveram juntos, mormente na última vez dia 25 de agosto, nada tem de anormal, todos os acontecimentos descritos pelo Arguido/Recorrente são acontecimentos da vida corrente normal.

153. O Arguido/Recorrente dar à TT um cigarro, é normal, qualquer pessoa pede à outra para lhe chegar um cigarro, e a circunstância qualificada como ridícula pelo Tribunal a quo de o Arguido/Recorrente pegar fogo ao cigarro no momento que o entrega à TT, nada tem de falso, é somente a atitude de quem não fuma. E como bem refere o Tribunal a quo passando imediatamente o cigarro pra quem o vai fumar, e a pessoa puxando, o cigarro não se apaga. Pelo que, não vemos aqui qualquer circunstância suscetível de abalar a credibilidade das declarações do Arguido/Recorrente. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao julgar as declarações do Arguido/Recorrente falsas.

154. Nenhuma outra prova põe em crise as declarações do Arguido/Recorrente, a prova pericial, única prova com a qual o Tribunal a quo sustenta a condenação do arguido, foi erradamente apreciada e mesmo interpretada pelo Tribunal a quo.

155. O Tribunal a quo “caiu” precisamente no ideário dos resultados dos exames de ADN, tomando como suficiente e infalível tais resultados. O que de resto sucedeu desde a investigação/inquérito, pois não deixa de ser curioso que, a investigação não tenha prosseguido, quando existia um individuo marroquino como suspeito, somente porque os resultados periciais apontavam para o Arguido/Recorrente, conforme decorre das declarações da Testemunha PS (prestadas a 18/11/2019):Ata da audiência de julgamento: Cd – sistema integrado de gravação digital da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 10 horas e 51 minutos e o seu termos pelas 11 horas e 18 minutos).

156. Ainda acerca dos resultados periciais, dos relatórios periciais, e os procedimentos adotados para a recolha dos vestígios bem como das amostras referência, o que põe em causa a autenticidade dos vestígios e amostras submetidas a análise, necessário se torna fazer a seguinte análise:

157. A transferência de vestígios e a contaminação são realidades, conforme deixaram bem claro as Sras. Peritas CC e TR, conforme declarações supra transcritas.

158. Foram realizados dois exames periciais, o primeiro pelo LPC – Laboratório de Polícia Científica, que consta de fls. 473 dos autos, no qual em suma foi detetado ADN do arguido/recorrente, em três vestígios: Item 13. Um “fio áudio”; Item 16.2 zaragatoa ex vaginal; Item 17 amostra unhas mão esquerda

159. Em nenhum outro vestígio foi detetado ADN do arguido, isto é, o perfil de ADN do Arguido/Recorrente não foi detetado em qualquer outro vestígio.

160. Em sede de esclarecimentos ao relatório pericial, que consta de fls. 848 dos autos, veio o Laboratório de Polícia Científica, com relevância para os autos esclarecer que, no item 16.2 foi detetado outro perfil de ADN, incompleto, no exsudado vaginal.

161. Assim, neste vestígio 16.2, foram encontrados dois perfis genéticos, o do Arguido e o de outro individuo, homem ou mulher.

162. O Laboratório de Polícia Científica, realizou ainda o estudo comparativo de perfil de ADN no item 5 (R2), à camisola, no qual apenas detetou um único perfil masculino, correspondente a MM, conforme consta do relatório de fls.1182 e ss. dos autos.
163. O segundo exame, foi realizado pelo INMLCF I.P.

164. Para a realização deste segundo exame, foi recolhida nova amostra referência ao arguido/recorrente.

165. Sendo certo que, conforme fora determinado, por despacho do Ministério Público, tal recolha, da nova amostra referência estaria a cargo do INMLCF I.P..

166. Contudo assim não sucedeu à priori,

167. De forma abusiva, a Policia Judiciária, deslocou-se ao Estabelecimento Prisional e recolheu duas zaragatoas bocais ao Arguido/Recorrente, conforme se pode verificar a fls. 910, após tomada posição do arguido em requerimento dirigido aos autos, foram as zaragatoas recolhidas dadas sem efeito, conforme se lê a fls. 910 dos autos.

168. Questionamos o que é dar sem efeito? Foram as zaragatoas atiradas para o lixo? Tem a Polícia Judiciária autonomia para se desfazer de provas?

169. Foram as segundas zaragatoas juntas com as primitivas?

170. Foram as zaragatoas juntas com os outros itens que seriam enviados para o INMLCF I.P.? O que poderia provocar a contaminação dos demais vestígios? Não existem respostas.

171. A única conclusão a retirar é a de que a falta de rigor, a recolha abusiva das amostras referência ao arguido, suscitam duvidas quanto à segurança dos resultados dos relatórios periciais.

172. A utilização das tecnologias de ADN ao serviço da justiça é, em parte, ou significativamente, subordinada ao pré-estabelecimento de narrativas criminais e aos elementos de prova que se pretende consolidar.

173. No caso sub judice, sucedeu o inverso, primeiro detetaram-se vestígios, depois criou-se uma história sem qualquer sustentação.

174. O processo enquanto narrativa criminal inclui componentes elementares em torno de uma ação ou acontecimento, tais como a localização temporal e espacial, perfil e motivações das personagens que intervêm na ação, causas que determinam a ação, modo e consequências. Assim, é particularmente relevante assinalar que os significados da prova de ADN tendem a ser construídos e interpretados em função de uma narrativa central. O que no caso concreto não sucedeu.

175. Neste sentido aponta o disposto no art.º 38.º da Lei 5/2008 – Base de dados de perfis de ADN- Identificação Civil e Criminal.

176. E foi precisamente isso que o Tribunal a quo fez, somente com base nos resultados dos exames periciais condenou o Arguido/Recorrente.

177. Não existe qualquer motivação para o recorrente tirar a vida a TTs, da qual era amigo, com quem tinha uma relação aberta de intimidade e sexual.

178. Os vestígios biológicos não podem ser interpretados como indicadores da atividade criminal, não tomando em consideração os fatores aludidos supram as circunstâncias relatadas pelo Arguido/Recorrente nas suas declarações, supra transcritas. E todas as circunstâncias interpretativas que os relatórios periciais permitem, já sobejamente expostas.

179. A narrativa criminal acerca de um crime perpetrado pelo Arguido foi estabelecida sem que houvesse sustentação probatória.

180. Repare-se que não há detalhes e forma efetiva da alegada participação do Arguido na morte de TT, não são registadas evidencias, mas somente uma inclusão especulativa em função da análise dos perfis de ADN.

181. Mais foram ignoradas as declarações do arguido, e consequentemente ignorada o que é uma realidade que é a da transferência de vestígios.

182. Não se pode ignorar esta realidade, o facto do Arguido ter estado por várias vezes com TT, no veículo onde aquela foi encontra morta, faz com que na cena do crime estejam vestígios vários do Arguido/Recorrente, bem como na vagina em virtude das relações sexuais mantidas (as últimas no dia 25 de Agosto de 2018), e por sua vez a realidade de no veículo ter ocorrido a transferência de vestígios para outras parte do corpo de TTs bem como para objetos.

183. Por tudo o exposto, não podem as conclusões espelhadas nos relatórios periciais, ser suficientes para imputar ao Arguido/Recorrente a autoria da morte de TT e profanação do seu cadáver, pelo que, fez o Tribunal a quo errada apreciação e interpretação da prova.

184. Assim, conclui-se que as declarações do Arguido/Recorrente supra transcritas e os relatórios periciais, impõem decisão diversa da do Tribunal a quo, impondo-se a alteração dos factos julgados provados porquanto o Arguido/recorrente não foi o autor dos factos descritos nos pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 dos factos provados, devendo a decisão recorrida ser revogada.

185. Salvo devido respeito o Tribunal a quo, caiu num grave erro de apreciação/interpretação da prova, tendo presente o principio da presunção de inocência, principio basilar do nosso ordenamento jurídico, não é o Arguido que tem que provar rigorosamente nada, mas sim o Tribunal que tem que fundamentar qual a razão de ciência para descredibilizar as declarações do arguido como o fez, o que não resulta de todo da decisão recorrida.

186. As declarações do arguido impõem decisão diversa da recorrida, vide Declarações do Arguido JJ (prestadas a 18/11-2019); Ata da audiência de julgamento: Cd – gravação estereofónica da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 09 horas e 33 minutos e o seu termos pelas 10 horas e 18 minutos), e, Ata da audiência de julgamento (Parte da Tarde): Cd – gravação estereofónica da audiência de julgamento (18/11/2019) inicio pelas 16 horas e 30 minutos e o seu termos pelas 16 horas e 40 minutos).

187. Nenhuma prova se fez em sentido contrário às declarações do arguido, assim sendo, neste particular não se poderia ter dado como provado (como se julgou) que o Arguido matou a TT e profanou o seu cadáver.

188. Ao não valorar as declarações do Arguido, sem, no entanto, apontar as razões concretas pelas quais se discorda da versão apresentada por aquele, o Tribunal a quo não andou bem, pelo que a decisão merece censura nesse particular, por falta de fundamentação, o que implica a nulidade do acórdão.

189. Estamos em crer que, salvo melhor opinião, o apelo às regras da experiência e à lógica dos normais acontecimentos de vida, e o uso do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) foram aqui utilizados de forma manifestamente excessiva por parte do Tribunal “a quo”, pois do uso dos mesmos não conseguimos extrair que o Arguido praticou os factos constantes do acórdão recorrido.

190. Assim sendo, também aqui o Arguido/Recorrente põe em crise a matéria de facto tida como assente e provada, por manifesta falta de fundamentação a que alude o artigo 374.º do CPP, bem como por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, pelo que neste particular e sem prescindir, a decisão condenatória será nula, salvo melhor entendimento.

191. O Arguido considera então que toda a matéria de facto vertida no douto acórdão e considerada como assente e provada a qual impugna, carece da já enunciada falta de fundamentação, atentos os motivos expostos.

192. Do ponto de vista global e conjugando as declarações do Arguido, com as das testemunhas (conforme transcrição supra), e teor da prova documental, mormente pericial, a decisão merece censura porque o princípio da livre apreciação da prova foi, por isso, utilizado de forma manifestamente excessiva, pelo que onde é razoável que existam dúvidas, a decisão deveria ter sido outra, de conteúdo manifestamente oposto.

193. Com efeito, ao ter dado a factualidade que ora se impugna como provada o Tribunal violou as normas constantes dos artigos 32.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa, bem como os artigos 97.º n.º 5, 127.º, 355.º, 374.º n.º 2 e 379.º, todos do CPP, pelas razões já expostas acima.

194. Recorrendo às regras da experiência, ao senso comum, não se pode afirmar e condenar o Arguido, pela morte de TT e pela profanação do cadáver.

195. A condenação do Arguido resulta, por isso, de erro grave do Tribunal na apreciação da prova que foi produzida em audiência de julgamento, a qual é, aliás, não é conclusiva da autoria material dos referidos crimes de homicídio e de profanação de cadáver.

196. Pensamos, e salvo melhor opinião, que terá sido feito um uso demasiado extensivo do princípio contido no artigo 127.º do CPP, onde existem ainda bastantes dúvidas acerca da prática do crime, a decisão recorrida viola claramente o princípio contido artigo 32.º da CRP.

197. É certo que o Tribunal pode e deve valorar os depoimentos das testemunhas ao abrigo do disposto no artigo 127.º do CPP (princípio da livre apreciação da prova).

198. Contudo, no caso em apreço, estamos em crer que tal uso foi feito de forma demasiadamente arbitrária e não se cingiu ao que era essencial, nomeadamente a concreta e coerente apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.

199. Impondo-se a alteração dos factos julgados provados, devendo a matéria concretamente impugnada ser julgada não provada e consequentemente o Arguido absolvido da prática dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver pelos quais foi condenado.

200. O princípio in dubio pro reo é um princípio geral do direito processual penal, sendo a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido (art. 32.º, n.º 2, da CRP), como tal objeto de controle por parte deste Tribunal.

201. Nesse plano, significa que, não existindo um verdadeiro ónus da prova que recaia em qualquer dos sujeitos processuais, nomeadamente o arguido e o MP, e devendo o tribunal investigar autonomamente toda a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre prova do facto para além de toda a dúvida razoável.

202. Ora, por todas as razões já apontadas, há dúvida clara relativamente à autoria dos factos.

203. Os factos julgados provados limitam-se a concluir que o arguido matou TT, porém sem indicar um lapso temporal concreto, refere a hora não apurada, sem indicação/relato de qualquer circunstância anterior ou posterior ao alegado crime. Mais, acresce por forma não concretamente apurada, ateou fogo ao banco traseiro do automóvel.

204. A ausência de narração de factos que possam situar os factos no tempo, a motivação da sua prática, são demonstração clara da insuficiência da prova produzida para concluir que foi o Arguido/Recorrente o autor dos factos.

205. Nenhum facto existe sobre o arguido, de que tivesse uma qualquer relação com a vítima.

206. A decisão recorrida não concretiza quais as circunstâncias de modo, lugar, tempo, motivação da prática, o grau de participação nem quaisquer outras circunstâncias revelantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

207. Antes limita-se a concluir que o arguido matou, profanou o cadáver e a remeter para as respetivas disposições legais incriminadoras.

208. Em suma, face às declarações supra transcritas respeitante à prova testemunhal, conjugada com a demais prova documental, mal andou o Tribunal recorrido ao dar como provada a matéria constante dos pontos – 1, 2, 3, 4, 5, 6, da decisão ora posta em crise, nos moldes em que o fez pugnando-se pela sua alteração, julgando os mesmo como não provados nos termos modestamente propostos.

209. Isto é, O arguido não é o autor dos factos, pelo que tem a factualidade julgada provada alterada nessa medida, pois que as declarações do arguido e uma correta interpretação da prova pericial impõe tal alteração;

A sequência fáctica descrita quanto às circunstâncias da morte de TT, hora da morte, os pulsos serem amarrados antes ou depois da morte, e camisola ser colocada rodeando a face e o pescoço antes ou depois da morte, ser alterada tal factualidade nos moldes expostos, pois que, a prova testemunhal e o relatório de autópsia impõe alteração dos factos julgados provados.

210. Resulta claramente da transcrição da prova gravada e da correta análise e interpretação dos relatórios periciais que se impõe decisão diversa da recorrida, devendo o arguido ser absolvido da prática dos crimes pelos quais foi condenado.

211. Termos em que, deverá esse Venerando Tribunal alterar, revogar a decisão recorrida, absolvendo o arguido/recorrente da prática dos crimes pelos quais foi injustamente condenado.

212. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 131.º e 254.º do Código Penal, 97.º, 127.º, 340.º, 355.º, 374.º, 379.º do Código de Processo Penal, 18.º, 32.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa e Lei 5/2008 de 12 de fevereiro.

Termos em que, se requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, a reparação da douta decisão de acordo com as premissas modestamente supra expostas, fazendo-se assim a habitual, sã e serena Justiça

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1 – Por Acórdão de 04/12/2019, proferido a fls. 1522 a 1560 dos autos à margem supra referenciados, foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o arguido JJ:

- pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão;

- pela prática de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254.º, n.º 1 al. b) do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.

2 – E em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi decidido pelo Tribunal Coletivo condenar o arguido na pena única de 12 anos e 1 mês de prisão.

3 – O Tribunal Coletivo valorou corretamente todos os elementos de prova constantes dos autos e produzidos em audiência de julgamento, nomeadamente as declarações do assistente HC, os depoimentos das testemunhas PS, NS, JS e Olena, bem como o relatório de inspeção judiciária/fotografias de fls. 93 e seguintes, da reportagem fotográfica de fls. 324 e seguintes e do relatório de autópsia médico-legal de fls. 951 a 964.

4 – E, quanto ao apuramento da autoria dos factos – isto é, a sua imputação ao arguido – o mesmo decorreu sobretudo dos vestígios colhidos no cadáver da vítima e em alguns dos objetos que foram apreendidos no interior do veículo automóvel onde este foi encontrado (e também junto ao mesmo automóvel), nos quais foi verificada a existência de ADN do ora recorrente.

5 – Sendo certo que as explicações do arguido quanto à presença do seu ADN em tais vestígios entram em flagrante contradição com o que já havia dito aquando do seu primeiro interrogatório judicial e mostram-se ilógicas, inseguras, frágeis, incoerentes, artificiosas e sobretudo muito pouco verosímeis – pelo que o Tribunal a quo não conferiu qualquer credibilidade às mesmas.

6 – Motivo pelo qual o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura na apreciação que fez dos supramencionados elementos de prova, tendo o Tribunal apreciado a prova segundo a sua livre convicção, sem extravasar os limites consagrados no artigo 127.º do C.P.P.

7 – Não se verificando, pois, qualquer erro na apreciação e valoração da prova por parte do Tribunal a quo.

8 – Pelo que o douto Acórdão objeto do presente recurso não merece qualquer censura no tocante à fixação da matéria de facto constante dos pontos n.º 1, 2, 3, 4, 5 e 6, feita com base na correta apreciação que fez dos elementos de prova constantes dos autos.

9 – Sendo que de tais elementos de prova, o Tribunal Coletivo extraiu naturalmente a conclusão de que o arguido ora recorrente matou a vítima TT, tendo depois profanado o cadáver da mesma, nas circunstâncias que são descritas na matéria de facto dada como provada.

Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido JJ, confirmando-se o douto acórdão recorrido nos seus precisos termos.

V. Exas. farão, como sempre,
JUSTIÇA!»

û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância são colocadas as questões:
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento;
- da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
- da contradição entre a factualidade provada e a sua fundamentação;
- do erro notório na apreciação da prova;
- da violação do princípio in dubio pro reo;
- da insuficiência da fundamentação da factualidade provada
- da violação do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal;
- da violação da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro.

û
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de Agosto de 2018, o arguido encontrava-se com TT no interior do veículo automóvel de matrícula ---RP numa zona de mato no Sítio da Arrochela, em Quarteira.

2) Nessa ocasião, o arguido amarrou as mãos da TT atrás das costas, utilizando um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveu-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e exerceu pressão sobre o nariz e a boca da TT, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

3) Como consequência dessa ação, a TT morreu por asfixia mecânica resultante de oclusão das vias respiratórias superiores.

4) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de matar a TT, amarrando-a previamente, e provocando a sua asfixia, sabendo que assim lhe provocava angústia e sofrimento, sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

5) De seguida, e por forma não apurada, o arguido ateou fogo ao banco traseiro do referido automóvel, provocando chamas que queimaram parcialmente o referido banco e que causaram queimaduras de primeiro e segundo grau nos membros inferiores e no membro superior direito, e queimaduras de terceiro grau na zona da coxa direita do cadáver da TT.

6) O arguido agiu livre, voluntária, e conscientemente, com o propósito de desfigurar e destruir, ainda que parcialmente, por ação do fogo, o cadáver da TT, sabendo que para tanto não estava autorizado, e que a sua conduta violava o respeito devido aos mortos e era proibida e punida por lei penal.

7) O arguido provém dum grupo familiar constituído por 9 elementos, sendo o arguido o penúltimo dos irmãos, inscrevendo-se o grupo familiar num estrato sócio económico e cultural modesto.

Durante o seu processo de crescimento usufruiu de um ambiente familiar estruturado e coeso, num modelo sócio educativo de cariz tradicional mas afetuoso e assente em valores de solidariedade, partilha e responsabilidade.

Não há registo de violência na família de origem.

Surge precocemente referenciado pelos familiares como ponderado, contido, calado e/ou com dificuldades em expressar desejos/sentimentos, necessidades, características que são ainda referenciadas na vida adulta, nomeadamente na esfera íntima/afetiva (namorada).

Perspetivando melhores condições de vida, o grupo familiar emigrou para Portugal há vários anos, tendo o arguido ficado entregue aos cuidados dos avós e irmãos mais velhos até aos 13 anos, altura em que reintegrou o agregado em Portugal (2011).

Concluiu o 6º ano de escolaridade no país de origem, tendo prosseguido os estudos de forma regular em Portugal até ao 10º ano, o qual não concluiu por fatores de ordem motivacional e alguma apetência pela sua autonomização económica.

Terá integrado o mercado de trabalho como indiferenciado aos 18 anos, inicialmente no ramo da restauração e posteriormente no ramo da jardinagem.

Manteve um primeiro relacionamento amoroso durante cerca de dois anos com SC, interrompido na sequência da deslocação desta para o Luxemburgo.

Após os factos protagonizou relacionamento de cariz amoroso/sexual, que perdurava aquando da sua reclusão, o qual terminou, pouco tempo depois, na sequência do reatamento do relacionamento com SC.

O relacionamento do arguido com os demais elementos do seu agregado é isento de conflitos relevantes e pautado por sentimentos de afeto e pertença, assumindo os pais e irmã uma postura de protecionismo e de negação do seu alegado comportamento desviante, passado e presente.

É caracterizado, em termos pessoais, como uma pessoa introvertida e fechada na expressão de necessidades e sentimentos.

Encontrava-se a trabalhar no ramo da jardinagem na Quinta do Lago - Almancil. Auferia 600 euros, participando na economia familiar com média mensal de 350 euros.

O seu quotidiano estruturava-se em função da atividade laboral e o espaço de convívio, nomeadamente espaços de diversão noturna, com os seus irmãos, referindo que não tem amigos, não sendo referenciadas quaisquer atividades construtivas e/ou de lazer.

Consumia pontualmente substâncias psicoativas, mas sem contornos de aditividade.

Expressa noção da gravidade do ilícito e das consequências, não denotando sentimentos de perda e/ou de empatia face à vitima, centrando-se primacialmente no seu processo de vitimização.

Em meio prisional tem assumido comportamento conforme às normas, frequentando escolaridade, por forma a obter equivalência ao 12º ano.

Usufrui de visitas e apoio dos pais, irmãos e da namorada SC.

Foi condenado:
- por decisão transitada em 28.10.2016 [proc. ---/13 do Tribunal de Faro], na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 5 euros, pela prática em 28.09.2013 de um crime de condução sem habilitação legal (art. 3.º n.º 1 do DL 2/98) – pena declarada extinta pelo cumprimento.

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«Quanto às circunstâncias objetivas descritas 1 a 3 e 5, atendeu-se aos depoimentos, isentos e coerentes, das testemunhas PS, NS e JS [inspetores da PJ que se deslocaram ao local e intervieram na sua análise, tendo a primeira tido intervenção na investigação subsequente] e Olena [a qual vivia perto do local dos factos, relatando o que ouviu na noite em causa e as condições em que a viatura com a TT foi encontrada], em conjugação com o relatório de inspeção de fls. 93 e ss., e fotografias que integra (que as primeiras testemunhas confirmaram em audiência), as fotografias de fls. 324 e ss. e o relatório de autópsia (fls. 951/964) – tudo permitindo definir a hora aproximada dos factos, e o local e a natureza dos eventos ocorridos, tal como descrito. Os contactos telefónicos estabelecidos com o telefone da TT (v.g. fls. 1034) também concorrem para delimitar temporalmente os eventos, que teriam ocorrido após tais contactos (em termos conformes, porque prévios, aos elementos sugestivos descritos pela referida testemunha Olena). Já não facultavam elementos probatórios adicionais porque não existia prova bastante para imputar ao arguido o número com relação ao qual foram tais contactos estabelecidos (9623---): a testemunha PS referiu ter havido uma correlação do número com o arguido a partir de informação obtida junto da GNR mas sem saber precisar a origem da informação, pelo que tal atribuição não tinha qualquer valor probatório; a circunstância de este 9623--- ter tido contactos (e por vezes frequentes) com dois números com os quais o telemóvel com o cartão 7690--- também manteve contactos (tendendo a atribuir-se este último número ao arguido) apenas permite afirmar que os utilizadores dos dois números em causa tinham contactos em comum, e já não que esses utilizadores eram a mesma pessoa [a atribuição do número 7690--- ao arguido também não é concludente: assenta nos elementos de fls. 1318 e ss. mas, descontando as declarações de testemunhas não valoráveis nesta sede [[3]], resta ali a apreensão de telemóveis sem números atribuídos e depois a recolha de dados de tráfego: esta recolha sugere que se reportaria a um dos telemóveis apreendidos, mas tal não está revelado; e não se justificam diligências adicionais porque, como referido, os dados em causa não são probatoriamente consequentes].

As declarações do assistente, honestas e críveis, foram relevantes no estabelecimento do quadro prévio e geral de conduta da TT, com quem o assistente vivia, à data, em união de facto.

No que toca à autoria dos factos (à sua imputação ao arguido), inexistia prova direta. Relevavam neste aspeto particularmente os vestígios colhidos em objetos existentes na viatura e junto a esta (no local onde o cadáver é encontrado), e nos quais é verificada a existência de ADN do arguido [[4]].

Assim, constata-se, a partir dos exames de fls. 473 e fls. 1365, dos esclarecimentos de fls. 848/855, e dos esclarecimentos, consistentes, das peritas CC e TR, prestados em audiência de forma convincente, que existia ADN do arguido:

- na unha direita da TT (ADN apenas do arguido e da TT)
- na unha esquerda da TT (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y [[5]] é apenas do arguido)
- em 3 beatas / pontas de cigarros encontrados junto ao Opel, no seu exterior (ADN do arguido e da TT em duas pontas, e apenas do arguido na terceira)
- no atacador usado para prender os pulsos da TT (ADN presente em dois locais; num deles, o ADN é do arguido, da TT e de outros, e o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido; em outro local, o ADN é apenas do arguido e da TT)
- no fio (cabo de áudio) também usado para prender os pulsos da TT (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido)
- num segundo atacador encontrado no interior da viatura (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido)
- em 3 pedaços de papel, encontrados igualmente no interior da viatura [com sangue: o sangue é referenciado no exame de fls. 473; no exame de fls. 1365 já se conseguiu apurar apenas a sua possibilidade; mas as condições dos factos, a circunstância de a TT ter sangrado (v. relatório de autópsia) e a própria apresentação dos papéis o revelam (v. fls. 115)] (ADN do arguido, da TT e de outros, e o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido num; ADN do cromossoma Y do arguido e de outros nos outros dois)
- nas cuecas da TT (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido), e
- na vagina da TT (ADN do cromossoma Y apenas do arguido [[6]]; o exame do LPC também o confirma, referindo ainda um contribuinte menor não identificável porque muito incompleto, mas o exame do IML apenas encontra, quanto ao cromossoma Y, referência compatível com o arguido [[7]]).
- na camisola usada [ADN da TT, do arguido e de outros; o ADN do cromossoma Y é do arguido e de outra pessoa – esta outra pessoa era MM, como resulta do exame de fls. 1282 (o seu contributo para os factos foi excluído por se tratar do proprietário da viatura em causa, na altura no Brasil, como decorreu das suas declarações, credíveis; pese embora não tenha identificado cabalmente a camisola em audiência, admitiu que podia ser sua, sendo que também explicitou que quando foi para o Brasil deixou a maior parte dos seus haveres no Opel – que foi emprestado sem o seu conhecimento a HC e à TT, como também decorreu do seu depoimento e das declarações do assistente)].

A ligação entre este ADN e estes objetos/locais permite assegurar, em termos diretos e em princípio, que o arguido teve contacto com eles [[8]], já não sendo imediatamente concludentes quanto aos termos desse contacto (o local e momento onde ocorre, ou as condições que o determinam).

Não obstante, impressiona o número elevado de pontos de contacto, a circunstância de estarem todos espacialmente concentrados e o facto de se centrarem na órbita da TT, o que, conjugado com o sentido imediato retirado da função dos objetos, tende a colocar o arguido no local dos factos, no momento em que estes ocorrem. Com efeito, e em termos singelos, as pontas de cigarros, fumados e deixados no local, tendem a significar que o arguido ali esteve; a utilização do atacador e do fio/cabo para prender os pulsos da TT sugere que foi o arguido quem atuou sobre a TT, no mesmo sentido concorrendo a utilização da camisola, onde se encontra ADN seu; a existência de outro atacador, também retirado dos ténis (existentes no local, pertencentes à TT [[9]]), também tende a indicar que o arguido igualmente lhes mexeu no local; os vestígios nas unhas da TT sugerem um contacto muito próximo, ajustado à intervenção do arguido sobre ela, no local; os papéis apontam justamente no mesmo sentido; e os vestígios nas cuecas e vagina da TT sugerem um contacto sexual contemporâneo dos demais vestígios, no mesmo local e ocasião. Assim, o quadro de referência dado pela natureza e localização espacial dos objetos e pela função que lhes cabe ou lhes foi atribuída no local onde foram descobertos aponta claramente para a intervenção do arguido nos factos: a partir dos referidos elementos, aquela intervenção surge como a primeira, mais lógica e congruente asserção, aquela que melhor se ajusta e explica a pluralidade de indícios biológicos e espaços de contacto referenciados. Nesse sentido, apontam para o arguido como o autor dos factos.

E esta asserção é compreendida pelo arguido, que procurou contextualizar e esbater o sentido probatório destes elementos, dando para a sua existência uma explicação alternativa, assente num contacto sexual em momento prévio ao dos factos, no mesmo veículo, e contacto que explicaria também, pela forma como foi indicando, o seu contacto com todos os demais objetos. Tal versão não se mostrou, porém e do ponto de vista do tribunal, concludente, considerando-se antes que claudicou. Assim:

- quanto aos vestígios de ADN do arguido na vagina da TT, o arguido admitiu ter mantido relações sexuais (sem preservativo) com a TT. Segundo os esclarecimentos da perita TR, os vestígios de sémen/ADN não permanecem mais de 72 horas na vagina da mulher; o depoimento da referida testemunha PS (que afirmou que a recolha do exsudado vaginal não foi feita no local) e os elementos de fls. 5-6/278-279 permitem afirmar que a colheita é realizada seguramente depois das 01.15 hrs. do dia 28 de agosto [[10]], o que permite afirmar que o contacto sexual ocorrido entre o arguido e a TT terá surgido tendencialmente após as 01.00 hrs. do dia 25 de agosto. O arguido sustentou que tal contacto ocorreu na noite de 25 de agosto (prolongando-se após a meia noite, para as primeiras horas do dia 26), o que se ajusta ao aludido lapso temporal. Mas estas declarações não se mostraram convincentes.

Assim, constatou-se que a sua versão diverge da relatada no primeiro interrogatório em dois pontos: de um lado, no primeiro interrogatório foi incapaz de indicar qualquer dia certo enquanto em julgamento pretendeu fazê-lo (dando razão de ciência para o efeito); de outro lado, e pese embora de forma genérica, o arguido, no primeiro interrogatório, tendeu a colocar aquele contacto em momento distanciado da data em que a TT foi encontrada (e tinha em interesse em fazê-lo, por tal equivaler a distanciar-se da autoria dos factos).

Quanto ao primeiro ponto, releva a circunstância de o arguido iniciar as suas declarações, em julgamento, indicando que esteve com a TT no dia 25 ou 26, mas não dando logo uma indicação exata, como se fosse uma mera aproximação, subsistisse alguma imprecisão [[11]]. Explicitando a sua razão de ciência, o arguido explicou que alcançou a fixação da data em função de uma viagem do seu pai para Cabo Verde, no dia 26 de agosto, mais acabando por esclarecer que o seu pai foi para Lisboa na noite de 25, e que o arguido esteve com o seu pai, a despedir-se, entre as 20.00 e as 24.00 hrs. do dia 24 de Agosto (ou as 01.00 hrs. do dia seguinte), sexta-feira, estando com a TT assim na noite do dia 25, sábado (que se prolongou para 26, de acordo com os horários que indicou). Ora, sendo perfeitamente definidas as datas em causa (o arguido não teve qualquer dificuldade em indicá-las), não se percebe porque foi o arguido dubitativo (ou meramente aproximado) na indicação da data do contacto ocorrido, quando tinha todas as condições para a indicar de forma precisa (tanto que, segundo disse, se lembrou destas circunstâncias quando foi preso, e teve por isso bastante tempo para as calendarizar e fixar). E confrontado com esta situação, o arguido foi incapaz de a explicar, mostrando-se hesitante, confuso e inconsequente.

Acresce depois que, pese embora no primeiro interrogatório chegue a referir a quarta semana de Agosto como momento para o último encontro com a TT, fá-lo apenas no contexto de afirmação mais genérica, tendendo a referir que não sabe quando esteve pela última vez com ela mas que tal ocorreu mais do que no «meio de Agosto, na 3ª ou 4ª semana, aí a meio do mês», tendo quedado depois por esta última marca temporal na sequência de instância direta, embora sugestiva (a meio? sim). Ora, o que é patente é que o arguido tendia a manter algum lapso de tempo entre esse encontro e a noite dos factos, nunca afirmando que o último encontro se deu pouco antes da descoberta da TT (evento que já conhecia, segundo declarou, desde a sua inquirição pela PJ, em 17 de Setembro), ou sequer com proximidade (enquanto agora o seu encontro sexual ocorre precisamente na noite anterior à noite dos factos). Confrontado com a falta de rigor ou proximidade na indicação da data em primeiro interrogatório (mormente com a falta de indicação das datas, ou data, que indicou em julgamento), voltou a ser incapaz de explicar a situação, referindo apenas que só pensou nisso (no encontro) quando preso, mostrando-se também aqui, e novamente, confuso, hesitante e inconsequente.

E estas hesitações, imprecisões e dificuldades não são compreensíveis porque: o arguido teve conhecimento da situação em 17 de Setembro, quando ouvido pela PJ (como reconheceu) e interveio em primeiro interrogatório em 27 de Novembro; naquela primeira data tinham passado pouco mais de duas semanas sobre a data dos factos, prazo curto para um apagamento tão expressivo da memória (quanto ao encontro com a TT); o arguido tinha uma relação de amizade íntima com a TT, que não era uma estranha ou um nome no jornal (a relação podia ser casual mas não era superficial); os factos constituíam um evento impressivo (o homicídio de alguém que se conhece, de mais a mais intimamente, é sempre algo marcante, vibrante, impressivo); o último encontro tinha envolvido um contacto demorado (estiveram juntos 20/30 minutos em café, e uma hora e tal a duas horas no carro, segundo disse) e com natureza sexual (ou seja, não foi um contacto passageiro e inespecífico, de que se não guarda memória) – e trata-se de contacto «extraconjugal»[[12]] e por isso despido da habitualidade da rotina, da habitualidade que pode fazer dissipar a memória distintiva das ocasiões[[13]]; e tal contacto ocorre na noite imediatamente a seguir a o arguido ter estado com o pai, a despedir-se deste, evento também significativo quer porque a despedida demorou várias horas quer porque se tratou da única viagem do pai naquele ano (como também referiu). Neste quadro, é absolutamente incompreensível que o arguido, após 17 de Setembro e até ao seu primeiro interrogatório não volte a pensar na situação, e só mais tarde, após este interrogatório, recorde o que nada justifica já ter esquecido em 17 de Setembro[[14]]; ou que, cerca de duas semanas após os factos, não recorde um contacto sexual que tinha carácter excecional e que ocorreu na noite imediatamente seguinte a ter estado com o seu pai (a despedir-se), ou ainda que quando o recorde seja por mera estimativa ou aproximação (quando a fixação a data era fácil e imediata, como se viu em julgamento). Aliás, esta forma de expressão do arguido (dubitativa) pretendia notoriamente dar a ideia de que era algo que recordara à pouco tempo, algo novo, uma súbita revelação, de que não tinha uma memória segura ou precisa, para emprestar maior espontaneidade à nova, e essencial[[15]], afirmação (do mesmo passo procurando também relativizar o facto de não a ter manifestado anteriormente), mas esquecendo que as referenciações temporais que usa são exatas e que já teve (muito) tempo para as considerar, não havendo realmente razão para a indicação meramente aproximada. A importância da situação justifica que, depois de recordada, não mais se apague e seja recordada e revivida e se fixe nas datas exatas que tão fáceis são de determinar.

Neste quadro, tem-se ainda por não acidental a circunstância de só após o primeiro interrogatório vir o arguido a ter conhecimento da limitação temporal referida, quanto à duração do vestígio de ADN encontrado na vagina da TT [a informação vem ao processo após aquele primeiro interrogatório pois só após esse momento são ouvidas as peritas [[16]]; e o arguido tem dela conhecimento pois esta informação está contida no despacho de pronúncia, que lhe foi lido e comunicado: fls. 1406], e por isso só após aquele interrogatório se suscitar a necessidade de o arguido explicar a persistência do ADN [sendo que não é aquela informação pericial que justifica um esforço do arguido em recordar a data exata; as circunstâncias referidas e a importância dos factos já tornavam essa recordação candente para o arguido; mas mais, ela seria naturalmente prosseguida por qualquer pessoa em circunstâncias análogas].

E se o arguido não esteve com a TT na noite que refere, só poderia ter estado com ela na noite dos factos (porque os eventos ocorrem na noite imediatamente a seguir à noite em que o arguido refere ter estado com a TT; porque o arguido não refere outro contacto anterior próximo; e porque a janela temporal definida pela perita não permitia atribuir relevo a contactos anteriores).

- nas suas declarações, o arguido procurou dar uma explicação para ter sido encontrado ADN seu nos objetos em causa. Essa explicação não se revelou convincente quanto aos cigarros. Com efeito, e quanto a estes, o arguido explicou, por gestos depois concretizados, que, não fumando ele, tocava nos cigarros da TT por esta, ao conduzir, lhe pedir cigarros para fumar, os quais estariam na mala daquela, localizada mormente junto aos pés do passageiro, o que teria ocorrido também na última vez em que esteve com ela (ficando entendido que, ao fazê-lo, poderia ter tocado nos cigarros depois encontrados no local). A sua conduta consistia, então, em pegar num cigarro com dois dedos, segurá-lo no ar com aqueles dedos enquanto com a outra mão o acendia com a chama de um isqueiro (sem o colocar na sua boca e por isso sem fazer circular ar através do cigarro), e só depois o entregava à TT, que estava a conduzir. O pedido de entrega de cigarros é curial, normal. Já a conduta descrita causa a maior perplexidade porque, de um lado, o cigarro, desta forma (sem «puxar», sem fazer o ar circular no seu interior), não acende realmente, apenas se queima, ficando incandescente o papel e alguma ponta mais solta do tabaco, sendo necessário que de imediato (caso contrário aquela incandescência apaga-se rapidamente) o fumador coloque o cigarro na boca e puxe repetidamente o ar para que as brasas do papel (ou de alguma ponta solta de tabaco) espalhem a brasa pelo resto do tabaco. Não é prático nem conveniente nem eficaz nem corrente. Por essa razão é que, e isso resulta da experiência corrente mesmo dos não fumadores, os fumadores acendem o cigarro na boca, puxando o ar para começar a queimar o tabaco. A atuação do arguido é, deste ponto de vista, bizarra e insólita, e o gesto é em si ridículo (pegar num cigarro com dois dedos e, no ar, queimar a ponta com um isqueiro na outra mão…). E é incompreensível que a TT quisesse ou aceitasse esta conduta tão insólita, reiteradamente. Por outro lado, mais inaudita se torna a conduta quando se atente em que ela se justifica apenas por a TT não chegar ao tabaco, sendo esta dificuldade facilmente superada pela entrega do cigarro (ou até do maço de tabaco) à TT, cigarro que esta se encarrega então de acender [e conduzir com uma mão e usar o isqueiro com a outra é atividade que nenhuma dificuldade especial levanta e é até corrente para os inúmeros fumadores quando seguem, mormente sozinhos, ao volante das suas viaturas] ou que o próprio arguido se encarregaria de acender com o isqueiro [estando o cigarro na boca da TT, caso em que esta podia manter as mãos no volante e os olhos na estrada pois caberia então ao arguido posicionar o isqueiro em frente ao cigarro na boca da TT]. A impropriedade da explicação é evidente, sendo manifestamente implausível, tendendo pois a revelar a sua falsidade, compreendendo-se esta versão apenas como forma de ocultar o real contacto (momento e local) com os cigarros.

Acresce que, segundo a versão do arguido, a TT fumava e deitava fora os restos dos cigarros (pela janela da viatura) – o que é conforme ás declarações de HC quando afirmou que a TT fumava de forma escondida (tentando manter em segredo essa atividade), pois então não teria ela interesse em deixar vestígios na viatura. Sendo assim, e face ás circunstâncias do local (onde são encontradas quatro pontas de cigarros no chão, todas próximas entre si, e no exterior e junto ao Opel: fls. 98 e 106), tais cigarros teriam sido fumados no local e aí deixados. Desta forma, fica difícil de perceber como o contacto anterior com o maço levou a que ficasse ADN do arguido em três das pontas de cigarros encontradas. Mas esta dificuldade avoluma-se quando se atenta em que numa das pontas (n.º5 – C1) apenas se encontra ADN do arguido (cromossoma Y), não sendo encontrado sequer ADN da TT (que seria a fumadora em causa): é incompreensível que quem fumou o cigarro (que repetidamente lhe toca e o coloca de forma consistente e reiterada na boca [[17]], e com ele teve contacto pouco antes de a ponta ser recolhida) não deixe qualquer vestígio no cigarro fumado, e o arguido, que lhe teria tocado acidentalmente (ao tirar outros cigarros do maço; é o que se extrai da sua versão) um dia antes do cigarro ser levado para o local, ainda lá tenha ADN – o que desde logo e por si revela a falsidade da versão do arguido, pois esta não pode explicar esta situação. Acresce que aquela dificuldade se torna definitivamente incontornável quando se verifica que outra das pontas (ponta 1: fls. 106) nem corresponde a um cigarro com filtro mas a um cigarro enrolado, sem filtro (como se verifica pelas imagens colhidas; decerto por isso vem referenciado na inspeção como «presumivelmente de ”charro” [[18]]»), o qual não só não se retira de um maço de tabaco como tem que ser manualmente enrolado, pelo que não vale para ele a explicação adiantada pelo arguido (que apenas falou em passar cigarros do maço à TT) – ponta esta onde se encontra ADN da TT e do arguido. Naturalmente, estes dados, por si e ao demonstrarem a improcedência da explicação do arguido, apontam antes no sentido de o arguido ter tido contacto direto com os cigarros no local, onde estes são consumidos e deitados fora – e local onde esteve, apesar de afirmar nunca lá ter estado.

- quanto aos demais objetos, o arguido tendeu a sustentar que contactou com eles por se encontrarem na viatura, tendo, nomeadamente, que os afastar quando ia com a TT para o banco traseiro, local onde tendiam a estar espalhados vários objetos. Em particular e quanto ao fio (cabo de áudio), o arguido afirmou que lhe tocou para o ligar na última vez que esteve com a TT. Quanto aos atacadores, começou por referir que mexia nos sapatos/sapatilhas (e por essa forma nos atacadores) por estarem espalhados no carro; quando questionado sobre no que teria mexido na última vez, mostrou-se hesitante, referiu camisas e toalhinhas em cima de um banco, e só quando questionado diretamente sobre os atacadores referiu que afinal havia atacadores soltos nessa última vez, em cima do banco de trás e da frente, restringindo-os de seguida ao banco da frente, e dizendo que pegou neles e os colocou de lado, em cima do travão de mão. Ora, a sua versão mostra-se frágil por procurar explicar com contactos ocasionais e genéricos vestígios em tantos objetos. Torna-se ainda mais frágil quando se atenta na forma como a sua versão muda quanto aos atacadores, passando de um contacto geral com os sapatos/sapatilhas para, após hesitação, um contacto específico com os atacadores, os quais também passam da presença em dois bancos para apenas o banco dianteiro. Por fim, a presença dos atacadores soltos é incompreensível quando se atente em que: apenas um par de atacadores (dois atacadores) foi encontrado no local, atacadores que se ajustam ao único par de sapatilhas existente no local, sapatilhas estas sem atacadores, pelo que aqueles atacadores (onde aparece o ADN do arguido) pertenciam ás sapatilhas; e que a TT calçava as sapatilhas para conduzir (para não conduzir com sapatos com saltos), como HC referiu, o que terá feito na data pois, segundo o mesmo HC, saiu de casa com sapatos de saltos altos [[19]], sendo que aquele HC aditou ainda nunca ter visto atacadores soltos no carro (pelo que não era hábito da TT andar a tirar atacadores das sapatilhas). Neste quadro, não é possível discernir a sombra de um motivo que justifique que a TT tenha, antes de se encontrar com o arguido, tirado os atacadores das sapatilhas e os tenha deixado em cima de bancos (ou de um banco). Ao invés, já é perfeitamente entendível a versão do arguido como uma tentativa, forçada e não convincente, de encontrar razões para justificar a presença de ADN nos atacadores. Num outro plano, impressiona ainda que o ADN do arguido persista nos atacadores (nos dois atacadores, e em dois lugares distintos no atacador usado para prender os pulsos - correspondentes a duas recolhas diferenciadas: pág. 2 e 6 do exame de fls. 1365) e já nele se não encontre o ADN de outro contribuinte masculino – e saindo a TT de casa, na noite dos factos, com saltos altos para ir conduzir e assim devendo calçar as sapatilhas para o efeito (como referido), e sendo encontrada descalça e com as sapatilhas junto a si (na parte de trás do carro) mas sem atacadores, sendo um destes atacadores usado para a manietar, é seguro que os atacadores foram retirados das sapatilhas para esse efeito, dando conta de um contacto intenso do agente dos factos com eles em momento relativamente próximo a terem sido encontrados. Tudo contribuindo para excluir qualquer valor persuasivo da versão do arguido.

- monta também a circunstância de em lado algum ter sido encontrado ADN do companheiro da TT (HC), o qual não apenas tinha contacto próximo com a TT (dada a relação mantida) como esteve com ela depois do putativo encontro da TT com o arguido (passou o dia de domingo com ela, segundo as suas declarações, mormente na viatura em causa). Ou seja, aquele HC esteve com a TT após o arguido mas o ADN deste aparece um pouco por todo o lado e o ADN de HC não está em lado algum. O que mais delimita o sentido probatório dos indícios, ao apontar para um contacto do arguido com a TT subsequente ao contacto desta com o HC (e não anterior, como o arguido pretende). Em especial, e quanto ás unhas, tal torna-se incompreensível, levando em conta que, após o contacto que o arguido refere ter mantido, a TT tomou banho (como resulta das declarações do HC, tendo decerto também lavado as mãos ao longo do dia, considerando ainda que esteve na praia) e, além de se manter aí o ADN do arguido (o banho não tinha necessariamente que o eliminar todo, como resultou dos esclarecimentos prestados), já nenhum ADN do HC permanece, e o ADN do arguido que permanece é ainda mais consistente (em maior quantidade) que o ADN da própria TT (exame de fls. 473). Tal não é compreensível à luz de um contacto anterior, mediado por outros contactos e pelo banho. Ou seja, tal contribui ainda mais para focalizar o contacto em momento posterior àquele que o arguido sustenta.

- também a existência de ADN do arguido nas cuecas é, neste contexto, refratária à sua explicação pois se torna incompreensível que a TT, tendo mantido contacto com o arguido na noite de 25 de Agosto, fique com as cuecas, as tire para ir à praia (onde vai de biquíni), e as volte a vestir depois de tomar banho após regressar da praia (como revelado pelo assistente HC) e com elas saia de casa. A possibilidade de os vestígios aí encontrados resultarem de escorrimento é ínfima dado o lapso de tempo já decorrido, na versão do arguido, desde o contacto sexual, e atento ainda o banho que a TT tomou (o banho pode não eliminar todo o ADN, como a perita TR referiu, mas dando conta de situação onde foi encontrado ADN no colo do útero, ou seja na zona mais interior, de onde dificilmente sairia para as cuecas).

Ora, a inconcludência, inconsistência e mesmo falsidade da versão do arguido revela, de um lado, que a sua versão não explica os vestígios encontrados (e que há algo a ser por ele escondido, não revelado), e, de outro lado e de forma mais determinante, converge, por excluir a explicação alternativa do arguido, na indicação de um resultado de sentido único: que teria sido o arguido o autor dos factos.

Ainda que se diga com tendencial acerto [[20]] que «a coincidência entre o perfil obtido a partir da amostra e o vestígio encontrado permite apenas afirmar, com elevadíssimo grau de probabilidade, que o vestígio provém de determinado indivíduo, mas não autoriza a concluir, sem uma ulterior operação lógica sustentada em meios de prova autónomos, que foi ele o autor do crime», aqueles dados de ADN constituem, no caso, um suporte não isolado. Assim, a informação colhida a partir do ADN vem contextualizada por duas ordens probatórias: de um lado, as declarações do arguido e do assistente, que facultam elementos que enquadram, condicionam e limitam os vários sentidos probatórios que os vestígios possibilitam; e, de outro lado, as circunstâncias espacial (locais onde se encontram), funcional (funções atribuídas), temporal (concentração) e plural (múltiplos) associadas aos próprios objetos em causa, diretamente reveladas, e que têm um sentido probatório próprio – tudo no quadro acabado de explicitar.

Assim, os dados expostos são bastantes para, com exclusão de outra explicação possível e para além da dúvida razoável, afirmar de forma probatoriamente válida ter sido o arguido o autor dos factos. Donde a imputação realizada.

A invocação do art. 38º da Lei 5/2008, de 12.02, o qual, sob a epígrafe «Decisões individuais automatizadas», dispõe que «em caso algum é permitida uma decisão que produza efeitos na esfera jurídica de uma pessoa ou que a afete de modo significativo, tomada exclusivamente com base no tratamento de dados pessoais ou de perfis de ADN» não perturba, ao contrário do pretendido, a utilização probatória do ADN em causa. Por um lado, a norma apenas se reporta à utilização de bases de dados de perfis de ADN, única matéria que a Lei em causa regula (v. os art. 1º n.º1, 14º e 19º e ss.), o que não está em causa. Por outro lado, e ainda que assim não fosse, a norma apenas proscreve o tratamento meramente formal, mecânico, automático, da informação (perfil de ADN da base de dados) para nela alicerçar resultados com efeitos jurídicos, sem qualquer avaliação crítica nem problematização. Aliás, diz-se que a norma foi criada justamente para ressalvar ou valorizar a livre apreciação da prova pelos magistrados. Nas palavras de Inês Ferreira Leite, a «lei veda que sejam impostos certos efeitos jurídicos aos cidadãos por força de meras operações automatizadas. Ou seja, não é possível que do mero cruzamento ou tratamento de dados resulte um determinado efeito jurídico, sendo sempre necessária a mediação judicial que reconheça o resultado obtido e lhe conceda força jurídica». Ora, no caso ocorre esta mediação valorativa concreta e problematizante, ficando excluída qualquer decisão automática (que a norma proíbe) – e sempre assim será em processos judiciais, que a norma não tem, notoriamente, em vista. Por fim, a valorização dos dados de ADN também não é realizada apenas em si mas por referência a outros contextos probatórios, como referido, o que também excluiria a verificação da hipótese da norma.

No que toca ao descrito em 4 e 6, considerou-se que estes factos decorriam de forma segura, por inferência e com apoio nas regras da normalidade, das descritas condutas do arguido - aliás, tais factos encontram-se numa relação de quase necessidade com essas condutas. Notando-se que a atuação sobre o cadáver é consequência (necessária) do incêndio da viatura mas também é atuação diretamente querida pelo arguido, no quadro em causa (aquele quer também atingir o cadáver).

Os factos reportados em 7 decorreram do relatório social (em que, pelas suas fontes e metodologia, se confiou) e do CRC juntos aos autos. Sem embargo, excluiu-se a matéria relativa à integração do arguido no agregado dos pais na data dos factos pois aquele, nas suas declarações, afirmou estar a viver com uma namorada [e não existem decisões finais transitadas nos processos indicados o relatório social].

A testemunha NC reportou dados não diretamente relevantes (confirmando uma tentativa de contacto da TT na noite dos factos, por volta das 22 hrs., e alguns dados vagos sobre a vivência desta).
Eliminaram-se:
- a referência a que a morte foi uma consequência necessária e direta pois, como nota A. Varela, tal não constitui questão de facto (in RLJ 114, pág. 73 nota 10).

- a menção ao propósito «concretizado» por conclusiva: tendo uma feição objetiva, representa a avaliação que o acusador faz dos factos descritos, face à intenção do arguido.

- as menções a advérbio de modo (particularmente) ou adjetivo (intenso) por conclusivas: envolvem apenas uma valoração pessoal dos factos, sem natureza factual.»

û
Conhecendo.

Na análise das questões que acima se deixaram enunciadas, importa fazer anteceder as considerações de facto sobre as de direito e, no domínio destas últimas, dar prioridade aos aspetos da previsão jurídica sobre aqueles outros que dependem da sua verificação.

O conhecimento das causas de nulidade da sentença deve preceder o das restantes questões que nos são colocadas.

E o conhecimento dos vícios in procedendo há-de preceder o dos vícios in judicando.

1. Da violação do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal

Entende o Recorrente que o Tribunal de 1.ª Instância desrespeitou o disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal ao não ter investigado a ligação da TT ao local onde foi encontrada morta e, ainda, por não ter ordenado exame aos cabelos encontrados na mão direita da mesma.

Com interesse para a decisão a proferir, decorre do processo que o Recorrente formulou contestação genérica, onde afirma não ter cometido os factos que lhe são imputados, oferecendo, ainda, o merecimento dos autos e o que em sua defesa resultar da audiência de julgamento.

No decurso da audiência de julgamento não foi formulado requerimento, por qualquer dos intervenientes processuais, com vista à produção suplementar de prova.

Isto posto, nesta fase do processo, a violação do disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal apenas se pode afirmar se ocorrer irregularidade que possa afetar o julgamento.

E não a vislumbramos.
Por não vermos em que medida a ligação da TT ao local onde foi encontrada morta ou o exame aos cabelos encontrados na mão direita da mesma possam, nestes autos, contribuir para a descoberta da verdade.

Quanto ao primeiro aspeto, não descortinamos que diligências pudessem ser feitas com o propósito de o esclarecer.

Quanto aos cabelos encontrados na mão da vítima, resulta do processo que não lhe pertencem. E não pertencem também ao Arguido, porque não compatíveis com cabeleira de indivíduo de raça negra.

E esta verdade deveria bastar ao ora recorrente, na medida em que não afronta o que foi afirmando ao longo do processo.

Pelo que o recurso, neste segmento, não procede.

2. Da violação da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro
A alegação do Arguido neste segmento do seu recurso reconduz-se a incorreta avaliação da prova produzida em julgamento.

Aspeto que não deixaremos de tratar mais adiante, na parte destinada à impugnação dos factos considerados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, e 6.

Quanto à afirmação genérica da violação do disposto no artigo 38.º da Lei supra mencionada, recordemos o que foi decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância:

«A invocação do art. 38º da Lei 5/2008, de 12.02, o qual, sob a epígrafe “Decisões individuais automatizadas”, dispõe que “em caso algum é permitida uma decisão que produza efeitos na esfera jurídica de uma pessoa ou que a afete de modo significativo, tomada exclusivamente com base no tratamento de dados pessoais ou de perfis de ADN” não perturba, ao contrário do pretendido, a utilização probatória do ADN em causa. Por um lado, a norma apenas se reporta à utilização de bases de dados de perfis de ADN, única matéria que a Lei em causa regula (v. os art. 1º n.º 1, 14º e 19º e ss.), o que não está em causa. Por outro lado, e ainda que assim não fosse, a norma apenas proscreve o tratamento meramente formal, mecânico, automático, da informação (perfil de ADN da base de dados) para nela alicerçar resultados com efeitos jurídicos, sem qualquer avaliação crítica nem problematização. Aliás, diz-se que a norma foi criada justamente para ressalvar ou valorizar a livre apreciação da prova pelos magistrados. Nas palavras de Inês Ferreira Leite, a “lei veda que sejam impostos certos efeitos jurídicos aos cidadãos por força de meras operações automatizadas. Ou seja, não é possível que do mero cruzamento ou tratamento de dados resulte um determinado efeito jurídico, sendo sempre necessária a mediação judicial que reconheça o resultado obtido e lhe conceda força jurídica”. Ora, no caso ocorre esta mediação valorativa concreta e problematizante, ficando excluída qualquer decisão automática (que a norma proíbe) – e sempre assim será em processos judiciais, que a norma não tem, notoriamente, em vista. Por fim, a valorização dos dados de ADN também não é realizada apenas em si mas por referência a outros contextos probatórios, como referido, o que também excluiria a verificação da hipótese da norma.

É raciocínio que acompanhamos.

Evidentemente que a Lei portuguesa não admite que alguém seja condenado exclusivamente com recurso a prova de ADN. É o que decorre do artigo 38.º da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, e do artigo 2.º da Deliberação n.º 3191/2008, de 3 de dezembro (Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN).

«Tal opção consiste num acautelamento das situações de falsos positivos, em que poderia ser apontado um indivíduo que nada tinha a ver com determinado crime.

Por outro lado, situações há em que a prova de ADN aponta para determinado suspeito, mas tratando-se da única prova obtida sem nenhuma outra mais que a corrobore, o criminoso poderá escapar impune, o que será sem dúvida nenhuma uma situação no limite frustrante para as autoridades policiais e para todo o sistema judicial, que se vêm de “mãos atacadas”.»[[21]]

O teor da fundamentação da matéria de facto constante do acórdão em recurso não consente a alegação do Recorrente.

Porque as razões do Tribunal recorrido, quanto aos factos que selecionou como provados, não se quedam pelos vestígios de ADN recolhidos nos autos. Incluem a valoração das declarações que o Arguido prestou ao longo do processo.

E é da conjugação de tais provas que resulta a convicção quanto à autoria dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver.

A bondade de tal entendimento será avaliada mais adiante, conforme já se disse.

Improcedendo o recurso, também nesta parte.

3. Da insuficiência da fundamentação da factualidade provada
É questão que o Recorrente suscita a pretexto da ocasião em que terá ocorrido a morte da TT.

Porque foi dado como provado que os factos ocorreram na madrugada de 27 de agosto de 2018, sem que se concretiza o momento em que os mesmos ocorreram.

Este entendimento do Recorrente – ainda que pudesse ter relevo para a decisão a proferir nos autos – não acarreta o vício que lhe é apontado.

A obrigatoriedade da sentença conter não só a indicação das provas que serviram para estruturar a convicção do Tribunal, mas também o seu exame crítico, surgiu com a revisão do Código de Processo Penal de 1998 – Lei n.º 59/98, de 25 de agosto – e seguiu-se ao julgamento de inconstitucionalidade, com fundamento na violação do direito ao recurso, da interpretação do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal que se bastava com a mera enumeração dos meios de prova utilizados em 1.ª Instância, não exigindo a clarificação do processo de formação da convicção do julgador [acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 2 de dezembro, e n.º 639/99, de 22 de novembro].

A fundamentação da sentença, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, há-de conter a «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal

Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.

Dever de fundamentação que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.

Dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º

Ou seja, de acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação gera a nulidade da sentença.

Do exame do acórdão recorrido não resulta o defeito que o Recorrente lhe aponta.

Foi dado como provado, no ponto 1, que a hora não apurada da madrugada do dia 27 de agosto de 2018, o Arguido se encontrava com TT no interior do veículo automóvel de matrícula --RP, numa zona de mato no Sítio da Arronchela, em Quarteira.

É consabido que a madrugada é período que decorre entre a meia-noite e o nascer do sol.

No dia 27 de agosto de 2018, o sol nasceu às 6H56.

Assim, da factualidade provada decorre a ocasião em que foi levada a cabo a morte da TT. Com a delimitação temporal possível.

E este aspeto encontra-se perfeitamente justificado na parte do acórdão dedicada à fundamentação da decisão de facto - «Quanto às circunstâncias objetivas descritas 1 a 3 e 5, atendeu-se aos depoimentos, isentos e coerentes, das testemunhas PS, NS e JS [inspetores da PJ que se deslocaram ao local e intervieram na sua análise, tendo a primeira tido intervenção na investigação subsequente] e Olena [a qual vivia perto do local dos factos, relatando o que ouviu na noite em causa e as condições em que a viatura com a TT foi encontrada], em conjugação com o relatório de inspeção de fls. 93 e ss., e fotografias que integra (que as primeiras testemunhas confirmaram em audiência), as fotografias de fls. 324 e ss. e o relatório de autópsia (fls. 951/964) – tudo permitindo definir a hora aproximada dos factos, e o local e a natureza dos eventos ocorridos, tal como descrito. Os contactos telefónicos estabelecidos com o telefone da TT (v.g. fls. 1034) também concorrem para delimitar temporalmente os eventos, que teriam ocorrido após tais contactos (em termos conformes, porque prévios, aos elementos sugestivos descritos pela referida testemunha Olena).»

Ou seja, o raciocínio de quem julgou mostra-se, pois, perfeitamente revelado.
A não aceitação dele é questão diversa da invocação da sua ausência.

Pelo que não ocorre a falta ou insuficiência do exame crítico da prova.
Improcedendo o recurso, neste segmento.

4. Da valoração da prova produzida em julgamento
Dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal
Da violação do princípio in dubio pro reo

Insurge-se o Arguido contra a factualidade constante, como provada, nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, e 6.

Por entender que a prova produzida em julgamento não basta para a afirmação de tais factos.

Vejamos se lhe assiste razão.
Com o propósito de bem expressar o nosso entendimento, impõe-se se precisem conceitos.

Em causa está o modo como pode sindicar-se a valoração da prova feita em 1.ª Instância, determinante para a fixação dos factos que aí se consideraram como provados e não provados – sindicância que pode fazer-se num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:

«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»
E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa

Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.

Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.

Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».

«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado (...).».[[22]]

De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[[23]]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].

Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.

Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[24]]

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[25]]

O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[26]]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.

Mas tal valoração é, também, sindicável.

O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[[27]], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[[28]]

Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.

E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.

«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.

Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.

A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos atos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.

A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..

A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.

É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão [[29]]

E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

De regresso ao processo, não resultando das conclusões da motivação do recurso que se assinalem divergências entre aquilo que foi dito no decurso da audiência de julgamento e aquilo que quem julgou diz que se disse, nessa mesma ocasião, o desconforto do Recorrente relativamente à factualidade considerada como provada deve ser ponderado ao nível da violação do disposto no artigo 127.º desse Código e, num segundo momento, através da verificação de algum dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo compêndio legal.

A decisão recorrida, no que toca à autoria dos factos – à sua imputação ao Arguido JJ – é de absoluta clareza.

Inexiste prova direta.

Valoraram-se os vestígios colhidos em objetos existentes no interior da viatura e junto desta, nos quais foi encontrado ADN do Arguido, e as declarações deste, a que não foi conferido qualquer crédito.

O Coletivo de Juízes do Tribunal da 1.ª Instância, impressionado pelo elevado número de pontos de contacto do Arguido com vestígios recolhidos na cena do crime, nela o colocou, no momento da morte da TT.

E a esta luz avaliou as declarações que o Arguido prestou em sede de julgamento e aquando da sua detenção, perante o Juiz de Instrução Criminal.

Entendeu-se não convincente a possibilidade de o Arguido e a TT terem tido trato sexual na noite de 25 de agosto de 2018 e/ou na madrugada de 26 de agosto – não obstante os vestígios de sémen permanecerem mais de 72H na vagina da mulher e a recolha do exsudado vaginal da TT ter ocorrido depois da 1H15 do dia 28 de agosto – porque tal versão dos acontecimentos diverge da apresentada durante o primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Entendeu-se, ainda, não ser convincente a explicação apresentada pelo Arguido para o seu contacto – revelado pelo ADN – com as pontas de cigarro depositadas no exterior da viatura onde foi morta a TT, e em outros objetos existentes nessa viatura – cabo de áudio, atacadores.

E a circunstância de não ter sido encontrado ADN do companheiro da TT em qualquer dos vestígios recolhidos foi entendida, pelos Senhores Juízes da 1.ª Instância, como circunstância delimitadora do seu sentido probatório, porque aponta para um contacto do Arguido com a TT subsequente ao contacto desta com o HC. Aspeto este que foi considerado especialmente relevante quanto às unhas da TT é às cuecas que a mesma envergava.

Aqui chegados, somos remetidos para o domínio da prova indiciária, cuja avaliação deve ter lugar no âmbito do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

E tendo presente o teor deste preceito legal, na expressão regras da experiência incluem-se, obviamente, as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, as quais se devem basear na correção de raciocínio, bem como as regras da lógica, os princípios da experiência e os conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado.[[30]]

«Dentro das regras da experiência que vigoram na nossa sociedade podem identificar-se dois grandes grupos: por um lado as leis científicas e, por outro, todas aquelas ilações que não são mais do que as regras da experiência quotidiana. As primeiras formam-se a partir dos resultados obtidos pela investigação das ciências, a que se atribui o carácter de empíricas, enquanto que as outras assentam na denominada experiência quotidiana que surge através da observação, ainda que não exclusivamente científica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se podem estabelecer consenso[[31]]

Perante as frequentes dificuldades de reconstituição do facto delituoso [porque quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua atuação], aceita-se que a prova indireta, indiciária ou por inferência se tenha tornado indispensável em processo criminal.

Ou seja, na ausência de prova direta, admite-se a possibilidade de o Tribunal deduzir racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indireta.

E é indireta a prova cujo objeto é um facto diferente daquele que deve ser provado por ser o juridicamente relevante para a decisão. Ou seja, quando o seu objeto imediato não é um facto principal.

«A prova indiciária tem como base factos irrelevantes dos quais, por raciocínio lógico, se pode inferir a existência de factos relevantes.
(…)
No fundo, o indício opera como uma premissa, uma inferência, que tem como conclusão um enunciado que acrescenta algo sobre o facto primário. O que se visa provar é um facto secundário que serve para estabelecer, mediante um raciocínio inferencial, a verdade sobre o facto principal, é essencial um passo lógico (fundado numa regra de experiência) entre o objeto da prova e o facto juridicamente relevante para se concluir algo relevante ao processo[[32]]

Referia o Professor Cavaleiro de Ferreira[[33]] que «A prova indiciária tem suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indireta do que aqueles em que se mostra possível uma prova direta (…) Duma maneira geral, os indícios correspondem às presunções naturais em matéria civil.»

«Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova direta, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica (…).
(…)
Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.

O funcionamento, e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objetivável e motivável nomeadamente em sede de sentença.

Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está diretamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objeções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indício quando não é suscetível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou, (…) corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não está sustentado em bases sólidas

Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direção da mesma conclusão facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista estas áridas matérias na enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objeto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando.
(….)
Verificados os respetivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos.:- a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

Assim,
Em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efetiva-se com a colocação respetiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exatidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios.

Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena os autores exigem, uniformemente, como se irá explanar a concordância de todos os indícios pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstancias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e ação por forma a que cada indicio está obrigado a combinar-se com os outros, ou seja, a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito.

Em última análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicios poder apontar noutro sentido que não o atingido (Exemplo: feridas múltiplas – ódio; ameaças de morte; arma pertencente ao arguido)

O terceiro momento reside no exame da relação entre facto indiciante e facto probando, ou seja o funcionamento da presunção. (…) a essência da prova indiciária reside na conexão entre o indício base e o facto presumido, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência é a essência de toda a presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção- em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade

A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais.

As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efetuar a generalização.

Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.»[[34]]

Ao nível jurisprudencial e em sentido concordante com o exposto, podem consultar-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23 de abril de 2003 [in Coletânea de Jurisprudência, Tomo II, página 50], e de 11 de maio de 2005, de 4 de março de 2009, de 3 de março de 2010, de 23 de junho de 2010 e de 21 de março de 2012 [acessíveis em www.dgsi.pt/jtrc]; do Tribunal da Relação de Évora, de 29 de novembro de 2005 e de 18 de outubro de 2018 [acessíveis em www.dgsi.pt/jtre], e do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de janeiro de 2004, de 12 de setembro de 2007, de 10 de janeiro de 2008, de 12 de março de 2009, de 27 de maio de 2010, de 26 de outubro de 2011 e de 27 de junho de 2012 [acessíveis em www.dgsi.pt/jstj].

É inequívoca a importância dos vestígios de ADN nos presentes autos.
«O Ácido Desoxirribonucleico (ADN) é um composto orgânico cujas moléculas contém as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e que têm como uma das finalidades transmitir as características hereditárias destes. No interior de cada célula encontramos um núcleo, onde existem vinte e três conjuntos de cromossomas emparelhados que formam o genoma humano. Os segmentos de ADN que incluem a informação genética são então denominados genes. Metade da informação que o compõe é transmitida pela progenitora e a outra metade pelo progenitor, sendo assim a base da hereditariedade.

O emparelhamento das bases que compõem o ADN (adenina-guanina [A-G] e timina citosina [T-C]) e a totalidade das combinações possíveis destas quatro letras, encerra a resposta para a biodiversidade entre espécies, mas também define características únicas entre indivíduos da mesma espécie.

Denominada frequentemente de “DNA fingerprinting”, permite identificar um indivíduo com base numa sequência específica de nucleótidos, o que assume especial relevância no contexto da investigação criminal[[35]]

O ADN pode ser retirado do sangue, do sémen, da saliva ou de raízes de cabelos.

Mas pode também surgir por contacto. «Na pele humana existem células que, por serem nucleadas, poderão ser uma fonte de ADN nuclear. Estas poderão aderir a qualquer superfície, através das secreções produzidas pelas glândulas sudoríparas e sebáceas, mas também através do mecanismo de descamação da própria pele, que segundo a ciência liberta 400000 células por dia[[36]]

«(…) cada ser humano possui um genoma diferente, sendo que nele se distingue uma componente nuclear e uma mitocondrial. A primeira (…) refere-se ao ADN que podemos encontrar no interior do núcleo de uma célula, ou seja, nos 23 pares de cromossomas presentes no ovo ou zigoto. Destes 23 pares, 22 são cromossomas autossómicos e o último par determina o sexo do indivíduo (cromossomas XX no sexo feminino e XY no masculino), sendo que cada célula nucleada possui a totalidade do genoma humano.

Já no que diz respeito ao genoma mitocondrial (ADNmt) este é constituído por uma pequena molécula circular e tem origem exclusivamente materna e encontra-se no exterior do núcleo, nas mitocôndrias. Embora contenha menor informação genética que a presente no núcleo (…), a contribuição do ADN mitocondrial continua a ser muito valiosa na análise forense, devido ao número de cópias da molécula presente em cada mitocôndria). (…) Possui ainda, uma estrutura estável menos suscetível à degradação. Todas estas características, levam a que a análise do ADNmt seja uma opção nos casos em que o material biológico se encontra muito degradado, como em incêndios, catástrofes ou desastres, ou em casos em que a amostra recolhida em cenário de crime seja muito reduzida.»

Importa, ainda, referir que o ADN se distingue também «como “codificante” ou “não codificante”, conforme transmita ou não informações que determinem traços do indivíduo, ou seja, elementos fenotípicos como a cor dos olhos, ou a altura.»[[37]]

«A prova científica é genericamente atrativa por, não obstante ser prova complexa e não dominada nem dominável por qualquer leigo ou até mesmo pelo normal jurista, representar o rigor, a exatidão, a objetividade e a neutralidade que caracterizam as ciências naturais, particularidades que aqui são emprestadas à prova criminal. A receção da prova de ADN ancora-se no ditame da verdade que os sistemas processuais penais procuram em vista de uma “justiça Justa”.
(…)
Mas o DNA é apenas uma ferramenta. Dá informação, dependendo da natureza das amostras e do modo como a análise é feita. E efetivamente é assim. Antes de mais, não é seguro que a coincidência técnica entre uma amostra problema e uma amostra referência dê como certo que o agente cuja identificação tenha sido obtida seja o autor do crime que se apura. Podem ser várias as circunstâncias e razões para o ADN de um indivíduo estar presente no local da prática do facto e isso não faz, nem pode fazer, dele culpado. Por isso, o perfil de ADN não pode ser mais do que uma ferramenta probatória ao serviço da investigação e da punição. É prova complementar e que deve ser complementada. É esta relatividade da prova de ADN que está prevista nos artigos 3.º, n.º 4 e 38.º da Lei n.º 5/2008 (…) Estes (…) normativos têm a vocação de afastar a tentação de firmar uma verdade judiciária apenas a partir de uma pura verdade científica.

Por outra via, a prova de ADN é discutível e contestável. E é assim por motivos variados.
(…)
3. A possibilidade de contaminação química ou biológica é um outro elemento a ter em consideração. Daí a imprescindibilidade da cadeia de custódia a que se reporta expressamente a Lei nº 5/2008, nos artigos 18.º, n.º 4 e 31.º, no que respeita à recolha, acondicionamento, manuseamento e manipulação do material genético, bem como a indispensável possibilidade de repetição dos procedimentos técnicos e realização de contra-análise para confirmação de resultados, assegurada nos artigos 11.º, 13.º e 32.º da mencionada Lei.

4. O engenho para fabricar ou manipular laboratorialmente uma amostra de material genético não está de todo arredada pondo em crise a coincidência entre amostra problema e amostra referência, eventualmente até com o propósito de fazer concordar o perfil obtido e armazenado em uma base de dados. Também não é de afastar a possibilidade de serem colocados no locus delicti vestígios biológicos por forma a indevidamente incriminar o portador desse ADN.

5. A alegada imutabilidade do ADN é apresentada como um dado adquirido mas não pode ser tida como verdade absoluta. Com efeito, não faltam vozes no sentido de apontar casuais alterações do código genético humano por influência de fatores exógenos, tais como a natureza ambiental. Nestes termos, a representação gráfica do perfil de ADN é suscetível de consubstanciar ligeiras diferenças ao longo da vida, não se conhecendo, de momento, outra causa explicativa para além da interferência externo-ambiental.
(…)
8. Uma questão particularmente relevante no que respeita à obtenção dos perfis de ADN e respetivo armazenamento na base de dados funda-se na necessidade de evitar resultados “falsos positivos” e assegurar o crédito e fiabilidade do conteúdo dos resultados obtidos. É imprescindível o uso de marcadores estabelecidos e seguir regras, metodologias e técnicas internacionalmente estabelecidas para análise forense e um rígido controlo de qualidade, tal como está previsto nos artigos 5.º, n.º 3 e 40.º da Lei n.º 5/2008 e artigo 10.º do Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN. Realçamos a European Standard Set relativa à escolha de marcadores de ADN como meio de asseguramento da compatibilidade com os marcadores utilizados nos perfis de outras bases de dados europeias e a Decisão-Quadro 2009/905/JAI do Conselho, no que concerne à validação das análises, controlo de procedimentos, padronização de metodologias e certificação de equipamentos, ao serviço da cooperação dos Estados no âmbito da investigação criminal.[[38]]

9. Não menos importante, anotamos que os resultados da prova de ADN não são absolutos e que por isso não admitem uma leitura totalitária. Os seus resultados assentam em juízos de racionalidade probabilística e de análise estatística que nos fornece apenas uma probabilidade de coincidência do perfil obtido na análise efetuada com outros perfis genéticos no universo representado pela amostra do investigado. Desvenda a relação hipótese/evidência verificando a percentagem de pessoas que têm idênticos traços fenotípicos no universo populacional do que foi objeto de análise. Esta prova não pode ser alheia à carga ou impacto que outros elementos de prova poderão refletir no juízo de probabilidade. Por isso se ultrapassou o designado “paradigma da individualização” substituindo-o pelo “paradigma da verosimilhança”, que conduz à trabalhosa e esgotante atividade valorativa da prova genética por parte de quem investiga, de quem acusa, de quem pronuncia e à atuação participativa de quem, a final, profere a decisão final.

10. Finalmente, está superada a conceção segundo a qual a prova de ADN serve os interesses da investigação como nenhuma outra. Na verdade, a prova científica também é um auxiliar no que concerne ao afastamento de suspeitos no sentido de poder ser reveladora da sua não participação nos factos investigados, sobretudo na atividade voluntária de defesa ativa e constitutiva do arguido na declaração do direito do caso concreto. Os seus resultados tanto podem ser de inclusão, de exclusão, como de inconclusividade[[39]]

Recolhidos nos autos, como vestígios, na cena do crime, foram (i) um pedaço de charro, (ii) três pontas de cigarro, (iii) o invólucro de um maço de tabaco, (iv) um telemóvel, (v) a camisola com que foi tapada a boca da vítima, (vi) três pedaços de papel, (vii) um brinco, (viii) um porta-moedas, (ix) estupefaciente que se encontrava no interior do porta-moedas, (x) atacadores, (xi) zaragatoas retiradas do veículo automóvel onde foi encontrado o corpo da TT, uma do puxador exterior da porta do condutor, outra do puxador exterior da porta do passageiro, uma terceira do puxador exterior da porta traseira do lado do condutor e outra do puxador exterior da porta traseira do lado do passageiro, (xi) atacador que atava a vítima, (xii) fio áudio que atava a vítima, (xiii) cabelos que a vítima agarrava na sua mão direita, (xiv) cuecas da vítima.
Do decurso da autópsia resultaram duas zaragatoas vaginais da vítima e raspado subungueal das suas mãos – direita e esquerda.

E estas são as “amostras-problema”.

Foram recolhidas zaragatoa bucal do HC [com o consentimento expresso do mesmo, em 28 de agosto de 2018, após a sua inquirição como testemunha], amostra de sangue da vítima [no decurso da autópsia realizada em 30 de agosto de 2018] e zaragatoa bucal do Arguido [com consentimento expresso do mesmo, em 17 de setembro de 2018, após a sua inquirição como testemunha].

E estas são as “amostras-referência”.

Entre 4 de setembro de 2018 e 13 de novembro do mesmo ano decorreu no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária a pesquisa de vestígios biológicos, a análise de ADN e o estudo comparativo de parte das sobreditas amostras.

Esta pesquisa não recaiu sobre o invólucro do maço de tabaco, o telemóvel, o brinco, o porta-moedas e o estupefaciente que se encontrava no interior deste.

O telemóvel [supra referido em (iv)] e o produto estupefaciente [supra referido em (ix)] foram objeto de perícias específicas.

Os restantes vestígios referidos como não incluídos na pesquisa realizada pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária não foram, sequer, enviados a esta entidade.

Por razão que o processo não evidencia.

E a perícia ao maço de tabaco seria de particular interesse, considerando o local onde esse vestígio foi encontrado – no exterior do veículo automóvel onde a TT foi morta, ao pé do pedaço de charro e das três pontas de cigarro.

Concluiu o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária:
1. que se detetaram vestígios de sangue na camisola com que foi tapada a boca da vítima, nos pedaços de papel, no atacador que atava a vítima, nas cuecas da vítima, nas zaragatoas vaginais e em unhas de ambas as mãos da vítima.

2. que não é de excluir a presença de vestígios de sémen numa das zaragatoas vaginal.

3. na análise de ADN, para o conjunto de loci de STRs autossómicos estudados,

3.1. que no pedaço de charro, em duas pontas de cigarro, na camisola com que foi tapada a boca da vítima, nos papéis, na zaragatoa retiradas do puxador exterior da porta do condutor, na zaragatoa retirada do puxador exterior da porta traseira do lado do condutor, no atacador que atava a vítima, no fio de áudio que atava a vítima, nas cuecas da vítima, nas zaragatoas vaginais e nas unhas da mão esquerda da vítima se obteve um perfil único ou de maior contribuidor idêntico ao perfil do cadáver da TT,

3.2. que numa das zaragatoas vaginal se obteve um perfil de maior contribuídos idêntico ao perfil do Arguido,

3.3. que na camisola com que foi tapada a boca da vítima se obteve um perfil de maior contribuidor de indivíduo do sexo masculino, que não tem identidade com os perfis de HC e do Arguido.

3.4. que no fio de áudio que atava a vítima e nas unhas da mão direita desta se obteve um perfil de mistura de mais de um indivíduo, do qual não podem ser excluídos a TT e o Arguido.

3.5. nos restantes itens não se obtiveram resultados ou estes não foram concludentes, pelo que não é possível proceder a qualquer tipo de estudo comparativo.

Requereu o Arguido, após ter tido conhecimento do resultado desta perícia, se esclarecesse (i) qual a origem do material biológico encontrado numa das zaragatoas vaginais, no fio de áudio que atava as mãos da vítima e no raspado subungueal da mão direita da vítima, (ii) se os alelos encontrados são frequentes ou raros na população, (iii) qual a proporção do suposto contributo do Arguido nos perfis de mistura respetivo, 3 (iv) a comparação da qualidade quantidade dos perfis genéticos entre os vestígios encontrados numa das zaragatoas vaginais, no fio de áudio que atava as mãos da vítima e no raspado subungueal da mão direita da vítima.

Respondeu o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária pela forma expressa a fls. 855 e 856 dos autos.

E a requerimento do Arguido, foi, então, solicitada a realização de nova perícia aos vestígios biológicos recolhidos nos autos à Delegação do Sul do Serviço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.

Aceitou-se, admitindo, a recolha de nova “amostra referência” do Arguido, a realizar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., Serviço de Genética e Biologia Forense, Delegação do Sul.

É este o teor da decisão do Magistrado do Ministério Público, titular do processo de inquérito, datada de 26 de fevereiro de 2019 e que consta de fls. 889 dos autos.

Esta perícia, que decorreu entre 27 de fevereiro de 2019 e 19 de agosto do mesmo ano, avaliou os vestígios biológicos anteriormente estudados pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

Às “amostras-referência” foram acrescentadas duas zaragatoas bucais do Arguido, entretanto recolhidas pelos serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.

E conclui-se, tal como referiu o Tribunal de 1.ª Instância, na fundamentação da factualidade consideradas como assente, pela existência de ADN do Arguido

- na unha direita da TT (ADN apenas do arguido e da TT)
- na unha esquerda da TT (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido)
- em três beatas / pontas de cigarros encontrados junto ao Opel, no seu exterior (ADN do arguido e da TT em duas pontas, e apenas do arguido na terceira)
- no atacador usado para prender os pulsos da TT (ADN presente em dois locais; num deles, o ADN é do arguido, da TT e de outros, e o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido; em outro local, o ADN é apenas do arguido e da TT)
- no fio (cabo de áudio) também usado para prender os pulsos da TT (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido)
- num segundo atacador encontrado no interior da viatura (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido)
- em três pedaços de papel, encontrados igualmente no interior da viatura (ADN do arguido, da TT e de outros, e o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido num; ADN do cromossoma Y do arguido e de outros nos outros dois)
- nas cuecas da TT (ADN do arguido, da TT e de outros; o ADN do cromossoma Y é apenas do arguido), e
- na vagina da TT (ADN do cromossoma Y apenas do arguido; o exame do LPC também o confirma, referindo ainda um contribuinte menor não identificável porque muito incompleto, mas o exame do IML apenas encontra, quanto ao cromossoma Y, referência compatível com o arguido).
- na camisola usada [ADN da TT, do arguido e de outros; o ADN do cromossoma Y é do arguido e de outra pessoa – esta outra pessoa era MM (cujo ADN, por zaragatoa bucal foi, entretanto, recolhido no processo).

A perturbante não coincidência entre o resultado das perícias realizadas no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária e na Delegação do Sul do Serviço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. não foi objeto de qualquer esclarecimento, sequer no decurso da audiência de julgamento.

As peritas inquiridas no decurso do julgamento – CC, do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, e TR, da Delegação do Sul do Serviço de Genética e Biologia Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.- pronunciaram-se sobre os relatórios que constam 473 a 474 e 1357 a 1361, que subscreveram, não tendo sido questionadas sobre a discrepância dos resultados do seu trabalho.

No acórdão recorrido não encontramos qualquer referência ao resultado do exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, e assinalamos como particularmente equívoca, em sede de fundamentação factual, a referência aos esclarecimentos das peritas CC e TR, prestados em julgamento, quanto à existência de ADN do Arguido em todos os itens aí referidos.

Ao que acresce resultar do depoimento da Perita CC [a cuja audição procedemos, através do suporte informático onde se encontra registado] que em boa parte do material enviado para exame no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. não existia material genético capaz de proporcionar resultados - por ter sido todo usado na perícia realizada no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária. Referia-se a Senhora Perita às zaragatoas retiradas dos diversos puxadores exteriores do veículo automóvel onde foi encontrado o corpo da TT, aos atacadores, ao fio áudio, às zaragatoas vaginais e ao raspado subungueal.

A este aspeto não foi dada importância, não obstante o resultado da segunda perícia, que apenas assinalou inexistência da amostra nas zaragatoas retiradas dos diversos puxadores exteriores do veículo automóvel.

O embaraço que tudo isto nos causa parece apenas poder explicar-se por incompetência ou por contaminação de vestígios.

Resulta do acórdão recorrido a convicção de que o pedaço de charro e as pontas de cigarro existentes no exterior do veículo automóvel onde foi encontrado o cadáver da TT são contemporâneos da morte desta – ou seja, que foram consumidos e aí largados por essa ocasião.

O pedaço de charro, de acordo com a perícia realizada no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, apresentava ADN da TT. E de acordo com a perícia realizada pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., apresentava ADN da TT e do Arguido.

Não aderimos ao referido entendimento, face ao resultado do exame laboratorial de onde decorre que a TT não evidenciava canabinóides no sangue [fls. 967].

Pelo que não pode deixar de se configurar que tal pedaço de charro e outros vestígios recolhidos no exterior do veículo automóvel onde foi encontrado o cadáver da TT aí tenham sido largados em ocasião anterior à da morte desta.

Ainda no domínio dos vestígios recolhidos no local do crime, é com grande estranheza que constatamos que o Coletivo de Juízes da 1.ª Instância não atribuiu qualquer importância aos cabelos que a vítima agarrava com a mão direita.

Cabelos que não eram seus (da vítima), nem do Arguido (porque não compatíveis com a cabeleira de indivíduo de raça negra).

Cabelos que não foram analisados porque se encontravam sem raiz e porque o estudo do ADN mitocondrial – o único possível no caso – não individualizaria a pessoa a quem pertenciam, mas apenas a sua linhagem materna.

Todavia, a forma como esses cabelos se encontram em poder da vítima, evidenciada nas fotografias 48 a fls. 183 e 49 a fls. 184, sugerem fortemente que os arrancou a alguém imediatamente antes de morrer.

Uma palavra, ainda, do domínio dos vestígios recolhidos no local do crime e avaliados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.

Há, em alguns deles, ADN de outras pessoas para além do ADN do Arguido e da vítima.

Aspeto que também não mereceu qualquer atenção por parte do Coletivo de Juízes da 1.ª Instância, não obstante o processo evidenciar que a TT se relacionava sexualmente com outros indivíduos para além do HC, seu companheiro, e de não ter havido a preocupação de recolha material biológico deles para exame comparativo e identificação de ADN.

Neste contexto, o Arguido surge como o único contribuidor identificável de material genético.

E não deixa de causar sensação a circunstância de não ter sido encontrado ADN do HC, companheiro da vítima, em qualquer dos indícios recolhidos.

Um último aspeto deve, também, referir-se.
Procurando apurar a ocasião em que o Arguido manteve trato sexual com a TT, os Senhores Juízes da 1.ª Instância fixaram após a 01H15 do dia 28 de agosto de 2018 o momento da recolha do exsudado vaginal no cadáver desta.

Atentaram, para tanto, no depoimento da testemunha PS, Inspetor da Polícia Judiciária [que afirmou que a recolha do exsudado vaginal não foi feita no local do crime] e nos elementos constantes de fls. 5, 6 e 278 e 279.

E considerando que os vestígios de sémen permanecem na vagina da mulher mais de 72 (setenta e duas) horas após o contacto sexual - segundo os esclarecimentos da perita TR – concluíram que o trato sexual entre o Arguido e a TT terá ocorrido tendencialmente após a 01H00 do dia 25 de agosto.

O que se ajusta às declarações do Arguido. Declarações que não consideraram convincentes.

E acabaram por fixar o contacto sexual do Arguido com a TT na madrugada de 27 de agosto de 2018.

Este raciocínio padece de erro, face aos elementos que os autos fornecem.

Porque o exsudado vaginal em questão não foi recolhido do cadáver da TT aquando do seu depósito no Gabinete Médico Legal de Faro, mas na ocasião em que a autópsia foi realizada – pelas 14H30 do dia 30 de agosto de 2018.

É o que decorre do auto de diligência de fls. 237, conjugado com o relatório de autópsia médico-legal de fls. 964 a 966.

Assim, o mencionado período de 72 (setenta e duas) horas ter-se-á iniciado às 16H30 do dia 26 de agosto de 2018.

Todavia,
«A identificação do perfil genético do agressor em manchas de material biológico que lhe pertença pode ser efetuada meses ou anos após a ocorrência do crime, porque o material genético é resistente à degradação. Contudo, como foi referido, (…) a amostra que tem mais interesse é o sémen. Quando a colheita deste é efetuada nas cavidades vaginal, anal ou bucal da vítima, os resultados genéticos dependem em grande parte do tempo que medeia entre a prática do crime, o exame à vítima e a respetiva colheita. Estes condicionalismos também estão relacionados com agentes que existem nestas cavidades responsáveis pela degradação do DNA (Pinheiro, 2011). A presença de espermatozoides aparentemente intactos na cavidade vaginal associada a um intervalo pós-coital prolongado pode inviabilizar a identificação genética, por ter havido degradação do DNA. Esta degradação pode ser devida à exposição prolongada dos espermatozoides na vagina, que desencadeia a adesão de células femininas lisadas às suas cabeças, sendo que desta interação resulta a produção de nucleases e a consequente degradação do DNA (Elliott, 2003). Nesta perspetiva, evidenciam-se fatores potenciadores da degradação dos espermatozoides que atuam nas diferentes cavidades das quais são colhidas evidências. Assim, destaca-se o facto da cavidade vaginal ser quente, ácida e húmida. A boca e o ânus são também cavidades em que tem sido verificada a rápida destruição dos espermatozoides pela atuação, respetivamente, de enzimas salivares e de enzimas produzidas por bactérias (Sibille, 2002). Por várias razões as vítimas não mortais de agressões sexuais só são submetidas a exame médico, e à respetiva colheita de amostras biológicas, mais de 24-36 horas depois de ocorrido o evento, sendo que neste período ainda é possível identificar perfis de STRs autossómicos. Todavia, quando este intervalo excede as 48 horas aquela identificação não é, em geral, viável, embora esta inviabilidade não seja devida à ausência de células masculinas. Há estudos relacionados com a reprodução demonstrativos da presença de vários espermatozoides no cérvix humano 7 dias após o coito, o que é consistente com o conceito de que este local é o repositório de sémen antes de ocorrer a fertilização (Hall & Ballantyne, 2003). Esta verificação, ao contrário do que seria expectável, não invalida o facto de se constatar ausência de resultados referentes à identificação de células masculinas, apesar de serem usados métodos sensíveis na análise de DNA.
(…)
Tem havido, por parte da comunidade científica forense, um grande investimento no progresso técnico desta área, conforme se pode avaliar através da profusa bibliografia existente sobre vários aspetos relacionados com a identificação genética em amostras biológicas referentes a crimes sexuais. Contudo, as múltiplas variáveis e desafios que se podem colocar durante o estudo destas amostras têm redundado em resultados periciais que, por vezes, ficam aquém do esperado. A esta inabilidade para alcançar resultados laboratoriais conclusivos de perícias em que seria de esperar a identificação do perfil genético do agressor, acresce a impossibilidade de, num número relativamente elevado de casos, a investigação criminal não conseguir identificá-lo. Este impedimento deve-se à falta de informação proporcionada pela vítima acerca do perpetrador e à índole do próprio crime sexual, mormente relacionada com a ausência de testemunhas (Pinheiro, 2011). Não obstante poder haver outras provas materiais que não as genéticas que possam contribuir para a condenação de um suspeito, o valor probatório destas últimas é significativamente superior. Têm sido divulgados casos nos Estados Unidos relativamente aos quais foram cometidos erros judiciais graves, devido à ausência de provas de acusação seguras. O “Innocence Project” é uma organização dedicada à revisão de casos julgados e CAPÍTULO 2. Criminalística Biológica 63 a modificar o sistema de justiça criminal para prevenir futuras injustiças. Desde 1992 conseguiu que os tribunais reconhecessem a existência de erros judiciários, de tal modo que até finais de março de 2011 foi declarada a inocência de 267 condenados através de estudos de DNA (Pinheiro, 2011).»

Afigura-se-nos, pois, não obstante o respeito que temos pela experiência da Sr.ª Dr.ª TR e cujo depoimento ouvimos através do suporte informático que o contém – que indicou o lapso de 72 horas como situação verificada em caso que acompanhou profissionalmente e não como regra – não ser fiável o raciocínio feito pelo Tribunal recorrido.

Deixando de lado as exceções, parece ser boa regra que a colheita de amostras biológicas ocorra até 48 (quarenta e oito) horas após o evento – porque neste período ainda é possível identificar perfis de STRs autossómicos. Quando este intervalo excede as 48 horas aquela identificação não é, em geral, viável, embora esta inviabilidade não seja devida à ausência de células masculinas.

E na situação que nos ocupa, entre o evento [trato sexual entre o Arguido e a TT] e a recolha das zaragatoas vaginais no cadáver da TT decorreram mais de 88 (oitenta e oito) horas.

Isto posto, temos como seguro que ainda que se considere que existem os vestígios de ADN indicados na perícia realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., pode apenas afirmar-se o contacto de que resultou o vestígio, mas já não quando ocorreu o contacto ou as razões que o determinaram.

E porque assim é, não vislumbramos utilidade prática na realização de qualquer outra diligência probatória neste domínio.

O mesmo sucede com a possibilidade de pesquisa de ADN mitocondrial aos cabelos que a vítima agarrava com a sua mão direita. Que em nada contribuiria para afirmar ser o Arguido o autor dos factos que culminaram na morte da TT, uma vez que tais cabelos não são compatíveis com os existentes na cabeça de individuo de raça negra, que é a da Arguido.

Aqui chegados, importa recordar o que já se disse.

O ADN é apenas uma ferramenta. Dá informação, dependendo da natureza das amostras e do modo como a análise é feita.

Não é seguro que a coincidência técnica entre uma amostra problema e uma amostra referência dê como certo que o agente cuja identificação tenha sido obtida seja o autor do crime que se apura. Podem ser várias as circunstâncias e razões para o ADN de um indivíduo estar presente no local da prática do facto e isso não faz, nem pode fazer, dele culpado. Por isso, o perfil de ADN não pode ser mais do que uma ferramenta probatória ao serviço da investigação e da punição.

É prova complementar e que deve ser complementada.

Do que se deixa dito decorre – esperamos que com clareza –, a fragilidade da prova pericial existente nos presentes autos.

Acresce que a leitura que o Tribunal de 1.ª Instância fez das declarações prestadas pelo Arguido ao longo do processo parece esquecer as características do indivíduo que as produziu.

O Arguido é homem muito jovem e pouco diferenciado.
Revela patentes dificuldades em se exprimir.
Procurou, numa fase inicial do processo – aquando foi interrogado pelo Juiz de Instrução Criminal, após ser detido – esconder o relacionamento de cariz sexual que mantinha com a TT.
Não necessariamente por a ter matado, mas provavelmente ou eventualmente porque se havia encontrado e com ela mantido trato sexual em ocasião próxima àquela que foi a da sua morte, o que seria suspeito.
Não necessariamente por a ter matado, mas provavelmente ou eventualmente para que a sua companheira não tivesse conhecimento do seu relacionamento de cariz sexual com outra mulher.
Não necessariamente por a ter matado, mas provavelmente ou eventualmente para que o companheiro da TT não tivesse conhecimento do seu relacionamento de cariz sexual com outro homem.

Queremos, pois, deixar expresso que a interpretação das declarações que o Arguido prestou ao longo do processo [e a cuja audição procedemos, no suporte informático que as contém] – que não foram nunca confessórias da prática de qualquer crime – não bastam para lhe imputar a morte da TT.

Importa, agora, ter presente que verdade a que se chega no processo é uma verdade aproximativa ou probabilística, característica da verdade empírica, porque submetida a limitações inerentes ao conhecimento humano e adicionalmente condicionadas por limites temporais, legais e constitucionais, mas que traduz um grau tão acentuado de probabilidade que faz desaparecer toda a dúvida razoável e impõe uma convicção.

A dúvida razoável é a dúvida compreensível para uma pessoa racional e sensata, e não absurda, nem apenas meramente concebível ou conjetural.

O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido – constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2 –, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.

Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

A dúvida que justifica a decisão pro reo «pode definir-se como um “(…) estado psicológico de incerteza dependente do inexato conhecimento da realidade objetiva ou subjetiva.”»[[40]]

E essa dúvida tem que ser insanável – no sentido de inultrapassável –, razoável – no sentido de ser dúvida que impede a convicção do Tribunal porque existe outra ou outras possibilidades alternativas com a prova produzida; porque é conciliável com a verdade contrária – e objetivável – ou motivável, no sentido de que não é uma mera intuição ou puro pressentimento ou palpite, mas, pelo contrário, uma dúvida argumentada, que se justifica objetivamente.

Da conjugação dos elementos probatórios coligidos nos autos e neles avaliados não conseguimos atingir a certeza considerada indispensável a dar como provado que o Arguido foi o autor da morte da TT.

E não conseguimos ultrapassar um estado de dúvida que convoca a aplicação do princípio in dubio pro reo.

Resta expurgar dos factos que constam dos pontos 1, 2, 3 e 5 como provados no acórdão recorrido qualquer menção ao Arguido e absolvê-lo da prática dos crimes por que foi condenado.

Procedendo o recurso, neste segmento.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se, concedendo provimento ao recurso,

(i) Eliminar os pontos 4) e 6) dos factos considerados como provados;

(ii) Alterar a factualidade considerada como provada, por forma a que dela passe a constar:

«1) A hora não apurada da madrugada do dia 27 de Agosto de 2018, alguém cuja identidade não foi possível apurar encontrava-se com TT no interior do veículo automóvel de matrícula --RP numa zona de mato no Sítio da Arrochela, em Quarteira.

2) Nessa ocasião, a TT foi amarrada com as mãos atrás das costas, para o que foi utilizado um cabo de áudio e cordões de sapatilhas (um dos atacadores), envolveram-lhe a zona da face e do pescoço com uma camisola, e foi exercida pressão sobre o seu nariz e a boca, confinando-os e fechando assim as vias respiratórias superiores, impedindo-a de respirar.

3) Como consequência dessa ação, a TT morreu por asfixia mecânica resultante de oclusão das vias respiratórias superiores.

5) De seguida, e por forma não apurada, foi ateado fogo ao banco traseiro do referido automóvel, provocando chamas que queimaram parcialmente o referido banco e que causaram queimaduras de primeiro e segundo grau nos membros inferiores e no membro superior direito, e queimaduras de terceiro grau na zona da coxa direita do cadáver da TT.»

(iii) Absolver o Arguido JJ da prática dos crimes por que foi condenado nos presentes autos - de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131.º do Código Penal, e de profanação de cadáver, previsto e punível pelo artigo 254.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.

Sem tributação.

Restitua-se o Arguido, de imediato, à liberdade.

û
Évora, 2020 abril 14

(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários e deixando consignado não ter havido conferência presencial, mas sim por meio informático)

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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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(Renato Amorim Damas Barroso)
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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] Mesmo abstraindo da questão do aproveitamento probatório extraprocessual das declarações

[4] Não se trata de uma certeza mas de uma possibilidade com uma elevadíssima probabilidade (compatibilidade); mas esta, por ser tão elevada (como cabalmente revelado nos esclarecimentos de fls. 848/855 e explicitado em audiência pela perita CC) e na falta de um irmão gémeo homozigótico do arguido, corresponde a uma identificação segura, praticamente certa

[5] Como é sabido, as pessoas do sexo feminino têm tipicamente dois cromossomas X e as pessoas do sexo masculino um cromossoma X e um cromossoma Y; este cromossoma Y é passado pelo espermatozóide que o contém e tem origem e natureza masculina

[6] Não está em causa a intervenção de um outro familiar, na linha paterna, do arguido, nem este alguma vez o sugeriu

[7] Os exames não revelam com certeza a presença de sémen mas pelo menos líquido seminal existe; a explicação da perita CC permite afirmar que deveria existir sémen

[8] A hipótese de contaminação não tem suporte em dados probatórios colhidos; a pluralidade de objetos com vestígios de ADN, no mesmo local, torna essa contaminação evanescente; e as declarações do arguido, admitindo o contacto com a generalidade dos objetos em causa como referido infra (embora em contexto controvertido, como se refere a seguir), acabam por retirar qualquer valor operatório a tal contaminação

[9] Como confirmado pelo assistente HC

[10] Momento em que o cadáver é entregue no gabinete médico-legal

[11] Sendo claro que não estava a afirmar que foi na passagem de 25 para 26, ou na noite que liga os dois dias

[12] O arguido tinha uma namorada com quem vivia à data, segundo disse

[13] Não se trata de recordar o que comeu ao jantar na véspera mas de recordar um contacto sexual relativamente escasso (ocorria 3 ou 4 vezes por mês, disse) e excecional (fora do quadro da relação que mantinha com outra pessoa)

[14] Não porque se valore o que eventualmente tenha dito na sua inquirição nesta data (que se ignora) mas porque ainda não o recordava no primeiro interrogatório e porque em julgamento afirmou que apenas se lembrou disso depois de preso

[15] E esta essencialidade da afirmação também concorre para tornar, no contexto descrito, incompreensível a atuação declaratória do arguido

[16] Não se estão a valorar declarações prestadas na instrução (e cujo teor se ignora) mas apenas a constatar lapsos temporais: a informação não consta dos relatórios periciais, mas já vem invocada na decisão instrutória

[17] O cigarro estava todo fumado

[18] A possibilidade ganha consistência por existir haxixe na viatura, mas não está diretamente comprovada

[19] Os sapatos (com saltos) estavam junto ao banco do passageiro da frente; as sapatilhas encontravam-se junto à TT, nas traseiras (fls. 109/177 – existe lapso na numeração na passagem de fls. 116/177)

[20] A referência a meios autónomos de prova necessitaria de especificação contextualizadora, não constituindo, em termos puros, uma exigência nem lógica nem legal precisa; significa apenas que se torna necessário um quadro de referência (a demonstrar) para se atribuir um sentido probatório unidirecional ao ADN encontrado

[21] Alexandra Rosa Carvalho Costa, in “A Prova por Meio de ADN – procedimentos de recolha de material biológico em cenário de crime: da validade e obtenção da prova e sua valoração, página 113.

[22] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.

[23] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.

[24] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.

[25] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.

[26] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.

[27] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.

[28] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.

Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

[29] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos – acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.

[30] F. Gomez de Liaño,“La Prueba en el Proceso Penal”, página 184, citado por Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Volume II, página 112.

[31] Juiz Conselheiro José António Henriques dos Santos Cabral, in “Prova indiciária e as novas formas de criminalidade” – Intervenção no Centro de Formação Jurídica e Judiciária de Macau em 30 de Novembro de 2011 – acessível em www.stj.pt/documentacao/estudos/penal

[32] Patrícia Silva Pereira, in “Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal”, Almedina, 2016, página 44.

[33] in “Curso de Processo Penal II”, Reimpressão da Universidade Católica, 1981, página 289.

[34] Juiz Conselheiro José António Henriques dos Santos Cabral, obra citada.

[35] Alexandra Rosa Carvalho Costa, in “A Prova por Maio de ADN – procedimentos de recolha de material biológico em cenário de crime: da validade da obtenção da prova e sua valoração”, página 22

[36] Fernando Viana da Cruz Cardoso Colaço, in “O ADN e a sua relevância na investigação criminal”, páginas 9 e 10.

[37] Alexandra Rosa Carvalho Costa, obra citada, páginas 23 e 24.

[38] Em Portugal, a Portaria n.º 279/2009, de 17 de março fixa, nos termos do artigo 12.º da Lei n.º 5/2008, os marcadores de ADN a integrar nos ficheiros da base de dados. Esta Portaria apenas abrange seis – vWA, D21S11, FGA, D8S1179, D3S1358 E D18S51 – dos doze marcadores indicados na Resolução do Conselho 2009/C296/01, de 30 de novembro de 2009, sendo de inserção obrigatória oito desses marcadores – os já referidos e, ainda, THO1 e Amelogenina.

São de inserção complementar dezasseis marcadores – TPOX, CFS1PO, D13S317, D7S820, D5S818, D16S539, D2S1338, D19S433, Penta D, Penta E, FES, F13A1, F13B, SE33, CD4 e GABA.

A Portaria n.º 161/18, de 6 de junho, fixou como marcadores de ADN, (i) de inserção obrigatória, vWA, THO1, D21S11, FGA, D8S1179, D3S1358, D18S51, Amelogenina e de (ii) inserção complementar, TPOX, CSF1P0, D13S317, D7S820, D5S818, D16S539, D2S1338, D19S433, Penta D, Penta E, FES, F13A1, F13B, SE33, CD4, GABA, D1S1656, D2S441, D10S1248, D12S391 e D22S1045.

Continua por fixar no ordenamento jurídico nacional o marcador HUMTH01.

[39] Ana Paula Guimarães, in “A base de dados de perfis de ADN na investigação criminal – Uma inevitabilidade da sociedade contemporânea ?” – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade.

[40] Cruz Bucho, in “Notas Sobre o Princípio In Dubio Pro Reo” – Comunicação apresentada em 6 de maio de 1998, numa sessão de direito judiciário subordinada ao tema “A produção e valoração de prova”, editada pelo Centro de Estudos Judiciários.