Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDO RIBEIRO CARDOSO | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PROCESSO URGENTE | ||
Data do Acordão: | 08/24/2017 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
Decisão: | INDEFERIDA | ||
Sumário: | I - A natureza urgente do processo por crime de violência doméstica só cessa com o trânsito em julgado da respectiva sentença, pelo que o prazo para interposição de recurso da sentença condenatória não se suspende no período de férias. | ||
Decisão Texto Integral: | Reclamação – Art.º 405 do CPP. Reclamante: PC PC, arguido nos autos acima indicados, nos termos do disposto no artigo 405.° n.º 1 do Código de Processo Penal, vem reclamar do despacho da Exma. Juíza do Juízo de Competência Genérica de Grândola, da Comarca de Setúbal, de 24/05/2017, proferido no processo acima indicado, que não admitiu o recurso que interpôs, em 26/04/2017, nos termos e com os fundamentos seguintes: “No dia 25/05/2017 foi proferido o despacho com a ref.ª 83978091, nos termos do qual a Meritíssima Juíza rejeita o recurso interposto, fundamentando tal rejeição na sua manifesta extemporaneidade, porquanto “os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime do n.º2 do art.º 103º do CPP.” Reconhece e aceita o ora Reclamante que ao processo em causa foi atribuída natureza urgente. Todavia, entende igualmente que tal natureza só ocorre até à aplicação de quaisquer eventuais medidas de coação, ou até ser proferida sentença no processo, não se justificando, após tais momentos processuais, a manutenção do carácter de urgência. Com efeito, reconhecendo-se que há quem defenda que o “encurtamento” do prazo não põe em risco as garantias de defesa (artigo 32.º, nº1 do Constituição), porquanto o prazo não sofre directamente um encurtamento relativamente ao prazo normal, certo é que mesmo os que defendem tal posição reconhecem que “o facto de a contagem do prazo de recurso não se suspender no período de férias judiciais tem um efeito prático ou indirecto de encurtamento do tempo disponível para o exercício do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior aquele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da suspensão em férias judiciais”. Reconhecendo, ainda, que o carácter de urgência “poderá ter reflexos negativos na organização do trabalho do advogado ou defensor do arguido, mas não atinge e muito menos restringe, o direito ao recurso, cujos pressupostos, âmbito, formalidades e prazo para o exercício dos poderes processuais competentes se mantem”. Ora ainda que se aceitasse que este efeito não é violador das garantias da defesa, porquanto o interessado continua a dispor do período de tempo em geral considerado adequado para optar esclarecidamente por acatar ou impugnar a sentença e interpor e motivar, certo é que o mesmo é violador do direito às férias que o Mandatário ou Defensor Oficioso tem direito. Com efeito, as férias judiciais não têm como finalidade permitir o merecido descanso a este ou aquele operador judiciário, mas sim a todos os operadores judiciários. E se é certo que quer quanto aos funcionários judiciais, quer quanto aos Magistrados Judiciais ou do Ministério Público estes têm a possibilidade – aliás correcta e justa – de assegurar o funcionamento dos Tribunais em regime de turno, aos Advogados em prática isolada tal não lhe é possível. Ou seja, correndo um determinado processo em férias, o advogado em prática isolada ou deixa de gozar as suas – também elas – merecidas férias, ou tem que substabelecer num outro Colega os poderes forenses que por procuração ou por nomeação lhe foram conferidos. O que não se apresenta nem fácil nem correto num período de férias, e muito menos quando não decorre para nenhum sujeito processual qualquer prejuízo pela “paralisação” do processo no período de férias. Nestes termos e nos mais de direito aplicável, e sempre com o mui douto cumprimento de V. Excelência, Venerando Juiz Desembargador e Presidente desse mesmo tribunal, entende o reclamante que deve ser revogado o douto despacho sob reclamação, e substituído por outro que admita a interposição do recurso, por não ser atribuível o carater de urgência ao processo de violência doméstica após ter sido proferida sentença. O Ministério Público, na 1.ª instância pronunciou-se sobre o mérito da reclamação, aduzindo, entre o mais, o seguinte: “A natureza urgente resulta ope legis, atento o previsto no artigo 28.º da lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, ao prever: “1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos. 2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.” Dito isto, o facto de não existirem medidas de coacção em vigor não tem efeitos para contagem de prazos para prática de actos processuais. O Acórdão n.º 158/2012, do Tribunal Constitucional, in D.R. n.º 92, Série II de 2012-05-11, não julgou “inconstitucionais as normas do artigo 28.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas), interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.” No seguimento da jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-09-2014, processo n.º 627/09.5PBCTB.C1, relator Desembargador Fernando Chaves, “A Lei n.º 112/2009, de 16/9, ao consagrar no artigo 28.º, a natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica e a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal, quis que os prazos de atos processuais, nomeadamente a interposição de recurso, corressem em férias, como estipula o artigo 104.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.” Dito isto, no caso em apreço o prazo de interposição de recurso corria em férias, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, do CPP, que estabelece que “correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.”, pelo que o Douto Despacho reclamado não merece censura. Por último, referir que os argumentos aduzidos e relacionados com as férias de Ilustre Defensor não são susceptíveis de revestir justo impedimento ou qualquer outra causa que admita a prática de acto fora do prazo legal. Embora o merecimento de férias não mereça discussão, a verdade é que o próprio recorrente adiantou a forma de ultrapassar a dificuldade, nomeadamente o uso de substabelecimento.» O despacho reclamado é do seguinte teor: «Como resulta do disposto no artigo 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do CPP. A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não haja arguidos presos. O prazo de interposição do recurso conta-se a partir do depósito da sentença na secretaria como resulta expressamente do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, bem como do preceituado no artigo 372.º, n.º 4 do mesmo diploma legal. O depósito da sentença proferida nos presentes autos ocorreu em 17-03-2017. O prazo para interposição de recurso é de 30 dias, contados ininterruptamente, durante fins-de-semana, feriados e férias judiciais. Tal prazo terminou no dia 17 de Abril de 2017, sem a contagem da possibilidade de o recurso ser interposto até ao 3º dia posterior ao términus do prazo acrescido de multa. O presente recurso do arguido foi apresentado em 27 de Abril de 2017, manifestamente fora de prazo. Face ao exposto, por manifestamente extemporâneo, rejeito o recurso ora apresentado.» * |